Estudo sobre a reforma da previdência – EC Nº 41/2003

Sumário: 1 – Estrutura da emenda constitucional nº 41/2003. 2 – teto remuneratório. 3 – subteto remuneratório. 4 – limitação dos proventos de aposentadoria. 5 – limitação da pensão por morte. 6 – atuais pensionistas. 7 – quebra da paridade entre vencimentos e proventos de aposentadoria. 8 – previdência complementar pública. 9 – contribuição dos inativos. 10 – abono de permanência. 11 – integralidade e paridade. 12 – servidores inativos ou que implementaram os requisitos para a aposentadoria até a data da promulgação da emenda. 13 – servidores que ingressaram no serviço público antes da promulgação da ec nº 20/98 e não  implementaram os requisitos para a aposentação até a data da promulgação da emenda constitucional nº 41/03. 14 – servidores que ingressaram no serviço público depois da promulgação da ec nº 20/98 e até a data da promulgação da emenda constitucional nº 41/03. 15 – servidores que venham a ingressar no serviço público depois de promulgada a emenda constitucional nº 41/03. 16 – situação dos militares. 17 – direito adquirido. 18 – inconstitucionalidades. 18.1) regra de transição. 18.2) taxação dos inativos. 18.2.1) imposto sem causa. 18.2.2) direito adquirido. 18.2.3) ato jurídico perfeito. 18.2.4) irredutibilidade de vencimentos. 18.3 – do abate-teto. 19 – observações finais.

1 – Estrutura da emenda constitucional Nº 41/2003

A Emenda Constitucional nº 41/2003 é composta de 11 artigos assim distribuídos:

Art. 1º – altera os arts. 37, XI, 40 caput e §§ 1º, 3º, 7º, 8º, 15, acrescenta os §§ 17, 18, 19 e 20 ao art. 40; altera os arts. 42, 48, XV, 96, II, b, 149, § 1º e  acrescenta o § 12 ao art. 201 da CF.

Art. 2º – repete o art. 8º da Emenda Constitucional nº 20/98, com algumas, porém significativas alterações (regra de transição).

Art. 3º – assegura o direito adquirido e prevê o abono de permanência.

Art. 4º – institui a contribuição dos inativos e pensionistas.

Art. 5º – limita o valor dos proventos de aposentadoria ao máximo pago pelo regime geral do INSS.

Art. 6º – garante a integralidade e paridade dos proventos de aposentadoria para os servidores que ingressaram no serviço púbico até a promulgação da EC.

Art. 7º – assegura o direito adquirido dos aposentados e pensionistas à integralidade e paridade.

Art. 8º – veicula norma de transição acerca do teto e subteto.

Art. 9º – proíbe a invocação de direito adquirido em relação a qualquer espécie remuneratória percebida na data da promulgação da Emenda, que exceda o teto ou subteto.

Art. 10 – revoga o inciso IX do § 3º do art. 142,  bem como os ats. 8º e 10 da EC nº 20/98

Art. 11 – prevê a entrada em vigor das disposições na data da promulgação da Emenda.

2 – Teto remuneratório

O inciso XI do art. 37 da CF (alterado pela EC nº 41/03), fixa o teto remuneratório do serviço público, tendo como limite o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Este inciso estabelece a competência do Congresso Nacional para fixar os subsídios da Magistratura federal, através de lei de iniciativa do STF, por força do disposto no art. 96, II, b, da Constituição da República (também com nova redação dada pela EC). Antes da EC nº 41/03, a fixação do teto dependia de ato conjunto dos chefes do Executivo, Judiciário e presidentes da Câmara dos Deputados e Senado (art. 48, XV, com redação dada pela EC nº 19/98, art. 7º).

Enquanto não for fixado o subsídio a que alude o inciso XI do art. 37, será considerado, para fins de teto, o valor da maior remuneração atribuída por lei a Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluindo vencimento, representação mensal e parcela recebida em razão de tempo de serviço, consoante art. 8º da EC. O Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa ocorrida aos 5.2.2004 fixou esse valor em R$ 19.115,19, correspondente ao que recebe o presidente da Corte. De conseqüência, o subteto para os Estados e Distrito Federal restou limitado a R$ 17.251,45, no âmbito do Judiciário.

Para os Estados, o limite é o subsídio mensal do Desembargador, limitado a 90,25% da remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme explicitado no tópico abaixo.

3 – Subteto remuneratório

Além de eliminar a necessidade de lei de iniciativa dos quatro presidentes de Poderes (Judiciário, Executivo, Senado e Câmara dos Deputados) para fixar o teto remuneratório, como previsto na EC nº 19/98, a EC nº 41/2003 cria o chamado subteto para Estados, Distrito Federal e Municípios.

Efetivamente, o inciso XI do art. 37 da CF (redação dada pela EC nº 41/03), institui teto remuneratório diferenciado para o serviço público dos Estados, Distrito Federal e Municípios. O legislador-reformador optou por fixar um subteto para cada Poder, sendo o do Executivo, o subsídio mensal do Governador, do Legislativo, o subsídio mensal do Deputado Estadual ou Distrital e no Judiciário, o subsídio mensal dos Desembargadores, limitados, entretanto, a 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos municípios, o limite é o subsídio do Prefeito, seja o servidor do Executivo ou Legislativo.

A proposta adota parcialmente o regime de fixação de subtetos em cada âmbito dos Poderes do Estado, modelo preferido pelo constituinte originário de 1988. No caso do Poder Judiciário, a relação entre o maior subsídio pago pela União e o maior pago pelo Estado é fixada em 90,25%.

Trata-se, realmente, de subteto porque o limite de remuneração do serviço público dos Estados, Distrito Federal e Municípios deve ficar aquém do teto federal, tanto que no Judiciário, o patamar máximo é de 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Igual sorte segue os demais Poderes, pois os subsídios dos Deputados, Prefeitos e Governadores também encontram limites inferiores aos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, jamais os servidores dos Estados, Distrito Federal ou Municípios terão seus vencimentos equiparados ao limite federal.

À semelhança do teto federal, enquanto não for fixado o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplica-se o limite de 90,25% (há interpretação que esse percentual deve incidir sobre somatória de vencimento, representação e adicional por tempo de serviço dos Ministros da Corte Suprema, vigente à época da promulgação da emenda constitucional, art. 8º da EC). Assim, nos termos do art. 8º, 9º e 11 da EC nº 41/03, combinados, na data da promulgação da Emenda Constitucional, nenhum subsídio, remuneração, proventos de aposentadoria ou pensão, cumulados ou não, poderá exceder a 90,25% da maior remuneração atribuída por lei a Ministro do Supremo Tribunal Federal, qualquer que for a espécie remuneratória. Se a maior haverá redução imediata (art. 9º da EC).

Como ventilado alhures, não há consenso em relação a qual valor representaria a maior remuneração atribuída por lei a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço. Há interpretações diversas, desde R$ 17.172,00 a R$ 23.000,00. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, atendendo ao comando constitucional, em sessão administrativa, fixou esse quantum em R$ 19.115,19.

O inciso XI do art. 37 da Constituição (com redação dada pela PEC) é peremptório em abranger qualquer espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza. Aliás, as expressões grifadas foram objeto de DVS (destaque de votação em separado), não tendo havido qualquer modificação. A maioria dos deputados entendeu que a supressão dessas expressões acabaria por derrubar a própria idéia de subteto.

Assim posto e tendo em vista o estatuído nos arts. 9º e 10 da EC, qualquer servidor dos Estados e Distrito Federal, seja ativo ou aposentado, que perceber valor superior ao subteto, terá redução imediata. Mesmo que o excesso se dê em decorrência de vantagens pessoais ou adicionais por tempo de serviço, não poderá ultrapassar o subteto.

Situação grave é a de servidores aposentados que exercem outro cargo público, geralmente comissionado. Na data da promulgação da emenda, se a somatória da aposentadoria e vencimento superar o teto ou subteto, conforme se trate de agente público federal ou estadual, haverá limitação imediata.

Nos Estados e Distrito Federal, a competência para a fixação dos subsídios será das Assembléias Legislativas.

Quanto à remuneração dos membros do Poder Judiciário, a iniciativa de lei será do Tribunal de Justiça, sempre respeitado o limite do subteto (arts. 96, II, b, e 37, XI da CF, com nova redação dada pela EC nº 41/03).

4 – Limitação dos proventos de aposentadoria

O § 14 do art. 40, desde a EC nº 20/98, limita o valor da aposentadoria ao máximo estabelecido para o regime geral da Previdência Social. A EC nº 41, no art. 5º, fixa esse valor em R$ 2.400,00, devendo ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, o seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

Até o montante de R$ 2.400,00 o servidor receberá sua aposentadoria, levando-se em conta as remunerações que serviram de base para o cálculo das contribuições (art. 40, § 3º, com redação dada pela EC). Acima desse patamar, somente se contribuir para fundo de previdência complementar.

Importante salientar, essa regra apenas valerá para aqueles que ingressarem no serviço público após a promulgação da Emenda Constitucional. Quanto aos atuais, fica assegurada a integralidade da aposentadoria, nos termos das condições estabelecidas no art. 7º da EC, o que será analisado no item 11.

5 – Limitação da pensão por morte

O § 7º do art. 40 (redação dada pela EC) limita a pensão por morte ao valor dos proventos do servidor falecido, até o máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, tudo nos termos da lei.

Veja o exemplo: Vencimento = R$ 10.000,00. Parcela excedente a R$ 2.400,00 = R$ 7.600,00. 70% da parcela excedente = R$ 5.320,00. R$ 2.400,00 + R$ 5.320,00 = R$ 7.720,00, que é o total da pensão.

Interpretando o § 7º, do art. 40 na sistemática da EC 41, chega-se à conclusão de que referida lei regulamentadora deverá ser editada por cada ente federado. Portanto, não haverá lei complementar federal, mas sim lei ordinária em cada unidade da Federação, inclusive nos Municípios.

Insta salientar, que o § 7º do art. 40 da Constituição Federal, com redação dada pela EC, tem aplicação, inclusive, aos dependentes dos servidores que vierem a ingressar no serviço público depois de promulgada a Emenda Constitucional. Haverá uma situação curiosa: os proventos de aposentaria estarão limitados inexoravelmente a R$ 2.400,00, enquanto as pensões terão um acréscimo de 70% da parcela excedente a este limite. Ressalvando melhor estudo do dispositivo sob enfoque, as pensões não estarão limitadas ao teto do RGPS, mesmo que o servidor falecido tenha entrado no serviço público após a promulgação da Emenda.

Curiosamente, em que pese a clareza da redação do § 7º do art. 40, parece haver conflito com § 14 do mesmo art. 40 da Constituição da República. Este manda limitar a pensão dos futuros pensionistas (que ingressaram no serviço público depois da EC nº 20/98), ao máximo pago pelo Regime Geral de Previdência Social. Dever-se-á utilizar as técnicas de hermenêutica para superar essa aparente antinomia.

6 – Atuais pensionistas

Os atuais pensionistas, ou aqueles que obtenham o benefício em decorrência da morte do servidor até a data da promulgação da EC, têm seus direitos assegurados nos termos da legislação vigente (art. 7º da EC).

Não sofrem nenhum prejuízo, exceto: a) contribuição prevista no art. 4º da EC, que é de 11% sobre a parcela da pensão que superar cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, isto é, sobre o que exceder R$ 1.200,00; b) redução para o subteto, se a maior, o que ocorrerá imediatamente (art. 9º da EC).

7 – Quebra da paridade entre vencimentos e proventos de aposentadoria

O § 8º do art. 40 (com redação dada pela EC), quebra a paridade entre vencimentos e proventos de aposentadoria. A partir da promulgação da Emenda poderá haver reajustes diferenciados para vencimentos e aposentadorias, o que certamente ocorrerá em relação aos servidores que vierem a ingressar no serviço público após a promulgação da Emenda Constitucional. Alterou-se completamente o então § 8º do art. 40 da Constituição, que previa a paridade.

Mantém-se o direito adquirido à paridade em relação aos servidores aposentados e pensionistas, ou que implementaram os requisitos necessários até a data da promulgação da EC (art. 7º). A questão da integralidade e paridade para os atuais servidores será analisada no item 11.

8 – Previdência complementar pública

Na Comissão Especial da Câmara, foi suprimido § 14 do art. 40, de forma a permanecer a redação do atual § 14 da Constituição. Esse dispositivo estabelece que, sendo criado regime de previdência complementar, a União, os Estados e os Municípios poderão limitar os proventos de aposentadoria e as pensões ao máximo pago pelo regime geral de que trata o art. 201.

A instituição desse modelo de previdência depende exclusivamente do Poder Executivo de cada ente federado, que não estará obrigado a fazê-lo, conforme se infere do art. 40, § 14 da Constituição Federal.

Como o art. 10 da EC nº 20/98 é revogado pelo art. 10 da EC nº 41 e, ainda, considerando a modificação do § 15 do art. 40, a instituição e regulamentação da previdência complementar pública será através de simples lei ordinária de cada ente político. Antes, a Constituição exigia lei complementar federal. Com a Emenda Constitucional, União, Estados, Municípios e Distrito Federal editarão leis ordinárias independentes, que tratarão da previdência complementar de seus respectivos servidores.

O § 15 do art. 40 (com redação dada pela EC) impõe à previdência complementar pública o oferecimento aos participantes somente dos planos de benefício na modalidade de contribuição definida e não benefício definido. Significa que o servidor efetua uma contribuição definida, mas não tem garantia do valor a ser pago. Dependerá da gestão e dos rendimentos do fundo. Trata-se, evidentemente, de péssima opção para o servidor.

A Constituição da República, inclusive com as modificações introduzidas pela EC, não traça regras claras e suficientes sobre a previdência complementar pública, limitando-se a fazer remissão ao art. 202, que cuida da previdência complementar privada. Portanto, a depender de lei específica de cada ente federado, pode-se prever substancial diferença de tratamento conforme as forças políticas de cada unidade federada.  

Uma das poucas normas do art. 202 da Constituição Federal realmente aplicável à previdência complementar pública referida na EC nº 41/03, é a proibição de aporte de recursos da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Por esse dispositivo, toda contribuição à previdência complementar pública virá do servidor, sendo vedado ao poder público qualquer interferência nesse sentido.

A redação original da PEC revogava o § 16 do art. 40, restando afastada a necessidade de prévia e expressa concordância do servidor, conquanto o caráter facultativo que se lhe empresta o artigo 202. Na atual redação, mantém-se em vigor o § 16, de forma que a aplicação dos §§ 14 e 15 (participação em plano de previdência pública complementar), depende de prévia e expressa opção do servidor.

Nem poderia ser diferente, pois a revogar o § 16 do art. 40 da Constituição Federal, o servidor seria compelido a contribuir para fundo de previdência complementar pública. Corrigiu-se uma distorção legislativa.

9 – Contribuição dos inativos

A partir da entrada em vigência da Emenda Constitucional da Reforma da Previdência (EC nº 41/03), todos os inativos, aposentados ou pensionistas, bem como aqueles que ingressaram na inatividade, deverão contribuir para a previdência social. O tema é tratado no § 18 do art 40 (redação dada pela EC) e art. 4º da EC, sendo que o § 18 diz respeito aos servidores que vierem a se aposentar ou implementar os requisitos para tal após a promulgação da EC, e o art 4º, aos atuais inativos ou que implementaram os requisitos para a inatividade até a publicação da Emenda.

Nos termos do art. 4º da EC, os inativos e pensionistas contribuirão para o custeio do regime próprio de previdência em percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos: 11%. Aos servidores da União, a incidência da contribuição dar-se-á sobre a parcela dos proventos que exceder 60% do limite máximo pago pelo regime geral de previdência, ou seja, acima de R$ 1.440,00. Com relação aos servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios, incidirá sobre a parcela dos proventos excedentes a 50% do limite máximo pago pelo regime geral de previdência, isto é, sobre o que superar R$ 1.200,00.

Vê-se que os servidores dos Estados serão prejudicados em relação aos da União, pois a base de cálculo para a referida contribuição será maior. Até o trâmite da PEC na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a base de cálculo para servidores da União, Estados, Distrito Federal e Municípios era única. Posteriormente, houve essa alteração.

Para os servidores que não estão na inatividade e nem implementaram os requisitos até a promulgação da Emenda, aplica-se o art. 40, § 18 (redação dada pela EC) da Constituição Federal. Haverá, também, taxação de 11% sobre os proventos de aposentadoria, porém sobre o valor que ultrapassar o limite máximo do regime geral e não apenas 50% ou 60% desse teto. A contribuição só ocorrerá, portanto, a valor superior a R$ 2.400,00, resultado de interpretação conjugada dos arts. 40, § 18 (nova redação) da Constituição da República e 5º da EC.

Parece haver contradição entre o § 18 do art. 40 (redação dada pela EC) e art. 4º da EC. No entanto, é a leitura que se faz da Emenda Constitucional nº 41/03. Os atuais inativos e pensionistas serão, nesse aspecto, mais penalizados.

Além de previsão expressa no § 18 do art 40 (redação dada pela EC) e art. 5º da EC, quando da votação da aludida Proposta de Emenda Constitucional na Comissão Especial da Câmara, foi aprovada emenda que alterou o caput do art. 40 da Constituição, inserindo a expressão …dos servidores ativos e inativos…, reforçando a idéia de contribuição dos servidores inativos e pensionistas. A fim de evitar qualquer dúvida acerca dos dispositivos, o Relator, na Câmara, fez aprovar essa emenda, de molde a constar, também no caput do art. 40, a contribuição dos inativos e pensionistas. Assim, são três os dispositivos constitucionais que prevêem a contribuição dos servidores inativos e pensionistas: § 18 do art 40; caput do art. 40 e; art. 5º da EC.    

10 – Abono de permanência

O servidor que, podendo aposentar-se, resolva permanecer trabalhando, receberá abono eqüivalente ao valor da contribuição previdenciária (11%). Em verdade, os entes políticos deixam de cobrar a contribuição previdenciária nesse período. A esse respeito, tratam os arts. 40, § 19 da Constituição Federal (com redação dada pela EC); arts. 2º, § 5º e 3º, § 1º da EC.  Esse “abono” perdurará até a aposentadoria compulsória, aos 70 anos.

Cuida-se de incentivo para que o servidor continue trabalhando, se possível, até a idade da aposentadoria compulsória. Mas essa mesma vantagem, não lhe é oferecida depois, já que ao se aposentar, passará a contribuir com 11% na forma explicitada no item 9.

Consoante se verifica dos vários artigos que tratam da matéria, tanto os servidores que se encontram na ativa atualmente, como aqueles que vierem a ingressar no serviço público após a publicação da Emenda Constitucional, ao preencherem os requisitos para a aposentadoria, terão direito ao abono-permanência, caso continuem trabalhando.

Os servidores que cumpriram todos os requisitos para a obtenção da aposentadoria até a data da entrada em vigor da Emenda, farão jus ao abono-permanência com 25 anos de contribuição, se mulher, e 30, se homem. Com relação aos demais (aos que não implementaram os requisitos até a data da promulgação da Emenda), o tempo mínimo será de 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente.   Nesse passo, o art.3º, § 1º da EC favoreceu os que cumpriram os requisitos antes da promulgação desta Emenda Constitucional.

11 – Integralidade e paridade

Na redação original da PEC, o cálculo dos proventos de aposentadoria e pensão passava a considerar as contribuições recolhidas tanto no regime próprio como no RGPS e não mais na última remuneração. Essa fórmula praticamente inviabilizava a percepção da integralidade do benefício. Na Comissão Especial da Câmara houve alteração, permitindo-se aos atuais servidores o direito à aposentadoria com base na última remuneração.

Com efeito, segundo o art. 6º da EC tais servidores continuam com direito à integralidade aos proventos de aposentadoria, obedecidas as seguintes condições:

a) 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher;

b) 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher;

c) 20 anos de efetivo exercício no serviço público; e

d) 10 anos de carreira e 5 anos de exercício no cargo que se der a aposentadoria.

Dessa forma, o servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da promulgação da Emenda Constitucional, uma vez cumpridos os requisitos acima, terá direito à integralidade. O mesmo não ocorrerá com servidor admitido depois da promulgação da Emenda. Terá sua aposentadoria limitada ao máximo pago pelo RGPS.

Também ficou assegurado o direito à paridade, mas somente para os admitidos no serviço público até a data da promulgação da Emenda Constitucional. Consoante dispõe o Parágrafo único do art. 6º da EC, os proventos das aposentadorias concedidas aos servidores que ingressaram até a promulgação da Emenda Constitucional serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, na forma da lei, observado o teto e subteto.

Todos os servidores admitidos ao serviço público até a data da publicação da Emenda terão direito à paridade? Não me parece tão clara essa indagação.

O aludido Parágrafo único do art. 6º prevê a paridade para os servidores de que trata o próprio art. 6º. Este artigo se refere ao servidor que for recrutado ao serviço público até a data da publicação da Emenda Constitucional e venha a se aposentar com a idade mínima estabelecida na Constituição: 60 anos de idade, se homem, e 55, se mulher, com 35 e 30 anos de contribuição, respectivamente.

Embora o art. 6º caput ressalve a possibilidade de requerer a aposentadoria pelas normas do art. 40 da Constituição, ou nos moldes do art. 2º da EC, que repete em parte o art. 8º da EC nº 20/98, referindo-se à transição: 53 anos de idade, se homem, e 48, se mulher, com 35 e 30 anos de contribuição, respectivamente, e redução de 3,5% ou 5% por cada ano antecipado em relação à idade mínima (60 anos, homem, e 55, mulher), resta dúvida se a paridade valerá para aqueles que optarem pelas regras de transição. Isto porque o art. 6º, Parágrafo único da EC nº 41/03, utiliza a seguinte expressão: “Os proventos das aposentadorias concedidas conforme este artigo serão revistos na mesma proporção e na mesma data…”. As aposentadorias concedidas conforme este artigo (o 6º), referem-se aos servidores admitidos no serviço público até a data da publicação da Emenda Constitucional e cumpram os requisitos determinados pelo próprio art. 6º: a) 60 anos de idade, se homem, e 55, se mulher; b) 35 anos de contribuição, se homem, e 30, se mulher; c) 20 anos de efetivo exercício no serviço público e; d) 10 anos de carreira e 5 de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria.

Assim, ao que se vislumbra, numa primeira leitura, os servidores que se aposentarem nos termos do art. 2º da EC, utilizando-se da regra de transição, não terão direito à paridade com os vencimentos dos da ativa.

Quanto às pensões deixadas pelos atuais servidores, ou que implementaram os requisitos até a data da promulgação da Emenda Constitucional, não há previsão à paridade, consoante inteligência do art. 6º, Parágrafo único da EC.

12 – Servidores inativos ou que implementaram os requisitos para a aposentadoria até a data da promulgação da emenda

Passarão contribuir para o custeio do regime próprio de previdência em percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos: 11%. Aos servidores da União, a incidência da contribuição dar-se-á sobre a parcela dos proventos que exceder 60% do limite máximo pago pelo regime geral de previdência, ou seja, sobre o que ultrapassar R$ 1.440,00; com relação aos servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios, incidirá sobre a parcela dos proventos que exceder 50% do limite máximo pago pelo regime geral de previdência, isto é, acima de R$ 1.200,00 (art. 4º da EC).

Também nesse aspecto, os servidores dos Estados, Distrito Federal e Município sofrerão prejuízo em relação aos da União, pois a base de cálculo destes é menor que a daqueles, embora pequena a diferença.

Terão seus proventos de aposentadoria e pensões imediatamente reduzidos ao subteto, acaso ultrapasse o valor estabelecido.

Com efeito, o art. 37, XI da Constituição Federal (redação dada pela EC) inclui nos chamados tetos e subtetos, subsídio, proventos, pensões e toda e qualquer forma de remuneração, percebidos cumulativamente ou não. Sem deixar dúvida quanto à redução imediata dessas espécies remuneratórias, o art. 9º da EC manda aplicar o art. 17 do ADCT, proibindo a invocação de direito adquirido sobre qualquer forma de remuneração percebida, que venha a conflitar com a Carta Magna, incluindo os dispositivos da presente Emenda Constitucional.

Conforme está registrado no tópico 17, estes magistrados continuam com os benefícios adquiridos na vigência das normas anteriores à promulgação da EC da Reforma da Previdência (art. 7º da EC).

Nem poderia ser diferente, pois o direito adquirido é cláusula constitucional intangível (CF, art. 60, § 1º, IV c/c 5º, XXXVI), não podendo o constituinte derivado desrespeitá-la.  O problema está na definição do que se entende por direito adquirido. Há, pois, dissenso a respeito, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Para o Deputado Maurício Rands, Relator da PEC nº 40/03 na CCJ da Câmara, inexiste direito adquirido do servidor aposentado à imunidade da contribuição previdenciária, assim como não há direito adquirido do servidor da ativa em contribuir com a mesma alíquota, podendo o Estado minorá-la ou majorá-la. Sem embargo da polêmica, há flagrante desrespeito ao direito adquirido.

Embora a EC procure preservar os direitos adquiridos, os servidores aposentados ou que implementaram os requisitos até a data da promulgação da Emenda, sofrerão grande prejuízo em dois pontos:

a) Passarão a contribuir para a previdência, com alíquota de 11% nos moldes explicado acima;

b) Sujeitar-se-ão aos limites do teto ou subteto, com redução imediata de seus proventos, se exceder o limite estabelecido pela PEC (art. 37, XI {redação dada pela EC} e art. 9º da EC).

13 – Servidores que ingressaram no serviço público antes da promulgação da EC Nº 20/98 e não implementaram os requisitos para a aposentação até a data da promulgação da EC Nº 41/03

O art. art. 8º da Emenda Constitucional nº 20/98 é revogado. O art. 2º da EC nº 41 o reproduz com algumas alterações, aumentando os prejuízos de quem ingressou antes da referida Emenda e está na transição, conforme procurarei demonstrar abaixo.

Pelo texto da EC nº 41/03 há uma transição na transição, haja vista a modificação das regras de transição aos que se encontravam no serviço público à época da promulgação da EC nº 20/98. A referida Emenda acabou com a aposentadoria por tempo de contribuição, exigindo idade mínima de 53 anos e 35 de contribuição, se homem, e 48 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher.

Pois bem, a EC nº 41/03 mantém o direito à aposentadoria nos limites de idade previstos originalmente na EC nº 20/98 mas, mediante as seguintes condições:

a) 53 anos de idade, se homem, e 48, se mulher;

b) tiver 5 anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria;

c) 35 anos de contribuição, se homem, e 30, se mulher;

d) um período adicional de contribuição equivalente a 20% do tempo que, na data de publicação da EC nº 20/98, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;

e) 3,5% de redução para cada ano reduzido, em relação ao limites de idade estabelecido no art. 40 da CF (60, homem, e 55, mulher), àqueles que completarem as exigências da transição até 31 de dezembro de 2005;

f) 5% de redução para aquele que completar as exigências da transição a partir de 01 de janeiro de 2006.

O art. 6º da EC ressalva o direito de o servidor optar pela aposentadoria prevista no art. 40 da Constituição, com limite máximo a R$ 2.400,00. Tudo indica, obviamente, que a maioria permanecerá no sistema atual, pois o limite do RGPS é perverso e prejudicial ao servidor que percebe mais de R$ 2.400,00.

Como o art. 8º da EC nº 20/98 é revogado in totum pelo art 10 da EC nº 41/2003, e não reproduz disposição semelhante à do § 1º, inciso I do mencionado art. 8º, acaba a possibilidade de, na transição, requerer aposentadoria proporcional ao tempo de serviço de 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher. Mais um direito suprimido para os que se encontram em transição de um regime jurídico para outro.

Essa transição só é aplicável ao servidor que tenha ingressado no serviço público até a data da promulgação da EC nº 20/98, impondo-se aos demais as regras daquela Emenda. Dessa maneira, os servidores admitidos ao serviço público após a EC nº 20/98, só poderão se aposentar aos 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, aos 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher. O art. 2º da EC é peremptório a esse respeito.

Por fim, nos termos do Parágrafo único do art. 6º da EC, fica assegurado o direito à paridade, devendo os proventos das aposentadorias serem revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos da ativa, na forma da lei, obedecido o subteto. Não há referência à paridade das pensões.

Resumindo:

a) Não poderão se beneficiar da regra do § 1º do atual art. 8º da EC nº 20/98, que trata da aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição de 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher;

b) Poderão requerer aposentadoria aos 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher;

c) Contando com tempo de contribuição exigido, poderão requerer aposentadoria a partir dos 48, se mulher, e 53 anos, se homem, mas para cada ano antecipado em relação às idades da alínea anterior, terão desconto de 3,5% ou 5%, conforme se trate de implemento dos requisitos antes ou depois de 31 de dezembro de 2005;

d) As pensões devidas aos cônjuges supérstites ou dependentes, sofrerão redução nos termos do explicitado no item 5;

e) Continuarão com direito à aposentadoria integral e à paridade, se não se valerem da regra de transição do art. 2º;

f) Farão jus ao abono-permanência (vide item 10);

g) Redução imediata dos vencimentos para o valor do subteto, se maior (vide item 3).

14 – Servidores que ingressaram no serviço público depois da promulgação da EC nº 20/98 e até a data da promulgação da emenda Nº 41/03

Devem se sujeitar aos efeitos da Emenda Constitucional nº 20/98, inclusive limite de idade e tempo mínimo de contribuição. Por expressa determinação da EC nº 41/03, terão direito à integralidade e paridade, conforme exposto no item 11, não se aplicando o contido no art. 40, § 14 da Constituição Federal, que manda limitar os proventos de aposentadoria ao máximo pago pelo RGPS.

O fato de terem sido admitidos após a promulgação da EC nº 20/98, os coloca fora da regra de transição estabelecida por aquela Emenda e, agora, pelo art. 2º da EC nº 41/03.

Aplicam-se aos mesmos todas as observações contidas nas alíneas, d, e, f e g do item anterior.

15 – Servidores que venham a ingressar no serviço público depois de promulgada a emenda constitucional Nº 41/03

Estes sofrerão as restrições integrais propostas pela EC nº 41/03, posto não se enquadrarem nem mesmo na “transição da transição”. Quais são estas restrições? Resumo sucintamente:

a) Sujeição ao teto, se federal e ao subteto, se estadual, distrital ou municipal (CF, art. 37, XI, com redação dada pela EC);

b) Limitação dos proventos de aposentaria ao teto do RGPS: R$ 2.400,00;

c) Limitação das pensões até o teto de R$ 2.400,00, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, tudo nos termos da lei (art. 40, § 7º da CF, com redação dada pela EC);

d) A idade mínima para se aposentar será de 60 anos e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos e 35 de contribuição, se mulher (art. 40, § 1º, III, a, da CF);

e) Não terão direito à integralidade dos proventos de aposentadoria e nem à paridade com os vencimentos dos da ativa (art. 6º da EC).

16 – Situação dos militares

Salvo no concernente ao teto e subteto, conforme se trate de militar da União ou dos Estados, continuarão com direito a aposentadoria integral, inclusive pelo critério de tempo de serviço, independentemente da idade (art. 42, § 1º e 142, § 3º, IX da Constituição Federal, o primeiro com redação dada pela EC).

Na regulamentação da pensão dos dependentes dos militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios, aplica-se o que for estabelecido em lei específica de cada ente estatal (art. 42, § 2º, com redação dada pela EC), não se cingindo aos limites constitucionais.

Aliás, desde a Emenda Constitucional nº 20/98, que inaugurou a reforma da previdência no sistema constitucional brasileiro, os militares tiveram seus direitos previdenciários preservados assim como concebidos na Carta de 1988.

17 – Direito adquirido

Verifica-se que EC nº 41/03 a todo o momento procura assegurar e manter o direito adquirido, entendido como aquele efetivamente implementado dentro dos requisitos vigentes até a promulgação da Emenda.

Os aposentados e pensionistas, bem como aqueles que implementaram os requisitos até a promulgação da Emenda, não sofrerão as restrições propostas pela EC, conforme esclarecem os arts. 3º e 7º.

Não escapam, todavia, da contribuição prevista no art. 4º da EC e ao subteto, conforme tratado nos itens 3 e 9, com aplicação na data da promulgação da EC (art. 9º da EC).

A Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, tendo como Relator o Deputado Maurício Rands, aprovou a PEC, entendendo serem constitucionais todos os seus dispositivos. No Senado Federal não ocorreu qualquer alteração.

Prevaleceu a tese de que a contribuição previdenciária trata-se de espécie tributária (STF, ADIn nº 2010), inexistindo, como corolário, direito adquirido à não-exação tributária, isto é, à não-taxação dos inativos.

Quanto à aplicação imediata do teto e subteto remuneratórios a servidores que estejam percebendo remuneração superiores na data da promulgação da EC, embora se constitua em redutibilidade de vencimentos, segundo a CCJ a irredutibilidade só é vedada pela Constituição quando efetivada através de lei, nada impedindo que emenda constitucional o faça, posto não se tratar de cláusula constitucional imutável, já que não arrolada no art. 60, § 4º da Constituição Federal.

Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento recente, assentou que a irredutibilidade de vencimentos é uma modalidade qualificada de direito adquirido. Por isso, certamente, a celeuma será dirimida pelo Pretório Excelso.

18 – Inconstitucionalidades

Com o julgamento das ADINs 926-5 e 939-7, restaram superadas quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de as emendas constitucionais sujeitarem-se ao controle de constitucionalidade. É inolvidável, a EC nº 41/2003 também deve passar por esse crivo, a fim de perquirir eventual colidência com o disposto no art. 60, § 4º da Constituição da República (núcleo constitucional intangível).

A finalidade precípua deste trabalho não é analisar os aspectos inconstitucionais da Emenda em comento, mas sim explicitar os efeitos decorrentes das suas normas exatamente como aprovadas no Congresso Nacional. Todavia, a título de informação, far-se-á pequena incursão acerca de pontos conflitantes com a Carta Política de 1988.

A Emenda Constitucional nº 41/2003 rompe com uma série de princípios até então respeitados pelo Poder constituinte derivado. Realmente, a presente Emenda olvida os princípios do ato jurídico perfeito, direito adquirido e irredutibilidade de vencimentos.

Bem por isso, a quase-unanimidade dos doutrinadores são veementes em acenar para a inconstitucionalidade de vários dispositivos da EC nº 41/03. Sob esse prisma, eis os principais itens a serem considerados:

18.1) Regra de transição

No tópico 13, fiz menção à estupidez da regra de transição prevista nesta Emenda, porque sequer houve possibilidade de levar a cabo as normas transitórias insertas na EC nº 20/98. Estas não chegaram a produzir seus efeitos, ou seja, não se completou o ciclo de transição, pois a  maioria da atualidade dos servidores públicos estavam sob os efeitos jurídicos daquela Emenda. Com violência, sobreveio a EC nº 41/03 e alterou profundamente os direitos daqueles que estavam passando de um regime jurídico para outro.

Em Parecer elaborado pelo renomado constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA, a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, fica clara a inconstitucionalidade da alteração das regras de transição durante a transição.

Segundo o ilustre doutrinador, o direito adquirido não precisa ser ressalvado pelas leis novas ou emendas constitucionais para prevalecer, pois sua irretocabilidade decorre da regra constante do art. 5º, XXXVI. Portanto, há prevalência do direito adquirido, haja ou não ressalva a seu respeito.

De outro vértice, a lei nova, incluindo emendas constitucionais, podem ressalvar direitos que ainda não tenham sido adquiridos, vale dizer, proteger situações jurídicas subjetivas de vantagem que sequer tenham alcançado a configuração de direito subjetivo. Nesse caso, obtempera JOSÉ AFONSO DA SILVA, a ressalva de direito gera, em favor de seus titulares, um direito adquirido, porque a expectativa do direito integra o patrimônio de todos aqueles que se encontrem nas condições configuradas na regra de ressalva.

Como a EC nº 20/98 ressalvou expressamente os direitos ainda por serem adquiridos, já que estabeleceu regra de transição para aqueles que se encontravam no serviço público à época da sua promulgação, esta ressalva acabou por gerar direito adquirido à aposentadoria nos termos das normas transitórias da EC nº 20/98 – aposentar-se com idade mínima de 53 anos e 35 de contribuição, se homem, e 48 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher.

É, pois, inconstitucional o art. 2º, § 1º da Emenda nº 41/03, em relação aos servidores que ingressaram no serviço público até a promulgação da EC nº 20/98, por ferir o princípio constitucional do direito adquirido.

Não sendo esse o raciocínio, nova emenda constitucional pode vir e agravar mais e mais a transição ou, simplesmente, eliminá-la por completo. Aí, adverte o estudioso acima mencionado, “estar-se-á diante de uma verdadeira fraude constitucional, numa brincadeira de dar e retirar incessantemente, ao sabor dos detentores do Poder. Normas constitucionais, mesmo provenientes de Emendas à Constituição, não podem ser manobradas assim como um boneco de cera, ao sabor dos donos do Poder, em prejuízo de direitos constituídos”.

18.2) Taxação dos inativos

18.2.1) Imposto sem causa

Consoante entendimento jurisprudencial e até do Supremo Tribunal Federal (RE 146.733/SP, Relator Min. Moreira Alves), a contribuição previdenciária tem natureza de tributo. Há, consenso a esse respeito, qual seja, a natureza tributária da contribuição previdenciária.

Embora intrigante, para os fins da tese em esboço, não se faz necessário enquadrar o tributo em um dos elencados no art. 145 da Constituição Federal. Importante para o entendimento da questão é saber que essa contribuição tem natureza tributária.

Entre outras classificações, os tributos se dividem em causais e não-causais, tendo em vista a finalidade de seu destino. Os impostos, por exemplo, não se prestam à retribuição específica e direta ao contribuinte. Tem caráter genérico, podendo o seu resultado socorrer as mais diversas necessidades do Estado. Conforme se infere do art. 16 do Código Tributário Nacional, imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Corolário dessa assertiva é que sendo a contribuição previdenciária uma espécie de tributo de natureza causal, a tributação dos inativos acaba por não ter causa, conforme verbera JOSÉ AFONSO DA SILVA no parecer citado. Sim, pois a contribuição à previdência tem o fim específico de alimentar um fundo, o fundo da seguridade social, vinculado a satisfazer as prestações previdenciárias. Por isso, sua arrecadação compulsória por si não é suficiente para legitimá-la, porque é ainda necessário que os recursos delas provenientes sejam destinados a satisfazer as prestações da seguridade social, porquanto só para tal destino a Constituição Federal fundamenta sua cobrança, e precisamente daí, também, é que se verifica o direito subjetivo do trabalhador às prestações, sempre que ocorrerem os pressupostos que justifiquem receber a vantagem previdenciária.

Se assim é, a contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria caracteriza-se como um tributo sem causa, sendo por essa razão ilegítima, porque as contribuições da seguridade social, como as previdenciárias, são formas tributárias necessariamente causais. Isto significa que sua razão de ser, sua fundamentação constitucional, assenta na causa em função da qual são instituídas, ou seja, tais contribuições têm sua justificação apenas na medida em que atendam a causa em razão da qual são criadas.

Segundo o princípio geral inserto no art. 40, § 1º da Constituição Federal, as contribuições previdenciárias só são legítimas enquanto sejam causais, enquanto vinculadas a uma contraprestação futura. Ora, se tais benefícios já se incorporaram no patrimônio do segurado, não haverá mais por que pagar algo, até porque isso já foi feito, precisamente para a aquisição dos benefícios de que se está gozando.

Em face da causalidade desse tributo, cujos tentáculos estão fincados na Constituição, o empréstimo de natureza não-causal às contribuições previdenciárias, conflita com a Carta Magna. Trata-se de exceção não contemplada pela Constituição Federal, afrontando por completo a natureza causal dessas contribuições.

18.2.2) Direito adquirido

Mas não é só. A contribuição previdenciária de servidor aposentado também ofende os princípios constitucionais do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da irredutibilidade de vencimento. Há, pois, nesse particular, ofensa explícita ao disposto no art. 5º, XXXVI, 37, XV e 95, III da Carta Magna.

O direito adquirido pode ser visto como  blindagem de determinado direito que segue e seguirá sempre envolucrado pela lei do tempo de sua constituição, de forma que estará, a qualquer época, protegido por aquela mesma lei vigente no momento de sua constituição imune, pois, a futuras alterações prejudiciais.  Esse princípio constitucional permite um mínimo de segurança nas relações jurídicas, não estando estas ao sabor do Poder legiferante.

Pois bem, no ato em que o servidor obtém a aposentadoria e os respectivos proventos, respeitadas todas as normas legais e constitucionais da época, esse direito (o de aposentação com proventos integrais, sem taxação) passa a integrar seu patrimônio jurídico, não podendo, a partir daí, sofrer qualquer redução.

18.2.3) Ato jurídico perfeito

Evidentemente, as aposentadorias uma vez deferidas, também se constituem em atos jurídicos perfeitos, a teor do estatuído no art. 6º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/42). Não pode lei (ou emenda constitucional) posterior infirmá-lo, alterar esse ato jurídico, sob pena de ofensa ao art. 5º, XXXVI da Constituição Federal.

Deveras, no momento em que aperfeiçoados os requisitos para a aposentadoria, encerra-se qualquer possibilidade de alteração desses mesmos requisitos. Sela-se com o ato jurídico perfeito.

18.2.4) Irredutibilidade de vencimentos

O art. 37, XV, da Constituição da República estabelece irredutibilidade de vencimento para os ocupantes de cargos e empregos públicos. Quanto aos magistrados, há norma específica inserta no art. 95, III, da Constituição.

Raciocínio idêntico se faz em relação aos proventos de aposentadoria, seja porque tem função alimentar, permitindo ao servidor aposentado manter o mesmo padrão da ativa, seja porque o art. 40, § 3º da Carta Política preconiza, sob outra forma redacional, a irredutibilidade dos proventos.

Ora, na medida em que se estabelece contribuição compulsória aos inativos, estes, por via oblíqua, acabam tendo redução em seus proventos, motivo pelo qual se invoca a garantia da irredutibilidade de vencimentos e proventos de aposentadoria.

18.3 – Do abate-teto

Como ventilado alhures, a EC nº 41 estabeleceu um teto para servidores federais e subteto para os estaduais, como limite máximo a ser percebido por agente público de cada esfera de governo.  Segundo o dispositivo constitucional pertinente (inciso X, do art. 37, com redação dada pela EC 41), a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento de subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos procuradores e aos Defensores Públicos.

Esse preceito constitucional, por si, não ofende nenhuma cláusula pétrea. No entanto, o constituinte derivado inseriu o art. 9º na EC nº 41, que manda aplicar o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, por sua vez, proíbe a invocação do direito adquirido quanto ao excesso em relação aos limites fixados na Constituição.

O problema não está na repristinação do art. 17 do ADCT, eis que emenda constitucional pode fazê-lo, mas sim na ofensa aos princípios constitucionais do direito adquirido e irredutibilidade de remuneração.

Efetivamente, a EC nº 41/2003, art. 9º determina que qualquer valor excedente ao teto ou sbteto, conforme se trate de servidor federal ou estadual/distrital/municipal, será cortado automaticamente. A indagação é se emenda constitucional pode reduzir vencimentos ou proventos?

A resposta é negativa. Primeiro, por ter se incorporado ao patrimônio jurídico do servidor o direito (adquirido) de perceber o valor da remuneração em consonância com o ordenamento jurídico à época da promulgação da Emenda. Qualquer alteração desse quantum para menor, atenta contra a garantia constitucional do direito adquirido encravada no art. 5º, XXXVI da Constituição da República, que integra o núcleo constitucional imutável, conforme se dessume do art. 60, § 4º, IV, portanto, sem possibilidade de ser afetada por emenda constitucional.

Ademais, há indiscutível violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. À evidência, o abate-teto, ou seja, o corte no limite do teto ou subteto, implica em redução dos vencimentos legal e constitucionalmente percebidos até então.

Conquanto a irredutibilidade de vencimentos não esteja elencada expressamente entre o direitos e garantias individuais, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento recente (RE nº 298.694 in http:/www.conjur.uol.com.br) entendeu tratar-se o princípio da irredutibilidade de vencimento uma forma qualificada de direito adquirido. Em conseqüência dessa posição da Corte Suprema, passa a irredutibilidade de vencimento a integrar as cláusulas pétreas, insusceptível de alteração por meio de emenda constitucional (art. 60, § 4º).

Além de esbarrar no direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI), a redutibilidade de subsídio ou remuneração encontra óbice em diversas normas constitucionais: arts. 7º, VI; 37, XVI, 42, § 1º c/ 142, § 3º, VIII; 95, III; 128, § 5º, I, c, e 142, § 3º, VIII.

19 – Observações finais

A Reforma da Previdência que se iniciou com a Emenda Constitucional nº 20/98 e se consolidou na EC nº 41/2003, trata-se, em verdade de, de medida desacertada e com o intuito nítido de desmontar o Estado, de desestruturar as carreiras típicas de Estado e facilitar o ingresso de investimentos estrangeiros. Não visa, portanto, resolver suposto problema da balança orçamentária da Previdência.

Há sérias controvérsias sobre a situação deficitária da Previdência Social. No ano de 1997, por exemplo, a seguridade social apresentou saldo positivo de R$ 6,928 bilhões. Idêntica situação foi constatada no ano de 2001, com saldo positivo de R$ 31,464 bilhões, e o ano de 2002, no qual o superávit foi de R$ 36,308 bilhões, segundo dados da ANFIP – Associação Nacional dos Fiscais da Previdência. Ocorre que tais valores não foram, obviamente, aplicados no sistema de seguridade e sim utilizados na composição do orçamento fiscal para promover o superávit primário.

O governo explica o déficit à sociedade, partindo de uma premissa equivocada. No seu cálculo, estão incluídos os benefícios de natureza assistencial (LOAS) e outros benefícios sem a correspondente receita, como o pagamento de aposentadoria de 7 milhões de trabalhadores rurais. O rombo dessas despesas chega a mais de R$ 16 bilhões.

Afora isso e com a intenção de mascarar ainda mais os números debita-se à Previdência despesas com assistência social, benefícios previdenciários urbanos e rurais, renda mensal vitalícia etc, deixando, por outro lado, de computar como receita as provenientes da Cofins, CPMF e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Para justificar à sociedade o déficit da Previdência, a matemática apresentada pelo Governo é a seguinte: somam-se todas as despesas, incluindo as que não têm cunho propriamente previdenciário, mas considera-se receita tão-somente a contribuição líquida dos participantes.

Com essa metodologia tendenciosa, o governo manipula os números e passa à população a idéia de completa falência da Previdência Social, o que não é verdade. Tivesse havido transparência nas informações, a Emenda Constitucional nº 41 não teria sido aprovada com normas tão malévolas aos servidores públicos. Certamente, em médio prazo a sociedade vai se dar conta do erro cometido pelo Congresso Nacional em efetuar verdadeiro desmonte do Estado, desestimulando completamente o serviço público no Brasil.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Éder Jorge

 

Juiz de Direito, 1º Vice-Presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás – ASMEGO.

 


 

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