Ihering, já no início do século XX, sentindo a insuficiência da Ciência do Direito da época, afastada dos elementos sociais e dos problemas dos tempos modernos, proclamava: “A vida não é o conceito os conceitos é que existem por causa da vida” e arrematava frisando “a função social do direito privado” (in Jurisprudência dos Conceitos). Também Gaston Morin, examinando a desagregação da teoria contratual do Código Napoleônico, advertia, isto em 1937, a eminente revolta do Direito e dos fatos contra os Códigos. Já em 1889 (há mais de 100 anos) o grande Saleiles já pregava o abrandamento do “princípio superior de respeito absoluto da liberdade das convenções”, do mesmo teor são as lições de Gaston Morim (“La Révolte du Droit contre le code”, com o sugestivo, in casu, subtítulo de: “La révision nécessaire dês concepts juridiques, isso em 1945), de Ripert (em 1947), de Betti (em 1953), de Savatier (em 1967), de Battifol (em 1968). É que o Direito se não pode estar a frente dos fatos sociais também não deve estar tão atrasado aos dias coevos. Com efeitos, os contratos, a isonomia jurídica, a culpa (em todos os campos), a utilidade social da pena, a imputação penal, declaração de inconstitucionalidade sem mutilação do texto, enfim são muitas as marcas dessa busca de contemporaneidade possível do Direito em geral. Até porque o Direito é um continente lógico-formal constituído por conceitos e princípios, que nada mais são senão “fórmulas de procura” em busca do ajuste ideal entre as estruturas abstratas do Direito e a vida concreta.
O dano moral é das mais polemicas dessas formulas de procura.
A questão do dano moral de longa data vem preocupando juristas em busca de solução ideal em cada época, tanto que já constante das primitivas legislações codificadas, como o Código de Manu (o Rei podia impor multas aos juizes por erro de julgamento), o de Hamurabi (vigia o “olho por olho, dente por dente“) e códigos da Grécia antiga (o marido cuja mulher fosse seduzida podia cobrar indenização do sedutor). Nas últimas três décadas a questão do dano moral alcançou notável incremento entre nós, servindo como verdadeiro leading case o da senhora que perdeu parte das nádegas quando projetada pelo pára-brisa do automóvel em que viajava, em acidente de trânsito. Infere-se da pesquisa sobre o tema que o Direito sempre tratou da reparabilidade dos danos morais, mais especialmente depois que tomou forma de Código, mesmo quando disposta de forma indireta, resultando no que não poderia ser diferente entre nós, ou seja, a positivação e previsão legal da reparação em estudo, ainda que de modo tardio. Já no conserto internacional a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 10/12/1948 proclamada pela Organização das Nações Unidas, estabeleceu que a honra seria tutelada, como se vê: “Artigo 12 – Ninguém será objeto de intromissões arbitrárias em sua vida particular, em sua família, em seu domicílio, ou em sua correspondência, nem padecerá, seja quem for, atentados à sua honra e à sua reputação”.
No Brasil, principalmente antes da Constituição Federal de 1988, muitos doutrinadores não admitiam a reparação por danos morais sob vários argumentos, como o de ser impossível a reparação com dinheiro de um bem moral atingido, a incompatibilidade da reparação de acordo com a natureza do dano, como afirma Silvio Rodrigues[1]: “Muitas objeções levantadas contra a reparação do dano moral, a partir daquela que reputa imoral, se não escandalosa, discute-se em juízo os sentimentos mais íntimos, bem como a dor experimentada por uma pessoa e derivada de ato ilícito praticado por outra”. Assim, inúmeros obstáculos são interpostos à afirmação do instituto como sólido perante o mundo jurídico nacional. Assim, desde a sua expressa previsão no texto constitucional (art.5º,V e X), não mais se discute a possibilidade de composição do dano simplesmente moral, que abrange, na abalizada lição de Caio Mário da Silva Pereira[2]“todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc.”
Já o novo Código Civil em termos de responsabilidade civil, trouxe uma modificação substancial no que diz respeito ao fundamento moral da responsabilidade. No Código atual, o foco está centrado no autor da lesão, enquanto novo Código redireciona o foco para o lesado. Além disso, as indenizações passam a se submeter ao limite da dignidade da pessoa humana, aplicando-se esse princípio até mesmo ao autor da lesão”.
Primeiramente, é bom esclarecermos o que é DANO. Partindo do próprio artigo159 do Código Civil, dano é a lesão, a perda causada a outrem. Essa mesma perda causada a outrem pode ser material, patrimonial ou moral extra-patrimonial, ou seja, os objetos materiais, assim como os objetos imateriais, são merecedores da tutela jurídica. Essa distinção entre dano material e moral, de acordo com Caio Mário da Silva Pereira, não decorre da natureza do direito, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado.
DANO MATERIAL é a perda causada ao patrimônio (complexo de bens materiais), enquanto DANO MORAL é, segundo Savatier, “qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária”. Em casos dessa natureza, feridos são os interesses puramente morais, de mera afeição subjetiva e não econômica, já que o DANO MORAL está inserto nos atentados sofridos pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito ao seu patrimônio ideal, que é o conjunto de tudo aquilo ao qual não é inerente, de sua natureza, a valoração econômica, em oposição ao patrimônio material. É o que acontece quando são atentados o bom nome, a vida privada, a honra, a intimidade de alguém, ou quaisquer outras situações individuais, pessoais da vida do homem. Segundo Minozzi, famoso doutrinador italiano, “a pessoa tanto pode ser lesada no que ela é, quanto no que ela tem”.
Quanto à classificação o dano moral pode ser direto ou indireto, ou danos morais puros ou reflexos, os primeiros ocorrem quando a lesão é dirigida a um bem jurídico extra-patrimonial, como os direitos à integridade física, corporal, moral, dentre outros, enquanto que o dano moral indireto ou reflexo incide sobre um bem jurídico patrimonial, mas com repercussão na esfera extra-patrimonial, como no exemplo do pedido indevido de falência de comerciante solvente. O conteúdo ou a matéria da qual trata esse dano foi bem descrita por Minozzi, quando disse que ele “não é dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida ao dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuído à palavra dor o mais largo significado”.
Muitas têm sido as objeções contra a reparação do dano moral quanto à possibilidade de se ressarcir o menoscabo de interesses extra-patrimoniais. Dentre os quais vale ressaltar a dificuldade de descobrir-se a existência do dano; a incerteza nos danos morais de um verdadeiro direito violado e de um dano real; a impossibilidade de uma avaliação pecuniária rigorosamente precisa do dano moral (RT,564: 265); a indeterminação do número de pessoas lesadas, pois a vítima direta não seria a única atingida, mas também parentes, amigos etc; a imoralidade da compensação da dor lato sensu com dinheiro; o perigo de inevitabilidade da interferência do arbítrio judicial conferido ao magistrado poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o montante compensador do prejuízo; o enriquecimento sem causa já que o credor teria, com a reparação do dano, um considerável aumento patrimonial, sem ter tido antes nenhum desembolso; e até mesmo a impossibilidade jurídica de se admitir a reparação pecuniária do dano moral (CC art.1553; RTJ, 69:276, 67:277): “arbitramento é o exame pericial tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação a ele ligada (…). Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável”.
Qual, enfim, a natureza e o fundamento filosófico-jurídico do dever de reparar, de ressarcir, de indenizar? Esse objeto o sujeito cognoscente só há de encontrá-lo no plano dos valores, ou seja, na Axiologia Jurídica. È que, sendo o valor supremo a Justiça – porque ela é a forma mais perfeita e elevada de excelência moral, segundo Aristóteles[3] – fundada, desde os romanos, no tríplice princípio do ‘honeste vivere, neminem laedere e suum cuique tribuere’[4], valores esses válidos tanto no mundo subjetivo, quanto no objetivo do Direito, enquanto ordem social. Assim, qualquer lesão ou perda (neminem laedere=ninguém deve lesar) oriunda de fato ilícito gera o dever de reparar, porque isso é ético e justo, logo jurídico. Ora, esse dever funda-se na sanção do ato ilícito, ou seja, na repressão da ilicitude que é violação da ordem jurídica. Essa repressão/sanção traz incito a marca da penalidade, quer na vertente da reparação (=re+estabelecer a situação anterior à violação) em que a pena além de punir também devolve o lesado ao status quo ante; quer na direção da punição/pena (civil) em que o causador do dano é simultaneamente sancionado segundo a teoria do valor do desestímulo (a tese do punitive damages do Direito norte-americano) por violar preceito ético-jurídico. Com efeito, não se trata de duas sanções, senão uma só, mas com duas forças ético-jurídicas que compõem esse eixo sancionatório. Eis a estrutura, já clássica (e hoje sendo estilizada), do dever de responder (responsabilidade jurídico-social) pelo ato ilícito perante o indivíduo lesado (caráter satisfativo) e diante da sociedade circundante (caráter aflitivo).
O Quantum indenizatório
Mas o debate acerca dos danos morais indenizáveis é acirrado em torno da problemática da mensuração ou quantificação das indenizações. Trata-se de um ponto bastante polêmico e controverso pois não há nenhum critério uniforme determinado e estabelecido do qual o magistrado possa se valer na hora de materializar a sentença indenizatória. O que se pode afirmar a respeito é que a partir da observância de recentes julgados a tendência tem sido o arbitramento de indenizações cada vez maiores, à exemplo da jurisprudência norte-americana. Vimos noticiada no começo do mês de junho de 2001 uma indenização estabelecida por um juiz estadunidense de cerca de três bilhões de dólares a favor de um ex-fumante, agora muito debilitado fisicamente por conta de um câncer em estágio avançado, contra uma empresa multinacional líder do mercado de tabaco. Ou seja, cada vez dá-se maior importância ao dano moral e ao prejuízo (material e imaterial) que causa nas vítimas. A fixação do quantum indenizatório dos danos morais encontra obstáculo na dificuldade de arbitramento de sua valoração naturalmente difícil, buscando a doutrina basear-se em alguns princípios que regem a matéria, observando de início que a reparação por dano moral deve abranger uma compensação para o ofendido ou lesionado e constituir em pena ao ofensor ou lesionante para coibir a prática reiterada do ato lesivo.
O caráter eminentemente de ressarcimento da responsabilidade civil, visando ao restabelecimento do status quo ante pela recomposição do patrimônio lesado, o que não se afigura difícil nos danos materiais, pelo simples fato da fácil constatação do prejuízo sofrido. Porém, a matéria ganha conteúdo controvertido quando se trata de danos morais, nos quais, não se pode deixar de reconhecer, que não se visa à indenização a recompor sentimentos, insuscetíveis, por sua natureza, deste resultado por seu próprio efeito. A reparação, aqui, tem como objetivo proporcionar ao lesado alguns meios para aliviar sua angústia e sentimentos feridos, servindo também de pena ao infrator, ou seja levam-se em conta, em seu arbitramento, as condições sociais e econômicas do ofendido e do causador do dano, o grau de sua culpa ou a intensidade do elemento volitivo, assim como a reincidência. A tese da equivalência entre a indenização e dano jamais foi plenamente adequada na reparação do dano material, contudo no que se refere ao dano moral essa tese é absurda, já porque a dor, a perda imaterial (sentimental) jamais pode ter justa equivalência (daí a primitiva negação dessa reparação). Com efeito, no campo da reparação do dano moral aquela equiparação (dinheiro x dano moral) é hoje tese já recolhida ao museu das idéias (nem sempre boas ou justas) jurídicas.
Na reparação do dano moral o dinheiro não assume função de equivalência, de correspectivo valor, como sói ocorrer no dano material/patrimonial, antes ao contrário, o dinheiro, aqui, desempenha papel de satisfação tanto quanto possível, mas principalmente de pena (contra-incentivo ao ilícito). A rigor, indenizar, ou seja, tornar indene, isento da lesão e conseqüências do dano moral (extra-patrimonial) é impossível, assim só resta mesmo a compensação material (satisfação/restituição possível) e pena pecuniária (caracter aflitivo).
Com efeito, há uma tão grande quanto duvidosa preocupação no sentido do magistrado buscar evitar o enriquecimento ilícito (?!) e a banalização do instituto jurídico como tem acontecido na prática em nosso país. O juiz ao analisar e quantificar o arbitramento da indenização, deverá observar: a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a posição social e política deste, e também a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável e sua situação econômica, nunca proporcionando um enriquecimento sem causa da vítima.
Que ilicitude pode haver num enriquecimento causado a partir de indenização por ato ilícito (logo não é sem causa) de agente que possa suficientemente arcar com essa considerável indenização (jamais proporcional/equivalência ao dano moral enquanto indenização satisfativa e menos mais enquanto indenização-sanção) para ele, o infrator-lesante e que eventualmente e ênfase da disparidade econômico-social que extrema o hipossuficiente-lesado do hiper-suficiente-lesador termina por melhorara vida do pobre do lesado? Único pecado – social, ético e jurídico – que aí se pode vislumbrar é o do odioso preconceito social dos que sustentam a injuridicidade desse enriquecimento, até porque a base da pirâmide jamais deve ascender. Pecado esse traduzido na forte crença exegética (embora convenientemente disfarçada de “boa doutrina”) de que há ilicitude, de que há falta de causa (menos ainda justa) nesse enriquecimento, de que a condição econômica do lesado é decisiva para impedir a rica indenização para o pobre indenizando.
A propósito, é muito sintomático dessa cegueira exegética o Acórdão do Eg. TAlç-MG (3ª Câmara, 06/08/1991, RT 690/149 [5]) que, em apertada síntese, decidiu à guisa da plena compensação: “tanto mais posse tenha o ofendido, maior deve ser a indenização que lhe cabe pelo dano moral…”Quanto mais rico maior a indenização, consequentemente quanto mais pobre menor a reparação do dano moral. É a dor submetida ao crivo da ideologia econômico-social mais abjeta. Mais consentânea com a realidade social e com a “justiça justa” é o Acórdão do TJ/RS, sempre muito socialmente justo: “O critério de fixação do valor indenizatório do dano moral levará em conta tanto a qualidade do atingido como a capacidade financeira do ofensor, de molde a inibi-lo a futuras reincidências, ensejando-lhe expressivo, mas suportável gravame patrimonial” (3º Grupo de Câm.,10/09/1995, RJTJRS 176/250, cf in Cahali, “Dano Moral”, 34p).
Vale dizer, em síntese, que a fixação do quantum indenizatório na reparação por danos morais é efetuada por arbitramento, embora não haja um consenso quanto a esta questão na doutrina brasileira, afirmando Cahali que a fixação se faz mediante observância ao art.1.553 do Código Civil, mas levados em consideração os princípios de razoabilidade e severidade, tendo por objetivo o atendimento à compensação e de desestímulo à reincidência, provavelmente esse arbitramento não fugirá da chamada justa indenização, que a melhor doutrina sustenta que a ressarcibilidade do dano moral deve propiciar meios sucedâneos ou derivativos que visam amenizar o sofrimento da vítima, como passeios, divertimentos, ocupações e outros do mesmo gênero, ou seja, a melhoria na qualidade de vida da vitima proporcionada péla indenização do dano moral não representa qualquer ilicitude, ou qualquer falta de justa causa, senão contraprestação compensatória e punitiva em face do ato ilícito do dano moral. O contrário disso seria converter a vitima do dano em vitima, também, da miopia judicial.
Esse posicionamento, com efeito, permite que os tradicionais infratores do direito à honra, à boa reputação, à tranqüilidade, ao sossego, à dignidade enfim, continuem na sua sanha de desrespeito a princípio que hoje está insculpido no capítulo da Constituição Federal, atinente aos direitos e garantias individuais: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Assim, se antes a questão do dano moral ficava circunscrita à legislação esparsa (além do Código Civil),hoje foi erigida à condição de verdadeira garantia constitucional.
Em suma, pode-se dividir os critérios para fixação da indenização por danos morais em positivos e negativos. Nos primeiros, doutrina-se que deve ser observado: a condição econômica, pessoal e social do ofendido, a condição econômica do ofensor; grau de culpa, gravidade e intensidade do dano, hipótese de reincidência, compensação pela dor sofrida pelo ofendido e desestímulo da prática delituosa. Já nos critérios ditos negativos, os pontos a serem considerados (negados/evitados) são: o enriquecimento do ofendido e viabilidade econômica do ofensor. Entre nós, em boa parte das decisões judiciais, a parcimônia na fixação das indenizações têm mais garantido êxito econômico ao lesante que compensação à vitima do dano moral, dai o incentivo à prática do ilícito economicamente vantajoso. O certo é que os tribunais, hoje, vêm fazendo tábula rasa dessas ponderações mais contemporâneas em torno da reparação do dano moral e arbitrando por baixo as indenizações que raras vezes alcançam o patamar de 100 (cem) salários mínimos, como se as dores e as perdas morais fossem necessariamente mínimas como o mínimo salário dos brasileiros. O patrimônio particular e individual do lesante, assim, tem sido mais protegido que o patrimônio publico nos casos de desfalque e desvios (quantos devolvem aos cofres públicos o que deles tiraram??).
O nosso sistema atual (aliás, a cultura judicial atual) de responsabilidade civil (reparação de danos em geral) ainda toleras a economicidade do dano, impera ainda o despistado binômio do custo-vantagem. Indenização de baixo custo para as posses do agente causador do ilícito (do dano), logo vantajosa reparação muito mais para o violador da norma da integridade moral. È que a reparação tarifada, pré-limitada (ié, 100, 400 salários mínimos) pode não refletir a boa lição de justiça tendente a prevenir (e não estimular), pelo valor da indenização, o dano. O critério de ouro neste tema não deve ser a situação econômica do indenizado (ié, da vítima do dano), mas sem dúvida, a situação econômica do indenizador (ié, causador do dano). Em suma, se aquele fica rico com a indenização, isso não é necessariamente mal se esse (o indenizador) pode razoavelmente assumir o valor da indenização. Quanto maior a indenização maior o cuidado para prevenir a reincidência/reiteração do dano, isso tanto mais é verdadeiro, quanto maior o fosso entre hiper e hipossuficiente. Temos ainda que desenvolver essa cultura de justiça econômica e prevenção geral de abusos/danos (inclusive morais) e injustiças (sociais, difusos e individuais). Há casos de danos reiterados, hábitos danosos sobre tudo de certas empresas (às vezes até megaempresa) que só perduram em função da reparação proporcional e economicamente estimulante. Não se há de confundir valoração do fato lesivo em si mesmo com a quantificação da indenização dai decorrente e que são instâncias e momentos distintos na análise de uma causa indenizatória.
A quantia, enfim, a ser arbitrada[6] (arbitrar o que não tem valor econômico?! Como?) na condenação, a seu turno, deverá ser de tal monta a promover não apenas uma justa compensação, mas alcançando igualmente o outro escopo da indenização do dano moral, correspondente ao desestímulo à prática de novos ilícitos, conforme reconhece a jurisprudência, espelhada no seguinte trecho de ementa de Acórdão proferido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça : indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e outros membros da sociedade a cometerem atos dessa natureza.” (REsp168.945-SP, rel. Min. Pádua Ribeiro, DJU 06/09/2001, grifamos).
Conclusão
Desde da velha Roma existe o princípio jurídico de que ubi emolumento, ibi ônus” (onde existe a vantagem, existe o ônus correspondente). Assim, por exemplo e em princípio, nada há de tão absurdo nas condenações judiciais (ainda raras entre nós) de grandes empresas e ricos fornecedores a pagarem consideráveis indenizações por danos que sua atividade empresarial geram aos consumidores. Quem lucra com o risco deve arcar com os encargos da reparação plena dos danos que esse lucro engendra.
Há, ainda, as questões paralelas quanto à reparação do dano estético cumulativamente com o dano moral e o material, o que também vem obtendo posicionamento favorável da jurisprudência pátria a exemplo deste Acórdão da 3ª Câmara Cível do Trib. de Alçada do Est. de São Paulo na Apelação nº 112.954-6, citado na obra de José Raffaelli Santini[7]: “O dano moral é indenizável e não foi compreendido no dano material, tendo em vista que não se trata só de dano estético que poderia ser recomposto com a plástica reparadora, mas de dano a comprometer definitivamente a função sexual do apelado, em idade de aptidão aos 46 anos. Num país como o nosso, em que a sociedade mantém um preconceito em relação ao sexo, essa perda da função sexual traz seqüelas realmente graves, comportando a indenização por dano moral, que foi pedida, para compensar a deformidade”.
Por derradeiro e após muita reflexão e estudo sobre o tema, alguns parâmetros de justa fixação do valor indenizatório podem ser adiantados. Assim, o critério avaliatório que toma por base o bem juridicamente protegido carece de teto e esse será, indubitavelmente, valor que se tem atribuído ao bem vida humana (reparação em caso de morte). Com efeito e coerentemente, nenhum dos bens juridicamente protegidos (imagem, estética pessoal, privacidade…) deve ter valor maior do que a vida. A vida, assim, é o teto do dano moral. Na freqüente disputa entre direitos constitucionalmente assegurados, como por exemplo, direito à privacidade, à preservação da imagem… e o direito-dever de informar à coletividade cujo titular é profissional da imprensa, deve ter prevalência o direito de informar porque consulta aos interesses públicos. Homem público que se expõe em público tem menos argumentos validos que aquele que precisa informar ao público. A verdade é do interesse coletivo, a privacidade, a imagem são do interesse individual e, muito embora direitos “sagrados” são, no entanto, menos sagrados que o direito à verdade informada ao público. Até porque isso é parte da formação cívica e ética de um povo civilizado (vide, a propósito, nosso ensaio “Padeia…”[8]).
Informações Sobre o Autor
Luiz Otávio de O. Amaral
advogado militante há mais de 27 anos e professor de Direito há mais 25 anos. Já lecionou na UnB e UDF. Ex-Diretor de Faculdade de Direito em Brasília. Atualmente leciona na Universidade Católica de Brasília-UCB. Foi assessor de Ministros da Justiça; do Min. da Desburocratizarão/P. Rep. Secret. Nacional de Dir. Consumidor. Autor de “Relações de Consumo” (04 v.); “O Cidadão e Consumidor” (co-autor); “Comentários ao Código Defesa do Consumidor, coord. Prof. Cretela Júnior (Ed.Forense) e “Legislação do Advogado”, MJ, 1985. Autor de “Lutando pelo Direito” (Consulex, 2002); e de “Direito e Segurança Pública – juridicidade operacional da Polícia” (Consulex, agosto/2003) e ainda de “Teoria Geral do Direito” (Forense, mai/04).