Introdução
Antes de adentramos ao tema deste trabalho, falaremos da importância dos direitos e interesses transindividuais ou metaindividuais.
O Código de Defesa do Consumidor conceituou e dividiu os direitos coletivos lato sensu em difusos, coletivos e individuais homogêneos. Estabeleceu também que a tutela destes interesses ou direitos seria feita de forma coletiva por intermédio da ação coletiva.
Entende-se por interesses ou direitos difusos os transindividuais de natureza indivisível que possuem como titulares pessoa indeterminadas que possuem ligação por circunstâncias fáticas. Por direitos ou interesses coletivos podemos entender como os transindividuais também de natureza indivisível, cuja titularidade pertence a um grupo,categoria ou classe e pessoas ligadas entre si ou com a parte adversa, por uma relação jurídica base.
Já por interesses ou direitos difusos podemos entender os interesses ou direitos individuais de natureza divisível, mas que devido à origem comum possuem tratamento coletivo.
A tutela destes direitos ou interesses é recente, portanto ainda estamos apenas engatinhando. Embora o ordenamento brasileiro apresente diversas leis esparsas sobre a defesa de interesses coletivos existem ainda muitas lacunas a serem preenchidas pela doutrina e pela jurisprudência.
A estes direitos não podemos aplicar de maneira cega o ordenamento processual comum, pois quando tratamos de interesses transindividuais a esfera do processo individual é inadequada, por não absorver inúmeras complexidades do processo coletivo.
Um dos institutos que embora tenha origem sua origem no direito processual comum, deve ser analisado com base neste novo ramo do direito é o da liquidação de sentença.
A liquidação de sentença pode e deve ser aplicada na s ações coletivas, pois representa a garanta de uma execução segura quanto ao valor devido.
Por estes motivos, apresentamos o presente trabalho com o intuito de esclarecer alguns pontos deste valoroso instituto, para que seja aplicado nas ações coletivas, buscando principalmente a efetiva reparação do dano.
1. Liquidação de sentença
1.1. Conceito
De acordo com o artigo 586 do Código de Processo Civil, todo titulo executivo, entre ele a sentença, possui como qualidade essencial a liquidez e a certeza. Assim, caso uma sentença contenha condenação genérica, isto é faltar – lhe a liquidez, será necessário a sua liquidação.
Conforme assinala Vicente Grego Filho[1] “a sentença condenatória pode tornar certo apenas o débito (an debeatur), cabendo à liquidação a atribuição do quanto (quantum debeatur). Assim, embora sejam restritos aos casos previstos no art. 286 e 459, parágrafo único do Código de Processo Civil, as sentenças genérica formuladas através de pedidos genéricos serão sempre passiveis de liquidação, tendo em vista faltar-lhe um dos requisitos essenciais para a execução.
Desta forma, a condenação será genérica se ao tempo da sentença não puder ser determinado o valor da condenação, ou por que este depende de um ato a ser praticado pelo réu ou se não puder ser determinado definitivamente as conseqüências do ato ou fato ilícito.
A liquidação de sentença é uma modalidade de ação de conhecimento, cabível para apuração do quantum debeatur, da obrigação. Desta forma toda vez que a sentença não for líquida será cabível a proposição de a;cão de liquidação .
Uma sentença será considerada líquida quando da conter o quantum debeatur da obrigação, permitindo desta forma sua imediata execução. O ideal é que todas as sentenças sejam passiveis de execução imediata, sejam liquidas, pois este fato traria como conseqüência uma economia processual e também uma maior celeridade e efetividade do órgão jurisdicional.
Assim a liquidação de sentença é uma ação posterior a condenatória e anterior a execução, fundada em uma sentença genérica, tendo como objetivo tornar liquida a condenação visando posterior execução.
1.2. Modalidades de Liquidação
O Código de Processo Civil de 1973 previu três modalidades de liquidação de sentença, conforme os tipos de providencias necessárias para apuração do dano.
A primeira modalidade prevista no Código é a liquidação por cálculos do contador, prevista no artigo 604 deste diploma legal. Esta modalidade de liquidação atualmente encontra se revogada por força das modificações imposta pela Lei 8.898/94. Esta modalidade de liquidação era utilizada quando o valor da condenação pudesse ser obtido por cálculos aritméticos, atualmente por força da Lei já mencionada os cálculos são apresentados pelo credor na execução por quantia certa (artigo 652 e seguintes do Código de Processo Civil).
Com esta alteração legislativa deixou de existir o processo de liquidação por cálculos do contador, passando as contas do credor (que substituíram a do contador) a serem discutíveis somente através de embargos do devedor na execução.
A segunda modalidade prevista é a da liquidação por arbitramento (artigo 606 do Código de Processo Civil). Esta modalidade de liquidação é utilizada quando a sentença determinar ou for convencionado pelas partes, ou ainda quando a natureza do objeto assim exigir. A liquidação por arbitramento tem como finalidade a fixação de um valor por um perito.
Em se tratando de direitos difusos e coletivos podemos identificar este tipo de liquidação nos casos onde é necessário o arbitramento do dano moral [2].
Embora a liquidação por arbitramento possa ser assemelhar a uma perícia, deve ser considerada um processo, por ser exaurida por via de sentença proferida por um magistrado[3].
Ainda segunda a autora para Cândido Rangel Dinamarco [4] a liquidação por arbitramento é feita por um perito (o arbitrado), atribuindo valor a uma coisa, a um serviço ou a um prejuízo.
Assim, a finalidade da liquidação por arbitramento é a valoração do bem jurídico tutelado, por meio de um expert, já o juiz não possui conhecimentos técnicos para promover esta valoração.
Desta Forma, a liquidação será realizada por intermédio de um perito nomeado pelo juiz, de acordo com o artigo 607 do Código de processo Civil.
A terceira modalidade prevista no Código De Processo Civil é a liquidação por artigos (artigo 608). Esta modalidade de liquidação será cabível quando for necessário alegar e provar fato novo. Fato Novo é o fato que não serviu de fundamentação à sentença, mas é pertinente ao valor que a sentença deveria fixar.
Nesta modalidade de liquidação são permitidos todos os meios de prova, em virtude de se submeter ao procedimento comum, sendo, portanto o procedimento de liquidação mais abrangente.
O fato novo de que trata o artigo 608 do Código de Processo Civil devera ser veiculado na petição inicial como causa de pedir da liquidação. Este fato novo conforme ressalta Patrícia Miranda Pizzol[5], devera ser necessário para fixação do quantum debetur, não sendo necessariamente um fato superveniente, podendo ser anterior à decisão de conhecimento, mas deverá ser novo para o processo de liquidação.
Segundo Vicente Greco Filho [6] “no caso da liquidação por arbitramento, pode-se dizer que o valor já está implícito na sentença, bastando que seja declarado. Na liquidação por artigos o valor é expressamente excluído da sentença, ou claramente não incluído, e é acrescentado por nova sentença, a sentença de liquidação”.
Discordando do entendimento acima apresentado Patrícia Miranda Pizzol [7] afirma que devido à natureza declaratória da liquidação de sentença, independente da modalidade, a finalidade da liquidação será sempre declarar o valor devido. Dizendo o quantum debeatur, que já existia na época da prolação da sentença embora não pudesse ser delimitado naquela ocasião. Este entendimento nos parece o mais acertado, pois analisa as modalidades de liquidação como um todo com base na sua natureza.
Por tratar-se de processo autônomo será necessária a citação do réu, sendo desta forma possível a ocorrência da revelia, segundo as regras ordinárias de direito.
1.3. Natureza da liquidação
Conforme pudemos observar no tópico anterior a questão da natureza jurídica da ação de liquidação é bastante controvertida. Ocorre que esta controvérsia esta relacionada na pratica com os efeitos da sentença do processo de liquidação.
Conforme nos traz Patrícia Miranda Pizzol [8] a doutrina se divide nesta questão, alguns autores como Pontes de Miranda e Alcides de Mendonça Lima entendem tratar-se de ação constitutiva, para estes autores a sentença de liquidação integra o titulo, de modo a constitui-lo. A outra corrente a qual pertence a autora sustenta, de maneira acertada ao nosso ver, ser a natureza jurídica da ação de liquidação declaratória, pois a sua finalidade é declarar ou fixar algo que já existe, embora não expresso na sentença.
Desta corrente participam ainda Humberto Theodoro Jr. e Cândido Rangel Dinamarco[9]. Conforme a citada autora embora a liquidação de sentença vise constituir um titulo executivo, este titulo representa uma obrigação e na verdade seria esta obrigação que a liquidação pretende tornar liquida. Desta forma a obrigação já existe (an debeatur) faltando-lhe apenas o valor, que será declarado na liquidação de sentença.
Entendemos que a segunda corrente doutrinaria é mais acertada, pois a sentença de liquidação não cria um direito, não constitui um quantum debeatur, ao contrario torna liquido algo já existente, declarando o quantum debeatur. Pois, o valor da obrigação existe desde o nascimento da obrigação.
Assim, a sentença de liquidação embora constitua o titulo executivo tem natureza declaratória. Sua finalidade e dar liquidez a obrigação constante da sentença condenatória para que juntas possam formar o titulo executivo, porque a lei que para a execução um titulo executivo precisa ser líquido, certo e exigível.
2. Liquidação de sentença nas ações coletivas
2.1. Generalidades
Do mesmo modo que no processo comum, em caso de procedência dos pedidos formulados nas ações coletivas latu sensu que tragam uma condenação genérica ou ilíquida, caberá a ação de liquidação fixar o quantum debeatur, Já que o dever de ressarcir (an debeatur) do réu foi fixado na sentença condenatória. Assim, sendo genérica ou ilíquida a sentença coletiva, o provimento jurisdicional será certo, mas não liquido.
Desta forma, a liquidação da sentença de condenação genérica ou ilíquida é sempre necessária para que esse título judicial possua eficácia executiva.
Conforme observa Elton Venturi [10] a ação civil publica foi criada para permitir a reparação de danos causados difusamente, predestinando-se a uma sentença condenatória, sem afastar a possibilidade de uma sentença de cunho mandamental-executivo. Desta forma, os danos coletivos padeciam de uma instrumentalidade apropriada para sua efetivação, que somente ocorreu com a Lei da Ação Civil Publica, mas principalmente com o Código de Defesa do Consumidor.
A Lei da Ação Civil Pública prevê que a obrigação de reparar o dano pode ser formalizada tanto com a sentença, titulo executivo judicial quanto com o compromisso de ajustamento, titulo executivo extrajudicial. Embora Patrícia Miranda Pizzol [11] entenda ser possível a liquidação do compromisso de ajustamento, contrariando quase que a totalidade da doutrina que entende que a liquidação somente é cabível a um titulo executivo judicial, entendemos que mesmo possuindo características extremamente peculiares o compromisso de ajustamento não é passível de liquidação, devendo o mesmo como titulo executivo extrajudicial ser executado em caso de inadimplemento, e ainda devendo conter o valor (quantum debeatur) devido em caso de inadimplemento de obrigação de fazer
Conforme o exposto, independente da natureza da ação coletiva, sendo a sentença condenatória genérica ou ilíquida será necessária a liquidação para que lhe atribuir a eficácia executiva, pois não é possível promover a execução de uma sentença ilíquida. Ocorrerão diferenças entre a liquidação referente a danos a direitos difusos e coletivos e a liquidação referente a danos a direitos individuais homogêneos, diferenças estas que serão apresentadas em outro momento.
2.2. Liquidação de sentença – direitos difusos e coletivos
2.2.1. Liquidação de direitos difusos e coletivos
Como já aventado as ações referentes a reparação de danos difusos e coletivos geram uma sentença condenatória, que em alguns caso pode ser ilíquida.
Elton Venturi[12] afirma que as ações difusas e coletivas não possuem condenação genérica, mas sim condenações ilíquidas, pois estas ações não são formalizadas por pedidos genéricos, os pedidos são certos o que ocorre e que por conseqüências fáticas estes pedidos se tornam ilíquidos, como, por exemplo, um pedido de obrigação de fazer, que por inadimplemento do réu é transformado em condenação pecuniária.
Já Patrícia Miranda Pizzol[13] em posição contraria, afirma que se o pedido da ação em defesa de direito difuso ou coletivo for de condenação genérica, a respectiva sentença poderá ser genérica, necessitando neste caso de liquidação
Cabe ressaltar, que os danos causados a direitos coletivos ou difusos preferencialmente devem ser reparados através de prestações de obrigação especifica, de fazer ou não fazer. Como já mencionado caberá liquidação no caso desta obrigação não ser possível ou não ser realizada pelo réu e como conseqüência ser convertida em obrigação pecuniária de perdas e danos.
Como bem ressaltou Patrícia Miranda Pizzol [14] são raras as hipóteses em que os legitimados a propor a ação condenatória poderão fazer o pedido visando o pagamento de quantia em dinheiro, neste caso se não puder o valor ser apurado não curso do processo de condenação será apurado por via da liquidação de sentença, para que possa ser executado posteriormente.
Kazuo Watanabe[15] salienta que a conversão em perdas e danos somente se dará em ultimo caso, quando jurídica ou materialmente for impossível a tutela especifica ou a obtenção do resultado pratico equivalente. Ou ainda quando o próprio credor assim optar.
O maior problema das liquidações relativas a direitos difusos e coletivos esta ligado a fixação do quantum, pois estes direitos são indivisíveis cuja a natureza ultrapassa a esfera individual dos legitimados. Cabendo ao magistrado a utilização de critérios para melhor apuração do dano e da sua conseqüente reparação.
2.2.2. Legitimação ativa
Conformo o apresentado a liquidação de sentença tendo a finalidade de tornar líquida sentença de condenação ilíquida é cabível na defesa tanto de direitos difusos como de direitos coletivos. Resta a nós esclarecer quem possui a legitimidade para a propositura da ação de liquidação em ambos os casos.
Terá legitimidade para a promoção da ação de liquidação coletiva preferencialmente o autor da ação coletiva condenatória. Este entendimento decorre da interpretação do artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública, “Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá faze-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados”.
Embora o artigo transcrito trate de execução a doutrina tem entendido ser aplicável também a liquidação, podendo ser aplicado independente de ser associação ou outro legitimado o autor da ação coletiva condenatória.
Patrícia Miranda Pizzol[16] adverte que deve-se entender que a norma disse menos do que queria dizer, pois, caso a sentença contiver condenação genérica, haverá necessidade de uma liquidação prévia, para que possa ser executada.
Neste sentido é a opinião de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery[17], que entendem que o prazo de sessenta dias previsto no artigo 15 supracitado se aplica também sobre a liquidação, já que omissa a lei neste sentido. Cabendo ao Ministério Público o dever de ajuizar a respectiva liquidação, sendo para os demais legitimados uma faculdade.
Desta forma terá legitimidade para a propositura da ação de liquidação coletiva qualquer dos legitimados que trata o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, para Ministério Público a propositura da ação de liquidação e de execução coletiva, na omissão do autor da ação condenatória, representa um dever em virtude da imposição legal. Para os demais legitimados é apenas uma faculdade.
2.2.3. Competência
Segundo Hugo Nigro Mazzilli[18] nos casos de processo coletivo (direitos difusos e coletivos), a liquidação e a execução serão feitas no juízo da ação condenatória nos mesmos autos.
Pois, nestes casos segundo Elton Venturi[19] não se vislumbra dificuldade no tema, podendo a questão ser resolvida adotando o critério estabelecido no artigo 575 do Código de Processo Civil, sendo competente o juízo responsável pela constituição do titulo.
Desta forma, não se encontram maiores dificuldades na fixação da competência das ações de liquidação fundada em direitos difusos e coletivos, devendo as mesmas, serem processadas pelo juízo prolator da sentença condenatória. Aja vista, não existir para tão procedimento nenhum prejuízo para os legitimados, pois será competente o mesmo juízo o qual foi proposta a ação condenatória, segundo as regras gerais de competência.
2.2.4. Modalidade de Liquidação e Liquidação Provisória
Conforme mencionado atualmente existem duas formas de liquidação no Código de Processo Civil, a liquidação por arbitramento e a liquidação por artigos.
Hugo Nigro Mazzilli[20] afirma que caberá a liquidação por arbitramento no processo coletivo, quando venha assim determinado na sentença ou convencionado pela partes ou ainda quando a natureza da obrigação assim exigir, dando como exemplo o caso de danos morais.
O mesmo autor ainda nos traz que será cabível também a liquidação por artigos quando a liquidação coletiva necessitar de provar fato novo.
Conforme bem ressaltou Elton Venturi[21] a opção quando ao procedimento não esta veiculada ao livre-arbítrio do liquidante. Devendo ser aferida suas condições como ação autônoma e ser demonstrada a adequação ao procedimento escolhido.
Assim, a modalidade de liquidação dependerá no caso concreto da maior ou menor necessidade de propiciar o convencimento do magistrado dado à complexidade de se apurar a liquidez do dano.
Embora o já mencionado artigo 15 da Lei da Ação Civil Pública, mencione a execução (liquidação) definitiva, isto é após o transito em julgado da sentença de condenação, surge a questão da possibilidade da liquidação ou da execução provisória, antes do transito em julgado.
Conforme bem ressaltou Patrícia Miranda Pizzol[22] não possível falar em liquidação provisória, mas sim de liquidação para fins de execução provisória. Pois, a liquidação é definitiva o que é provisório é a posterior execução tento em vista o efeito devolutivo do recurso.
Ainda sobre o artigo supracitado defende Arruda Alvim Neto[23] que o mesmo não buscou afastar o ajuizamento da execução provisória, mas como ressaltou o autor nestes casos deve ser observado antes da execução provisória o disposto no artigo 99 do Código de Defesa do Consumidor. Este artigo dispõe que enquanto estiverem pendente decisões de segundo grau as indenizações não poderão ser revertidas para o fundo criado pela Lei 7.347/85.
Desta forma, embora o Código de Defesa do Consumidor, por força do artigo 99 não permita a efetividade da execução antes do transito em julgado, não impede a propositura da ação de liquidação coletiva, antes do transito em julgado da sentença.
2.2.5. O problema das Indenizações de Danos Difusos e Coletivos
Conforme anteriormente mencionado o maior problema das liquidações coletivas de danos difusos e coletivos esta na fixação do quantum tendo em vista a difícil mensuração deste tipo de dano.
Não existe no nosso ordenamento jurídico nenhuma regar que estabeleça quais devem ser os critérios adotados pelos magistrados para a fixação do valor da indenização por danos difusos ou coletivos.
Como bem ressaltou Patrícia Miranda Pizzol[24] situação idêntica vive a fixação do quantum da indenização por dano moral, por ser este bem também de valor intangível. Assim, como os bens difusos e coletivos a moral não pode ser quantificada em valores monetários. Sendo portando segundo a autora[25], a aplicação por analogia dos mesmos critérios utilizados para a fixação do dano moras, para a fixação das indenizações por danos aos direitos difusos e coletivos.
A jurisprudência, ainda conforme a mesma autora, estabelece que o arbitramento do dano moral deve ficar a critério do julgador, pois não existiria outro modo razoável de quantificar o dano.
Elton Venturi[26] sobre a quantificação do dano argumenta no sentido da utilização de um critério utilizado na reparação ambiental, onde se busca fixar, de acordo com uma estimativa, os prejuízos econômicos que o ato ou fato causou ao bem violado, levando sempre em conta a capacidade econômica do causador do dano.
Acreditamos que independente do critério adotado deve o julgador, aja vista a indivisibilidade e a importância do bem tutelado, a indenização por danos causados a bens difusos e coletivos deve principalmente inibir a pratica de atos danos a bens difusos e coletivos, devendo sempre ser considerada a capacidade econômica do pagador. Pois, será necessário que a indenização esteja de acordo com a capacidade de pagamento sob pena de se tornar inócua.
2.3. Liquidação de sentença- direitos individuais homogêneos
2.3.1. Liquidação individual de sentenças de direitos individuais homogêneos
Assim como nas ações condenatórias que versem sobre direitos difusos e coletivos, nos casos de ações relativas a danos individuais homogêneos sendo a ação condenatória genérica (nestes casos será) deverá ser proposta uma ação de liquidação para tornar o titulo executável.
Conforme Leandro Katscharowski Aguiar[27] em caso de procedência dos pedidos formulados nas ações civis de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, a condenação será genérica, fixando o dever de ressarcir do réu (an debeatur),sendo portanto ilíquida.
De acordo como artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor as sentenças condenatórias (favorável) que versem sobre direitos individuais coletivos será sempre genérica. A sentença genérica neste caso fixará a responsabilidade do réu pelos danos causados, cabendo a liquidação estabelecer o prejuízo de cada lesado.
Conforme assegura Ada Pelegrine Grinover[28] antes da condenação o bem jurídico tutelado é tratado de forma indivisível aplicando-se a toda coletividade de maneira uniforme a decisão favorável ou não.
A autora ainda nos ensina que, diferentemente da liquidação tradicional, na liquidação da sentença de condenação genérica (individuais homogêneos) cada liquidante deverá provar, em contraditório pleno e com cognição exauriente, a existência de seu dano pessoal e seu nexo etiológico com o dano globalmente causado além de liquida-lo.
O processo de liquidação dessa sentença difere do processo de liquidação tradicional, principalmente quanto ao seu objeto. Isso porque, além da apuração da quantidade a ser paga pelo réu, inclui a demonstração do nexo causal entre os danos individual e a responsabilização imposta na sentença, dano geral.
Deste modo caberá aos legitimados (vitima ou seu sucessor) provar que frente a responsabilidade do réu (de que trata a sentença condenatória) tem direito a ser indenizado por ter sofrido, individualmente um dano. Além do dano e da relação de causalidade, deverá ficar provado o quantum.
Por este motivo, previa o artigo 96 do Código de Defesa do Consumidor, a publicação de um edital para dar publicidade da sentença condenatória referente a direitos individuais homogêneos, artigo este vetado pelo executivo. Mas conforme afirma Ada Pelegrine Grinover[29] a divulgação da sentença é imprescindível. Somente com esta divulgação o interessado terá conhecimento da condenação e podendo a partir deste ato promover a sua liquidação.
Salienta sobre esta questão Leandro Katscharowshi Aguiar[30] “que, a despeito do veto ao artigo 96 do Código de Defesa do Consumidor, o qual previa a publicação de edital para a divulgação da sentença de condenação genérica aos interessados, é opinião majoritária entre os juristas pátrios que o juiz, em observância ao principio da publicidade dos atos processuais, deverá proceder à publicação desse provimento por meio de editais, e da forma mais adequada possível, para que todos os interessados tenham conhecimento de seu teor e, assim, possam habilitar-se através da ação de liquidação”.
2.3.2. Legitimação ativa para liquidação individual
O artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor trata da legitimação ativa para a liquidação da sentença de condenação genérica nos caso de direitos individuais homogêneos dispondo: “A liquidação e execução de sentença poderão ser providas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art.82”.
Ada Pelegrine Grinover[31] salienta que tanto nos casos da liquidação promovida pelas vitimas quanto a liquidação promovida pelos legitimados as liquidações serão personalizadas e divisíveis.
Nos casos em que a liquidação for promovida pelas vitimas ou seus sucessores a legitimação será ordinária, litigarão em nome próprio pleiteando direito também próprio.
Ocorrera também liquidação individual caso a liquidação seja proposta por qualquer um dos legitimados de que trata o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com a autora citada nestes casos os legitimados atuarão por representação, pois as pretensões de liquidação serão individualmente analisadas. Devem os entes legitimados no artigo 82 do Código de defesa do Consumidor agir em nome das vitimas e seus sucessores.
Arruda Alvim Neto discorda deste tipo de liquidação por entender que a individualização do dano deve partir do lesado e de eu sucessor conforme se extrai desde trecho:
“O objetivo do Código de proteção e defesa do consumidor, no que diz respeito a liquidação, é que ai se deve individualizar os danos sofridos pelas vitimas ou seus sucessores em seus respectivos patrimônios, o que somente é possível pela atividade desses. O art. 97 conquanto aluda à legitimação dos elencados no art.82, para liquidação e execução, deve ser conveniente e sistematicamente entendido.”[32]
Embora prevista no artigo 97 esta modalidade de liquidação individual realizada por um dos entes coletivos é de difícil aplicação, pois no processo de liquidação os danos e principalmente o nexo de causalidade devem ser individualizados, independente do número de representados.
Por este fato Leandro Katscharowshi Aguiar[33] afirma que dificilmente a liquidação promovida por entes coletivos atingira seus objetivos “pois será extremamente complicado a tarefa do juiz de apurar o dano sofrido por cada lesado, bem como a repercussão em seu respectivo patrimônio e sua quantificação. No mínimo, ter-se-ia um grande tumultuo processual.”.
Conforme o exposto, até a prolação da sentença condenatória os direitos individuais homogêneos são por força da ficção legal tratados de forma coletiva. Após a prolação da sentença os direitos individuais homogêneos voltam a sua condição de direito individual, portanto possuindo uma liquidação individual.
A doutrina discute a legitimidade do Ministério Público para a promoção da liquidação individual de que trata o artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor, pois os direitos tutelados perderia a forma de direito coletivo, passando a um direito individual disponível. O artigo 127 da Constituição Federal veta a defesa a pelo Ministério Público de direitos individuais disponíveis, mas em contra partida o artigo 97 do Código de defesa do Consumidor inclui o Ministério Público como legitimado.
Leandro Katscharowshi Aguiar[34] afirma que mesmo estando entre os legitimados o Ministério Público não possuiria legitimação para promover a liquidação individual, por ter cessado a ficção do acidente que permitia a coletivização do dano.
No mesmo sentido Ada Pelegrine Grinover[35] afirma que “parece faltar ao Ministério Público legitimação para a liquidação e a execução individual, em que se trata da defesa de direitos individuais disponíveis, exclusivamente(art. 127 da CF).”.
2.3.3. Competência
A competência para o julgamento da liquidação individual da sentença de condenação genérica relativa a direitos individuais homogêneos gera uma grande polemica na doutrina em razão do veto ao parágrafo único do artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor.
O vetado parágrafo único do artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor possuía a seguinte redação: “A liquidação de sentença, que será por artigos, poderá ser promovida no foro do domicílio do liquidante, cabendo-lhe provar, tão-só, o nexo de causalidade, o dano e o montante”.
Com o veto surgiu então a divergência da doutrina sobre a possibilidade ou não da liquidação ser proposta no local de domicílio do liquidante.
De acordo com Ada Pelegrine Grinover[36] mesmo com o veto a liquidação pode ser proposta no domicílio do liquidante tendo em vista que o § 2º, inciso I do artigo 98 do mesmo diploma legal, permite que a execução seja proposta tanto no juízo da liquidação quanto no juízo do conhecimento.
Como a Lei não contem palavras ou expressões inúteis, por força do disposto no § 2º, inciso I do artigo 98, não poderíamos concluir que o juízo de liquidação e o do conhecimento são o mesmo juízo. Ao contrário, o Código de Defesa do Consumidor a facultar a propositura da execução em um ou outro juízo, nos reflete a idéia de serem juízos distintos.
Contrariamente a este posicionamento Arruda Alvim Neto[37] entende que tanto a liquidação quanto execução devam ser propostas no juízo da ação condenatória. Par o autor trata-se de uma liquidação ou execução individual, portanto devem seguir a regra do Código de Processo Civil[38].
Concordamos com o posicionamento de Patrícia Miranda Pizzol[39] no sentido de que além do disposto no § 2º, inciso I do artigo 98, as inúmeras garantias conferidas ao consumidor nos levam a entender possível a liquidação e a execução no foro de domicílio do lesado (liquidante), sobe pena de que todos os direitos conferidos para o consumidor atuar no processo sejam inócuos.
Do que valeria todas as inovações processuais em favor do consumidor, se no momento de obter a indenização existissem dificuldade enormes. Imaginemos um processo de âmbito regional, onde a ação de conhecimento foi proposta na capital do estado. Caso não fosse aplicável § 2º, inciso I do artigo 98 os lesados para obter a sua indenização deveriam propor a liquidação e a execução também na capital, o que de certo desmotivaria e prejudicaria inúmeros lesados.
Concluímos nos sentido que somente com uma interpretação extensiva do disposto § 2º, inciso I do artigo 98, que conseguiremos atingir os objetivos de maior acessibilidade a justiça proposto pelo Código de Defesa do Consumidor.
2.2.4. Prazo para liquidação
De acordo com Ada Pelegrine Grinover[40] embora o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor estabeleça prazo de um ano para que se proceda a reparação pelo fluid recover (o qual veremos oportunamente), este prazo não pode ser confundido com prazo preclusivo para habilitação na liquidação.
Ainda segundo a mesma autora “O prazo de preclusão não pode ser inferior ao legalmente previsto para a prescrição do direito, ou da pretensão material”[41].
Neste sentido a autora completa:
“Em cada caso será o Direito Material que fixará o prazo prescricional para o exercício da pretensão individualizada à reparação, que ocorre exatamente por intermédio da habilitação no processo de liquidação. Tratando-se de dados decorrentes do fato do produto ou do serviço, por exemplo, encontrará aplicação à espécie o disposto no art.27 do Código, que fixa o prazo prescricional em cinco anos, a partir do conhecimento do dano e de sua autora”[42].
Desta forma o prazo previsto no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor não se refere à habilitação dos legitimados. O prazo para os legitimados promoverem a liquidação será o prescricional de cinco anos, este prazo sendo um prazo prescricional será interrompido pela citação valida[43]. Segundo Ada Pelegrine Grinover[44] com a citação valida da ação coletiva o prazo será interrompido e somente voltará a contar da intimação da sentença, feita pelo edital de que trata o artigo 96do Código de Defesa do Consumidor, independente do veto.
No mesmo sentido é esclarecedora a posição de Leandro Katscharowski Aguiar “o prazo de um ano estabelecido no art.100, caput, do Código de Defesa do Consumidor, após o qual poderão os entes do art.82 promoverem a ação de liquidação para a quantificação da fluid recovery, não indica prazo prescricional para as liquidações individuais. Significa apenas que antes desse prazo não é possível a liquidação coletiva; e que mesmo ultrapassado esse prazo e ainda que já em andamento processo de liquidação ou mesmo de execução da reparação fluída”[45].
2.2.5 Modalidades de Liquidação e Possibilidade de Liquidação Provisória
Embora o veto que incidiu sobre parágrafo único do artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor, além da possibilidade de liquidação no foro do liquidante vetou também o disposto sobre ser a liquidação por artigos obrigatória, nestes casos.
Mas independente do veto, conforme o disposto no artigo 608 do Código de Processo Civil, quando for necessário fazer prova de fato novo a liquidação será na modalidade por artigos.Sendo a sentença genérica caberá ao liquidante fazer do dano sofrido, fato novo frente sentença de condenação.
Segundo Ada Pelegrine Grinover[46] os fatos novos a serem provados são: “a existência do dano individual, o nexo de causalidade com o dano genérico reconhecido pela sentença, bem como o montante do primeiro”. Embora estes fatos sejam os mesmos afetados pelo veto do citado artigo, a natureza da liquidação não permite que outros sejam o seu objeto.
Arruda Alvim Neto[47] no mesmo sentido afirma que a modalidade de liquidação a ser aplicada nestes casos é a da liquidação por artigos onde “cada vitima ou sucessor terá que comprovar a dimensão individual dos danos sofridos; ou seja, terá que evidenciar a extensão individual dos seus danos, ao passo que, na ação coletiva, que haja sido julgada procedente, ter-se-á, apenas, reconhecido que houve o dano, ou a existência do dano”.
Contrariando o entendimento da doutrina que entende haver a necessidade do liquidante provar o an debeatur específico Patricia Miranda Pizzo[48] lentende que a comprovação de extensão individual do dano não esta relacionada com a fixaçào do an debeatur específico, mas diz respeito sobre a legitimidade do legitimado para a propositura da liquidação. Por este entendimento para que as vitimas possam ser beneficiadas pela sentença de condenatória terão que demonstrar que foram atingidas pelo ato praticado pelo agente.
Ao entender que a comprovação da extensão individual do dano esta ligada a legitimidade ad causam, a autora supracitada afirma que a ação de liquidação de sentença em qualquer caso terá como objetivo somente a fixação do quantum debeatur e não do an debeatur como sustenta parte da doutrina.
Entendemos ser este ultimo entendimento o mais correto, pois mantém como único objeto da ação de liquidação a apuração do quantum debeatur. Sem nenhuma duvida o nexo de causalidade e o dano devem ser provados, pois caso contrario não existira legitimidade do autor para a propositura da liquidação.
Quando a liquidação para fins de execução provisória não existe nenhum impedimento legal. Ao contrario do afirmado anteriormente quanto a vedação da execução provisória no tocante a indenizações referentes a danos difusos e coletivos a lei não veda a execução dos montantes apurados antes do transito em julgado da decisão.
2.4. Liquidação de sentença – Fluid Recovery
2.4.1. A reparação fluida ou Fluid Recovery
O artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que “Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.”
Este artigo instituiu no direito brasileiro o instituto da reparação fluida ou FLUID RECOVERY, que possui a sua origem nas class actions norte-americanas[49].
De acordo com Ada Pelegrine Grinover[50] a jurisprudência norte-americana criou este instituto visando solucionar os casos onde o réu fosse condenado a indenizar o dano causado a um número muito grande de pessoas, sendo os lesados de difícil identificação.
Embora a reparação fluida tenha origem no FLUID RECOVERY norte-americano muitas são as diferenças. No direito norte-americano o juiz na sentença quantifica os danos, estabelecendo o total a ser indenizado. No direito brasileiro a sentença condenatória é genérica somente fixa a responsabilidade do réu na reparação dos danos causados. O valor a ser indenizado é apurado de forma individualizada por cada lesado na ação de liquidação[51].
Desta forma, conforme já dissemos, o processo referente a direitos individuais homogêneos é indivisível até a sentença condenatória. Mas após a condenação se torna divisível com a apuração individual dos danos.
O artigo 100 traduz a preocupação do legislador com as indenizações não reclamadas. Nestes casos a sentença condenatória não seria liquidada, nem executada, restando o dano impune.
Conforme Leandro Katscharowski Aguiar :
“Podem ocorrer determinadas situações em que não haja habilitação de vítimas ou sucessores, para o fim de liquidação e execução individuais, em número compatível com a gravidade do dano global reconhecido na sentença de condenação genérica. Um exemplo disso é a fixação da responsabilidade civil de uma empresa pelos danos causados na venda de água mineral em copo com dosagem por unidade inferior à mencionada no rótulo. Os danos, do ponto de vista de cada consumidor, são insignificantes e dificilmente os levariam a se habilitar para promover a sua liquidação e execução. Todavia, se ponderáveis em seu conjunto (dano global), adquirem outra expressão. Imaginem o enriquecimento ilícito da empresa, após um ano, ao suprimir 20 ml de água mineral em cada unidade. Foi para situações como essa que o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 100, caput, consagrou o instituto da reparação fluída ou fluid recovery.”[52]
No mesmo sentido ELTON VENTURI:
“Percebe-se aqui, nitidamente, que buscou o legislador inserir dentro do instrumental coletivo disponibilizado às vítimas de eventos danosos produzidos a seus direitos individuais homogeneizados, uma maneira de, mesmo diante de sua omissão em buscar as reparações individuais a que fariam jus, não deixar impune o responsável pela prática lesiva.”[53]
Assim, o Código de Defesa do Consumidor buscou evitar que a impunidade, pois em muitos o dano individual é para o lesado é de pequena monta, mas o lucro obtido pelo réu com a prática lesiva é enorme.
O legislador prevendo estas situações estabeleceu a reparação fluida como forma de impedir a impunidade e reparar o dano ainda que de forma diversa da ressarcitória.
Ada Pellegrini Grinover entende que ao contrario do direito norte americano as indenizações apuradas pela reparação fluida são indenizações residuais:
“a indenização destinada ao Fundo criado pela LACP, nos termos do parágrafo único do art. 100, é residual no sistema brasileiro, só podendo destinar-se ao referido Fundo se não houver habilitantes em número compatível com a gravidade do dano”.[54]
Em sentido contrario Elton Venturi entende que a reparação fluida não é residual e portando não pode ser afastada nas ações coletivas baseadas em direitos individuais homogêneos:
“Tal orientação deve-se à não aceitação de que a reparação fluída do CDC diga respeito tão-somente à soma das indenizações individuais não pleiteadas. Ainda que o número de interessados que tenham se habilitado seja ‘compatível com a gravidade do dano’, mesmo assim não se afasta a mensuração da reparação indivisível destinada ao Fundo.”[55]
Entendemos estar com a razão os autores que como a autora citada, entendem ser a reparação fluida ser uma reparação residual. Pois, previu o legislador como reparação principal a reparação individual voltada ao lesado. Nos casos em que o número de lesados habilitados seja compatível com o dano,se entendermos possível também a reparação fluida o réu será penalizado duplamente pelo seu ato ilícito, ocorrendo portanto um bis in idem.
Se a intenção do legislador não fosse criar a reparação fluida como uma reparação residual, a teria criado como regra. O legislador estabeleceu que a reparação fluida somente ocorrera após um ano sem habilitação de lesados em numero compatível com a proporção do dano.
Após, decorrido no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor o dano será apurado de forma global, visando a reparação do dano.
Se neste mesmo prazo ocorrer a habilitação de lesados em número compatível com a gravidade do dano a reparação fluida não ocorrera. O Código do Consumidor visou proteger as indenizações individuais, entendendo serem nestes casos a melhor forma de reparar o dano.
2.4.2. Legitimidade para liquidação da reparação fluida
De acordo com o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor são legitimados para a propositura da liquidação e para a execução os legitimados constantes do artigo 82 do mesmo diploma legal.
“Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I – o Ministério Público;
II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;
IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
§ 2° (Vetado).
§ 3° (Vetado).”
Assim, os mesmos legitimados para a propositura da ação condenatória também são legitimados a propositura da reparação fluida ou FLUID RECOVERY.
Conforme afirmado anteriormente nos casos de liquidação individual promovida por um dos legitimados coletivos este representara o lesado, não possuindo legitimidade ordinária para a propositura da ação.
Nos casos de reparação fluida os legitimados agirão segundo Ada Pelegrine Grinover[56] sob uma legitimação muito próxima da legitimação ordinária.
Leandro Katscharowski Aguiar afirma tratar-se de legitimação ordinária supervenientes, entende ainda que ”por se tratar ainda de um direito acidentalmente coletivo (em razão da finalidade social e do interesse público em sua tutela), semelhante aos direitos difusos e coletivos propriamente ditos, não há nenhum óbice à legitimação ativa ad causam do Ministério Público.”[57]
Nestes casos concordamos com os autores supracitados, os legitimados do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor voltariam a possuir a mesma legitimação ordinária que possuíram para a propositura da ação condenatória.
2.4.3. Competência
De acordo com a regra geral do direito processual civil comum será competente para liquidação o mesmo juízo da ação condenatória, conforme dito anteriormente.
Conforme já mencionado a doutrina entende que nos casos de liquidação individual também será competente o juízo do domicilio do liquidante por interpretação extensiva do artigo 98, § 2°, I, do Código de Defesa do Consumidor.
Mas no tocante à liquidação da reparação fluida, concordamos com Leandro Katscharowski Aguiar[58] no sentido do dispositivo citado não ser aplicável, por referir-se somente aa liquidação individual.Sendo neste casos competente somente o juízo da ação condenatória
2.4.4.Modalidade de liquidação
Conforme bem salientou Ada Pelegrine Grinover[59] o objeto desta liquidação será a apuração do “prejuízo globalmente causado”, isto é, devera apura o total do dano causados. A autora afirma ainda que caso tenham ocorrido liquidações individuais, esta indenizações deverão ser apuradas par que possam ser compensadas, par que o réu não pague duplamente pelo mesmo fato (dano).
Desta forma será necessário provar fato novo, em relação a ação condenatória. Sendo necessário provar um fato novo a modalidade de liquidação cabível será a liquidação por artigos.
No mesmo sentido Leandro Katsharowski Aguiar afirma que a liquidação será por artigos, ”pois a mensuração do quantum debeatur da fluid recovery implica a análise de fatos não apreciados no processo de conhecimento (fatos novos), como o ganho indevido do réu com a lesão a direitos individuais homogêneos ou a estimativa de prejuízo ocasionado à classe.”[60]
Conforme ressaltou Elton Venturi[61] a ação condenatória embora reconheça a existência de um dano global não o mensura, cabendo então a sua mensuração a ação de liquidação.
Acrescenta o autor que “a modalidade de liquidação por artigos revela-se ainda a mais adequada tanto para oportunizar a ampla defesa por parte do demandado, como para preparar o convencimento judicial acerca da justa indenização fluída a ser fixada no caso concreto”.
Portando, sendo conforme a doutrina, necessário a prova de fato novo somente será cabível a liquidação na modalidade por artigos.
2.4.5. Destinação dos valores obtidos pela reparação fluida
Ainda de acordo com o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor o montante obtido com a liquidação e posterior execução da reparação fluida será revertido para um fundo criado pela Lei da Ação Civil Pública.
Segundo a Lei da Ação civil pública indenização obtida pela reparação fluida deverá ser “utilizada para fins diversos dos reparatórios – que não puderam ser atingidos no caso -, mas com eles conexos, por intermédio dos bens e valores da coletividade lesado, sendo a indenização “[62]
Desta forma segundo Hugo Nigro Mazzilli[63] as indenizações individuais não reclamadas de forma individual e apuradas por liquidação coletiva serão recolhidas ao fundo de reparação de interesses difusos lesados. Embora entenda o autor que deveriam ser depositadas em contas diferentes para que o dinheiro pudesse ser utilizado de acordo com o direito e os titulares do direito afetado.
3. Liquidação na ação popular
3.1. A ação popular
A ação popular é uma ação com fundamento constitucional (art. 5º LXXXIII da Constituição Federal) que legitima o cidadão a defesa do “interesse difuso à preservação da probidade, eficiência e moralidade na gestão da coisa pública e bem assim à tutela do meio ambiente e do patrimônio público em sentido amplo (CF, arts. 5.º, LXXXIII; 37 e 170, VL; LAP, arts. 1.º e 4.º). Possível, também a tutela de interesses difusos dos consumidor es (DCD, art. 81, parágrafo; Lei 7.347/85, art. 1.º, caput)” .[64]
Assim, por entendermos ser a ação popular uma modalidade de ação coletiva e que portanto deve de acordo com Rodolfo de Camargo Mancuso[65] contar com um regime integrado de mutua complementariedade entre a jurisdição coletiva.
3.2. Liquidação na ação popular
Do mesmo modo que outras ações coletivas a condena ação da ação popular pode ser ilíquida. Por possuir com objeto, além da desconstituição do ato lesivo, a condenação dos responsáveis à reposição do statu quo ante e eventual condenação em perdas e danos, a ação popular visa também a constituição de um título passível de execução.
Rodolfo de Camargo Mancuso que caso não seja possível a apuração do montante global na ação condenatória a liquidação deverá apurar o montante global incluindo: o principal, os juros, a correção monetária, as despesas processuais e os honorários de sucumbência.
Salienta o citado autor que a liquidação conforme cada caso será feita ou na modalidade por arbitramento ou por artigos, seguindo para tanto as regras do Código de Processo Civil. Desta forma, a modalidade de liquidação a ser aplicada será decidida com base nos artigos 606 e 608 do Código de Processo Civil.
Ainda segundo o Rodolfo de Camargo Mancuso possuem legitimidade para a propositura da execução e por conseqüência da liquidação de sentença: o cidadão autor da ação popular; outro cidadão nos termos do artigo 16 da Lei da Ação Popular; o Ministério Público após o decurso do prazo de dois messes sem a propositura da liquidação pelo autor (artigo 16 da Lei da Ação Popular); as co-rés, pessoas jurídicas, no que as beneficiar; os co-réus, concernente ‘a execução dos ônus de sucumbência do autor, nos casos de lide temerária e os próprios responsáveis pelo ato lesivo, no que lhe aproveite, visado futura ação de contra funcionário co-responsável.
Percebemos que em muito difere a titularidade da legitimidade para liquidação da ação popular das outras ações coletivas, isto ocorre devido principalmente as peculiaridades de ambas as ações que possuem objetos próximos, mas não idênticos.
Conclusão
As ações coletivas embora recentes no ordenamento jurídico brasileiro merecem cada vez mais a atenção da doutrina e da jurisprudência, pois representam um importante instrumento na tutela dos direitos transindividuais.
Desta forma, devemos continuar buscando novos entendimentos sobre as diversas questões que norteiam a esfera coletiva, principalmente as questões processuais par que possamos construir um sistema processual claro e objetivo na defesa dos interesses coletivos.
A questão da liquidação de sentença nas ações coletiva, embora também recente, é um tema que vem sendo discutido por parte da doutrina, é que já apresenta inúmeros posicionamentos sobre os pontos mais polêmicos.
Mas este tema ainda merece estudos que o tornem cada vez mais viável e rápida a liquidação de sentenças coletivas. Pois, a efetividade do processo coletivo depende principalmente da efetividade da liquidação e da execução, pois, somente estas podem garantir que os lesados coletivos ou individuais tenham seus danos reparados.
Informações Sobre o Autor
Thais Helena Pinna da Silva
Advogada e Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos
São Paulo – SP.