O antigo Código Civil Brasileiro (Lei nº 3.071/1916) se distingue do atual (Lei nº 10.406/2002), vigente desde 11 de janeiro de 2003, no que se refere aos contratos, principalmente, pela sua feição individualista. Ele expressava uma concepção jurídico-filosófica que nos vinha da Revolução Francesa, pela qual se acreditava que o homem era o centro do mundo, capaz de com a sua vontade e com a sua razão, ordená-lo e também ordenar o seu comportamento em sociedade.
O antido Código, assim, consagrou o princípio da vontade e submeteu os contratantes ao que constava da avenca, consagrando o princípio do ´pacta sunt servanda´, que significa que “os pactos devem ser cumpridos”.
A justiça, segundo o sistema implantado pelo antigo Código, era o exato cumprimento das cláusulas do contrato, independentemente de isso implicar na onerosidade ou vantagem excessiva para uma das partes.
O novo Código alterou substancialmente essas matrizes, trazendo à baila a função social dos contratos, abandonando a posição individualista para afirmar que a liberdade de contratação deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Houve aí uma alteração completa do eixo interpretativo do contrato, porque ao invés de se considerar a intenção das partes, e a satisfação de seus interesses, o contrato deve ser visto como instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade, onde encontra sua razão de ser e de onde extrai a sua força, pois o contrato pressupõe uma ordem estatal para lhe dar eficácia.
O novo código deixou-se de considerar o contrato como uma manifestação de vontade, e como se o contrato existisse apenas em razão disso. Compreendeu que o negócio jurídico é tão somente uma oportunidade para a manifestação da autonomia privada.
A autonomia privada fornece o suporte de fato sobre o qual incidirão as normas jurídicas, atribuindo-lhes os efeitos que lhe são próprios. Não mais de acordo com a vontade, mas de acordo com os fins que se propõe a ordem estatal, isto é: é essa ordem estatal que apanha a manifestação da vontade e lhe dá os efeitos. A ordem jurídica recebe o ato individual e garante a realização dos seus fins, garante-lhe a eficácia, portanto. Mas não para satisfazer a qualquer propósito, mas apenas aqueles que o sistema escolheu e protege no interesse comum.
A essa concepção devemos acrescentar que a força obrigatória do contrato resulta da necessidade da proteção do direito. E como toda a ordem estatal há de ter como fim a realização do bem comum, alcançar o que é justo e o que é útil socialmente, deve-se concluir que somente se enquadra na sua função social aquele contrato que é útil e que é justo.
A realização da função social do contrato, portanto, agora expressa em nosso Código Civil, no seu art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”, exige para a sua compreensão e interpretação, que atenda ao valor justiça, a fim de que seja instrumento de realização das partes.
A liberdade contratual, destarte, somente é concedida e reconhecida para que seja alcançada a sua função social.
Com isso, deixamos um sistema individual para passar para um sistema com preocupação social. Saímos de um sistema fechado para um sistema aberto, com uso de cláusulas gerais e referência a usos e costumes.
Destarte, segundo o novo Código, deixa de existir “o contratante”: individualizadamente considerado como centro de interesse da relação obrigacional, para surgirem “os contratantes”: o contrato é instrumento que se realiza mediante a cooperação entre os homens. E com a colaboração conjunta, de todos os que participam da avença, é que se vai conseguir realizar o que o contrato se propõe.
Espera-se que, com isso, seja possível às partes alcançar os objetivos que pretendem. Afinal, contrato é um processo, que tem dinamismo, e somente chegará ao seu bom êxito se contar com a colaboração leal dos participantes. Não há mais, segundo o antigo Código, o protagonista “contratante”, o que há são os “contratantes”, em constante interação. Com respeito à posição, e com respeito aos interesses de cada um deles.
Trata-se, indubitavelmente, de um grande avanço no direito pátrio, cujos reflexos, por extrapolarem a relação das partes em si, nos permitirão conviver em uma sociedade mais justa e fraterna, espera-se.
Informações Sobre o Autor
Sandro Edi dos Santos
Advogado, pós-graduado em contratos e responsabilidade civil, pós-graduando em direito público