Sumário: 1. Introdução. 2. Da segurança jurídica. 3. Da responsabilidade do sócio retirante. 4. Da defesa do sócio retirante. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem como escopo demonstrar que as relações jurídicas envolvendo os indivíduos devem ser respeitadas primordialmente, sob pena de se violar diretamente um princípio basilar do Estado de Direito que é a Segurança Jurídica.
Demonstrar-se-á de forma sucinta e didática, julgado, s.m.j., equivocado, que incluiu o sócio retirante no pólo passivo da execução trabalhista, simplesmente para garantir a plena satisfação do crédito do trabalhador, sem, contudo, observar a relação jurídica ocorrida entre terceiros e, até mesmo, “inter pars”, acarretando com isso uma verdadeira violação à segurança jurídica realizadas entre os indivíduos.
Procurar-se-á demonstrar, ainda, que não obstante os julgados devam sempre buscar a efetividade de suas decisões, não poderão estes, extrapolar os limites do ordenamento jurídico, violando a segurança jurídica das relações existentes.
Para tanto, utilizar-se-á como escopo, a inclusão do sócio retirante no pólo passivo da execução trabalhista, procurando demonstrar a ilegalidade dessa inclusão, bem como os eventuais mecanismos de defesa para a parte incluída no pólo passivo.
2. DA SEGURANÇA JURÍDICA
O Princípio da Segurança Jurídica há muito tempo vem sendo discutido e estudado por doutrinadores renomados de todo o mundo.
Tem-se entendido, que esse princípio encontra-se diretamente vinculado ao Estado de Direito, que surgiu na metade do século XIX, sendo um dos princípios basilares que lhe dão sustentação.
Souto Maior, escreve que “a segurança jurídica transcende o próprio direito positivo, posto estar tal princípio ligado à inspiração da própria criação da norma”[1].
Para tanto, pode-se afirmar que todo cidadão, desde o seu nascimento, já se encontra vinculado a diversas relações jurídicas que o cercam, necessitando, com isso, de uma estabilidade nessas relações, para poder desenvolver-se.
Daí, o julgador ao analisar uma demanda, não pode deixar de observar que “não há justiça materialmente eficaz se não for assegurado aos cidadãos, concretamente, o direito de ser reconhecido a cada um o que é seu aquilo que, por ser justo, lhe compete”.[2]
Assim, no Estado Democrático de Direito, o Princípio da Segurança Jurídica deve sempre ser observado e aplicado, não podendo o mesmo ser preterido sob o fundamento de se garantir um direito a outrem, sem observar a relação jurídica existente. Como exemplo, cita-se o trabalhador hipossuficiente na Justiça do Trabalho. Se certa é a garantia constitucional de recebimento pelo Obreiro de seus direitos decorrentes do contrato de trabalho, certo é também que o instrumento para a busca desse direito deve sempre observar todo o procedimento previsto nos diplomas legais, sem ferir qualquer preceito, bem como a certeza jurídica das relações.
Ademais, é conveniente salientar que o conceito de Justiça no Estado Democrático de Direito, deve está associado ao conceito da Segurança Jurídica, sob pena de as relações jurídicas existentes entre as partes perderem credibilidade e estabilidade, tanto que a CR/88 elenca o Princípio da Segurança Jurídica, em várias passagens, o que pode ser observado desde o preâmbulo até o título II dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Com efeito, reza o preâmbulo da CR/88, in verbis:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, funda na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.[3] – Destaque nosso
No mesmo sentido tem-se o artigo 5º, “caput”, in verbis:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:”[4] – Destaque nosso
E, utilizando-se das sábias palavras de Evandro Silva Barros:
“é necessário lembrar que o texto constitucional ao introduzir a segurança jurídica como um dos de seus princípios, empreendeu-lhe conotação de direito fundamental, uma vez que detém a função de garantir, tutelar e proteger os direitos conferidos aos sujeitos de direito”[5]
Nesse contexto, sempre enfocando o Princípio da Segurança Jurídica é que abordar-se-á todo o conteúdo do presente trabalho.
3. DA RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE
Em decisão recente, mais precisamente em 16/12/2006, a publicação de um acórdão da Quarta Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – Minas Gerais, acarretou uma grave agressão à segurança jurídica decorrente de relações realizadas entre os jurisdicionados.
A mencionada decisão, deu provimento a um recurso de Agravo de Petição para determinar a inclusão, no pólo passivo da execução, um ex-sócio que já havia se retirado da sociedade há mais de 05 anos.
Com efeito dispôs o aresto prolatado pela Egrégia 4ª Turma, in verbis:
“EXECUÇÃO – EX-SÓCIO – RETIRADA DA SOCIEDADE – ART. 1003 DO CÓDIGO CIVIL. Dispõe o parágrafo único do art. 1003 do CCB de 2002: ‘ Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tenha como sócio”. Contudo, o prazo previsto no art. 1003, parágrafo único, do CCB, não limita a possibilidade de se executar o sócio nos dois anos subseqüentes à sua saída do quadro da empresa. Ao revés, a aludida norma impõe a ele a responsabilidade pelas obrigações contraídas até dois anos depois de sua saída, o que alcança o débito exeqüendo contraído a época de sua participação na sociedade”. (TRT – 3ª R – AP 01157.2002.019.03.00.9 – 4ª Turma – Rel. Des. Júlio Bernardo do Carmo – Sessão de Julgamento 29.11.2006 – DJMG 16.12.2006)[6]
Em que pese o louvável esforço da Douta Turma Julgadora para garantir o crédito do Exeqüente, ‘data venia’, esse esforço não pode ser mantido, nem ganhar força nos Tribunais, pois, se é certo que a efetividade da coisa julgada e a plena satisfação do débito, constitui objetivo do Poder Judiciário, certo é, também, que a segurança das relações jurídicas é objetivo igualmente almejado, não sendo louvável que se atropele essas relações, plenamente perfeitas e acabadas, para, a qualquer custo, satisfazer um crédito, ainda que seja o credor hipossuficiente.
É conveniente frisar, que a legislação trabalhista nunca dispôs sobre o limite temporal da responsabilidade do sócio que se retira da sociedade. Entretanto, o entendimento dos Tribunais, sempre direcionou para o fato de que o ex-sócio sempre seria responsabilizado, desde que provado que se beneficiara do trabalho do Reclamante, pouco importando se, no momento do ajuizamento da demanda, o sócio não mais integrava a sociedade.
“EMBARGOS DE TERCEIROS – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE. Aplicação do princípio da desconsideração da personalidade jurídica, o que leva à comunicação dos patrimônios dos sócios e da sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Porém, a responsabilidade do sócio retirante deve ficar limitada aos débitos trabalhistas referentes ao período do contrato de trabalho em que o mesmo participou da sociedade. Agravo provido parcialmente para manter a constrição sobre os bens do embargante, limitando-se, todavia, sua responsabilidade pelos débitos correspondentes ao período contratual em que participou da sociedade. (TRT – 4ª R – AP 50080.006/00.0 – 4ª Turma – Rel. Juiz Hugo Carlos Scheuermann – Sessão de Julgamento – DJRS 20.06.2001)[7]
Ocorre, que no ano de 2002, o Código Civil Brasileiro inovou e fixou em seus dispositivos um prazo para a responsabilização do sócio retirante.
Não existindo na legislação trabalhista qualquer norma sobre o assunto, tem-se pela boa técnica de interpretação do ordenamento jurídico, que os artigos dispostos no CCB passariam a contemplar os casos trabalhistas.
Assim, ante a lacuna na legislação trabalhista, resta evidente que os artigos 1003, parágrafo único e 1032, do CCB, deveriam, ou melhor, deverão ser aplicados nessa Justiça Especializada, sem qualquer ressalva.
Com efeito reza o art. 1003, parágrafo único do CCB, in verbis:
“Art. 1003. (…)
Parágrafo único. Até 2 (dois) anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.”[8]
No mesmo sentido tem-se o art. 1032, in verbis:
“Art. 1032. A retirada, exclusão ou morte de sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até 2 (dois) anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requer a averbaçãpo.”[9]
Com esses dispositivos do CCB, ficou claro que o sócio que se retira da sociedade, somente responde por dois anos pelos contratos de emprego anteriormente firmados.
Frisa-se que, esse limite temporal somente predomina para os casos em que após a retirada da sociedade, seja feita a respectiva averbação no registro civil. A ausência dessa averbação, ou a retirada do sócio informalmente, responde ele não só pelos contratos existentes até 02 anos após a sua saída, como também, pelos contratos posteriores, até que ocorra a averbação.
Assim, “data venia”, a decisão prolatada pela 4ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, não merece prosperar, sob pena de, na busca desenfreada de satisfazer o débito do credor, violar-se o alicerce do Estado Democrático de Direito que é o Princípio da Segurança Jurídica.
4. DA DEFESA DO SÓCIO RETIRANTE
Conforme exposto no transcorrer do trabalho, a retirada de um dos sócios da sociedade, não o torna imediatamente imune aos efeitos decorrentes das obrigações assumidas pela sociedade, nem, contudo, o torna responsável eternamente.
Desde que observada a regra do art. 1032 do CCB c/c art. 1003, parágrafo único, o sócio retirante encontra-se protegido pelo Princípio da Segurança Jurídica.
Ocorre, que não obstante a clareza dos dispositivos do novel diploma cível brasileiro, algumas decisões, como a retro citada, prolatada pelo Eg. TRT/3ª Região, vem provocando enormes transtornos para o sócio retirante, que não obstante cumprir todo o procedimento previsto no CCB, tem seu nome incluso no pólo passivo de uma execução de sentença.
Nesse momento, o que resta ao sócio retirante é defender-se para não ter seu patrimônio violado por, data venia, arbitrárias decisões.
Nesse caminho, dentre vários instrumentos de oposição à inclusão do sócio retirante no pólo passivo da execução, podemos apontar, s.m.j., que o melhor e mais eficaz procedimento é o da Exceção de pré-executividade.
A Exceção de pré-executividade, consiste na possibilidade do sócio retirante, independente de penhora, em qualquer fase do procedimento, submeter ao magistrado, na própria execução, matéria atinente aos pressupostos processuais, condições da ação e nulidades ou defeitos do título executivo, desde que evidentes e plenamente passíveis de julgamento imediato.
Assim, através desse incidente processual, o sócio retirante apresenta ao Juízo suas razões em uma mera petição que após a manifestação do Exeqüente será de plano decidida.
Contudo, deve ser observado que ante a própria natureza do processo executivo, os elementos probatórios das alegações do incidente processual da exceção de pré-executividade, somente poderão ser exercidos de forma sucinta, encontrando-se o mesmo suficientemente provado junto com a fundamentação.
Nesse sentido transcreve Danilo Knijnik, in verbis:
“O primeiro requisito exigível é o que, à argüição, seja absolutamente e de todo dispensável o desenvolvimento de atitudes probatórias de qualquer natureza, devendo as questões fáticas, eventualmente envolvidas na resolução do incidente, apresentar-se inteiramente pré-constituídas. Eventualmente, alguma prova poderá exibir-se, mas, ainda nesse caso, deverá apresentar-se pré-constituída, tal como ocorre na ação mandamental.”[10]
É conveniente frisar que no caso do sócio retirante que atender aos requisitos do art. 1032 do CCB, a sua alegação na exceção de pré-executividade, baseará incisivamente na ilegitimidade para figurar no pólo passivo da execução, devendo apresentar de plano, com a petição desse incidente processual, o contrato social com a devida averbação no registro público.
Recebida a petição do incidente pelo Juízo, este deverá submetê-la ao Exeqüente para impugnação no prazo de 05 (cinco) dias. Após a manifestação, independente de qualquer instrução ou dilação probatória, o Juízo deverá prolatar decisão.
Exposto isso, resta fácil observar que, procedimento exposto acima, garante uma segurança para o sócio retirante, segurança esta que é amplamente almejada pelo Estado Democrático de Direito.
6. CONCLUSÃO
Conforme demonstrado no presente trabalho, algumas vezes, o aplicador do direito, no intuito de garantir a efetividade de um comando exeqüendo, deixa de observar a segurança jurídica que existe entre as relações cotidianas do ser humano.
Esse fato ocorre, principalmente, em relação as recentes decisões na qual há responsabilização do sócio retirante pelos créditos trabalhistas de empregados que prestaram serviços na época em que o mesmo pertencia aos quadros societários da empresa.
Não obstante a existência de dispositivos no CCB que regulamentam a questão, alguns julgadores, extrapolando os limites da razoabilidade e no afã de garantir a satisfação da sentença, acabam por não observar o princípio basilar do Estado de Direito que é a segurança nas relações jurídicas existentes entre os indivíduos.
Assim, entendemos que, o sócio de uma empresa ao se retirar da sociedade, deve buscar primordialmente se resguardar, averbando imediatamente a modificação do contrato, para que, no futuro, na eventualidade de ser incluído no pólo passivo de uma execução de dívida trabalhista, possa utilizar principalmente da exceção de pré-executividade para que não sejam cometidas arbitrariedades contra o seu patrimônio.
Informações Sobre o Autor
Rosendo de Fátima Vieira Júnior
Advogado Trabalhista em Belo Horizonte/MG. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. Pós-Graduado em Direito Social e Pós-Graduando em Educação a Distância.