Resumo: Este estudo objetivou investigar o imaginário coletivo de universitários sobre famílias monoparentais, bem como elucidar os campos psicológicos não conscientes. O método psicanalítico foi operado através da Teoria dos Campos, em próxima interlocução proposta pelo psicanalista José Bleger. O Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema foi utilizado na abordagem coletiva de uma classe de estudantes de Direito. Foram encontrados dois campos psicológicos-vivenciais, que denominamos “família happy day”, e “a dor de uma saudade”.
Palavras chave: Procedimento de Desenhos-Estorias com Tema, imaginário coletivo, família monoparental, psicanálise, direito.
Abstract: The objective of this research is to investigate that consist of the collective imaginary of students about aloneparent families, as well as to elucidate the non conscious psychological field, Therefore, the psychoanalytic method was operated through the Fields Theory, having as groundwork the psychoanalytic theory of José Bleger. The Procedure of Thematic Drawing-and-Telling Stories was used in a collective approach in a classroom of Law students. They were found two fields psychological-living: “family happy day” and “the pain of a longing”.
Keyword: procedure of drawing-stories with a theme, collective imaginary of students, aloneparent families, psychoanalysis, law.
Introdução
A família monoparental, de acordo com Correia (2008), é constituída por um só cônjuge e seus filhos, os quais podem ter diversas idades. Nesse sentido, a família, após a Constituição de 1988 (2003), é considerada uma entidade reconhecida e protegida pelo Estado que pode ser composta por apenas por uma pessoa adulta responsável pelos cuidados e formação de outra pessoa (Winnicott, 1983; 1996).
Já nos anos de 1970 havia grande incidência desse modelo de familiar. Nessa época, predominava o modelo familiar tradicional, conseqüentemente, outros modelos não eram reconhecidos como família. Na atualidade, mesmo com a proteção do Estado e o aumento dessas famílias que hoje representam segundo Correia (2008), vinte e seis por cento dos tipos de configurações familiares, ainda é evidenciado através dos meios de comunicação que o modelo tradicional é o modelo mais almejado. Neste contexto, coube investigar o que as pessoas imaginam acerca dessa família, já que o imaginário coletivo determina condutas (Bleger, 1989) e pode influenciar na qualidade de vida no que diz respeito à dignidade da pessoa humana preconizada pela Constituição de 1988.
A Constituição Federal brasileira reconheceu não existir mais a necessidade da existência de um casal com seus filhos para a configuração de uma família. Posteriormente, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (2008), reafirmou integrar as relações monoparentais quando em seu artigo 42, expressou a possibilidade de adoção independente de estado civil, havendo uma verdadeira subtração do antigo pressuposto do casamento e da exigência de um casal – homem e mulher – para uma possível adoção e construção de uma família.
A formação da família monoparental tem se dado por diversos fatores. Este fenômeno parece ter começado a se evidenciar após as grandes guerras, em função de muitas mulheres ficarem viúvas e se verem obrigadas a cuidar de seus filhos sozinhas. Outro fator preponderante começou a surgir a partir dos anos de 1950, com estudos de Kinsey sobre comportamento sexual (Martins, 2007), os quais influenciaram profundamente os valores culturais dos Estados Unidos durante os anos sessenta, repercutindo no advento da revolução sexual, resultando numa maior autonomia feminina em todos os sentidos, tendo como conseqüência o fato de que, a partir dos anos 70, essa configuração familiar triplicou.
No Brasil, as famílias monoparentais chefiadas por mulheres vem aumentando como demonstra os dados fornecidos pelo IBGE (Correia, 2008), onde em 1970, 82,3% das famílias monoparentais eram chefiadas por mulheres e 17,7% por homens, já em 2003 a proporção é de 95,2% de mulheres e 4,6% de homens. Com isso observa-se que há um crescente número de famílias monoparentais, nos últimos anos, presididas por mulheres. Lôbo (2008) aponta como causa disso a maior facilidade para os homens do que para as mulheres em reconstituírem novas uniões estáveis, conseqüentemente formando novas famílias segundo o modelo tradicional (pai, mãe e filho). Outro fator da monoparentalidade é a questão de os homens, segundo dados do IBGE (Correia, 2008), estarem morrendo mais cedo do que as mulheres, conseqüentemente elas ficam viúvas, muitas tendendo a cuidar de sua prole sozinhas.
Como descrevemos, são várias as situações que levam à formação de uma família monoparental, na qual ocorre à ausência de um casal: por livre vontade, viuvez, situações relacionadas à separação ou casos de adotante solteiro. Cabe-nos como pesquisadores buscar contribuições de ciências instrumentais ao Direito como a Psicanálise, para fornecer uma melhor compreensão do fenômeno da família monoparental no que diz respeito ao imaginário coletivo.
De acordo com Aiello-Vaisberg (1999), o imaginário coletivo pode ser considerado, à luz das propostas blegerianas, como conjunto de manifestações simbólicas de subjetividades grupais, vale dizer, como condutas de âmbito sócio-dinâmico que se expressam na mente, que vem à luz como acontecimento dotado de múltiplos sentidos emocionais (Bleger, 1989). Nesse contexto, a pesquisa sobre o imaginário coletivo comporta tanto sua identificação como a elucidação de seu substrato lógico-emocional não consciente, o que configura a adoção de uma perspectiva psicodinâmica.
Esta concepção coincide com o enquadramento dramático, que propõe estudar os fenômenos humanos em termos de experiência subjetiva enquanto acontecimento dotado de sentido, numa perspectiva psicológica. Nessa linha, o método psicanalítico foi operado através da Teoria dos Campos, que busca o inconsciente relativo, a partir do qual está lógico-emocionalmente estruturada a conduta emergente (Herrmann, 2001).
Metodologia
Realizamos uma entrevista coletiva com trinta estudantes de uma classe da faculdade de Direito. Durante a entrevista, o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema foi utilizado como recurso mediador visando facilitar o estabelecimento de uma comunicação significativa, focalizada sobre a questão da família monoparental.
O Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema foi desenvolvido por Aiello-Vaisberg a partir de procedimento diagnóstico criado, na Universidade de São Paulo, por Walter Trinca (2006). O qual consiste na solicitação de um desenho especificado em termos temáticos, bem como de uma estória sobre a figura produzida (Aiello-Vaisberg, 1999). No presente caso, solicitamos o desenho, na presença do pesquisador, de uma família monoparental. Em seguida, pedimos aos alunos que virassem a página e, no verso, usando a imaginação e criatividade, inventem uma estória sobre o desenho.
Finalizada a entrevista coletiva foi realizada a análise de todos os desenhos-estórias em dois momentos. No primeiro foi feita uma análise do conteúdo manifesto nos desenhos-estórias buscando identificar as produções imaginárias. Num segundo momento os pesquisadores buscaram a elucidação do substrato lógico-emocional não consciente de acordo com o método interpretativo psicanalítico. Os pesquisadores não buscaram o significado verdadeiro de cada comunicação, até porque não existe o tal significado verdadeiro, mas se deixaram impressionar pelas associações que lhes vierem espontaneamente diante das produções dos sujeitos. Ou seja, todo o processo foi presidido pela associação livre e pela atenção equiflutuante que, segundo Aiello-Vaisberg e Machado (2007), são práticas que têm caráter fenomenológico, correspondendo à suspensão de juízos e conhecimentos prévios, bem como à abertura e acolhimento à expressão.
Resultados
A partir da análise e identificação das produções imaginárias, surgiram as seguintes dimensões: definição, causalidade, conseqüências e soluções.
As definições apresentadas a respeito da família monoparental, consideradas por homens e mulheres, tendem a imaginar primeiramente como uma família composta apenas por mãe e filho, seguido por pai e filho. No que se refere as causas, a maior prevalência é a separação dos pais, seguida da morte e abandono de um dos parceiros.
Em relação às conseqüências obtivemos as positivas e as negativas. As positivas são as que na situação de monoparentalidade as famílias podem seguir suas vidas bem adaptadas. As negativas são que algumas crianças apresentam dificuldades de se aproximar das pessoas e de ter amigos para brincar. A discriminação sobre as famílias monoparetais também aparece como um determinante das relações sociais dessas famílias, como também é muito expressivo que as crianças dessas famílias ficam mais vulneráveis, apresentando incertezas quanto ao futuro e sua estabilidade. Aparecem sentimentos de solidão, tristeza, carência afetiva, frustração, revolta, necessidade de atenção por terem perdido o pai ou a mãe e dificuldade de perdoar em função de situações onde houve abandono.
No imaginário dos estudantes aparece claramente o sentimento da falta do pai e de ser diferente em função da monoparentalidade. Como solução, tanto para os homens como para as mulheres, os cuidados com a família monoparental envolvem: ajuda da rede de apoio que implica em fazer amigos, ir à escola e receber cuidados dos demais familiares. A solução mágica aparece apenas em um desenho-estória de uma mulher, no entanto, o recasamento como solução aparece em ambos os sexos.
No que se refere aos campos psicológico-vivenciais sobre os quais se organizam as concepções conscientes, o diálogo de criação/descoberta dos campos não conscientes, subjacentes aos desenhos-estórias pesquisados, resultou na captação de dois campos que denominamos “família happy day”, e “a dor de uma saudade”.
O primeiro refere-se ao campo constituído pela crença segundo a qual a falta de uma das figuras parentais não é impedimento para a felicidade familiar. E o segundo constituído pela crença segundo a qual os genitores são os causadores da infelicidade familiar gerando sofrimento. A “família happy day” utiliza-se de defesas maníacas tais como negação da falta da figura parental ausente e a idealização de uma vida perfeita sem problemas. Já o campo “a dor de uma saudade” se estrutura em cima da depressão.
Considerações finais
A família monoparental tem aumentado muito nas últimas décadas, tanto a nível nacional como internacional. Por isso, estudar a monoparentalidade é importante para a compreensão do que as pessoas imaginam sobre esta questão, já que existe uma predominância social em ressaltar o modelo clássico triangular, ou seja, a família formada por pai, mãe e filhos, como o modelo mais adequado em detrimento dessa nova família que vem crescendo, o que é uma porta aberta para a manutenção da discriminação em relação a outros modelos familiares.
Assim, conhecer os campos psicológico-vivenciais sobre os quais se organizam as concepções conscientes pode facilitar transformações no modo como os grupos sociais concebem a família monoparental, libertando-os de adesões a concepções restritivas que tendem a empobrecer o viver.
Christina_Lousada_Machado.php>. Acesso em: 27 fev. 2007.
Informações Sobre os Autores
Paulo César Ribeiro Martins
Doutor em Psicologia pela Puccamp, Prof. da Universidade Estadual do Matogrosso do Sul, Prof. da AEMS – Faculdades Integradas de Três Lagoas – MS
Ana Paula Denicoló da Costa
Universidade de Passo Fundo
Sahar Juma Mahmud Mustafa Baja
Universidade de Passo Fundo/RS
Tânia Maria José Aiello Vaisberg
Universidade de Passo Fundo/RS