Resumo: O presente trabalho consiste em uma análise do conceito delei segundo o Doutor Angélico . bem como de sua classificação: lei eterna, lei natural, lei positiva. Pretende-se resgatar a importância de uma correta compreensão da lei na atualidade, onde tantos problemas surgem devido ao desconhecimento do mesmo.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. Elementos da lei segundoSanto Tomás de Aquino. Decadência da concepção intelectualista de lei. 3. Efeitos da lei. 4. Qualidades da lei. 5. Classificação da lei. 6. Lei Eterna.. Conceito. Causalidade. Extensão. Promulgação. 7. Lei Natural. Conceito. Preceitos. Propriedades. Lei natural x direito natural. 8. Lei Positiva humana. Conceito. Utilidade. Classificação: lei civil e lei eclesiástica. 9. Lei Divino- positiva. 10. Lei, direito e justiça. 11. Conclusão.
1 – Introdução.
O presente trabalho se refere a análise do conceito de lei segundo Santo Tomás de Aquino.
Se bem é certo que o término lei pode ser utilizado em variados sentidos, como no caso de leis físicas, matemáticas, ou operações técnicas, artísticas, gramaticais, e outros., como reconhecia o próprio Santo Doutor, a maior preocupação desse repousa no sentido moral da lei, ou seja, enquanto diretora dos atos humanos para obtenção de seu fim último.
A preocupação do autor se justifica, pois seu enfoque é enquanto teólogo moralista .
Para que se possa compreender a amplitude e a importância que Santo Tomás dedica ao estudo da lei, convém destacar a posição que o Tratado da Lei possui dentro da obra mestra do autor intitulada “Suma Teológica” ( 1265-1273).
A Suma Teológica é considerada a obra da maturidade de nosso autor e foi por esse dividida em 3 partes: A primeira parte é dedicada ao estudo de Deus em Si mesmo, Uno e Trino. A segunda parte, destina-se ao estudo da criação e do caminho das criaturas para seu Fim , ou seja, Deus; enquanto que na terceira parte encontramos o Tratado de Deus como fim de todas as coisas e os meios que dispõe as criaturas para alcançá-lo.
O Tratado da Lei se encontra na prima -secunda parte, dedicado ao movimento da criatura racional para Deus. Ou seja, a lei é apresentada dentro de um contexto teológico, sendo vistacomo norma diretora de vida, com a finalidade de conduzir os homens a bem-aventurança final.
E como a lei é vista como diretiva dos atos humanos, o tratado da lei está enquadrado justamente dentro dos atos humanos, tendo como função imprimir-lhe caráter moral.
Os atos humanos apresentam princípios ou causas, que tanto podem ser exteriores como interiores. Os princípios interiores são o entendimento e a vontade. Os princípios exteriores são a lei e a graça.
Os princípio interiores de nossos atos, ou seja a inteligência e a vontade, são movidos externamente por Deus, que pela lei instrui o entendimento, e pela graça, movimenta a vontade. E como em sua obra mestra tudo tem seu lugar racionalmente estabelecido, inicialmente se estuda a lei, e posteriormente a graça.
Em plena Idade Média, Santo Tomás destaca em sua obra a primazia da razão. Porém, não desconsidera a influência da vontade na produção da lei.
A razão se constitui no primeiro princípio da atividade humana, e consequentemente, a lei que regula os atos humanos é regulada pela razão. Os atos serão bons ou maus, se estiverem conforme a razão divina e humana, fonte de sua e perfeição e bondade.
2. Conceito.
Daí chegamos ao conceito geral de lei apresentado pelo Santo Doutor, representante máximo da Escolástica, quaedam rationes ordinatio ad bonum commune, ab eo Qui curam communitates habet promulgata ( I-II, q.90, 4) ou seja “ ordem ou prescrição da razão para o bem comum, promulgado por quem tem a seu cargo o cuidado da comunidade”.
Esta é a clássica definição da lei, que se bem seja mais facilmente aplicável a lei humana, também se aplica a lei eterna e a lei natural.
Elementos constitutivos da lei , segundo Santo Tomás. Encontramos, pois quatro elementos: 1) ordenação da razão – causa material; 2) Promulgação – causa formal ; 3) Causa eficiente – representante da comunidade; 4) Bem comum – causa final
Ordenação da razão: segundo Santo Tomás, a lei é certa regra e medida dos atos, segundo a qual se induz alguém a obrar ou se aparta de obrar (ST, q. 1, a 1, ad 3). E como a regra e medida dos atos humanos é a razão, a lei é essencialmente racional, ordenando as coisas para o fim.
Por outra parte, os vários atos que derivam da lei, a saber: mandar, proibir, permitir e castigar trazem em si o selo direto da razão.
Assim, segundo a ética tomista , a lei é essencialmente diretiva de todo os atos humanos, relativamente a sua função prática.
Enquanto o mandar e o proibir se constituem em ato de império, o permitir não possui caráter imperativo, é um juízo da razão. Por fim o castigar é uma estimação acerca da execução. Todos, porém, tem sua origem na razão. Está, todavia, encontra, como já dissemos, seu primeiro motor na vontade.
Promulgação: significa sua manifestação aos membros da comunidade, a fim de que possa ser cumprida.
A quem tem a seu cargo o cuidado da comunidade: ” A lei, própria, primeiro e principalmente se disse ao bem comum. Mas o ordenar algo para o bem comum é próprio de toda a multidão ou de alguém que represente esta multidão. E , portanto, sancionar uma lei ou pertence a toda a multidão ou a pessoa pública que representa toda a multidão. Porque em todos os casos ordenar algo para o fim pertence aquele a quem é próprio ordenar“.( ST, I-II, q. 90. 3. C)
Bem Comum: o bem comum por excelência é Deus. A lei eterna apresenta a Deus como fim de todas as criaturas, tanto racionais como irracionais. Aos seres inferiores, cabe refletir a imitação da glória de Deus (I q. 47, a 1). Já o homem, e conseqüência de sua alma espiritual, poderá ver imediatamente a Deus como Bem Comum, que se cama beatitude.
Portanto, ao dizermos que a lei pertence a razão, e que o primeiro princípio que ordena a razão prática é o fim último, e o fim último é a beatitude, é necessário admitir que a lei se dirige a beatitude.
Decadência da concepção intelectualista de lei: Essa concepção intelectualista de lei começa a desaparecer na Baixa Idade Média
Duns Scot (1266- 1308), escocês, constitui a principal reação voluntarista contra o intelectualismo. Segundo Duns Scot, as leis gerais estão fixadas apenas na vontade divina, excluindo-se toda necessidade racional. A única limitação admitida por Scot está no primeiro mandamento do Decálogo. Todos os demais preceitos, carecem de intervenção racional.
Este movimento é levado ao extremo pelo inglês Guilherme de Ockhan, ao sustentarque os ditados da lei natural caracterizam apenas a vontade divina, chegando ao extremo do primeiro mandamento do Decálogo, admitindo, por conseqüência, a possibilidade de ser bom odiar a Deus, se esta fosse a vontade de Deus.
A conseqüência da negação da razão em prol da vontade, levou ao surgimento do positivismo jurídico, que encontra seu fundamento na vontade arbitrária do homem, seja este um monarca ou mesmo o povo.
Enquantoo intelectualismo tem como princípio a existência de uma estrutura racional, encontrando na razão sua principal potência humana, fonte de conhecimento e diretora da vida, considerando como subordinadas tanto a vontade como o sentimento, o voluntarismo apresenta uma razão inversa, colocando a vontade acima da razão e, consequentemente, diretiva de todos os atos humanos.
3 – Efeitos da lei: Segundo o Doutor Angélico oefeito geral da lei é produzir a bondade moral nos súditos. Mas esta bondade está condicionada a espécie de lei: Assim que a lei eterna, a lei natural e a lei divino – positiva tem como finalidade tornar o homem absolutamente bom. Já quando adentramos no terreno da lei humana, esta só atinge os atos externos, produzindo uma bondade relativa.
Devemos reconhecer a existência de duas ordens de efeitos da lei: o efeito próximo e o efeito remoto. O fim próximo da lei consiste em fazer com que os sujeitos venham a agir de determinada forma. Remotamente, o efeito da lei é tornar os homens virtuosos a fim de que cheguem a bem-aventurança final. A lei impondo a necessidade de certos comportamentos, dirige os atos humanos, dando-lhes sua bondade moral.
A obrigação moral ( 1-2 q. 99 a 1), efeito formal da lei, relaciona o homem ao seu fim último. Sua raiz encontra-se na necessidade do fim.
4 – Qualidades da lei:
Graciano (século III) ensina as qualidades da lei, conforme se observa: Erit autem lex honesta, justa, possibilis, secundum naturam , utilis, manifesta quoque, ne aliquid per obscuritatem in captionem contineat, nullo privato commodo, sed pro communi civium utilitatem conscripta (Decretum, 2,4).Ou seja , a lei positiva deve ser honesta, justa , possível, útil e destinada ao bem comum
Deve ser honesta porque não deve ir contra outra lei superior, a menos que esta sejas contra a lei natural. Deve ser justa, conforme as variadas formas de justiça, a saber: justiça legal, comutativa e distributiva. O contrário redundaria em contradição, pois se a lei é produto da razão, esta não pode ir contra si mesma. Possível, ou seja, não seria racional ordenar leis que ultrapassassem os limites da natureza humana, quer física, quer moralmente. Ainda destacamos que a lei deve ser necessária ou útil ao bem comum, nunca em proveito próprio. Infelizmente hoje constatamos muitas leis em que prevalecem interesses particulares de legisladores ou de categorias de pessoas, caindo por terra todos o sentido de sua existência.
5 – Classificação da lei.
Lei é uma palavra- chave na arquitetura tomista. A laboriosa síntese elaborada por Santo Tomás, recolhe elementos que a tantos pareceu impossível, servindo até hoje de ponto de apoio e referência para toda uma cultura posterior.
Santo Tomás tem como finalidade ensinar ao homem o mais alto nível da vida. E se bem a palavra chave de sua obra seja Lei Eterna, sua pedagogia nos chega até as regras básicas da convivência social, apresentando, portanto o estudo da Lei Eterna, lei natural, lei positiva: humana e divina.
Conceito: A Lei eterna, esclarece Santo Tomás se constitui na “ razão ou plano da divina sabedoria, enquanto dirige todos os atos e movimentos das criaturas” ( I-II. Q. 93, a 1). Trata-se do plano de Deus, para o governo de suas criaturas. É uma conseqüência da divina providência.
Em cada criatura encontramos uma lei própria de sua natureza, conseqüência de um lugar designado por Deus em seu projeto divino. A lei eterna é o arquétipo de todas as demais coisas.
Causalidade . A Lei eterna é causa de todas as demais leis, por diversas formas, ou seja:
a) Causalidade eficiente: ou seja, todas as leis tem na lei eterna, sua primeira moção, só podendo regular sua própria matéria enquanto movidas por ela. Ademais, depende da lei eterna, toda autoridade que vem de Deus.
b) Causa exemplar: Essa ordem se traduz no fato de que a verdade e a justiça que devem regular toda a lei eterna seu princípio de regulação.
c) Causalidade final: todos os fins especificados pela lei estão ordenados ao bem comum por essência, que é o objeto próprio da lei eterna.
Extensão : Todas as coisas criadas estão baixo a lei eterna. A razão desta absoluta extensão da lei eterna é a universalidade do governo divino.
Deus, enquanto Causa Primeira Universal de todas as coisas, autor de suas essências, diferenças e manifestações do ser, conserva e conduz toda sua obra o fim último ou Bem Comum, que é o próprio Deus. Assim, nos parece evidente concluir que a lei eterna invade toda a obra da criação.
Portanto, todos os seres racionais como irracionais encontram-se submetidos a lei eterna, se bem de maneira diferente.
Enquanto os seres irracionais a recebem virtualmente, sem a perceberem, as criaturas racionais participam da lei eterna pelo intelecto. De uma forma ou de outra, todas as coisas estão ordenadas e submetidas pela lei eterna, que é o próprio Deus. Assim ensina Santo Tomás: “Assim, pois, a idéia eterna da divina lei tem caráter de lei eterna, enquanto Deus orienta todas as coisas por ele preconcebidas para governá-las “(ST, I-II, q. 91, a 1 , 1).
Promulgação. Em um primeiro momento, pode parecer impossível a promulgação da lei eterna, uma vez que esta se confunde com o mesmo Deus. Mas, como vimos, a promulgação é da essência da lei, sendo, portanto, indispensável Portanto, analisemos como se dá dita promulgação na lei eterna.
A promulgação da lei eterna apresenta-se de duas formas: eterna e temporal. È eterna pela dicção do Verbo, uma vez que o Verbo é eterno. Porém, por parte da criatura que lê ou escuta é temporal.
7 – Lei natural –
Conceito: A Lei natural vem a ser a “ participatio legis aeternae in rationali creatura” (I-II, q.91, 2), ou seja, participação da lei eterna na criatura racional.
Lei eterna e lei natural formam uma só e mesma lei enquanto a raiz. Porém, devemos reconhecer a existência das duas leis. A lei eterna, por ser a própria razão divina, abarca todo o universo criado, incluindo a vida humana, tanto na ordem natural como sobrenatural. A lei natural refere-se exclusivamente a atividade humana moral, em sua esfera moral, sendo conhecida pelo homem progressivamente. Ao ser uma “participação” da lei eterna será consequentemente finita e temporal, como o homem que a recebe.
Um descrição essencial de lei natural, encontramos na , Introdução a Suma Teológica, I-II, por Santiago Ramirez e outros, q. 94, B.A.C., págs 112 y 113:lei natural são as proposições imperativas ou preceitos universais da razão prática, participada da lei eterna, acerca das coisas boas ou atos intrinsecamente bons ou maus, em ordem ao bem comum da bem-aventurança natural, promulgadas ou impressas naturalmente na razão humana por Deus como legislador e supremo governante da comunidade natural dos homens” .
Enquanto o homem participa da razão eterna de maneira intelectual e racional, o mesmo não passa com a criatura irracional. Por esse motivo, essa participação no homem, chama-se com propriedade lei, enquanto que nas demais criaturas só por uma certa analogia poderá considerar-se lei.
Princípios: Se a lei natural é concebida enquanto algo essencialmente natural, com enunciados universais da razão prática, necessariamente deverá haver uma adaptação a natureza e a modo como atua. Assim, a semelhança do que passa com o conhecimento especulativo, no conhecimento prático, nos encontramos com um processo que parte de princípios evidentes até os mais distantes. Primeiramente encontramos a sindérese, que se constitui nos princípios universalíssimos que nos inclinam a fazer o bem e evitar o mal. Desse princípio se deduzem os demais.
A participação da lei eterna na criatura racional, lei natural, se manifesta no homem em sua inteligência e vontade. Em sua inteligência, fazendo-o distinguir entre o bem e o mal; e em sua vontade, imprimindo uma inclinação para o bem e a eleição dos meios necessários para chegar ao fim.
A lei natural relativamente aos primeiros princípios, é a mesma para todos, seja com respeito a sua retidão como ao seu conhecimento. Porém, existem algumas particularidades deduzidas dos princípios comuns, que em concreto são iguais para todos, mas podem vir a apresentar alguma alteração, em conseqüência da razão distorcida, seja pela ignorância, pelas paixões, pelos maus hábitos ou ainda por fatores externos que influenciam no pensamento humano.
Podemos dizer que a lei natural pode modificar-se quanto aos seus princípios secundários e terciários. Quanto aos princípios secundários, que , como dissemos , são como conclusões próximas dos princípios primários, poderá modificar-se em casos particulares, devido a causas especiais que venham a impedir a observância destes preceitos. Já quanto aos preceitos terciários, que constituem-se em conclusões remotas dos preceitos primários, a mutabilidade é facilmente admitida, pois tais princípios só podem ser alcançados por homens verdadeiramente sábios . Estes princípios terciários caracterizam a lei humana.
A multiplicidade destes preceitos não altera a unidade da lei natural, mas é conseqüência da natureza humana.
Propriedades:a análise acima nos revela que a lei natural apresenta quatro propriedades, a saber: a unidade, a universalidade, a imutabilidade e a indelebilidade. Quanto aos primeiros princípios, os sinderéticos, estas propriedades encontram-se de forma absoluta, pois os enunciados destes preceitos são inerentes a natureza humana. Nada os pode destruir nem arrancar do coração do homem. Em algumas situações, poderão não ser relativizados nos princípios secundários. Já quanto aos princípios terciários, que são propriamente lei humana, há que reconhecer-se que o dinamismo da vida humana e ainda devido as paixões que obscurecem a mente , a lei pode modificar-se.
Reiteramos, porém, que todos estes princípio não alteram a unidade da lei natural. Essa propriedade é sempre absoluta.
Lei natural e direito natural: Existem preceitos morais naturais, como por exemplo a castidade e a temperança, que se bem são objeto da lei natural, não são de direito natural. Este dirige-se especificamente a virtude da justiça, a qual pressupõe alteridade.
8 – Lei positiva humana:
Conceito : Como vimos, a lei natural é uma participação da ei eterna na criatura racional. No entanto, essa participação se limita a alguns princípios comuns, gerais, não chegando até a atividade humana específica, múltipla e variável. Da necessidade do homem de determinar normas particulares, a partir desses primeiros princípios, se chega a lei humana.
A lei humana é algo ordenado a um fim, pois é regra e medida de uma lei superior, que é a lei natural e a lei divina.
Utilidade: Existe no homem uma certa disposição para a virtude. Mas para que se dê a perfeição da virtude é indispensável uma certa disciplina. Para a aquisição desta disciplina é necessário que se rejeite o mal. E para tanto existem as leis. A finalidade é que o homem faça voluntariamente o bem que antes só o fazia por medo do castigo, pela disciplina das leis . Portanto é necessário para a paz e a virtude dos homens que existam leis. Neste sentido ensina Platão, “O Político”, Livro 1, cap.2:” Se o homem é perfeito na virtude é o melhor dos seres vivos, mas se separa da lei e da justiça é o pior de todos , porque o homem tem a arma da razão para levar a cabo suas concupiscências e paixões, coisas que não tem os outros animais”.
Extensão : A lei humana é estabelecida para uma multidão de homens, cuja maioria não é perfeita em virtudes. Portanto, a lei humana não proíbe todos os vícios que se espera que um homem virtuoso se abstenha, mas somente proíbe os mais graves, vícios que a maior parte dos homens se abstém, principalmente aquelas coisas que caracterizam um prejuízo para os demais e, sem cuja proibição não sobreviveria a sociedade, como por exemplo, os homicídios, os furtos, etc.
Classificação: lei civil e lei eclesiástica : A lei positiva humana classifica-se em :eclesiástica , aquelas provenientes da Igreja e destinadas ao bem espirituais dos fiéis, e civil, emanada do Estado pela autoridade competente.
9 – Lei Divino-positiva- Segundo O Aquinate (ST I-II, q.91), além da lei natural e da lei humana, foi necessário a lei divina positiva por quatros motivos. O primeiro consiste em que o homem está destinado a felicidade eterna , que consiste na beatitude. Só que a ordenação dos atos ao fim último excede a ordem natural, sendo necessário a revelação divina, para que o homem se conduza mais adequadamente a este fim. Segundo, por que a incerteza das coisas contingentes e particulares, podem produzir juízos equivocados com respeito aos atos humanos. A fim de eliminar qualquer dúvida sobre o que deve ser feito e o que deve ser evitado, Deus revela, por Ele mesmo, uma lei outorga que ao homem absoluta segurança. Em terceiro lugar, porque o homem pode instituir leis apenas sobre atos externos. Porém o aperfeiçoamento da virtude exige que a perfeição dos atos humanos proceda desde o interior. E para a disciplina destes atos interiores, se faz necessário a lei divina. Por fim, É impossível ao homem proibir e castigar todos os males. Para estes, acrescenta-se a lei divina, onde são proibidos todos os pecados.
A lei divina positiva emana da lei natural por revelação, tanto o Antigo como no Novo Testamento.
Segundo ensina Miguel Sanchez Izquierdo y Javier Hervada ,Compendio de Derecho Natural, Ed. Eunsa, Pamplona, 1980; vol I, págs.77 e 78 citado por prof. J. A Casaubón, sem seu trabalho ” La noción de ley en la edad media” , Anuário de Filosofía Jurídica y Social (Bs.Aires) -6-1986, pág. 107, encontramos as verdades recolhidas no Antigo Testamento, básicas para a compreensão da lei e do direito, a saber: ” a) Existencia de Dios como ser personal y, por tanto, distinto del mundo. b) El hombre ,ser personal. c) La naturaleza humana es buena (aun dañada por el pecado original). d) Dios es el fundamento último del derecho. e) Um compendio de derecho natural (Exodo, 20, 1-27, Decálogo).f) El primer precepto de la vida social y la regla áurea: 1 er. Precepto: Lev., 19, 18, ” Amarás a tu prójimo como a ti mismo”; regla áurea (derivada del anterior): Tob., 4, 16; “Guárdate de hacer jamás a otro lo que no quisieras que otro te hiciera a ti”
Fundamental para compreender a influência do cristianismo são os ensinamentos do Novo Testamento . Este, aperfeiçoa o Antigo Testamento proporcionando um conhecimento mais profundo de Deus, da relação de Deus com o homem e da transcendência da vida humana, elevada pela Encarnação do Verbo.
É necessário salientar que o Decálogo, núcleo básico da lei divino positiva, apresenta em nove de seus dez mandamentos preceitos de lei natural, quanto ao seu conteúdo, se bem que não quanto a forma de promulgação. Por isso São Paulo, em sua Carta aos Romanos, refere-se a revelação natural ( pois a lei divino – positiva pressupõe revelação sobrenatural), obrigando, consequentemente a todos, sem exceção em consciência, conforme ensina em ROM 2, 14-15: “Em verdade, quando os gentios, que não tem lei, fazem naturalmente o que manda a Lei, não tendo Lei, são para si mesmos lei. E com isto mostram que os preceitos da Lei estão escritos em seus corações“. E Rom. 32, 1 ” Se o judeu tinha a Lei escrita pelo dedo de Deus em duas tábuas de pedra, o gentio tinha lei escrita por Deus em seu coração“. Esta é a lei natural, que Deus revela a todos.
10- Lei, direito e justiça:
Para o novo realismo jurídico inaugurado por Santo Tomás de Aquino “a lei não é o mesmo direito, senão certa razão deste” (ST, I-II q. 57, art 1, ad 2), ou seja, a lei consiste em um modelo do que o direito deve ser. Portanto, a lei antecede ao direito. Este, para ser mais perfeitamente conhecido deve ser analisado sob seus três aspectos: objetivo, subjetivo e normativo.
Enquanto que para as demais correntes filosóficos chama-se direito objetivo a lei, o Doutor Angélico torna nítida a distinção, considerando direito objetivo a “res iusta“, ou seja, a coisa justa. Consiste o direito objetivo com aquilo que corresponde a alguém como seu. Ora, o que determina que algo é de alguém é a lei, a que agora passa a ser chamada ” direito normativo”. Dessa forma temos uma consideração muita mais ampla da acepção, passando a ser considerado direito tudo aquilo que me pertence por uma lei que me antecede. O direito subjetivo por sua vez, nada mais é que o próprio direito objetivo enquanto radicado naquele que o detém. A existência do direito, portanto, não fica a mercê de seu exercício por aquele que o detém. O direito identifica-se com o “justo natural”, independente da vontade das partes.
A abordagem tomista apresenta, portanto, o direito enquanto objeto da justiça, constituída esta em dar a cada um o que é seu, ou seja, o seu direito.
Portanto, podemos apontar a seguinte seqüência, fruto da análise exposta: lei, direito, justiça. Ou seja, a lei determina o direito e o cumprimento deste constitui a justiça.
Obviamente que esta afirmação só nos pode valer dentro de um sistema que tem por fundamento a lei eterna, infelizmente negada por muitos, pois caso contrário, cairíamos no horror de considerar direito a determinação de normas emanadas de autoridades arbitrárias, totalmente desprovidas de qualquer conteúdo moral, completamente distantes dos princípios de lei natural, cujo cumprimento jamais traduziria um ato de justiça.
11- Conclusão
Nos resta concluir que, se por um lado as leis humanas mudam, esta mudança é conforme a evolução do homem. Mas a lei de Deus, por ser divina , é absolutamente imutável, perfeita em si mesma, indelével. Não é um fato histórico, presente em um determinado momento, mas é permanente, não muda, porque é perfeita. A Lei eterna é o mesmo Deus, que como Deus, é perfeito, imutável, onipotente e onipresente, governando permanentemente toda sua obra para o fim que Ele mesmo destinou: a beatitude.
Enquanto a Filosofia Jurídica moderna apresenta a lei de uma forma reducionista, onde lei jurídica é sinônimo de lei, a doutrina escolástica, especialmente a desenvolvida por Santo Tomás de Aquino, ultrapassa os limites de uma visão normativa reconhecendo e desenvolvendo de forma inigualável o conceito de lei , visto agora, de forma amplíssima.
Informações Sobre o Autor
Maria de Fátima Prado Gautério
Professora Adjunta na Universidade Federal do Rio Grande. Licenciada em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Católica Argentina “Santa María de los Buenos Aires” – Facultad de Derecho Canonico “Santo Toribio de Mogorvejo”. Doutora em Ciências Jurídicas pela mesma Universidade.