Resumo: Este artigo tem como objetivo esclarecer e relatar alguns pontos dos contratos firmados por meio da internet, modalidade nova e atual de contrato que inicialmente levantou várias questões acerca da proteção jurídica dos consumidores brasileiros, estando o consumidor sob a jurisdição pátria e o fornecedor em jurisdição diversa. Este artigo é preponderantemente teórico-documental, abordando a parte legal e a doutrina que tratam do tema em questão. Concluiu-se, principalmente, que as normas existentes no ordenamento jurídico nacional só podem ser utilizadas caso o consumidor ajuíze ação no foro de seu domicilio, devendo posteriormente buscar o reconhecimento da sentença na jurisdição estrangeira, onde se localiza o fornecedor. [1]
Palavras-chave: Direito do Consumidor; Jurisdição; Competência Territorial; Contratos via Internet.
Abstract: This article has as objective clarify some points and reporting of consumers contracts through the internet, new and current modality of contract that, initially, raised some questions concerning the legal protection of the consumers, being the consumer in Brazilian jurisdiction and the supplier in diverse jurisdiction. One is a preponderantly theoretical-documentary work, to make a revision of literature on the subject and the analysis of the legal system. This one concluded, principally, that the existing norms already in the national legal system can be used in case that the consumer files a suit action in the forum of his living, having later to search recognition of the sentence in the foreign jurisdiction where if it locates the supplier.
Keywords: Consumers rights; Jurisdictions; Territorial ability; Contracts by Internet.
Sumário: 1. Introdução – 2. Internet: aspectos históricos e jurídicos – 3. Relações de consumo e a evolução do direito consumidor no Brasil – 4. A proteção jurídica das relações consumeristas firmadas via internet, seus requisitos de validade e peculiaridades – 5. Conflito entre jurisdições – 6. Conclusões – 7. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Hodiernamente, a internet é um dos instrumentos de comunicação mundial que mais cresce, um verdadeiro fenômeno tecnológico que não obedece às fronteiras e nem a barreiras culturais, envolvendo praticamente todos os países do globo, dos mais aos menos desenvolvidos.
Pode-se dizer que hoje os computadores participam ativamente na administração da economia mundial, estando neles armazenados todos os tipos de informações sobre as pessoas, desde históricos sobre multas de trânsito até extratos bancários. No comércio, a maioria dos estabelecimentos empresariais aceita cartões de crédito, que permitem automaticamente a transferência eletrônica de dinheiro de uma conta à outra.
Esse grande emaranhado de informações tem proporcionado definitivas mudanças econômicas, pois nenhum dos meios de comunicação e nenhuma das tecnologias já alcançadas e conhecidas tiveram tantos impactos na humanidade como a rede mundial de computadores.
Para Bruno (2001), o consumo feito pela internet recebe o nome de e-commerce[2] e pode ser feito de diversas formas. O comércio eletrônico pode ser firmado tanto por uma pessoa física quanto jurídica, dependendo somente da utilização e da finalidade do negócio celebrado. Se for diretamente a um consumidor final, recebe a denominação de Business to Consume[3]. Se for entre parceiros comerciais, que realizam negócios como atividades meio e não os adquirem como destinatários finais, recebe a denominação de Business to Business[4].
Como a internet é um meio de comunicação diferente de todos os outros e por não haver no Brasil uma legislação ímpar que proteja os consumidores virtuais, a questão sobre a proteção do consumidor tornou-se uma das primeiras lacunas jurídicas causadas por essa nova modalidade de comunicação, justificando-se esta análise.
Objetiva-se, com o presente trabalho, o estudo das normas referentes aos contratos firmados por meio eletrônico, especialmente a internet, bem como o conflito entre jurisdições diferentes quando surge um litígio envolvendo consumidor brasileiro e fornecedor estrangeiro, sob o prisma da Constituição da República de 1988 (CR/88) e do ordenamento infraconstitucional brasileiro. Este artigo é preponderantemente teórico-documental, abordando a parte legal e a doutrina que tratam do tema em questão.
2. INTERNET: ASPECTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS
Atualmente, pode-se, por meio de alguns meios de comunicação, operar as mais diversas espécies de atividades, dentre as quais o comércio. E dentro deste comércio, tem-se a internet como um dos mais eficazes instrumentos tecnológicos atuais, se não o mais.
É nesse contexto que se vê a criação de uma rede mundial de informação e de um comércio globalizado entre todos os povos, de forma instantânea e crescente, como bem ensina Franco (1997)[5]:
“No espaço virtual criado pela internet – o ciberespaço – estão sendo concretizadas novas formas de comunicação e acesso à informação que têm um profundo efeito, não só nos processos de apreensão do conhecimento, mas na vida das pessoas em geral”[6].
Ainda em conformidade com Franco (1997), a rede mundial de computadores surgiu nos Estados Unidos, em 1969, com o nome de Arpanet, criada pela agência governamental americana Advanced Research Projetcts Agency – Agência de Projetos e Pesquisas Avançadas (ARPA). A Arpanet conectou os diversos departamentos de pesquisa da própria agência, entre quatro localidades: Universidades de Los Angeles, Santa Bárbara, Utah e o Instituto de Pesquisa de Stanford.
Era inicialmente um projeto militar, desenvolvido com o objetivo de atender às necessidades do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, quando da Guerra Fria. Foi planejada para ser um meio bélico, que visava criar uma rede sem um centro definido, prevenindo ataques nucleares.
Com sua utilização acadêmica, o projeto deixou de ter cunho militar, colocando à disposição de pesquisadores uma ferramenta de troca e busca de informações. Em 1980, a ARPA começou a se integrar com outros centros de pesquisas.
Ao trabalhar com a entidade americana National Science Foundation – Fundação Nacional de Ciências (NSF), em 1985, a rede passou a se chamar internet, deixando de servir apenas às instituições acadêmicas no ano de 1987. Liberou-se, então, seu uso comercial nos Estados Unidos.
Com a popularização dos microcomputadores, a internet passou a atingir várias outras áreas, como meio de entretenimento, diversão e negócio.
Hoje em dia, é a maior rede de computadores do mundo. Descentralizada e totalmente anárquica, conta com milhares de usuários e provedores espalhados praticamente por todo o globo. Os usuários só precisam ligar-se ao seu provedor, que normalmente fica em sua própria cidade, e este se liga a um backbone[7], que se conecta a outros backbones, sustentando toda a internet.
Por este motivo, a internet é uma grande oportunidade para seus usuários, sendo utilizada como meio de pesquisa, comunicação e instrumento comercial de baixo custo. Tal fato se deve à vocação da rede, por estar em utilização 24 horas por dia e 07 dias por semana, significando para as empresas que a usam, grandes chances de comercialização, vez que podem estar abertas e negociando durante praticamente todos os dias do ano, contando com poucos ou quase nenhum empregado.
A rede mundial de computadores no Brasil tem uma história recente, ainda para Franco (1997). Como nos Estados Unidos, era inicialmente restrita a professores, estudantes e pesquisadores de universidades e instituições de ensino ou pesquisa.
Sua instalação e funcionamento só foi concretizada em 1987, com o acesso das Fundações de Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) às redes internacionais, conectando-se às instituições dos Estados Unidos. O que incentivou outras instituições e entidades a participarem na internet.
Em abril de 1995, o Ministério de Comunicações (MC), juntamente com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), decidiram juntar esforços com a finalidade de se implantar uma rede de internet global e integrada, que abrangeu todos os tipos de uso, criando então um backbone nacional de uso misto, tanto de utilização comercial quanto acadêmica.
No mês seguinte, foi criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CG) que se constituia pelos ministérios acima descritos, entidades operadoras de backbones, representantes de provedores de acesso ou informações, representantes de usuários e comunidade acadêmica.
Basicamente, conforme Bruno (2001) e Garcia (2004), o comércio eletrônico através da internet funciona da seguinte forma: o fornecedor disponibiliza ou negocia um produto ou serviço[8] e o consumidor, interessado, o contrata, podendo de variadas formas se dar a contraprestação pecuniária ao fornecedor, seja por débito automático em conta, transferência de fundos, geração e pagamento de boletos bancários ou, até mesmo, por meio de cheques eletrônicos. Quando se trata de fornecedor estrangeiro e consumidor brasileiro, a análise contratual deve ser redobrada, pois não há legislação específica sobre tal assunto, principalmente pela inaplicabilidade das tradicionais noções de territorialidade. Ao ser firmado contrato eletrônico, envolvendo partes sob diferentes jurisdições, fornecedor estrangeiro e consumidor brasileiro, tem-se, como qualquer contrato, a obrigação de adimplemento do negócio jurídico firmado, independentemente do tipo de contratação. Pode ser que esta contratação seja interpessoal[9] ou automática[10].
3. RELAÇÕES DE CONSUMO E A EVOLUÇÃO DO DIREITO CONSUMIDOR NO BRASIL
Segundo Clark (1994), a proteção do consumidor é uma questão internacional para além das fronteiras, inerentes a todos os países. Deve, portanto, ser estudada e trabalhada por todas as áreas de conhecimento, “a fim de que as nações sejam socialmente justas e progressivas”[11].
Em conformidade com Almeida (2000), as relações de consumo surgiram simultaneamente com o próprio comércio. Desde os primórdios, tais relações passaram progressivamente por diversas evoluções e, nos dias de hoje, detêm reconhecimento jurídico e econômico.
No Brasil, já existiam dispositivos legais, codificados e esparsos, que, de certa forma, protegiam o consumidor, como por exemplo, o Código Comercial de 1850, em seus art. 629 a 632, do Capítulo IV – Dos passageiros, contido no Título VI – Dos Fretamentos, constante, por sua vez, na Parte Segunda – Do Comércio Marítimo.
Na lição de Almeida (2000), a década de 1970 representou os maiores marcos do movimento de proteção ao direito consumerista brasileiro, que refletiram no ordenamento vigente. Pode-se citar os discursos proferidos pela então deputada Nina Ribeiro, que alertou sobre os problemas e a necessidade de haver uma proteção maior ao consumidor, e a criação, em 1976, pelo Governo do Estado de São Paulo, do primeiro órgão público de proteção ao consumidor, chamado inicialmente de Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, conhecido hoje por Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), o pioneiro do gênero e que veio a fornecer várias informações para a elaboração do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Já a década de 1980, foi marcada por profundas mudanças políticas, com o fim da ditadura militar e a implantação de uma democracia popular por meio do voto direto. Nesse contexto, foram criadas diversas entidades civis que visavam à defesa dos direitos do consumidor, ainda para Almeida (2000).
Mas o advento da CR/88 foi a maior vitória para o direito do consumo, tendo em vista sua elevação à cláusula pétrea constitucional. O constituinte formulou quatro dispositivos na CR/88, ampliando de forma definitiva os direitos consumeristas e abrindo caminho para a Lei nº 8.078/90 (CDC).
O primeiro dispositivo foi o art. 5º, inciso XXXII, CR/88: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”[12]. Desse modo, a defesa do consumidor tornou-se um direito fundamental, por estar contido no Título II, Capítulo I – Direitos Individuais e Coletivos, da CR/88.
Da mesma forma, o constituinte inseriu o direito consumerista no art. 170, inciso V, CR/88, como um princípio da ordem econômica, ao dispor:
“Art. 170 CR/88 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)
V – defesa do consumidor”[13].
Assim, salienta Horta (1995):
“No enunciado constitucional, há princípios – valores: Soberania nacional, propriedade privada, livre concorrência. Há princípios que se confundem com intenções: reduções das desigualdades regionais, busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte (alterado pela EC nº 6/95); função social da propriedade. Há princípios de ação política: defesa do consumidor, defesa do meio ambiente”[14].
O terceiro dispositivo constitucional atribuiu competência concorrente para legislar sobre os danos ao consumidor, conforme o art. 24, inciso VIII, CR/88:
“Art. 24 CR/88 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”[15];
Mas foi o art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o berço do CDC, uma vez que determinou que: “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de Defesa do Consumidor”[16].
Portanto, em 11 de setembro de 1990, foi promulgada a Lei nº 8.078, que dispôs sobre a proteção do consumidor e deu outras providências. Teve-se, então, a criação do CDC, grande evolução e inovação no ordenamento jurídico brasileiro. Com o advento do CDC, o Direito passou a se preocupar não somente com o consumidor individuo, mas sim com toda a coletividade de mesma índole.
4. A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS FIRMADAS VIA INTERNET, SEUS REQUISITOS DE VALIDADE E PECULIARIDADES
Com a criação da internet e o advento do comércio eletrônico, surgiram muitas discussões a respeito das formas de proteção do consumidor pelo ordenamento jurídico pátrio, especialmente por ter sido facilitado o acesso a produtos estrangeiros.
Nas relações efetivadas por meio de contratos eletrônicos, firmados entre consumidor e fornecedor residentes dentro da jurisdição brasileira, mesmo estando tais partes em diferentes regiões do país, não há qualquer controvérsia, posto que se aplica integralmente o CDC.
Contudo, se uma das partes se encontra em jurisdição estrangeira, sendo o consumidor residente no Brasil e fornecedor no exterior, por exemplo, deve-se observar a relação estabelecida sob os prismas do Direito Internacional Privado e legislações cabíveis, especialmente nas regras estabelecidas no CDC, no Código Civil (CC) e na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), como se verá adiante.
Segundo os ensinamentos de Bruno (2001), os contratos de relações de consumo pactuados através do comércio eletrônico, em especial pela internet, possuem algumas características que o diferenciam dos contratos consumeristas tradicionais.
Os negócios jurídicos firmados pelo modo tradicional possuem, em regra, um contato físico e pessoal entre o consumidor e o fornecedor, o que não ocorre nos contratos firmados por meio da internet. Salienta-se que nos contratos tradicionais, há uma maior facilidade em se verificar a idoneidade das partes, em função de sistemas de proteção ao crédito e ao consumidor.
Com a internet e a facilidade da celebração de um negócio jurídico consumerista, após um simples clique de mouse, essas características se modificaram. Primeiramente, por não haver um contato físico entre o consumidor e o fornecedor e por não existir, em regra, mecanismos que apurem e classifiquem a idoneidade dos contratantes, como nos contratos firmados de forma tradicional.
Diferentemente dos pactos consumeristas oriundos de meios tradicionais, os contratos firmados pela internet possuem dificuldades para se apurar a idoneidade do consumidor, fornecedor ou prestador de serviços, visto que há uma maior facilidade em se criar uma falsa identidade eletrônica ou prestar informações inverosímeis, como por exemplo, o endereço do estabelecimento real ou dos dados que identifiquem alguns dos pactuantes.
Como em qualquer contrato, a celebração do negócio jurídico, por via eletrônica, deve obedecer aos requisitos legais de validade, como a determinação, a patrimonialidade, a licitude, a possibilidade jurídica do objeto e a capacidade plena das partes, salientando que poderá haver dificuldades em se confirmar a idoneidade e identidade pessoal dos envolvidos, especialmente a capacidade deles. Os contratantes devem, então, recorrer a métodos de assinatura e identificação digital, a fim de afastar qualquer vício.
Ressalta-se a licitude do objeto, pois um produto que esteja à venda na internet não é necessariamente lícito no ordenamento brasileiro.
Os negócios consumeristas firmados pela internet podem ser considerados tanto como contratos firmados entre ausentes, como entre presentes.
Será firmado entre ausentes quando não existir um contato imediato e direto entre as partes, devendo o negócio ser pactuado através de correspondência[17] ou por seu intermédio. Será considerado entre presentes quando a proposta de consumo é imediatamente aceita ao ser apresentada pelo proponente.
Como bem salienta Bruno (2001):
“Porém, para delimitarmos, com exatidão, o momento da formação do contrato, temos que verificar a modalidade da contratação (entre presentes ou entre ausentes).
Sendo uma contratação entre presentes, a proposta é obrigatória se imediatamente aceita, momento em que se conclui a fase negocial. Na contratação entre ausentes, o contrato somente está acabado quando, após prazo razoável, a aceitação é expedida (arts. 127 e 1086 do Código Civil).
Sustentamos que o contrato eletrônico é realizado entre presentes naquelas situações de transmissão instantânea, e realizado entre ausentes naquelas em que a formação do vínculo é diferida no tempo.
Portanto, o momento da formação do contrato eletrônico pode diferir, dependendo da simultaneidade, ou não, da declaração da vontade das partes”[18].
Uma vez identificada a modalidade contratual, tem-se que verificar outras características, porque, nestes tipos de pacto, prevalece o principio da ausência de solenidade.
Os contratos consumeristas firmados por meio da internet podem se dar de duas formas: – através de um compromisso no qual o consumidor e o fornecedor estipulam suas cláusulas e o confirmam pelo meio eletrônico; – ou através de contrato de adesão, que é a forma mais comum de se pactuar pela internet, na qual o consumidor, no próprio endereço eletrônico do fornecedor, recebe um contrato já existente, não havendo a possibilidade de se discutir nenhuma de suas cláusulas, cabendo a ele somente aceitar ou recusar o seu conteúdo.
Este contrato de adesão se realiza com a confirmação, pelo consumidor, por meio de um botão eletrônico, conhecido na internet como contrato por clique, como ensina Wielewicki (2001):
“Uma das formas mais correntes de contratação eletrônica são os chamados click-through agreements ou contratos por clique. Os contratos por clique são assim chamados porque seus termos são aceitos mediante confirmação digital na tela de um monitor, geralmente realizada com uso de um mouse.
Antes da realização do negócio jurídico, é aberto um arquivo eletrônico com o texto integral do contrato. A continuação do negócio somente é possibilitada mediante um clique num “botão eletrônico” que veicule uma expressão de concordância com os termos apresentados. Caso a parte não aceite os termos, a formação do contrato não se completa.
Tendo-se em vista a unilateralidade do estabelecimento das cláusulas contratuais, é possível enquadrar a natureza jurídica dos contratos por clique como a de um contrato de adesão”[19].
Quando se tratam de obrigações firmadas entre fornecedor estrangeiro e consumidor brasileiro, ainda há outro fator a ser observado. O idioma utilizado no contrato de consumo, posto que, na maioria das vezes, os contratos encontram-se cunhados em língua estrangeira, o que poderia induzir o consumidor a erro.
Bom dizer também que nas páginas da internet, muitas vezes não se disponibilizam dados importantes do fornecedor ou prestador de serviços, como, por exemplo, o país em que se encontra a sede física da empresa que está disponibilizando seus produtos na rede mundial. Isso dificulta o ajuizamento da ação do consumidor em caso de inadimplemento da relação contratual ou vício redibitório no produto comprado, já que é necessário a verificação do local onde o contrato foi celebrado, para se chegar a conclusão da jurisdição a ser promovida.
Em oposição à facilidade de se comprar pela Internet, tem-se a possibilidade de se causar outros transtornos aos consumidores e fornecedores, uma vez que terceiros estelionatários podem, por meio de dados furtados ou falsos, simular compras on-line. Todavia, essa face problemática das relações firmadas através da internet não é objeto deste artigo, porque tais situações se encontram respaldadas na legislação penal e civil de cada país.
5. CONFLITO ENTRE JURISDIÇÕES
Uma vez concluído o negocio jurídico entre consumidor brasileiro e fornecedor estrangeiro, há questões referentes à soberania do Brasil a serem analisadas, posto que o direito aplicado aqui, não obriga seu reconhecimento imediato por outro Estado.
Sem embargo, podem os Estados reconhecer sentenças alienígenas, desde que sejam cumpridos certos requisitos legais, bem como os princípios fundamentais e a ordem pública, dispostos em seus ordenamentos jurídicos internos, conforme art. 15, da LICC. Assim, pode-se antecipar que, para as decisões jurídicas brasileiras terem validade e eficácia em outros Estados, deve-se observar os ditames do Direito Internacional Público e Privado, de cada nação[20].
E que, antes de se tentar a validade jurídica de uma decisão brasileira em outra jurisdição, deve-se primeiramente observar se essa decisão não fere o ordenamento interno do país em que se busca este reconhecimento.
No ordenamento brasileiro, mesmo não havendo legislação específica sobre o tema em pauta, existem algumas normas e regras que podem ser aplicadas de forma analógica ao contrato consumerista, firmado por meio da internet.
O art. 4º, da LICC, estabelece que: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”[21]. Isto é, se a controvérsia for levada a Juízo, ele não poderá se escusar de julgar por não haver lei especifica sobre o assunto, devendo recorrer a analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito para dirimir o litígio, bem como aos ditames internacionais, o que respalda o art. 126 CPC.
No art. 9º, da LICC, tem-se que: “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”[22]. Ao se analisar o caput desse dispositivo, separadamente de seus parágrafos, deve-se utilizar a lei do local onde se celebrou a obrigação. Portanto, se o consumidor localizado no Brasil, receber proposta de consumo de um fornecedor estrangeiro, em sua casa ou local onde acessou a internet, aplicar-se-á a legislação brasileira.
Entretanto, a internet é um sítio abstrato, ficando difícil de se localizar aonde se celebrou a obrigação, como doutrinam Daoun e Blum (2001):
“Apesar de ser controlada por núcleos de irradiação tecnológica, é certa a noção de que a internet está plantada em local abstrato, ou melhor, terra de ninguém, logo, a conclusão mais imediata que aflora, está fincada na dificuldade em responsabilizar seu dono”[23].
Por sua vez, ao se interpretar os parágrafos do mesmo ditame legal, tem-se que: “destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”[24]. Este parágrafo impõe que a legislação brasileira deva ser aplicada quanto à forma, caso a execução seja aqui realizada.
O maior dilema reside no parágrafo segundo, já que: “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”[25]. Diverge-se acerca desse dispositivo, por ser incoerente com o Direito Internacional Privado brasileiro, posto que, no lugar de se proteger o consumidor, de acordo com as normas constitucionais, faz com que seja privilegiado o fornecedor. Portanto, a jurisdição estrangeira seria a responsável para dirimir os conflitos que possam advir dos contratos consumeristas firmados entre consumidor brasileiro e fornecedor estrangeiro.
Nesse sentido, explica Marques (2002) que:
“Segundo o art. 9º, § 2º, da LICC/42, “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar onde residir o proponente”. A interpretação desta norma se faz pela lex fori (lei brasileira). Como, em matéria de consumo, a lei brasileira material determina que o proponente é sempre o fornecedor (art. 30, CDC), teríamos sempre, se usado o art. 9º, § 2º da LICC/42, a aplicação da lei do lugar de residência do fornecedor para reger os contratos a distância, mesmo os de consumo, como os contratos de comércio eletrônico de consumo. Observar-se-ia, pois, uma forte incoerência do Direito Internacional Privado brasileiro, que em vez de proteger o sujeito constitucionalmente identificado e seus direitos fundamentais (art. 5º, XXXII, da CF/88), privilegiaria o fornecedor com sede no exterior”[26].
De outro turno, entende-se que se o consumidor brasileiro adentrar em site estrangeiro e nele firmar o contrato de consumo, reger-se-á a lei brasileira, pois, independente de ter o site localização estrangeira, ou melhor, independentemente de estar localizado o site em provedor estrangeiro, a proposta de consumo se faz no Brasil. Isso porque, ao adentrar em site estrangeiro, a proposta vem até ao computador brasileiro, ou seja, a proposta se localiza no Brasil, mesmo que a sede da empresa seja em país alienígena, devendo-se aplicar a legislação brasileira. Ademais, o CDC é de ordem pública internacional, cabendo sua aplicação. Nesse sentido, Marques (2002)explicita que:
“A doutrina consumerista geralmente desconhece a teoria das leis de aplicação imediata em Direito Internacional Privado e defende – de lege ferenda – a aplicação da lei local do domicílio ou da residência do consumidor, se a oferta for feita no Brasil, ou que as normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública internacional”[27].
Afirma-se, ainda, que o § 2º, do art. 9º, da LICC, é contrário ao art. 435, do CC, que dispõe: “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”[28]. Na verdade, inexiste antinomia, pois o CC é norma interna, enquanto a LICC é regra de Direito Internacional Privado, em conformidade com Garcia (2004):
“No ordenamento jurídico pátrio, há duas disposições legais que regem a matéria. Prevê o artigo 1.087 do Código Civil[29] que o contrato reputar-se-á celebrado no lugar em que foi proposto, ou seja, considerar-se-á firmado o vínculo no local onde a proposta foi realizada. A Lei de Introdução ao Código Civil, por outro lado, em seu artigo 9º, § 2º, determina que, para reger as obrigações, deverá ser aplicada a lei do país onde as mesmas se constituírem, sendo que a obrigação resultante do contrato será considerada constituída no lugar em que residir o proponente.
A primeira vista, poder-se-ia pensar que existe contradição entre os textos legais supracitados, o que, na verdade, não ocorre. Paulo Sá Elias esclarece que o artigo 1.087 do Código Civil é de direito interno e, por isso, está voltado a disciplinar os contratos quando as partes têm residência dentro do território nacional. Já a norma prevista no § 2º, do artigo 9º, da Lei de Introdução ao Código Civil, é um dispositivo legal de direito internacional privado, que objetiva reger as contratações feitas entre partes que não residem em um mesmo país.
Prossegue o autor explicando que o verbo “residir”, na acepção empregada no artigo 9º, § 2º, da LICC, significa “estar” ou “achar-se em”, não devendo ser tomado no sentido de “ter residência fixa”. Portanto, “o lugar em que residir o proponente significa o lugar onde estiver o proponente”, e não necessariamente onde tem residência fixa. Conclui o eminente advogado afirmando que os artigos 1.087, do Código Civil, e o 9º, §2º, da LICC, se confirmam, posto que ambos visam o local onde foi feita a proposta”[30].
Ainda analisando a LICC, tem-se outros dispositivos que podem ser aplicados à questão levantada, como o art. 17 que dispõe que: “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”[31]. Tal artigo é o resguardo normativo da proteção do consumidor frente à legislação estrangeira, uma vez que ele é amparado por princípio constitucional e pelo CDC. Trata-se, então, de uma questão de ordem pública e de grande interesse social, devendo se aplicar o ordenamento jurídico interno nos conflitos de interesses derivados de contratos consumeristas firmados por meio de meios eletrônicos.
Caso seja analisado o art. 17, da LICC, juntamente com os arts. 4º e 5º, do Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929, conhecido por Código de Bustamante, que promulga a Convenção de Direito Internacional Privado, de Havana, na qual são signatários vários países americanos, tem-se realmente a aplicação da lei nacional para o consumidor brasileiro, porque “os preceitos constitucionais são de ordem pública internacional”[32] e:
“Art. 5º Decreto nº 18.871/29 – Todas as regras de proteção individual e coletiva, estabelecida pelo direito político e pelo administrativo, são também de ordem pública internacional, salvo o caso de que nelas expressamente se disponha o contrário”[33].
Após estas considerações[34], pode-se concluir que é cabível a aplicação das normas contidas no ordenamento jurídico brasileiro, entre elas o CDC, em benefício da proteção do consumidor, caso venha a ocorrer uma controvérsia entre um consumidor brasileiro e um fornecedor estrangeiro, após o estabelecimento de um negócio jurídico por meio da internet.
Com a adequação da realidade jurídica, frente à globalização e aos contratos eletrônicos de consumo firmados através da rede mundial de computadores, tem-se a dificuldade inicial de se aplicar o CDC. Contudo, tal lei pode ser utilizada a todas obrigações eletrônicas, em que o consumidor esteja sob o crivo da jurisdição brasileira, vez que o ordenamento pátrio dispõe de regras e normas que legitimam esse entendimento.
O constituinte, ao estabelecer e determinar a criação do CDC, ampliou de forma bastante objetiva a proteção do consumidor, considerado como a parte mais fraca da relação contratual. Essa fragilidade é mais visível quando se deparada com um fornecedor estrangeiro, visto que as jurisdições são diferentes. No art. 1º, do CDC, já se pode perceber a referência à CR/88, devendo ser obedecidas às diretrizes constitucionais. Assim:
Art. 1º CDC – O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias[35].
Por sua vez, é o art. 4º, do CDC, que disciplina a política nacional das relações do consumo, com a criação dos princípios que devem reger os contratos consumeristas. Esses princípios devem prevalecer a favor do consumidor, pois o mesmo se encontra em desigualdade perante o fornecedor, mesmo estando em jurisdição diferente, já que lhe falta discernimento técnico e fático em relação ao produto ou serviço adquirido.
Dessa maneira, a pergunta que resta é sobre a situação inversa, ou seja, quando o fornecedor estrangeiro for credor do consumidor residente no Brasil. Apesar de ser hipótese rara, tendo em vista o costume de se exigir o pagamento do produto por meio de cartões de crédito internacionais, a mesma pode acontecer.
Nesse caso, caberá ao fornecedor promover a ação cível cabível em face do consumidor, para receber a quantia devida e inadimplida, em função da efetiva entrega do produto. O parágrafo único, do art. 112, do CPC, introduzido pela Lei nº 11.280/06, prevê:
“Art. 112 CPC – Argúi-se, por meio de exceção, a incompetência relativa.
Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”[36].
Com isso, se o fornecedor e o consumidor estivessem sob a jurisdição brasileira e tivesse sido firmado um contrato de adesão entre eles[37], descumprido pelo segundo, no despacho inicial da petição do primeiro, seja em um processo de conhecimento, com pedido condenatório, seja um processo de execução, pela preexistência de título executivo (art. 585, do CPC), o juiz da causa poderá[38] declarar, sem qualquer provocação, a nulidade da cláusula de eleição de foro[39].
Dito isso, se o fornecedor possuir sede no estrangeiro, local elegido pelo contrato de adesão firmado via internet para solucionar as controvérsias decorrentes do pacto, e o consumidor for residente e domiciliado no Brasil, qual seria o foro competente para conhecer e julgar a eventual ação a ser ajuizada pelo primeiro, caso o segundo não pague a dívida constituída no negócio jurídico eletrônico por clique ou automático?
A resposta somente poderá ser uma: o fornecedor deverá ajuizar a ação cabível no Brasil, no foro de domicílio do consumidor (art. 94 CPC), posto que a cláusula de eleição de foro no contrato eletrônico de adesão é absolutamente nula e a proteção do consumidor é uma questão de ordem pública[40].
Isto posto, caso o fornecedor ajuíze a demanda no foro de eleição, no exterior, que venha a ter seus pedidos julgados procedentes pelo juiz alienígena ou cuja execução tenha sido despachada pelo mesmo, o STJ, quando vier a conhecer do pedido de homologação de sentença estrangeira condenatória no Brasil ou vier a outorgar exequatur a carta rogatória executiva, respectivamente, deveria rejeitar tais pretensões, em virtude das decisões ofenderem a soberania nacional, os princípios fundamentais brasileiros e o interesse público indisponível.
6. CONCLUSÕES
Assim, pode-se concluir que o CDC e as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro devem ser aplicadas às controvérsias decorrentes de todos os contratos eletrônicos de consumo. Portanto, tal afirmação garante a possibilidade de ser ajuizada a ação pertinente no território pátrio, no foro de domicílio do autor, em conformidade com o art. 101, inciso I, do CDC.
O consumidor se encontra em desigualdade perante o fornecedor, mesmo estando ele em jurisdição alienígena, por lhe faltar conhecimento técnico e fático relacionado com o produto ou serviço adquirido.
Com isso, o consumidor deve ajuizar ação no foro de seu domicilio, inclusive nos contratos firmados por meio da internet. Entretanto, pode o consumidor, de acordo com o art. 94, do CPC, optar por apresentar a demanda no foro de domicilio do fornecedor, para dirimir possíveis conflitos. Cabe salientar que, estando o fornecedor no estrangeiro, o consumidor terá que se submeter às regras contidas no ordenamento externo.
Caso o consumidor escolha ajuizar a ação em seu domicilio, obedecendo as regras acima expostas, ainda terá que buscar dentro do ordenamento jurídico do país onde estiver localizado o fornecedor, a homologação da eventual sentença condenatória, antes de proceder à sua execução.
Contrariamente, quando o fornecedor estrangeiro for credor do consumidor residente no Brasil, dívida derivada de contrato de adesão eletrônico firmado na internet, ele também deverá ajuizar a ação cabível no Brasil, no foro de domicílio do consumidor (art. 94 CPC), posto que a eventual cláusula de eleição de foro é absolutamente nula para o ordenamento jurídico pátrio e a proteção do consumidor é uma questão de ordem pública.
Por fim, a referida consideração acabaria por proibir a homologação da sentença estrangeira condenatória pelo STJ, caso a demanda seja apresentada no exterior e exista a pretensão do fornecedor em executar seu título no Brasil. Da mesma maneira, vedar-se-ia ao STJ outorgar exequatur às cartas rogatórias citatórias, nesses processos de conhecimento, ou executivas, caso preexistam títulos extrajudiciais e as execuções tenham sido despachadas pelos juízes alienígenas.
Informações Sobre os Autores
Magno Federici Gomes
Pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-doutor em Direito Civil e Processual Civil, Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual, pela Universidad de Deusto-Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor Adjunto da PUC Minas. Coordenador do NADIP da Faculdade Padre Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório Raffaele & Federici Advocacia Associada
Igor Ferry de Souza
Especialista em Direito Processual pelo IEC, da PUC-MG. Egresso da PUC Minas. Advogado.