Perda de chance no direito brasileiro: Implicações jurídicas nas relações médicas

Introdução[1]


Durante séculos, os cânones legais consagrados à medicina tiveram restrito alcance. No início, é de sabença, prevaleceu a necessidade da existência de culpa na sua caracterização. Todavia, o desenvolvimento das civilizações tornou imperioso conferir maior proteção às vítimas, surgindo preceitos com vistas à agressão aos bens supremos, tais como a vida ou a integridade do corpo humano, cujos textos declaravam implicitamente quais os atos ilícitos e previam a aplicação de sanções penais aos seus autores.


As regras de atuação direcionadas aos responsáveis pela saúde das pessoas demoraram a surgir, permanecendo as relações estabelecidas entre profissionais e doentes sob seus cuidados, sem nenhuma tutela especial, não existindo paradigmas aos médicos sobre os atos passíveis de serem ou não executados.


Com a evolução da responsabilidade para a chamada Teoria do Risco, supre-se, em grande parte, a defasagem da clássica Teoria da Culpa, naqueles tempos em voga. Ergue-se, a partir de então, a periculosidade como fundamento, passando a vítima a ser indenizada, não porque o agente tenha culpa, mas porque provocou o acidente. Assim, os juristas da época em curso puderam formular inédita noção de um direito médico, pois não caberia mais vislumbrá-lo somente através de regras esparsas em diversas áreas do direito, seja civil, penal ou público, entre outros, sem desenvolver a percepção da necessidade de ligá-las a uma mesma disciplina. Nesta messe, passa a interessar o ato médico causador do prejuízo, donde se origina a responsabilidade e o conseqüente dever de indenizar. Para ocorrer a indenização é necessária a comprovação do nexo causal, bem como de modo concludente a constatação do evento danoso, resultado de negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro por parte do médico.


Mas, novas visões afloram no campo onde viceja o Direito, ampliando-se o campo da causalidade, a partir da consagração, no direito francês, de um novo paradigma para a imputação do dever de indenizar: a noção da perte d’une chance de guérison – a perda de uma chance de cura. Neste embalo doutrinário, o fato a sugerir inquietação se perfaz na possibilidade de ocorrer um falso deslocamento conceitual da perda de chance, levando-a a ser concebida, unicamente, no mundo causal. Quais os critérios a serem levados em conta quando o nexo causal entre o ato danoso do médico e o prejuízo sofrido pelo doente não estiver perfeitamente determinado? Os julgados inspirados na perda de chance como motivo para a indenização, voltados para a reparação mesmo parcial do dano, atende aos reclamos da Justiça ou abrirá uma senda a caminho da arbitrariedade do juiz frente ao caso concreto?


Pretende-se, nestas laudas, delinear alguns primeiros passos no sentido de imputar responsabilidade civil ao médico pelo insucesso no exercício de seu mister, decorrente de ato comissivo ou omissivo, que venha a causar danos aos seus pacientes, mesmo após um longo decurso de tempo.


Nasce, portanto, a pesquisa, da consciência de que o direito à proteção da saúde humana não pode ser somente a aplicação correta do ordenamento jurídico, sem a consideração do seu fundamento ético, individual e social, com vistas a alcançar o pleno reconhecimento da dignidade da pessoa humana e da sua participação numa sociedade mais homogênea e mais justa em igualdade e liberdade. Em conseqüência, expressa motivação de influir na formação das decisões judiciais sobre o direito à proteção da saúde, através do seu caráter interdisciplinar.


1 Noção de responsabilidade médica


Pesquisa etimológica revela a palavra responsável significando o que responde. Vem daí sua consonância à idéia de reparação, cujo significado subjacente indica a necessidade do dano ser suportado pelo autor, e não pela vítima. Numa acepção jurídica, indica o debitum jurídico secundário nascido da violação de um debitum jurídico primário. Em apertada síntese, explica Sergio Cavalieri Filho ser a responsabilidade jurídica “[…] um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.”[2]


Neste percalço, a responsabilidade médica é entendida como um solo jurídico de excêntrica fertilidade e dinamismo, cultivado teoricamente sob o desígnio peculiar de imputar ao médico a obrigação de reparar os prejuízos causados aos seus pacientes, no exercício do seu ofício, sob circunstâncias consideradas ilícitas, que o vinculam à reparação.[3]


A responsabilidade para o médico é subordinada à existência de três elementos: um fato prejudicial, o dano, e uma relação causal entre o fato prejudicial e o dano.


O fato prejudicial pode ser uma falha, ou o fato de uma coisa, ou o fato de um terceiro. No condizente à falha, o médico é primeiramente ligado a um dever de humanismo médico essencial para informar o paciente e obter sua aceitação ao tratamento indicado, pois a informação dos riscos do ato médico relaciona-se àqueles normalmente verificados na prática: deve ser honesta, desobstruída e apropriada; em segundo lugar, necessita trazer detalhadamente as informações incidentais provenientes do tratamento médico. Depois da informação, o consentimento será coletado, destacando-se, em consonância ao art. 15 do Código Civil brasileiro, o necessário respeito que se deve ter frente à liberdade fundamental do indivíduo recusar qualquer intervenção sobre o seu corpo. Será ainda o médico responsabilizado civilmente pelos danos causados pelas coisas utilizadas na sua profissão: instrumentos, aparelhos e equipamentos, e, para além destes, também os produtos utilizados pelo médico, se ocasionarem dano ao paciente, provocam a obrigação de indenizar os prejuízos havidos. Neste sentido, ensina José Carlos Maldonado de Carvalho: “A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, em suma, está vinculada ao conceito de acidente de consumo, ou seja, toda vez que ocorrer acidente causado em razão de um serviço ou de um produto médico defeituoso.”[4] No mesmo compasso, Hildegard Taggesell Giostri ressalta: “O uso de bisturis, tesouras, pinças, aparelhos de hemodiálise, raios laser, raios X, aparelhos eletro-eletrônicos, bombas de cobalto, instrumentos ortopédicos e cirúrgicos, em suma, qualquer objeto que possa ser classificado como aparelho médico-hospitalar pode gerar a responsabilidade para o médico, ou para o hospital.”[5] Portanto, no Brasil, o médico poderá ser responsabilizado civilmente quando ocorrer algumas hipóteses: se agir culposamente na utilização da coisa em um tratamento médico; se agir com culpa, responderá solidariamente com o fabricante ou importador, ainda que o defeito do objeto seja de fabricação; se agir como fornecedor, será responsável, com suporte na teoria objetiva da responsabilidade. Com relação ao fato de terceiro, também nomeada responsabilidade por fato de outrem, o médico responderá, indiretamente, pelo dano resultante da prática de ato ilícito cometido por alguém ao qual se ligue, por disposição legal (art. 1.521 e art. 932, ambos do Código Civil nacional). Existem, neste caso, dois agentes: o causador do dano e o responsável pela indenização, nascida esta de fato praticado por pessoa por quem se é responsável.


O dano é o prejuízo causado. Alguns autores o entendem como “[…] a existência de um prejuízo, da perda ou desfalque de algo que ao sujeito é passível de ser integrado, quer por inerente ao seu corpo ou a sua personalidade”[6], ou “lesão […] em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”[7], ou, ainda, “lesão a um bem jurídico produzida por fator alheio à vontade da vítima”[8]. É, também, cognominado de “o inimigo comum, fator de desperdício e de insegurança”[9], ou, de forma mais contundente, é visto como “o grande vilão da responsabilidade civil”[10], porque não se falaria em reparação, se não houvesse dano.


A denominada relação causal é, nas palavras de Antonio Cammarota, necessária para a imputação de responsabilidade ao agente.[11] Portanto, um prejuízo somente será atribuído a determinado sujeito se aquele se mantiver em relação a este, dando nascimento ao nexo de causalidade – liação entre dois fenômenos diferentes – através do qual um assume a figura de efeito jurídico com respeito ao outro. Destarte, sem relação de causa e efeito, inexiste responsabilidade.


2 Novo paradigma: a perda de chance


A jovem teoria conduz à reparação de um prejuízo invocado como conseqüência do incumprimento de uma obrigação de informação ou de conselho. Quando a relação aparece mais incerta, é possível recorrer à reparação da perda de uma chance[12], fundado na mera probabilidade da existência de um nexo causal.[13]


A perda de chance é aquele dano do qual decorre a frustração de uma esperança, na perda de uma oportunidade, de uma probabilidade. Neste dano coexistem um elemento de certeza e um elemento de incerteza. O elemento de certeza parte do pensamento de que por não haver transcorrido o evento danoso o prejudicado manteria a esperança de, no futuro, obter um lucro ou evitar uma perda patrimonial. De outro lado, o elemento da incerteza se impõe, porque por não se haver produzido tal evento prejudicial e mantido a chance (ou oportunidade), não se teria certeza da obtenção do lucro ou se a perda teria sido evitada. Em outras palavras, segundo Vera Maria Jacob Fradera, concretiza-se a perda de uma chance: “[…] quando determinado acontecimento não ocorreu, mas poderia ter ocorrido, por si mesmo ou através de intervenção de terceiro. O evento teria sido possível, mas a atuação do médico tornou-o impossível, provocou a perda de uma chance.”[14]


Como se vê, a perda de uma chance é um tipo especial de dano.[15] Não se trata de mitigação do nexo causal, mas, tão somente, do deslocamento do vínculo causal para a perda de chance, constituindo esta, em si mesma, o próprio dano. Constitui-se numa zona limítrofe entre o certo e o incerto, o hipotético e o seguro, tratando-se de uma situação na qual se mede o comportamento antijurídico que interfere no curso normal dos acontecimentos, de tal forma que não mais se poderá saber se o afetado por si mesmo obteria ou não os ganhos ou se evitaria ou não certa vantagem, pois um fato de terceiro o impede de ter a oportunidade de participar na definição dessas probabilidades.


A idéia central da novel teoria é explicitar inconvenientes existentes na comprovação dos elementos formadores da responsabilidade subjetiva (culpa, dano e nexo de causalidade), enfatizando o resultado lesivo. Quando é difícil a prova do nexo de causalidade entre o ato ou omissão culposos do médico e o dano experimentado pelo paciente, admite-se a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento, como elemento prejudicial determinante da reparação.


Portanto, se um indivíduo é privado de diagnóstico correto, sendo desta forma prejudicado em vir a seguir uma terapêutica adequada útil à sua cura, constitui-se a perte de une chance de guérison, considerada, per si, um dano em si mesma. Não sem razão, ao se referir à responsabilidade médica, Irany Novah Moraes diz ser essa examinada a partir do que o médico “[…] fez e não deveria ter feito, deixou de fazer e deveria ter feito, falou e não deveria ter falado ou, ainda, não falou e deveria ter falado.”[16]


Com referência ao quantum debeatur – valor em pecúnia a ser pago pelo réu -, nunca é demais repetir, se a chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, integrada nas faculdades de atuação do sujeito, sua perda deve ser considerada um dano, ainda quando possa resultar dificultoso estimar seu alcance. Nesta concorrência de fatores passados e futuros, necessários e contingentes, existe uma conseqüência atual e certa, em razão do que se aconselha efetuar um balanço das perspectivas a favor e contra e, do saldo resultante, se obterá a proporção do ressarcimento. A indenização deverá ser da chance e não dos ganhos perdidos. A obrigação de reparar é somente parcial, se comparada aos danos finais, por isso não se reivindica a reparação destes, mas somente se considera relevante a perda da possibilidade de serem evitados.


3 A confusão jurídica em matéria de causalidade


Gérard Mémeteau intitula parte de seu livro da seguinte forma: “La confusion: l’invocation de la perte de chance en matière de causalité.”[17] A confusão aqui assinalada se traduz na hesitação freqüente dos juízes na constatação do vínculo de causalidade, nestes casos. Nas suposições freqüentes, onde remanesce uma dúvida, qual é a origem dos danos: a evolução da doença ou o ato que deflagra os danos?


Há alguns anos, a jurisprudência francesa coloca-se no sentido de que se o médico, por sua falha, faz perder as possibilidades de sobrevivência ou de cura aos pacientes, acopla à sua responsabilidade a obrigação de reparar os danos resultantes desta falta.


Em 1963, a Revue Trimestrielle de Droit Civil, publicou acórdão do Tribunal de Grenoble, de 24 de outubro de 1961, cuja fatualidade aqui se descreve: um indivíduo com ferimentos no pulso fez uma radiografia e como nenhuma fratura fora constatada, retomou imediatamente suas atividades laborais. Entretanto, alguns anos mais tarde, ao manejar um objeto pesado, sentiu dores fortíssimas; ao consultar o médico detectou-se, através da primeira radiografia, uma fratura sem deslocamento. A vítima propôs ação contra o médico por não interpretar corretamente a radiografia e o Tribunal de Grenoble considerou ser o diagnóstico faltoso a causa determinante do dano, pois a informação correta permitiria ao doente aplicar um tratamento que poderia evitar a formação de pseudoartrose com persistência de uma fragilidade do pulso. Sendo assim, aceitou o Tribunal a desídia na condução do tratamento, da qual restou imposta ao paciente a privação da cura e condenou o médico ao ressarcimento dos danos.[18]


Esta decisão foi aplaudida por André Tunc, embora destacasse o jurista o caráter aleatório do nexo de causalidade entre o fato – erro de diagnóstico por errônea interpretação da radiografia – e o dano – privação da possibilidade de cura. A partir daí, outros casos ocorreram na jurisprudência francesa, consagrando a noção de perte d’une chance de guérison.[19]


Debate-se, entretanto, existir no campo da responsabilidade médica a facilidade de um deslocamento falso do conceito de perte de une chance para o campo da causalidade. Isso ocorre quando o nexo causal entre o ato danoso do médico e o prejuízo sofrido pelo doente não está perfeitamente determinado e as decisões, atendendo ao clamor daquela definição, terminam por justificar uma reparação mesmo parcial do dano.


O Código Civil brasileiro de 1916 não contemplava esta figura jurídica e o mesmo se repete com o Código de 2002. Decisões inovadoras, entretanto, encorpam uma nova jurisprudência, tendo como influência julgados em diversos países, como França, Itália e Argentina.


No Brasil, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi inédito ao reconhecer a perda de uma chance como fator de responsabilização do hospital que, através de ato médico, permitiu ao paciente portador de pneumonia dupla, procurar a cura em tratamento domiciliar, quando se fazia ainda relevante sua permanência no hospital, resultando, desta atitude, a morte do paciente. Após uma cirurgia, o paciente foi liberado prematuramente e algum tempo depois, queixando-se de febre alta, foi orientado pelo médico a utilizar-se de antipirético. Com a saúde agravada, o paciente foi internado na Unidade de Terapia Intensiva, vindo a falecer. Segundo o relator Desembargador Araken de Assis: “Liberando o paciente e retardando seu reingresso na instituição hospitalar, o apelante fê-lo perder chance razoável de sobreviver, embora a virulência estatística da doença”[20]


Pode-se citar como outro exemplo, desta vez proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decisão onde se acolhe a teoria da perda de uma chance, pela demora no encaminhamento do paciente, recém nascido, para a unidade intensiva.[21]


Nos casos de aplicação da teoria em estudo, o médico, embora agindo com culpa, não é, a rigor, o causador do dano. A relação de causalidade estabelecida entre a culpa do médico e o dano do paciente não é, portanto, natural, mas estritamente jurídica.[22] Não há efetivamente um dano, na acepção que lhe é dada hoje, e sim, a perda da possibilidade de alguém auferir alguma vantagem, em virtude da conduta de outrem. Segundo a doutrina, cabe ao julgador, no caso concreto, verificar a real possibilidade da vítima de alcançar seu objetivo se não tivesse acontecido o evento que lhe tirou a esperança.


Quando se coloca em referência a possível perda de uma chance frente às manipulações genéticas, o problema passa a nível extremamente melindroso. Os erros de diagnóstico detectados neste campo poderão ocasionar a perda ou a privação da possibilidade de conceber e trazer ao nascimento um ser desprovido de malformações; um aborto sem necessidade; ou a morte do indivíduo, vítima da interpretação negligente, por tal razão privado do tratamento vital. A atuação do profissional da saúde diminui a possibilidade de cura desejável, lesão distinta da perda final. A causalidade se impõe, pois não se trata de demonstrar o tipo de culpa a partir da qual de deflagra o prejuízo, mas sim o liame entre o prejuízo e o fato do praticante.[23]


A reestruturação do ordenamento jurídico nacional, com fulcro numa renovada visão das pautas constitucionais, condiz com uma etapa superior na conscientização moral da sociedade, salientada por Vicente Barretto: “A leitura moral da Constituição assim chamada em virtude de estar vinculada à concepção da democracia como um regime político que se fundamenta em valores morais da pessoa humana, permite que se incorpore e leve em consideração no processo de aplicação da lei, ao caso concreto, as finalidades últimas do regime democrático.” Dessa forma, a perda de chance como vínculo da causalidade, parece aqui se arrumar por inteiro, num alerta ao cuidado dos que lidam com a vida humana.


Conclusão


A responsabilidade civil do médico, pelo insucesso no exercício de seu mister, quando venha a causar danos aos seus pacientes em razão da atuação profissional após um extenso lapso temporal, deve ser delimitada. Para ocorrer tal reparação é necessária a comprovação do nexo causal, bem como do modo concludente que o evento danoso ocorreu, resultando de negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro por parte do médico. Nesta seara, há de serem traçados novos contornos à exigência clássica do estabelecimento do vínculo de causalidade entre o fato e o dano.


Cabe dizer, o engenho dos juristas franceses denominado  perte d’une chance de guérison, não é, apenas, um mero recurso jurisprudencial, mas uma exigência da Justiça a serviço do julgador, nos casos relacionados aos erros médicos. Descaracterizá-la como prejuízo e mostrar que a comprovação do dano é habitualmente aceita pelo direito brasileiro, é tarefa cabível aos doutrinadores, juízes e legisladores nacionais. Devem-se reestruturar os conceitos dos diversos institutos civis, entre estes: responsabilidade civil, dano, nexo de causalidade, perda de uma chance, obrigações de fazer e não fazer e excludentes de responsabilidade, no intuito de traçar linha de raciocínio direcionada à necessidade de reformulação da legislação civil brasileira para o assentamento da responsabilidade civil a ser imputada ao autor do dano médico, quando ocorrer a perda de uma chance de cura. A releitura dos conceitos jurídicos existentes necessita pactuar com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ampliando-se o seu alcance ao caso em concreto, com vistas a abarcar as presentes situações colocadas pela imputação de responsabilidade aos profissionais da saúde, quando causarem danos àqueles que estiverem sob seus cuidados. Os danos materiais e morais conexos à vida devem ser indenizados, a partir da comprovação do liame de causalidade entre a conduta do agente e o dano.


Faz-se relevante estabelecer juridicamente a perda de uma chance como vínculo da causalidade, em resposta à necessidade premente de proteção à pessoa humana, ajudando a reordenar os paradoxos e atendendo aos anseios de Justiça do homem da atualidade.


 


Referências

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Notas

[1] Síntese e adaptação de texto contido em: MOTA, Sílvia M. L. Responsabilidade civil decorrente das manipulações genéticas: novo paradigma jurídico ao fulgor do biodireito. Tese (Doutorado em Justiça e Sociedade)–Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2005. [Aprovada, por unanimidade, no Exame de Qualificação, realizado em 15 jun. 2005. Orientador: Professor Doutor Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Membros da Banca Examinadora: Professor Doutor Ricardo Pereira Lira, Professor Doutor José Ribas Vieira e Professora Doutora Fernanda Duarte].

[2] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. 3 tir. rev. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 24.

[3] A respeito é bom ver: RODRÍGUEZ ALMADA, Hugo. Los aspectos críticos de la responsabilidad médica y su prevención. Revista Médica do Uruguay, Montevideo-Uruguay, v. 17, n. 1, p. 17, abr. 2001.

[4] CARVALHO, José Carlos Maldonado. Iatrogenia e erro médico: sob o enfoque da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 66.

[5] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá, 2001, p. 201.

[6] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. O imoral nas indenizações por dano moral. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: dano moral: aspectos constitucionais, civis, penais e trabalhistas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 257.

[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil: Lei n. 10.406, de 10-1-2002. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 7, p. 61.

[8] ELIAS, Helena. O dano moral na jurisprudência do STJ. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 21.

[9] LIMA, Alvino. A responsabilidade civil pelo fato de outrem. 2. ed. rev. e atual. por Nelson Nery Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 267.

[10] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. 3 tir. rev. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 88.

[11] CAMMAROTA, Antonio. Responsabilidad extracontratual: hechos y actos ilicitos. Buenos Aires: DePalma, 1947, p. 113.

[12] JOURDAIN, Patrice. Responsabilité civile: conditions de la responsabilité: le préjudice résultant de la naissance d’un enfant atteint d’un handicap congénital. Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, n. 3, p. 626, jui./sep. 1996.

[13] DE ÁNGEL YÁGÜEZ, R. Algunas previsiones sobre el futuro de la responsabilidad civil: con especial atención a la reparación del daño. Madrid: Cívitas, 1995, p. 75 et seq.

[14] FRADERA, Vera Maria Jacob de. A responsabilidade civil dos médicos. AJURIS: revista da associação dos juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 55, p. 130, 1992.

[15] BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Aspectos da responsabilidade civil e do dano médico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 733, p. 64, nov. 1996.

[16] MORAES, Irany Novah. Erro médico e a lei. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 239.

[17] MÉMETEAU, Gérard. Le droit medical. Paris: Libraire de la Cour de Cassation, 1985, p. 504.

[18] FRANÇA. Tribunal de Grande Instance de Grenoble. Grenoble, 24 oct. 1961. Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, p. 334, 1963.

[19] A Côrte Suprema admite a presunção da prova da causalidade. Neste sentido: FRANÇA. Civ. 1ete., 14 déc. 1965, J.C.P. 1966. II. 14753. Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, p. 181, 1967; FRANÇA. Civ. 1re, 15 jui. 1991, JCP 1993.II 21947, note A. Dorsner-Dolivet et Gaz. Pal. 1992.1. somm. 152. Obs. F. Chabas. Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, n. 3, p. 624, jui./sep. 1996.

[20] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (5. Câmara). Civil. Responsabilidade civil. Falha do atendimento hospitalar. Paciente portador de pneumonia bilateral. Tratamento domiciliar ao invés de hospitalar. Perda de uma chance. 1. É responsável pelos danos, patrimoniais e morais, derivados da morte do paciente, o hospital, por ato de médico de seu corpo clinico que, após ter diagnosticado pneumonia dupla, recomenda tratamento domiciliar ao paciente, ao invés de interná-lo, pois, deste modo, privou-o da chance (perte d’une chance) de tratamento hospitalar, que talvez o tivesse salvo. 2. Apelação provida. Voto vencido. Apelação Cível nº 596070979. Relator: Desembargador Araken de Assis. Porto Alegre, 15 de agosto de 1996. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 1 jan. 2005.

[21] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (3. Câmara). Civil. Embargos infringentes. Responsabilidade civil de entidade hospitalar. Casa de saúde e maternidade. Óbito de recém nascido. Apnéia idiopática seguida de paradas cardiorrespiratórias. Demora no encaminhamento do paciente para unidade de terapia intensiva. Serviço hospitalar defeituoso. Fato do serviço caracterizado. Indenização. danos material e moral. responsabilidade civil objetiva. Teoria da “perda de uma chance”. Recurso conhecido e provido. Embargos Infringentes nº 2002.005.00446. Relator: Desembargador Werson Rego. Rio de Janeiro, 3 de junho de 2003. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 20 nov. 2004.

[22] “Há casos em que não se busca uma causalidade pura, sim uma causalidade jurídica; um motivo suficiente para a imputação do dano; não foi o médico mesmo que, com seus atos, causou o dano. Contudo, podendo e devendo interromper o processo natural da enfermidade, não o fez, ou porque se absteve em absoluto de atuar, ou por haver adotado medidas ineficazes e inócuas, que podem revelar imperícia. O médico terá descumprido, neste caso, uma obrigação jurídica de atuar, e em razão desse descumprimento, o dano resultante de um processo natural lhe é imputável. Observe-se que, em tais casos, não se pode dizer que o médico tenha causado o dano. Precisamente por essa dificuldade de apreciar em muitos casos o nexo causal entre a atuação do médico e o dano sofrido, a jurisprudência francesa vem aplicando há quase 20 anos aquela que se chama doutrina da perda de possibilidades de sobrevivência.” ATAZ LÓPEZ, Joaquín. Los médicos y la responsabilidad civil. Madrid: Montecorvo, 1985, p. 343.

[23] PENNEAU, Jean. La responsabilité du médecin. 2. éd. Paris: Dalloz, 1996, p. 32.


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Sílvia Maria Leite Mota

Advogada


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