Comissão de Valores Mobiliários – CVM – Na solução de questões de relevância de direito financeiro, a Autarquia especial aplicou ato normativo ilícito do Executivo, conflitante com o princípio da legalidade

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Resumo: 1. A autarquia e seu conceito. 2. A ilicitude do decreto 3.995/2001. 2.1. O controle abstrato. 3. Conclusão


Palavras-chave: Regulamento autônomo – Decreto – Ilegalidade – In constitucionalidade – CVM. – Autarquia especial.


Abstract: 1. The city and its concept. 2. Illegality of Decree 3.995/2001. 2.1. The abstract control. 3. Conclusion.


Keywords: Autonomous regulation – Decree – illegality – Inconstitutionality – The CVM. – Special authority.


1. Pelo conceito legal[1] a Comissão de Valores Mobiliários é entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, com autonomia financeira e orçamentária e competência firmada pelo artigo 8º da lei 6.385/1976.


1.1. A inegável relevância da atuação da CVM, – e de seu viés político, promovendo e disciplinando a internacionalização do mercado de valores mobiliários, no tocante à entrada e saída de recursos do país, bem como coibindo atos ilegais de administradores e controladores de companhias abertas (entre outros), – cuja atuação sempre é objeto de matérias de repercussão na imprensa nacional,[2] requer legislação rigorosa e eficiente, o que parece não acontecer. A razão, óbvia, é a manifesta ilegalidade das normas jurídicas secundárias editadas, que não atendem sequer, minimamente, às regras do direito público e a orientação doutrinária, e que resultam na nulidade dos atos.


2. Em 31 de outubro de 2.001, a Presidência da República, na atividade privativa sua, editou o Decreto 3.995, nos termos da alínea “a” do inciso VI[3], do artigo 84 da Constituição Federal, mas alterando e acrescentando dispositivos para modificar a lei precitada, na matéria reservada a decreto, que seria autônomo. Ora, a nossa doutrina[4] não acolhe os regulamentos autônomos. Em primeiro lugar, segundo Michel Temer,[5] porque a legalidade é princípio básico do sistema: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II). “Somente o instrumento normativo (formal), nascido da manifestação do Legislativo, pode alterar modificar ou suprimir artigo de lei preexistente: jamais um decreto administrativo, o que afronta o nosso sistema constitucional e o princípio da reserva legal. “Onde se estabelecem, alteram-se ou extinguem direitos, não há regulamento – há abuso do poder regulamentar, invasão da competência legislativa”, anota Pontes de Miranda.[6]


Em suma: é prerrogativa do Chefe do Executivo, haurida no texto constitucional (artigo 84, VI, “a”), editar decretos dispondo sobre normas destinadas à Administração, não se podendo restringir o exercício desse poder, mas desde que não invada a competência de outro Poder. Se o fim visado for alteração de lei, e se a matéria comportar, pode o Presidente da República editar medida provisória para tanto, que tem a mesma força do ato legislativo, mas nunca por decreto, face o critério hierárquico das normas, que é baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra.


Isto assentado resulta que os regulamentos no direito constitucional brasileiro são editados secundum legem. Eles não têm o poder de inovar a ordem jurídica nem criar deveres e obrigações (RDA, 132:303).


2.1. Mas, embora essa ilicitude possa ser argüida incidentalmente no juízo singular, essas crises de legalidade que irrompem no âmbito do sistema de direito positivo, caracterizadas por inobservância, pela autoridade administrativa, do seu dever jurídico de subordinação normativa à lei, revelam-se, por sua natureza mesma, insuscetíveis do controle jurisdicional abstrato (direto) “cuja finalidade exclusiva restringe-o, à aferição de situação configuradoras de inconstitucionalidade.” E é isso precisamente, nesse aspecto, o que a jurisprudência tem entendido (cf. STF – Pleno –Adin nº 365/DF – Ag. Rg. – Rel.Min. Celso de Mello).[7]


3. Conclusão – O decreto autônomo 3.995, de 31 de outubro de 2001, editado pela Presidência da República, não pode, a título de a matéria ser da competência privativa do Chefe do Executivo, nos termos do artigo 84, VI, “a”, da Constituição, alterar, acrescer ou revogar parcialmente dispositivos de lei formal e material que trata de matéria financeira, o que só pode ser feito por outra norma superior ou da mesma hierarquia, pena de subversão da ordem jurídica em vigor.


Por isso, a interpretação que o Executivo admitiu como correta do inciso VI, do artigo 84 da Constituição, não pode nem mesmo ser vista com seriedade jurídica, pois afronta princípios consagrados do nosso direito constitucional. Jorge Miranda é que nos dá a medida certa para a conclusão a que chegamos: a interpretação constitucional tem de ter em conta condicionalismos e fins políticos inelutáveis e irredutíveis, mas não pode visar outra coisa que não sejam os preceitos e princípios jurídicos que lhes correspondem. Tem de olhar para a realidade constitucional, mas tem de a saber tomar como sujeita ao influxo da norma e não como mera realidade de fato. Tem de racionalizar sem formalizar. Tem de estar atenta aos valores sem dissolver a lei constitucional no subjetivismo ou na emoção política. Tem de se fazer mediante a circulação norma – realidade constitucional – valor.[8]


 


Notas:

[1] Artigo 5º da lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976.

[2] Cfr. reportagens: “Trio da Ambev fecha acordo com a CVM” e “Ex-dirigentes da BrT são multados por pagamento (…)”, publicadas na ” Folha de S.Paulo” em 25/12/2009 e 27/12/2009, respectivamente.

[3] Inciso com redação determinada pela Emenda Constitucional 32, de 11/09/2001.

[4] Roque Carrazza demonstra a inexistência dos regulamentos autônomos no seu “O Regulamento no Direito Tributário Brasileiro”. E do mesmo autor, “Curso de Direito Constitucional Tributário”, P.250. Diógenes Gasparini também sustenta a inexistência desses regulamentos no seu estudo “Poder Regulamentar”.

[5] “Elementos de Direito Constitucional”, 2.002, 18ª ed., Malheiros, p.160.

[6] “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 2ª.ed. t.III, pág. 314.

[7] No mesmo sentido: confronte as decisões do STF na Adin nº 311, Rel. Min. Carlos Veloso; na Adin nº 531 – Ag. Rg. – Rel. Min. Celso de Mello; e na Adin nº 536, Rel. Min. Carlos Veloso. Confira ainda: RTJ 138/436.

[8]Teoria do Estado e da Constituição“, pág. 451, 1ª edição (2ª tiragem), Editora Forense,RJ.


Informações Sobre o Autor

Sergio Miranda Amaral

Advogado (OAB 34438/SP) Procurador do Município (aposentado)


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