Sumário: Introdução. 1- Breve histórico. 2 – Algumas polêmicas trabalhistas advindas com a Lei 11.101/2005. 2.1 – Da limitação do crédito trabalhista privilegiado a 150 salários mínimos. 2.2 – Da alienação livre de ônus e sucessão dos bens do devedor. 2.3 – Da competência para execução de créditos trabalhistas em processo de recuperação judicial e falência. 3 – Uma breve exposição das polêmicas no plano internacional. 4 – Conclusão. 5- Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Há cinco anos, em 09.02.2005, foi publicada em edição extra no Diário Oficial da União a lei 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
E o escopo do presente trabalho é apontar as principais modificações trazidas pela nova legislação falimentar na área do Direito do Trabalho, demonstrando algumas polêmicas surgidas e o posicionamento adotado pelo Poder Judiciário para a solução dos impasses advindos com as mudanças das novas regras, sem deixar de apresentar uma breve exposição das controvérsias no plano internacional.
1. BREVE HISTÓRICO
O direito falimentar brasileiro até a edição da lei 11.101/2005 foi regulamentado pelo Decreto-lei 7661, de 21 de junho de 1945.
Não obstante a introdução da lei falimentar no ordenamento pátrio em 1945, na área trabalhista, os trabalhadores, já gozavam de proteção para a hipótese de falência de empresas desde 1943 com a entrada em vigor da Consolidação das Leis Trabalhistas, cuja redação original do artigo 449, ‘caput’ e parágrafo primeiro da CLT previa um privilégio especial para os Obreiros, recebendo estes, prioritariamente, o seu crédito, em face dos demais credores:
“ART. 449. Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.
§ 1º. Na falência e na concordata, constituirão crédito privilegiado a totalidade dos salários devidos ao empregado e um terço das indenizações a que tiver direito, e crédito quirografário os restantes dois terços”[1]
Posteriormente, em 25.06.1957, através do Decreto 41721, foi ratificada pelo Brasil a Convenção 95 da OIT, cujo artigo 11 dispunha:
“Artigo 11. 1. Em caso de falência ou de liquidação judiciária de uma empresa, os trabalhadores seus empregados serão tratados como credores privilegiados, seja pelos salários que lhes são devidos à título de serviços prestados no decorrer de período anterior à falência ou à liquidação e que será prescrito pela legislação nacional, seja pelos salários que não ultrapassem limite prescrito pela legislação nacional.
2. O salário que constitua crédito privilegiado será pago integralmente antes que os credores comuns possam reivindicar sua parte.
3. A ordem de prioridade do crédito privilegiado constituído pelo salário, em relação aos outros créditos privilegiados, deve ser determinada pela legislação nacional”.[2]
Por respeito ao leitor do presente trabalho deve ser mencionado que a Convenção 95 foi superada pela Convenção 173/OIT que dispõe sobre a proteção dos créditos trabalhistas em caso de insolvência do empregador e que não foi ratificada pelo Brasil.
Após a ratificação da Convenção 95/OIT, em 14.10.1977, o artigo 449 da CLT sofreu modificação em sua redação, sendo alterado o parágrafo primeiro do artigo para adequação da norma trabalhista aos itens do artigo 11 da convenção da Organização Internacional do Trabalho.
“Art.449. (…)
§1º Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito”.[3]
A promulgação da Constituição da Republica em 1988, não trouxe nenhuma regra expressa e específica sobre créditos trabalhistas resultantes de empresas em processo de concordata (instituto que existia na época) ou empresas cuja falência tenha sido decretada.
Por fim, em 09/02/2005, após longos estudos e debates publicou-se a Lei 11101 que foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio para regular a recuperação judicial, extrajudicial e a falência, provocando profundas modificações, principalmente na esfera trabalhista, originando inúmeras polêmicas, sendo algumas tratadas a seguir.
2. ALGUMAS POLÊMICAS TRABALHISTAS ADVINDAS COM A LEI 11.101/2005
A Lei 11101/2005 provocou uma verdadeira flexibilização em alguns institutos do Direito do Trabalho, com mudanças consideráveis no privilégio de recebimento do crédito trabalhista do Obreiro e na sucessão.
A nova lei, ainda, ratificou o posicionamento do decreto-lei anterior que fixou a competência da Justiça Estadual Comum para a execução dos créditos trabalhistas de empresas em processo de falência.
Estas, portanto, serão as polêmicas abordadas a seguir no presente trabalho.
2.1 DA LIMITAÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA PRIVILEGIADO A 150 SALÁRIOS MÍNIMOS
Reza o artigo 83 da lei 11.101/2005 que:
“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;”[4]
Analisando o dispositivo legal citado acima, verifica-se que a lei 11101/2005 introduziu modificação na preferência dos créditos trabalhistas em relação ao Decreto-lei 7661/45.
Pela legislação anterior os trabalhadores detinham a primazia sobre os demais créditos, assumindo a preferência no quadro geral de credores, independente do limite de valores.
“Art. 102. Ressalvada a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sobre cuja legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em conformidade com a decisão que for proferida na Justiça do Trabalho, e, depois deles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:”[5]
Logo, a lei 11101/2005 foi alvo de severas críticas por parte de muitos estudiosos do direito, ante a modificação introduzida que limitou o privilegio do crédito trabalhista em 150 salários mínimos, perdendo o valor excedente a preferência no recebimento.
O conceituado advogado Dr. Clovis Brasil Pereira em artigo publicado em maio de 2005 asseverou que
“essa alteração foi ao nosso ver um retrocesso no que tange aos direitos dos trabalhadores das empresas, principalmente para os mais antigos, que acumularam ao longo do tempo créditos oriundos de direitos trabalhistas com a empresa e foram preteridos pelo legislador na partilha dos créditos da falida”.[6](6)
Dr. Marcos Fernandes Gonçalves, apontando violações do artigo 83, inciso I da lei 11101/2005 aos artigos 1º, inciso IV; 5º, caput; 7º, incisos IV, VI e XXX da CR/88 ressaltou que
“Em verdade, diante dos dispositivos constitucionais aplicáveis à espécie, não vislumbramos outra exegese senão considerar como direito fundamental a garantia integral dos créditos trabalhistas, na hipótese de falência do empregador. Nessas condições, entendemos que o artigo 83, inciso I, da Lei 11101/05, vai de encontro a basilares princípios constitucionais.”[7](7)
Além desses argumentos expostos acima, ainda, outros pontos de inconstitucionalidade foram aduzidos por juristas como: a violação ao direito adquirido e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ante a inversão da proteção de outros vencimentos em detrimento do crédito alimentar.
Por outro lado, os estudiosos defensores da limitação do crédito trabalhista argumentaram que não houve violação constitucional alguma, posto que não houve perda dos valores excedentes por parte dos trabalhadores, mas, tão-somente, uma alteração na ordem de preferência do valor excedente a 150 salários mínimos, tendo sido preservado o mínimo essencial à sobrevivência do credor trabalhista.
Aduziram os defensores da limitação do crédito privilegiado que, ao contrário de ferir os Princípios da Isonomia e da Dignidade da Pessoa Humana, essa limitação foi ao encontro deles por ter assegurado que um número maior de credores fosse alcançado pelo valor disponível.
Afirmaram, ainda, que o artigo 83, inciso I serviu para evitar fraudes no processo falimentar, a partir do momento que inibiu o ajuizamento de ações decorrentes de contratos de falsos empregados com elevados salários, que utilizavam dessa manobra jurídica para esgotar todos os recursos da massa falida.
Nesse sentido posicionou-se o renomado jurista Fabio Ulhoa Coelho que manifestando sobre a limitação do crédito privilegiado trabalhista em sua obra Comentários à Nova Lei de Falências, aduziu:
“(…) A preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nesta situação”.[8](8)
Ademais, os defensores da corrente que prestigiaram o artigo 83, inciso I da lei 11101/05 rebateram as alegações levantadas pela corrente contrária sobre a violação do citado dispositivo legal ao artigo 7º, inciso IV da CR/88. Argumentaram que o inciso IV do artigo 7º da Constituição da República vedou a indexação do salário mínimo somente para prestações periódicas, o que não é o caso debatido.
Diante da polêmica, o P. Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3934 DF, posicionou-se pela inexistência de qualquer violação aos dispositivos constitucionais à limitação do crédito trabalhista privilegiado.
“(…)Também nesse tópico não vejo qualquer ofensa à Constituição no tocante ao estabelecimento de um limite máximo de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, para além do qual os créditos decorrentes da relação de trabalho deixam de ser preferenciais.
É que – diga-se desde logo – não há aqui qualquer perda de direitos por parte dos trabalhadores, porquanto, independentemente da categoria em que tais créditos estejam classificados, eles não deixam de existir nem se tornam inexigíveis.
Observo, a propósito, que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, significou o rompimento com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-Lei 7661/45, cujo principal enfoque girava em torno da proteção e não da preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais.”[9]
E prosseguiu o voto do Ministro Relator da ADI:
“(…) as disposições da Lei 11101/2005 abrigam uma preocupação de caráter distributivo, estabelecendo um critério o mais possível equitativo no que concerne ao concurso de credores. Em outras palavras, ao fixar um limite máximo – bastante razoável, diga-se – para que os créditos trabalhistas tenham um tratamento preferencial, a lei 11101/2005 busca assegurar que essa proteção alcance o maior número de trabalhadores, ou seja, justamente aqueles que auferem os menores salários.
Assim, forçoso é convir que o limite de conversão dos créditos trabalhistas em quirografários fixado pelo art. 83 da lei 11101/2005 não viola a Constituição, porquanto, longe de inviabilizar a sua liquidação, tem em mira, justamente, a proteção do patrimônio dos trabalhadores, em especial dos mais débeis do ponto de vista econômico.”(9)
E, quanto a violação ao artigo 7º, inciso IV da CR/88, o voto do Ministro Relator em um único parágrafo assentou:
“(…) por fim, que não encontro nenhum vício na fixação do limite dos créditos trabalhistas, para o efeito de classificá-los como quirografários, em salários mínimos, pois o que a Constituição veda é a sua utilização como indexador de prestações periódicas e não como parâmetro de indenizações ou condenações, de acordo com remansosa jurisprudência desta Suprema Corte”.(9)
Tem-se, portanto, delineada e pacificada a primeira polêmica apresentada no presente trabalho que foi trazida pela lei 11101/2005.
2.2 DA ALIENAÇÃO LIVRE DE ÔNUS E SUCESSÃO DOS BENS DO DEVEDOR
Outro ponto de bastante polêmica trazido pela lei 11101/2005 foram as redações dos artigos 60, parágrafo único e 141, inciso II.
“Art. 60 (…)
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no §1º do artigo 141 desta lei.
Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – (…)
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.”[10]
Acontece que, pela redação dos dispositivos supra citados verifica-se que os mesmos conflitam diretamente com os artigos 10 e 448 da CLT.
“Art. 10 – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.
Art. 448 – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”.[11]
Com fundamento nesses dispositivos celetistas entenderam alguns juristas que a modificação introduzida pelos artigos 60, parágrafo único e 141, inciso II da lei 11101/2005 significou um retrocesso para o trabalhador em prol dos interesses capitalistas.
Afirmaram esses juristas – por todos cita-se Dr. Guilherme Guimarães Feliciano apud artigo do Dr. Luiz Salvador[12] – que os dispositivos legais, ora em comento, ao elidir a responsabilidade trabalhista do sucessor provocaram apropriação capitalista do trabalho da pessoa humana sem a respectiva contraprestação equitativa, posto que o antigo titular da empresa tornou-se insolvente e o sucessor juridicamente irresponsável.
Sustentaram, ainda, a inconstitucionalidade dos artigos 60, parágrafo único e 141, inciso II, por afronta aos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana; do Trabalho e do Pleno Emprego, insculpidos nos artigos 1º, incisos I e IV; VI e 170, VIII da CR/88.
Entretanto, a corrente majoritária entendeu que a modificação introduzida pela lei 11101/2005, além de ter aumentado a chance de continuidade da empresa por outros administradores, também preservou por conseqüência os postos de trabalho e os salários dos trabalhadores.
Citando as palavras do Magistrado do TRT/RJ Dr. Alexandre de Souza Agro Belmonte
“(…) a empresa, como atividade negocial, gera negócios que possibilitam a inserção de trabalhadores para o respectivo desenvolvimento, gerando, portanto, empregos e ocupações. É preferível que ela subsista e, subsistindo, que subsistam os empregos, e subsistindo os empregos, que subsistam os salários.”[13]
Quanto a inconstitucionalidade apontada pela corrente contrária, por violação aos artigos 1º, incisos I e IV; VI e 170, VIII da CR/88, rebateram os defensores dos artigos da lei 11101/2005, aduzindo que a dignidade da pessoa humana encontra-se no exercício do seu labor e no percebimento do seu salário e o pleno emprego somente se consubstancia com a existência e continuidade da unidade produtiva de emprego.
Provocado a manifestar sobre a inconstitucionalidade das redações dos artigos da lei 11101/2005, o P. Supremo Tribunal Federal, no voto do Ministro Ricardo Lewandowski na ADI3934/DF entendeu que não há “qualquer ofensa direta aos valores implícita ou explicitamente protegidos pela Carta Política”.
Para o Ministro Relator:
“No caso, o papel do legislador infraconstitucional resumiu-se a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que entendeu mais idôneo para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de maneira a assegurar-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o qual se defrontou”.[14]
E prossegue:
Do ponto de vista teleológico, salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades – não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada – , autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais exerceu, a teor do disposto no artigo 170, III, da Lei Maior.
Por fim, concluiu:
“Por essas razões, entendo que os artigos 60, parágrafo único e 141, II do texto legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no aspecto em que estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas, particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e a função social da propriedade – de cujas manifestações a empresa é uma das mais conspícuas – em detrimento de outros, com igual densidade axiológica, eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria.”
Tem-se, portanto, mais uma vez, a nova legislação que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário, o apoio do P. Supremo Tribunal Federal que rechaçou por completo todas as alegações de inconstitucionalidade dos artigos 60, parágrafo único e 141, inciso II da lei 11101/2005.
2.3 DA COMPETÊNCIA PARA EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA
Na vigência do Decreto-lei 7661/45, com fulcro nos artigos 7º, §2º e 23, sedimentou-se o entendimento no sentido de que a competência para executar os créditos trabalhistas no caso de empresas em processo de falência era da Justiça Comum.
“Art. 7° É competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil. (…)
2º O juízo da falência é indivisível e competente para todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios da massa falida, as quais serão processadas na forma determinada nesta lei. (15)
Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos.”[15]
Após a promulgação da Emenda Constitucional 45, que modificou a redação do artigo 114 da CR/88 para ampliação da competência da Justiça do Trabalho, surgiu uma nova corrente defensora da competência da Justiça do Trabalho para executar os créditos trabalhistas das empresas em processo de falência.
Asseverava essa corrente que a ampliação do alcance da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45 para abranger não só as relações de emprego, mas, também, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, atraiu a competência da justiça especializada para a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresas em processo de falência.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (…)
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”.[16]
Aduziam ainda que não existia qualquer previsão legal conferindo ao Juizo Estadual jurisdição sobre matéria eminentemente trabalhista, razões pelas quais a competência deveria ser da Justiça do Trabalho por força do artigo 114, inciso IX da CR/88.
Não obstante a polêmica surgida com a promulgação da Emenda Constitucional 45, a publicação da lei 11101/2005 ratificou o posicionamento do decreto-lei anterior, dispondo em seus artigos 6º, §§1º e 2º e 76:
“Art.6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
§ 1o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.
§ 2o É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.”[17]
A despeito da corrente surgida, defensora da competência da Justiça do Trabalho ante os termos do artigo 114, inciso IX da CR/88, o entendimento predominante continuou a ser pela competência da Justiça Estadual para julgamento das execuções em processo de falência e recuperação judicial.
Aduziu essa corrente que apesar da Emenda Constitucional 45 ter ampliado a competência da Justiça do Trabalho com a modificação do artigo 114, esta, por si só, não atraiu a execução do crédito trabalhista na falência ante a existência dos Princípios da Indivisibilidade e da Universalidade do Juízo da Falência.
Nesse sentido, entendeu-se que a força atrativa do juízo universal alcançaria a execução dos créditos trabalhistas, subsistindo a competência da Justiça do Trabalho tão-somente para tornar líquido o valor devido.
Para tanto, cita-se o entendimento do C. Tribunal Superior do Trabalho:
“FALÊNCIA. CRÉDITO TRABALHISTA. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA. LEI N 11101/2005. As ações trabalhistas serão processadas na Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito para posterior habilitação no juízo universal da falência (art. 83 da Lei 11101/2005), pois não obstante o crédito trabalhista tenha precedência na ordem de classificação dos créditos na falência, está sujeito a rateio com os demais créditos trabalhistas. Recurso de Embargos a que nega provimento.” (TST – E-RR- 507.991/1998-0, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, SBDI-1, DJ de 24.06.05)[18]
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA PROSSEGUIR COM A EXECUÇÃO. Esta corte sedimentou o entendimento de que após a decretação da falência a Justiça do Trabalho é competente para apurar o valor devido aos empregados, que deverão habilitar seu crédito junto ao Juízo Universal da Falência. Agravo desprovido.” (TST – AIRR – 16.550/2002-902-02-00-6, Rel. Juiz Convocado Luiz Ronan Neves Koury, 3ª Turma, DJ de 03.02.06)[19]
E o P. Supremo Tribunal Federal ao analisar a competência para execução de créditos trabalhistas em processos de recuperação judicial e falência, com efeito, decidiu:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DECRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 11101/2005, EM FACE DO ART. 114 DA CF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. I – A questão central debatida no presente recurso consiste em saber qual o juízo competente para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial. II – Na vigência do Decreto-lei 7661/1945 consolidou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos ora discutidos é da Justiça Estadual Comum, sendo essa também a regra adotada pela lei 11101/05. III – O inciso IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou do legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho. IV – O texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que se afigure convenientemente o julgamento pela Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações que pretende regrar. V – A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime anterior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao julgamento do processo de conhecimento. VI – Recurso Extraordinário conhecido e improvido.” (STF – RE 583955-9 – RJ, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Pleno, DJE 28/08/2009)[20]
Pelo exposto, observa-se que neste ponto a Lei 11101/2005 não trouxe nenhuma inovação ou polêmica para a área trabalhista, tendo a nova legislação apenas ratificado os dispositivos do Decreto-lei 7661/45 que previa a execução dos créditos trabalhistas pela Justiça Comum.
3. UMA BREVE EXPOSIÇÃO DAS POLÊMICAS NO PLANO INTERNACIONAL
Após a exposição de alguns pontos relevantes e polêmicos trazidos pela Lei 11101/2005 com repercussão na área trabalhista, o presente trabalho procurará demonstrar neste tópico, em breve exposição, algumas das controvérsias acima delineadas, no plano internacional.
A OIT, inicialmente, através da Convenção 95 e posteriormente pela Convenção 173 sempre protegeu e protege os créditos trabalhistas em todos os casos relativos à dificuldade econômica do empregador, com objetivo do pagamento coletivo dos credores.
Nesse sentido, citam-se trechos do guia “Normas Internacionais do Trabalho”, publicado pela OIT, cujo capítulo 10, dedicado aos salários, elucida:
“Convenio (núm. 95) sobre la protección del salario, 1949
– El objetivo del Convenio núm. 95 es el de garantizar el pago seguro, rápido e íntegro de los salarios. (…)
En caso de quiebra o de liquidación judicial de una empresa, se consideran créditos protegidos los salarios debidos:
– por los servicios prestados durante un período anterior a la quiebra (o a la liquidación), que será determinado por la legislación nacional; o
– que no exceden de una suma fijada por la legislación
nacional.
– La legislación nacional deberá determinar la relación de prioridad entre el salario que constituya un crédito preferente y los demás créditos preferentes. (…)
Convenio (núm.173) sobre la protección de los créditos laborales en caso deinsolvencia del empleador, 1992 (…)
En caso de insolvencia del empleador, los créditos adeudados a los
trabajadores en razón de su empleo, deberán quedar protegidos:
– ya sea por un privilegio, de modo que sean pagados con cargo a los activos del empleador insolvente antes de que los acreedores no privilegiados puedan cobrar la parte que les corresponde (Parte II del Convenio);
– ya sea por una institución de garantía (Parte III)”[21]
Na Europa, a lei espanhola garante preferência absoluta do salário do último mês sobre qualquer outro crédito até o limite de dois salários mínimos interprofissionais (art. 32 – Estatuto de Los Trabajadores). Quando concorrem créditos salariais dos trabalhadores da empresa com créditos de outros credores, os primeiros gozam de preferência.
“Artículo 32.Garantías del salario
1. Los créditos por salarios por los últimos treinta días de trabajo y en cuantía que no supere el doble del salario mínimo interprofesional, gozarán de preferencia sobre cualquier otro crédito, aunque éste se encuentre garantizado por prenda o hipoteca.
2. Los créditos salariales gozarán de preferencia sobre cualquier otro crédito respecto de los objetos elaborados por los trabajadores, mientras sean propiedad o estén en posesión del empresario.”[22]
No Uruguai, a Lei 14490/75 que disciplinava em seus três artigos a caducidade dos créditos trabalhistas teve sua constitucionalidade questionada por violação ao artigo 53 da Constituição daquele país.
“Artículo 1°.
Declárase con carácter de interpretación auténtica (Artículo 13 del Código Civil), que todas las acciones por cobro de cualquier clase de prestación que adeude o deba cumplir el empleador con motivo o a causa de la relación de trabajo sin excepción alguna, y desde las fechas de las leyes de la materia que por la presente se interpretan, caducan indefectiblemente al año subsiguiente del día en que debieron cumplirse las mismas.
Artículo 2°.
Deróganse todas las disposiciones que hacen referencia a términos de prescripción, o establecen distintos de prescripción, o de caducidad, para hacer efectivas las prestaciones mencionadas en el artículo anterior.
Artículo 3°.
Decláranse de oficio los tributos causados en los juicios en trámite, cualquiera sea la instancia en que se encuentren, y en los que los Jueces suplan de oficio, o a petición de parte, la excepción de caducidad establecida por esta ley.”[23]
“Artículo 53.- El trabajo está bajo la protección especial de la ley.
Todo habitante de la República, sin perjuicio de su libertad, tiene el deber de aplicar sus energías intelectuales o corporales en forma que redunde en beneficio de la colectividad, la que procurará ofrecer, con preferencia a los ciudadanos, la posibilidad de ganar su sustento mediante el desarrollo de una actividad económica.”[24]
Na Argentina, o artigo 196 da lei 24522 prevê a suspensão do contrato de trabalho com a falência, tendo o empregador sessenta dias para retomar a atividade, sob pena de rescisão do contrato dos empregados. Neste país, não há sucessão de empregadores, sendo formado um novo vínculo de emprego com o sucessor.
“ARTICULO 196.- Contrato de trabajo. La quiebra no produce la Disolución del contrato de trabajo, sino su suspensión de pleno derecho por el término de SESENTA (60) días corridos.
Vencido ese plazo sin que se hubiera decidido la continuación de la empresa, el contrato queda disuelto a la fecha de declaración en quiebra y los créditos que deriven de él se pueden verificar conforme con lo dispuesto en los Artículos 241, inciso 2 y 246, inciso 1.
Si dentro de ese término se decide la continuación de la explotación, se considerará que se reconduce parcialmente el contrato de trabajo con derecho por parte del trabajador de solicitar verificación de los rubros indemnizatorios devengados. Los que se devenguen durante el período de continuación de la explotación se adicionarán a éstos. Aun cuando no se reinicie efectivamente la labor, los dependientes tienen derecho a percibir sus haberes”.[25]
Por fim, para não estender o trabalho e deixá-lo cansativo, tem-se que no Brasil, historicamente, o crédito trabalhista sempre gozou de privilégios absolutos que foram flexibilizados pela Lei 11101/2005 com a posterior anuência do Supremo Tribunal Federal, conforme demonstrado acima.
Tem-se, portanto, demonstrada em uma breve exposição a visão no plano internacional sobre os pontos polêmicas levantados no presente texto.
4. CONCLUSÃO
Pelo exposto, pode ser verificado neste trabalho que Lei 11101/2005 promoveu uma verdadeira modificação de paradigmas em alguns institutos trabalhistas interrelacionados com o direito falimentar.
Créditos do trabalhador e sucessão de empregadores no caso de empresas em processo de recuperação judicial e falência sofreram verdadeiras flexibilizações e após muita discussão nesses anos de vigência da lei, o P. STF decidiu pela constitucionalidade dos artigos inovadores, sempre ressaltando o Tribunal Supremo a relevância das alterações para preservação da continuidade das fontes empregadoras, bem como a relevância da limitação do crédito privilegiado para possibilitar um alcance maior na repartição dos valores da massa falida.
Entretanto, dos pontos polêmicos relatados e pacificados pelo P. STF, o Autor do presente trabalho, data venia, ousa, humildemente, discordar do entendimento de constitucionalidade dos artigos 60, 81 e 141 da lei 11101/2005, por entender que o crédito trabalhista tendo natureza alimentar e sendo instrumento da garantia de sobrevivência do trabalhador, não pode ser preterido sob nenhum pretexto, sob pena de inviabilização da própria existência digna do ser humano.
E quanto a competência para execução dos créditos trabalhistas de empresas em processo de quebra, o Autor do presente trabalho manifesta que, não obstante a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 114, inciso IX da CR/88, o Juízo responsável pelo julgamento da falência é quem deve atuar, sob pena de se tornar inviável a administração da massa falida.
Com essas opiniões manifestadas ao final, tem-se por finalizado o presente trabalho que procurou abordar de forma singela a repercussão provocada pela lei 11.101/2005 na área trabalhista nesses cinco anos de vigência dessa norma.
el 26 de noviembre de 1994, el 8 de diciembre de 1996 y el 31 de octubre de 2004. Disponível na internet:http://www.parlamento.gub.uy/constituciones/const
Informações Sobre o Autor
Rosendo de Fátima Vieira Júnior
Advogado Trabalhista em Belo Horizonte/MG. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. Pós-Graduado em Direito Social e Pós-Graduando em Educação a Distância.