Sumário: Introdução. 1. Conceito e preconceito. 2. Opressão e libertação. 3. Aspectos jurídicos. 4. Projeto de lei e direito comparado. 5. Conclusão. Referências bibliográficas
“O direito, criado pelo homem, é assim, um instrumento de sua liberação permanente, uma continuada possibilidade de encontrar sua própria identidade, de ser de acordo com sua livre escolha”. (Carlos Fernández Sessarego)
Dedicamos este trabalho a todos aqueles que lutam pela prevalência dos direitos humanos.
1. INTRODUÇÃO
“O Direito não é uma pura teoria, mas uma força viva.” (Ihering, A Luta pelo Direito)
O presente trabalho deverá partir da premissa e da compreensão de alguns termos e significados, os quais serão importantes para abordamos o nosso tema proposto, o qual seja das uniões homoafetivas face ao Ordenamento Jurídico Brasileiro.
Ao buscar o significado de algumas palavras, teremos de delimitar o do verbo incluir que encontramos os seguintes sinônimos: abranger, envolver, implicar, acrescentar, somar e fazer parte.
Contudo, o ideário legal e de justiça desta palavra está intimamente ligado ao substantivo feminino exclusão, que é o seu antônimo.
Por que estamos utilizando estes verbos?
Falar de homossexualidade hoje em dia, além do tabu e do preconceito, significa falar em exclusão.
Excluído, legalmente falando, é todo aquele que está à margem da Lei, aquele que não merece proteção legal específica.
O principio basilar da democracia é o respeito às minorias.
Por isso o que se pretende com este estudo é tentar resgatar a cidadania de homens e mulheres que são preteridos, diariamente, no mercado de trabalho, são assassinados e discriminados no cotidiano do convívio social.
Na verdade o que se quer é desmarginalizar estas pessoas que buscam o amor e a felicidade na vida em comum com alguém igual a si.
Muito além do preconceito e do menosprezo, este nosso trabalho procura afastar o não reconhecimento a alguns dos direitos inerentes ao ser humano, os quais sejam à vida, liberdade, igualdade e dignidade.
A ciência do Direito tem abordado muito pouco as uniões homoeróticas, e quando o aborda, quase sempre de forma preconceituosa, a ponto de extirpa-la da realidade jurídica.
Entendemos que é da maior relevância esclarecer o assunto do ponto de vista dos direitos humanos e da cidadania.
É de se notar que o tema tem causado muitas controvérsias entre os juristas e operadores do Direito, causando limitações na aplicação de um direito tão elementar quanto o direito de ser.
A ninguém é dado ignorar que a heterossexualidade não é a única forma de expressão da sexualidade da pessoa humana. A sociedade atual vive uma lacuna frente às pessoas que não são heterossexuais. Elas não tem como regulamentar a relação entre si e perante a sociedade, tais como pagamento de impostos, herança, benefícios previdenciários, etc. Esta possibilidade de parceria é reconhecida apenas entre heterossexuais. E os tantos outros? O Direito, portanto, não pode negar tal realidade.
Este trabalho pretendeu, esclarecendo e desvendando o assunto, fazer valer o direito à orientação sexual, notadamente a homossexual, enquanto expressão dos direitos à pessoa humana. Se os indivíduos tem direito a busca da felicidade, por uma norma imposta pelo direito natural e reconhecida pela Constituição Federal, não há porque continuar negando ou querendo desconhecer que muitas pessoas só são felizes se ligadas a outras do mesmo sexo. Longe de escândalos e anomalias, é forçoso reconhecer que estas pessoas só buscam o respeito às suas uniões enquanto parceiros. Respeito e consideração que lhes é devido pela sociedade e pelo Estado.
A pesquisa pretendeu demonstrar que o processo de criação de um novo instituto legal que disciplina a união entre pessoas do mesmo sexo é plenamente compatível com o nosso ordenamento jurídico, tanto nos aspectos formais quanto de conteúdo. É instituto que guarda perfeita harmonia com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – constitucionalmente garantidos – de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3o., I e IV CF). Estaria aí incluído a discriminação por orientação sexual? Acreditamos que a resposta é afirmativa.
Entendemos que discriminar por sexo, é discriminar por orientação sexual, uma vez que o sexo da pessoa a quem se orienta é que determinará a heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade.
Ainda que não fosse esta a compreensão do referido inciso, poderíamos nos ater ao seu final: “… outras formas de discriminação”.
De uma forma ou de outra, chegaríamos a conclusão que a Constituição veda este tipo de discriminação.
Mas vamos além.
Esta mesma Carta, no seu artigo 5o. estabelece que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza.
Não podemos pelo simples fato da demonstração da sexualidade dizer que um individuo é “diferente”, ou seja, há uma diferença somente no que concerne a sua orientação e não pode com isso haver desigualdade na satisfação da sua cidadania, posto que todos são cidadãos com mesmos direitos e deveres.
Tal direito também deverá ser garantido tendo em vista a intimidade e a vida privada, inciso X do referido artigo.
Como se depreende de sue conceito, a sexualidade está diretamente ligada à vida privada, ao íntimo, que nada mais é que o repositório de segredos e particularidades do foro moral e íntimo do indivíduo.
Sendo a sexualidade uma das formas de realização desta intimidade, como não garanti-la aos companheiros/as homossexuais?
Notamos então, que estes princípios e garantias constitucionais são um dos alicerces fundamentais de uma sociedade democrática que respeita i indivíduo em sua plenitude, devendo, portanto, servir como parâmetro para qualquer definição que se queira alcançar.
Não obstante estas conjecturas, é forçoso enaltecer a importância de um legislativo e de um judiciário que busca minimizar a parcela de excluídos, abrindo espaços para a formação de um verdadeiro estado de direito.
A sociedade brasileira é dinâmica e abarca uma diversidade de relações. O Direito brasileiro deve acompanhar as mudanças sociais e contemplar, sempre que possível, essa diversidade. A união entre pessoas do mesmo sexo vem contemplar apenas um dentre tantos aspectos dessa diversidade que compõe a sociedade brasileira. É mister que se preencha a lacuna jurídica existente no que diz respeito a essa forma de relação, a fim de que se proteja a dignidade da pessoa humana que dela participe e se promova a visibilização dessa relação, com respeito que lhe é merecido por parte de toda sociedade.
O presente trabalho é relevante do ponto de vista científico e principalmente jurídico. Em toda a sociedade que se diz e se pretende democrática e pluralista, o direito não pode servir como obstáculo à transformação social, pelo contrário, deve ser instrumento de proteção ás conquistas e demandas sociais.
A possibilidade de legalizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo torna possível a reparação de notórias injustiças, como os casos onde o parceiro morre e seu companheiro ou companheira do mesmo sexo é excluído(a) de qualquer participação em um patrimônio que também é seu, pois ajudou a construí-lo, em decorrência de vários anos de convivência.
Acreditamos estar expressando nesse trabalho os anseios de uma parcela considerável de brasileiros e brasileiras, que lutam contra o preconceito e apenas esperam ver reconhecidos seus legítimos direitos de cidadão, como já fazem outros países.
Relacionamentos pessoais baseados num compromisso mútuo, laços familiares e amizades duradouras são parte da vida de todo ser humano. Eles satisfazem necessidades emocionais fundamentais e prevêem segurança e aconchego em horas de crise em vários momentos da vida, inclusive durante a velhice. É um poderoso instrumento contra a falta de raízes, protege e mantém a integridade dos indivíduos. Com essa intenção, a relação permanente e compromissada entre homossexuais deve existir como possibilidade legal.
Ao mesmo tempo a aceitação legal da união civil entre pessoas do mesmo sexo encorajará mais gays e lésbicas a assumirem sua orientação sexual. Longe de “criar” mais homossexuais, essa realidade somente tornará mais fácil a vida das pessoas que já vivem esta orientação sexual de forma clandestina. A possibilidade de assumir o que é, tem como conseqüência a diminuição da angustia e também, uma maior possibilidade de proteção à saúde, principalmente em relação à AIDS. O que é proibido gera vergonha, dissimulação e, muitas vezes, medo. A possibilidade da união estável, mesmo que não exercida, reduzirá problemas criados pela necessidade de esconder a própria natureza, de não ser reconhecido(a) socialmente, viver em isolamento ou na mentira. O Brasil é um país no qual os homossexuais, masculinos e femininos, têm sofrido extrema violência.
Raras são as semanas que não se sabe de um assassinato violento. Uma das portas que leva à violência é a homofobia. A aceitação da homossexualidade – a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo – favorecerá e certamente diminuirá o comportamento homofóbico e conseqüente agressão. A lei, além de aceitar e proteger a realidade, prevê um respaldo social importante.
A possibilidade de oficializar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, permitirá, como nas uniões heterossexuais, que em períodos difíceis os parceiros possam ser ajudados. Os casais heterossexuais casados quando passam por problemas, enfrentam vários fatores que impedem uma ruptura imediata. Situação muito diferente enfrentada pelos homossexuais que geralmente mantém relações secretas, ignoradas pela família e amigos, que não oferecem ajuda nas situações de crise.
Uma parceria legalizada será sinal de que os parceiros do mesmo sexo, para suas famílias, amigos e sociedade, desejam manter uma relação de compromisso. Isso será enfatizado pelo status formal e legal da união. Muitos parceiros homossexuais acham uma injustiça que mesmo depois de muitos anos de coabitação, ainda são considerados – legal, econômica e socialmente – meramente como duas pessoas que simplesmente dividem uma residência.
A maioria dos homossexuais sozinhos não é reconhecida pelas famílias. As pessoas com orientação homossexual possuem a mesma necessidade de segurança e proximidade que as pessoas com orientação heterossexual, e devem ter direito ao mesmo apoio nas relações permanentes.
Nos movemos em direção a esse tema por ser muito escassa a literatura jurídica do assunto em questão, como também entendemos ser de fundamental importância a pesquisa jurídica neste campo, uma vez que se trata da conquista de direitos fundamentais para o pleno exercício da cidadania. Sentimo-nos desfiados a revelar as dimensões destas relações em termos mais científicos e menos preconcebidos. Ademais, a satisfação de podermos contribuir com a elucidação do tema abordado, quase sempre envolto de certa obscuridade, certos de que com isso, estaremos melhorando as condições de vida de uma parcela considerável da população brasileira.
Inúmeros países do mundo têm garantido o legítimo direito de união entre pessoas do mesmo sexo.
No Brasil, o projeto de lei neste sentido que tramita pelo Congresso, foi sucintamente analisado no decorrer do trabalho.
Sem sombra de dúvida, acreditamos que a criação de um novo instituto que regulamente as uniões homoeróticas, afetaria a vida das pessoas de maneira positiva por ser uma conquista com relação aos direitos humanos e pelo pleno exercício da cidadania.
2. CONCEITO E PRECONCEITO
“A ignorância é a vizinha da maldade” (Antigo provérbio árabe)
Quando se propõe a tratar de uma questão cientificamente, é necessário recorrer à terminologia, principalmente quando o assunto a ser estudado é controvertido e envolto de preconceitos, como é o caso do tema do presente trabalho.
A maioria das opiniões sobre a homossexualidade são preconcebidas, uma vez que quase sempre ocorre a interferência de juízos de valor moral e religioso que por séculos tem dominado a questão.
As pessoas que praticam o homoerotismo, ainda hoje, são vistas por muitos como depravadas, desvirtuadas, invertidas, imorais, doentes e foras-da-lei.
Mister se faz, portanto, recorrer a análise dos diversos conceitos da homossexualidade, conscientes de sua complexidade, uma vez que abrange aspectos biológicos, psicológicos, sociais, comportamentais e jurídicos; com o propósito de contribuir para a eliminação do preconceito, quiçá, inimigo mortal da ciência e de uma Nação que se diz democrática e justa.
A palavra homossexual foi criada em 1869 pelo húngaro Benkert, que etimologicamente reuniu duas raízes lingüísticas: “homo”, elemento de composição do grego hómos, que significa igual, semelhante; e “sexual” do latim sexualis, relativo ao sexo, à diferença biológica entre macho e fêmea, masculino e feminino, homem e mulher.
O Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa define homossexualismo como “desvio do desejo, que se orienta para o mesmo sexo, tanto nas fantasias como na relação corporal”.
Plácido e Silva em seu vocabulário jurídico define homossexualidade como “comércio carnal (sic) ou prática de atos sexuais entre indivíduos do mesmo sexo. É inversão sexual, em que o homem serve de mulher para satisfazer a lasciva de outro homem, ou a mulher maneja como homem para provocar o orgasmo em outra mulher e em si própria.” E homossexualismo como “indicativo da anormalidade do instinto sexual do indivíduo, em virtude do que somente tem inclinação sexual ou amorosa para indivíduos de seu próprio sexo, muitas vezes com repugnância ou aversão ao serem do sexo posto”.
O Dicionário Jurídico de Maria Helena Diniz define homossexualidade como “qualidade daquele que tem atração sexual por indivíduo do mesmo sexo” e homossexualismo como “atração erótica ou sexual que alguém sente por pessoa de seu sexo” e como “prática de ato sexual entre pessoas do mesmo sexo, constituindo uma perversão ou inversão sexual”.
Genival Veloso de França na obra Medicina Legal classifica o homossexualismo como um distúrbio da sexualidade. No mesmo sentido Sutter, que o classifica como um tipo sexual anômalo.
O que se tem em comum nesses conceitos e classificações é que definem e rotulam a homossexualidade como inversão, desvio ou anomalia, o que está definitivamente ultrapassado.
Levando-se em consideração que a homossexualidade não prejudica o raciocínio, a estabilidade, e confiabilidade ou aptidões sociais e vocacionais, o conselho Federal de Medicina em 1985, e a Organização Mundial de Saúde em 1994, excluíram da Classificação Internacional de Doenças o Código 302.0, que até então definia a homossexualidade como “desvio e transtorno sexual”. Além do que , o Conselho Federal de Psicologia considerando, entre outras coisas, que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade, proibiu em 1999, a colaboração de qualquer psicólogo com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Querer curar ou modificar um homossexual é, portanto, uma ignorância e mero preconceito.
Contrapondo às definições mostradas anteriormente, na Enciclopédia de Psicologia Contemporânea, Dorin define a homossexualidade simplesmente como “atração ou relação sexual entre pessoas do mesmo sexo. Contrário a hetero-sexualidade”, deixa de lado, portanto, termos como desvio de comportamento, doença, transtorno ou anomalia.
Castilho elucida a questão afirmando que “salvo exceções raras, o homossexual masculino é genética e fenotopicamente um homem, sua identidade psíquica é masculina e seu papel na sociedade é masculino. Sua preferência afetiva, no entanto, direciona-se para outros homens. Do mesmo modo, a lésbica é uma fêmea, biologicamente falando, com identidade de mulher e papel social feminino, mas sente atração predominantemente por outras mulheres”. Conclui que a visao estereotipada do homem efeminado e da mulher abrutalhada é tão falsa como ridícula, uma vez que estas expressões não são as predominantes, pois a “maioria esmagadora dos homossexuais não são facilmente identificável na sociedade exatamente porque se distinguem dos heterossexuais em geral somente por seus aspectos afetivos.” Complementa ainda seu argumento, usando-se do famoso Kinsey de 1948, que constatou que a prática da homossexualidade é muito mais comum do que se imagina.
Sullivan, no mesmo sentido, afirma que o homossexualismo é uma mistura de identidade e comportamento, assim como o heterossexualismo, e por isso não é facilmente definido e aceito, como os explícitos identificadores físicos de deficiência, sexo ou raça.
Outra questão que se coloca em relação à terminologia e que tem causado bastante confusão é o termo “opção sexual”, o qual entendemos não ser o mais apropriado, uma vez que definitivamente, a homossexualidade não é uma escolha. Do mesmo modo que ninguém escolhe gostar ou não de feijão, da cor amarela ou de viajar, gays e lésbicas se descobrem do jeito que são em algum momento de suas vidas. Jamais, de um dia para outro, escolheram mudar seus desejos e afetos.
A expressão correta a ser empregada é “orientação sexual”, caracterizada por uma duradoura atração emocional, romântica, sexual ou afetiva para com indivíduos do gênero masculino ou feminino.
Há três orientações sexuais comumente reconhecidas: heterossexual, atração erótica e ou afetiva por indivíduos do sexo oposto; bissexual, atração por ambos os sexos e homossexual, atração por indivíduos do mesmo sexo.
Sendo a orientação sexual um dos componentes da sexualidade humana, ela é uma característica perfeitamente natural e o desafio que se impõe é reaprender a lidar com ela, reconhecendo-a tanto social como juridicamente, afastando de uma vez por todas os preconceitos que ainda insistem em envolver a questão.
3. OPRESSÃO E LIBERTAÇÃO
“Ninguém se liberta sozinho; libertamo-nos sempre juntos.” (Paulo Freire)
O que se pretende nesse capítulo é fazer uma sucinta analise da opressão e exclusão sofrida pelos homossexuais, co-relacionando-as com os outros casos de exclusão, procurando assim, identificar o papel do Direito no processo de libertação e inclusão desses grupos minoritários à sociedade, uma vez que a “restrição das liberdades de um grupo é a restrição das liberdades de todos.”
Muitos seres humanos no mundo inteiro, encontram-se atualmente em estado de opressão, dentre eles: os homossexuais, as mulheres, os negros, os deficientes físicos, os índios, os trabalhadores, os desempregados, os miseráveis etc., sendo portanto, excluídos socialmente, e em alguns casos, excluídos juridicamente, o que significa que não tem direito a ter direito. Tal processo de exclusão desses diferentes segmentos sociais tem sido agravado pela chamada globalização.
Adotamos portanto, o posicionamento de Folcault que “via o homossexualismo como apenas uma categoria de opressão social, inextricavelmente ligadas a outras: à maneira como se constrói o sexo em si para privilegiar os homens sobre as mulheres; à maneira como se constrói a raça para oprimir as minorias sociais; à maneira como se constrói a estética, a inteligência e toda uma variedade de coisas que parecem “naturais” a fim de oprimir alguns e controlar outros”.
Somente quando Engels escreveu “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” em 1884, é que se tornou possível explicar cientificamente as raízes da opressão sexual, e conseqüentemente, como poderia ser eliminada. Para Engels, conforme as sociedades passaram a produzir mais do que era necessário para o próprio sustento, o surgimento da propriedade privada acarretou uma divisão da sociedade em classes desiguais, o que ocasionou também, uma mudança fundamental nas relações entre homens e mulheres. A divisão de trabalho anterior, com as mulheres como cultivadoras, e os homens como caçadores, conferia uma posição privilegiada às mulheres, pois a sociedade dependia primeiramente dos alimentos que elas produziam. Já que a minoria que formava a classe era formada principalmente por homens, o casamento torna-se monogâmico, uma vez que esses buscavam passar as propriedades para seus filhos, e para tanto, necessitavam saber quem eram eles. Era o fim da linhagem materna, ou seja, o reconhecimento da descendência através da mãe, e o início da primeira opressão de classe existente na história.
Uma vez que a sexualidade gay desafia a idéia da família monogâmica como único modo de vida possível, e como também desafia a idéia de que o sexo seja possível apenas para a reprodução, a sociedade, agora patriarcal, passa a definir o que seja um comportamento sexual “normal”, ao mesmo tempo em que cria o “homossexual” como um tipo social. São sempre os opressores que criam os oprimidos.
Embora a sexualidade refere-se a mais profunda intimidade do ser, seus mecanismos de repressão encontram-se na esfera social e são exercidos como meio de dominação, ou seja, “a repressão sexual sempre existirá em sociedades onde persistam relações de poder baseadas na exploração”.
Necessário ainda se faz esclarecer, que a prática da homossexualidade sempre existiu, e salientar que nem sempre a homossexualidade foi reprimida. Sua prática foi por muito tempo tolerada e aceita socialmente. O exemplo mais perfeito que se aplica é a Grécia Antiga, onde um homem que se apaixonasse ou que tivesse relações sexuais com outro era tido como perfeitamente normal. Desde os tempos mais remotos da historia da humanidade há relatos de sua presença. O antropólogo Luis Mott afirma que “entre os Hititas, povo vizinho e inimigo de Israel, havia uma lei autorizando o casamento entre homens (1.400anos antes de Cristo)”. Bem como, que existem documentos egípcios que datam de 500 anos antes de Abraão, relatando práticas homoeróticas. Ademais, o homoerotismo existe em todas as sociedades: “historiadores relatam que em praticamente todas as sociedades há registros não só de atos homossexuais como de identidades, comunidades e subculturas homossexuais distintas”. A homossexualidade é, portanto, um fato que se impõe ao Direito, e este, por sua vez, em diversos períodos da história procurou reprimi-lo, muitas vezes com até a pena de morte, e por outros adotou uma postura mais permissiva.
Uma vez que a preocupação dominante do jurista é a de “assegurar a cada homem a liberdade de ser o que é, assim como a fruição daquilo que pode fazer, uma sociedade plural, aberta à compreensão e ao auxílio mútuo”, entendemos que para ser justa, a postura do Direito além de permissiva, deve também ser libertadora, pois a Justiça, na realidade, é “uma exigência de ordem feita de liberdade, uma ordem que nasce da composição igual de pendores e vocações diferentes e até mesmo conflitantes, ficando assegurada a cada homem a autonomia de seu ser pessoal”.
A opressão sofrida pelos homossexuais é injusta, pois estes são quase que obrigados a “trocar” de identidade perante a sociedade, mentindo para si e para todos, sobre uma coisa tão essencial a qualquer ser humano que é a de viver, não apenas a sua sexualidade, mas também a sua afetividade.
O mundo mudou. Com o advento da pílula e a disponibilidade de um amplo serviço contraceptivo, a vida familiar tradicional transformou-se radicalmente, sendo que finalmente cortou o laço entre o sexo e reprodução para os heterossexuais. Ao mesmo tempo em que o HIV agiu como catalisador sem precedentes para o colapso das normas da discussão pública sobre a homossexualidade. Sendo assim, e como bem nos adverte Miguel Reale, devemos nos manter vigilantes às mutações que se operam no mundo a fim de não escaparem os fatos antecipadores da ordem social; que o Direito deve ser visto em sua concreta historicidade; e que a fatos que exigem seja encontradas outras soluções normativas, sobre pena de se cair no mundo das ficções e dos artifícios na interpretação de regras superadas, sem ofensa dos direitos fundamentais, como os da liberdade. Nada justifica, portanto, o tratamento dado atualmente pelo Direito aos homossexuais, onde suas relações afetivas não são reconhecidas juridicamente, e por isso mesmo, faz com que ocorram injustiças de toda natureza contra este grupo minoritário.
A luta pela justiça é uma parte essencial da luta pela liberdade, e esta para ser real e concreta deve abranger a luta contra a miséria, o subdesenvolvimento e as grandes desigualdades na repartição dos bens e encargos sócias, uma minoria deve, para entrar no jogo da associação democrática, procurar a coalizão com outras minorias, atualmente desprezadas e perseguidas, moldando assim, a promessa de inovações e de saltos qualitativos, não apenas aos grupos minoritários, mas a sociedade inteira, criando juntas, possibilidades de desempenho em nível mais elevado.
Especificamente aos homossexuais, propomos o fim a toda discriminação prévia do Estado, assegurando que todos os direitos e responsabilidades de que os heterossexuais desfrutam como cidadãos públicos sejam estendidos a aqueles , e isto implica necessariamente no reconhecimento jurídico das uniões homoeróticas.
O Direito que outrora instituiu a escravidão e que até a bem pouco tempo atrás, considerava as mulheres relativamente incapazes, não pode ainda hoje, servir de instrumento de opressão às minorias sexuais.
4. ASPECTOS JURÍDICOS
O Direito de Família é o ramo do Direito que melhor dá guarida “as relações homoafetivas. No campo obrigacional a jurisprudência já é unânime ao conceber direitos patrimoniais, desde que comprovada a colaboração, tudo via sociedade de fato.
Mas esta é a verdadeira razão de ser de toda relação, a mera sociedade de fato? Claro que não. A relação surge do amor entre iguais, tal como o concubinato, hoje união estável.
Qual a diferença entre uma relação heterossexual e uma homossexual?
Existe mesmo, ou face a nova concepção familiar constitucional, não há nenhuma diferença?
Com a evolução do conceito de família do artigo 226 da CF e diante da realidade familiar será que poderíamos excluir as uniões homossexuais do conceito de entidade familiar?
Acreditamos que não.
Por várias razões: a primeira ligada a proteção constitucional da não discriminação, a segunda ligada a exemplificatividade do art. 226, entendemos que ele não é taxativo, vejam o adjunto adverbial aditivo do parágrafo 4º:também; e por fim as razões das novas perspectivas no direito de família para plagiar o Professor Rolf Madaleno.
Quais seriam estas novas perspectivas?
Citaremos algumas :
A igualdade entre os sexos: alterou a estrutura patriarcal, não se fala mais em homem cumpre papel somente de pai e mulher só o de mãe, até porque a mulher trabalha divide as despesas e muitas vezes é quem governa lar, é a chamada troca de papéis.
Outro é o conceito de família (eudemonista) que é a busca de felicidade com quer que seja o vínculo afetivo: achar o amor e a troca são os ingredientes da nova família: como bem disse João Batista Villela: “ Família é um núcleo de companheirismo a serviço das pessoas que as constituem”.
O sexo é recreativo e não procriativo, a CF estabelece ser livre o planejamento familiar, e hoje a maioria opta por ter 1 filho ou não tê-lo em virtude da própria conjuntura econômica que se vive.
E ainda a adoção crescente.
O que sobra e que na verdade é o que tem de melhor na família: o afeto e a comunhão de vida, de interesses.
Ambos podem ser encontrados em uma união homossexual que busque este tipo de relação.
Ademais, o Direito. Segundo a teoria tridimensional de Miguel Reale, é composto de fato, valor e norma.
O fato neste caso, se reporta às uniões entre pessoas do mesmo sexo, que, apesar de existirem, ainda não reconhecidos do ponto de vista jurídico.
Quanto ao valor, passamos a analisá-lo segundo a dualidade existente entre ética e moral.
Moral, do latim mos, mores, designa os costumes e as tradições. Ethos – ética em grego – designa morada humana. Ética significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar o ambiente para uma morada humana. Ética significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar o ambiente para uma moradia saudável: materialmente, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda. Na ética há o permanente (necessidade do ser humano de ter uma morada) e o mutável( estilo com que cada grupo constrói sua morada).Quando o permanente e o mutável se unem surge uma ética verdadeiramente humana. Já moral é sempre plural. Existem muitas morais. O que é imoral para um grupo, para outro grupo pode não ser. Todas as morais têm que estar a serviço da ética.Devem ajudar a tornar habitável a moradia humana, a inteira sociedade e a casa comum, o planeta terra. Existem sistemas morais que permanecem inalterados por séculos. Por exemplo, a homofobia da sociedade atual. Por sua natureza, a moral se concretiza como um sistema fechado. A ética abre esse enraizamento, está atenta às mudanças históricas, às mentalidades e às sensibilidades cambiáveis, aos novos desafios derivados das transformações sociais. A ética acolhe transformações e mudanças que atendam a exigência de tornar a moradia humana mais honesta e saudável. Enquanto que a moral representa um conjunto de atos, repetidos, tradicionais, consagrados; a ética corporifica um conjunto de atitudes que vão além desses atos, sempre aberta à vida com suas incontáveis possibilidades.A ética confere a ousadia de assumir, com responsabilidade, novas posturas, de projetar novos valores, não por modismo, mas como serviço à moradia humana.
É preciso, portanto, agir com ética, ou seja, aberto a valores que ultrapassam aqueles do sistema tradicional ou de alguma cultura determinada.Abertos a valores que concernem a totalidade seres humanos ( e não só dos heterossexuais), como os valores do respeito, da defesa da vida em todas as suas formas, da compaixão e da solidariedade. Valores que nos tornam sensíveis ao novo que emerge, com responsabilidade, seriedade e sentido de contemporaniedade.
É urgente que o ser humano seja recolocado no centro da problemática dos valores, e é nesse prisma analisaremos a questão da norma.
A dignidade da pessoa humana é um dos princípios constitucionais que orientam a construção e a interpretação do ordenamento jurídico brasileiro, e segundo os ensinamentos de José Afonso da silva “é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”. Ao lado deste princípio encontra-se o da promoção do bem de todos, o que implica necessariamente ao direito da busca da felicidade. E, “ todos os princípios anunciados, o princípio da dignidade humana e o da promoção do bem merecem nossa maior atenção, quer pelo seu alcance, que pela sua clareza”.
Por mais contrários à pratica da homossexualidade que sejam as pessoas que a condenam, não se pode negar que os homossexuais e as outras minorais sexuais, tais como os bissexuais e os transexuais, são seres humanos, ou seja, são sujeitos de direitos. O direito à orientação sexual e à identidade de gênero é uma questão de direitos humanos. Nesse sentido, Maria Berenice Dias afirma que “A garantia da cidadania passa pela garantia da expressão da sexualidade, e a liberdade de orientação sexual insere-se como uma afirmação dos direitos humanos”.
Mais uma vez, portanto, a Constituição brasileira de 88, a Constituição Cidadã, protege os homossexuais ao afirmar no Inciso II do artigo 4º, que a República, em suas relações internacionais reger-se-á pela prevalência dos direitos humanos. A Declaração dos Direitos Humanos de 1948, da qual o Brasil é signatário, afirma, entre outras coisas, que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que para gozar desses direitos não pode haver distinção de qualquer espécie ou qualquer outra condição.
Sob a luz desses princípios é que deve ser constituído o Direito.
A sexualidade, sendo um componente inerente à vida, pertence aos direitos da personalidade, entendendo estes como sendo os direitos subjetivos da pessoa defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação a honra, etc., compreendem-se, portanto, direitos considerados absolutos e essenciais à pessoa humana. E, como tais, são irrenunciáveis, inalienáveis, intransmissíveis e imprescritíveis.
Como a orientação sexual é um dos componentes da sexualidade humana, entendemos ser também o direito à livre orientação sexual um direito personalíssimo, o que “conduz a afastar a identificação social e jurídica das pessoas por esse predicado”. O direito de ser o que se é, o direito de ser ou não gay ou lésbica, é um direito inerente a qualquer cidadão e deve ser tutelado pelo Estado, uma vez que este para ser democrático deve atentar para a multiplicidade de vontades, tendências e individualismo presentes em seu seio, ou seja, “presume a possibilidade de permitir que a minoria (ou minorias) atinja seus objetivos, sob o predomínio da vontade majoritária”.
Quanto aos direitos de personalidade, a Carta Magna brasileira garantiu no caput do artigo 5º, os bens que protegeu: vida, igualdade, liberdade, segurança e propriedade. O direito à vida está assegurado com direito individual, sendo assim é imutável pelo disposto no artigo 60,§4º da CF.
Como exemplos dos desdobramentos do direito à vida, podemos citar os mais ligados ao tema, quais sejam, direito à existência, à integridade física, ao não tratamento desumano ou degradante, à intimidade e à privacidade.
Outrossim, a Constituição da República Federativa do Brasil, elencou os princípios fundamentais que regem as relações do Estado Brasileiro, os quais são verdadeiras regras mestras do sistema jurídico nacional, produzindo efeitos na interpretação das normas e
aplicação do direito. Dentre eles, se destacam a “dignidade humana”, e como objetivo fundamental, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O constituinte, assegurou, portanto, o direito à felicidade, entendido este como a forma livre de condução da vida do individuo dentro de seu contexto social.
Os princípios jurídicos são os alicerces do Direito, se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, sendo que os princípios constitucionais são dotados de supremacia na ordem jurídica ou seja, encontram-se em posição hierárquica superior a todas as outras, portanto, toda a atividade estatal, seja Lea, administrativa, legislativa ou judiciária deve voltar-se para cumprimento das metas fixadas pela Constituição.
A cada dia aumenta a importância das normas citadas, as chamadas normas programáticas. Elas se inserem na legislação complementar ordinária, representam um limite, e, ao mesmo tempo, uma orientação, tanto no momento da exegese como no aplicação do Direito. Já se foi o tempo em que eram consideradas mera perfumaria Jurídica.
Nos moldes em que ocorreu nos casos de uniões heterossexuais antes do advento das leis n. 8.971/94 e nº 9.278/96, as uniões homoeróticas têm sido consideradas pela jurisprudência sociedade de fato a ensejar partilha do bem comum, prevista no artigo 1.363 do Código Civil.
Ou seja, é reconhecido o direito de meação, não o de herança. Solução esta encontrada pelos magistrados tendo em vista a ausência de preceitos legais que regulamente esta espécie de união, situa-se no Campo de Direito das obrigações, para que se evite o enriquecimento ilícito e não no campo do Direito de Família.
A Lei Maior (art. 226, § , 3º) passou a tratar as uniões estáveis entre homem e mulher como entidade familiar. Este artigo é usado por muitos para alegar que a Constituição proíbe o reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo. Partindo-se o pressuposto que a própria Constituição proíbe sim qualquer forma de discriminação, entendemos que esta interpretação não é uma das mais acertadas, pois “desde que uma norma constitucional se mostre contrária a um princípio constitucional, há de prevalecer o princípio”.
Uma Constituição não deve se limitar a adequar-se à realidade da nação: idealmente ela deve servir mais como um instrumento para adequar-se a nação à realidade do mundo, motivando o povo à modernidade.
Originalmente, na maior parte dos modelos, para caracterização da família importava muito menos a consangüinidade que o comum interesse gregário, como mútua proteção e segurança. Nesse século, principalmente a partir da secada de 60, a até então vagarosa mutação do modelo tornou-se vertiginosa e múltipla, contínua e até chocante em algumas de suas metamorfoses localizadas em minorias sociais, tais como entre os homossexuais. E, de La pra cá, as posturas sociais se fracionaram e se multiplicaram no caleidoscópio cultural e vivencial destes tempos surpreendentes. Séculos de tradição, usos e costumes, assistem perplexos , a queda do tabu da virgindade, à amizade colorida, à produção independente de filho, ao casamento aberto, etc. Na multiplicidade dos modelos de família, não houve mais como a lei abstrair a realidade das constituídas por uniões informais, a família natural. E, mais é indiscutível que, no campo social de fato, estas uniões são hétero ou homossexuais.
É induvidosa a multiplicidade dos novos modelos de família e, paralelamente, dos assumidos pelas minorias sociais, inclusive homossexuais que , no plano dos fatos vêm sendo absolvidos, com maior ou menor relutância pela sociedade brasileira. Há de ser respeitada a opção individual de homens e mulheres se unirem informalmente, mas há de se abrir espaço também para o direito de alguns destes que o queiram, contratar, previamente, a futura inexistência ou uma disciplina de quaisquer efeitos econômicos e financeiros na suas uniões. Não importa que cada um de nós considere ter sido de maneira forçada ou, ao contrário, natural, que as uniões estáveis passarem a pertencer ao campo do direito de família. O induvidoso é que, assim, a solução de seus problemas e a decisão das suas conseqüência é de competência das Varas Especializadas de Família e Sucessões, lembrando-se que modernamente considera-se entidade familiar um agrupamento de pessoas, ligadas por laços de afeto, ou por consangüinidade, ou por adoção.
A era da família codificada e patriarcal, inserida em um contexto legal representativo da tríade formada pelo liberalismo, pelo individualismo e pelo patrimonialismo, esta superada e deve ser substituída por um novo paradigma, onde os laços afetivos ganhem maior relevância e se sobressaiam sobre os outros.
Adauto Suannes, identificando a família como base da estrutura social e sede da plenitude do bem estar do ser humano, define a família como sendo uma expressão e que deve abranger pelos menos aquelas duas pessoas que se unem como o propósito de manutenção deste vínculo afetivo, independente de serem de sexo diverso, tenham ou não prole. No mesmo sentido Maria Berenice Dias “Se a prole ou a capacidade procriativa não são essênciais para que o relacionamento de duas pessoas mereça proteção legal, não se justifica deixar ao desabrigo do conceito de família a convivência de pessoas do mesmo sexo”, e continua: passando, duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo, a manter uma relação duradoura, pública e contínua, como se casados fossem, formam um núcleo familiar à semelhança do casamento, independente do sexo a que pertencem”.
Da mesma opinião Carlos Maximiliano: “ bstraindo-se o sexo dos conviventes, nenhuma diferença há entre as relações homo e heterossexuais, pois existe uma semelhança no essencial, a identidade de motivos entre os dois casos”. Sendo assim, atendidos os requisitos legais para a configuração de união estável, necessários sejam conferidos direitos e imposta obrigações independente da identidade ou diversidade do sexo dos conviventes, pois, não assegurar qualquer garantia nem outorgar quaisquer direitos às uniões homoeróticas infringe o princípio de igualdade e revela a discriminação sexual.
Portanto, utilizando-se de uma interpretação analógica, atualizada, dialética e humana, as leis reguladoras do relacionamento entre homem e uma mulher, enquanto não exista uma legislação específica, podem e devem ser aplicadas às relações homoeróticas.
Nesse horizonte, a Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, sem embargo da posterior Lei nº 9.278, de 13 de maio de 1996, pode ser resguardada para sustentar a tese de direito de partilha do esforço comum entre companheiros e conviventes. Esses instrumentos legais, embora situados no contexto de lei que, em princípio de destina à união estável entre homem e mulher, admite, ao final uma extensão que ultrapassa as situações iniciais para ajustar-se às relações de companheirismo entre pessoas do mesmo sexo.
Lentamente, o Direito esta indo por esse caminho. Como exemplo, podemos citar a acertada decisão da ilustre juíza Simone Babisan Fortes, da 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre (RS)
Que equiparou os direitos previdenciários de homossexuais e heterossexuais, deferindo pedidos de pensão por morte aos companheiros homossexuais dos segurados falecidos, o que origem a Instrução Normativa n.025 de 07/06/00, que estabelece procedimentos a serem adotadas para a concessão de pensão por morte de companheiro ou companheira homossexual .
Tal ineditismo consagrou o status de união estável às uniões homossexuais, equiparando-a à já tradicional e consagrada união estável heterossexual.
Essa é a clara expressão da Instrução Normativa nº 25 do INSS.
A referida decisão traz em seu bojo o que em parágrafos supramencionados havíamos nos atido, melhor dizendo, arrola todos os princípios constitucionais que proíbem a discriminação por orientação sexual.
E, mais, acrescenta que negar a existência das uniões homossexuais é pura hipocrisia, não devendo o legislador ou mesmo o poder judiciário fazer “vista grossa” e dizer que tais relações não existem.
Adenda e exemplifica a Ilustre Juíza dizendo que: “se houve a contribuição do segurado deve haver a contraprestação por parte INSS, caso contrário , caso contrário seria injusto, posto que no momento da inscrição junto ao órgão não é perguntado ao contribuinte sua orientação sexual”.
Este tem sido o novo posicionamento jurisprudencial.
Citamos, também, parte do parecer do Desembargador Breno Moreira Mussi, Tribunal de Justiça do RS, em Decisão em Agravo de Instrumento, a qual colocou como competente a Vara de Família para discutir questões relativas às Uniões Homossexuais:
“Creio que na entrada do terceiro milênio, não cabe mais fazer de conta que a homossexualidade não existe, nem deixa constar na constituição uma quota vazia, de cunho meramente formal, dizendo que é proibida a discriminação por sexo, mas ao mesmo tempo, acatar que se continue discriminando, em tal matéria.
É função do direito acompanhar a evolução dos tempos e, na ausência de leis que venham a dirimir as questões homossexuais apresentadas, sejam elas entre homens ou mulheres, formar, através da jurisprudência, uma regulamentação da matéria, de acordo com as normas gerais do ordenamento Jurídico.”
O brilhante parecer continua:
“A questão das minorias exige, nos sistemas constitucionais modernos, ações positivas de proteção. Na parte do judiciário, ou não faz leis, e as aplica, as ações positivas podem ter curso através de uma interpretação integradora, e sem dar guarida a qualquer forma de discriminação, velada ou aberta”.
Acrescentamos à estas decisões um rol de municípios e Estados, que, em suas legislações proíbem a discriminação por orientação sexual, tal rol encontra-se no final desta justificativa.
Com estes posicionamentos entendemos que nós advogados e operadores do direito temos que nos posicionar, pois temos um papel relevante no combate a esta forma de exclusão, e poderá agir positivamente apartir do momento que incluir as uniões homossexuais no campo do Direito de Família.
Portanto incluir as uniões homossexuais no campo de discussão do Direito de Família, e por conseguinte nas Varas de Família, significa retirar debaixo do tapete a hipocrisia de não aceitar e compreender estas relações, significa retirar da marginalidade inúmeros homens e mulheres que passaram a ter vida em comum, cumprindo os deveres da mútua assistência, em verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e respeito recíprocos.
Significa mais que cumprir nossos preceitos constitucionais da liberdade, da igualdade e da dignidade humana, é regrar a nossa ação profissional ao compasso social, pois do mesmo modo que a sociedade não é estática estando em constante transformação, o operador do direito não pode sê-lo.
5. PROJETOS DE LEI E DIREITO COMPARADO
“Para serve então a utopia? Serve para Isso: para caminhar”. (Eduardo Galeano)
Encontra-se atualmente no Congresso Nacional um projeto de lei que disciplina a união entre pessoas do mesmo sexo. Este projeto, de nº 1.151/95, apresentado pela então deputada Marta Suplicy(PT/SP), originariamente intitulado de união civil, foi depois substituído pela comissão especial, e passou a se chamar parceria civil registrada. Havia um outro projeto neste mesmo sentido, que posteriormente foi retirado da pauta, o de nº 52/99, apresentado pelo deputado Roberto Jefferson ( PTB/RJ), que criava o pacto de solidariedade entre pessoas. Esse projeto retirava, portanto, a sexualidade da discussão, ao mesmo tempo em que, possibilitava que os homossexuais também fossem beneficiados, caso o projeto viesse a ser aprovado e sancionado.
Ambos os projetos propõem direito à herança e à sucessão, direitos aos benefícios previdenciários, direito ao seguro saúde em conjunto e a declaração conjunta do imposto de renda e direito à nacionalidade no caso de estrangeiros, e por fim, a consideração conjunta para compra de imóvel.
Também em ambos, não se propõem a dar status de casamento ao contrato, usar sobrenome do outro, mudar de estado civil durante a sua vigência, constituir família e adotar crianças como casal.
As únicas diferenças de um e outro, além do nome, é que no pacto de solidariedade há previsão de que um pactuante seja dependente do outro para efeitos de passaporte, e estende o direito aos separados de firmarem o pacto, sendo que parceria só é permitida aos solteiros, viúvos e divorciados.
Independente do nome que se dê, é urgente que se preencha essa lacuna jurídica no Direito Brasileiro, regulamentando as uniões homoeróticas, a fim de assegurar o respeito à Constituição e aos direitos humanos, a exemplo de outros países que assim o fizerem.
Na Holanda já existe o casamento homoafetivo. Na Dinamarca, na França, na Alemanha, na Islândia, na Noruega, e na Suécia existem leis regulamentando a parceria entre homossexuais.
Na Hungria Há o reconhecimento da união de fato entre casais do mesmo sexo. E, finalmente, em alguns Estados, Províncias ou Municípios da Bélgica, do Canadá, da Espanha, dos Estados Unidos e da Inglaterra, há o reconhecimento de contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. É, portanto, absolutamente injustificável, a ausência de regulamentação das uniões homoafetivas no Código Civil recentemente aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro. É infelizmente um código que já nasce ultrapassado.
6. CONCLUSÃO
“Não existe um caminho para a felicidade: a felicidade é o caminho.” (Gandhi)
Diante de todo o exposto podemos concluir que:
A sociedade brasileira é dinâmica e abarca uma diversidade de relações. O direito brasileiro deve acompanhar as mudanças sociais e contemplar, sempre que possível, essa diversidade.
Querer curar ou modificar um homossexual é uma ignorância e mero preconceito e sendo a orientação sexual um dos componentes da sexualidade humana, ela é uma característica perfeitamente natural e o desafio que se impõe é reaprender a lidar com ela, reconhecendo-a tanto social como juridicamente, afastando de uma vez por todas os preconceitos que ainda insistem em envolver a questão.
A opressão sofrida pelos homossexuais é injusta, pois estes são quase obrigados a “trocar” de identidade perante a sociedade, mentindo para si e para todos, sobre uma coisa tão essencial.
A qualquer ser humano que é de viver, não apenas sua sexualidade, mas também a sua afetividade.
O Direito que outrora instituiu a escravidão, e que a bem pouco tempo atrás, considerava as mulheres relativamente incapazes, não pode ainda hoje, servir de instrumento de opressão às minorias sexuais.
O direito à orientação sexual é uma questão de direitos humanos.
O direito à livre orientação sexual é um direito personalíssimo, e portanto, irrenunciável, inalienável, intransmissível e imprescritível.
O constituinte assegurou o direito à felicidade, entendido este como a forma livre de condução da vida do indivíduo dentro de seu contesto social.
Nos mesmos moldes em que ocorreu nos casos de uniões heterossexuais ante do advento das leis n. 8.971/94 e 9.278/96, as uniões homoeróticas têm sido consideradas pela jurisprudência sociedade de fato a ensejar partilha do bem comum.
A família é base da estrutura social e sede da plenitude do bem estar do ser humano e deve abranger pelo menos duas pessoas que se unem com o propósito de manutenção desse vínculo afetivo, independentemente de serem de sexo diverso, tenham ou não prole.
Se a prole ou a capacidade procriativa não são essências para que o relacionamento de duas pessoas mereça proteção legal, não se justifica deixar ao desabrigo do conselho de família a
Convivência do mesmo sexo. Passando, duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo, a manter uma relação duradoura, pública e contínua, como se casados fossem, formam um núcleo familiar à semelhança do casamento, independente do sexo a que pertencem.
Abstraindo-se o sexo dos conviventes , nenhuma diferença há entre as relações homo e heterossexuais, pois existe uma semelhança no essencial, a identidade de motivos entre os dois casos.
Sendo assim, atendidos os requisitos legais para a configuração de união estável, necessários sejam conferidos direitos e imposta obrigações independente da identidade ou diversidade do sexo dos conviventes, pois não se assegurar qualquer garantia e não outorgar qualquer direitos às uniões homoeróticas infringe o princípio da igualdade e revela discriminação sexual.
Portanto, utilizando-se de uma interpretação analógica, atualizada, dialética e humana, as leis reguladoras do relacionamento entre homem e uma mulher, enquanto não exista uma legislação especifica, podem e devem ser aplicadas às relações homoeróticas.
Independente do nome que se dê, união livre, união civil, parceria civil registra ou pacto de solidariedade é urgente que se preencha essa lacuna jurídica, regulamentando as uniões homoeróticas, a fim de assegurar o respeito à Constituição a aos direitos humanos, a exemplos de outros países, que assim o fizeram.
Informações Sobre os Autores
Renato Duro Dias
Bacharel em Direito (UFPel). Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões (ULBRA). Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPel). Foi aluno regular do Mestrado em Direito (PUC/RS). Atualmente é Coordenador do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Professor Assistente I da FURG, onde ministra Direito Civil, Professor do Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos – FURG/UAB. Membro do Núcleo de Pesquisa, Extensão e Estudos Jurídicos em Direitos Humanos NUPEDH (FURG). Pesquisador do GTJUS – Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (CNPq). Advogado. Membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/RS – Subseção Pelotas. Professor da Escola Superior de Advocacia – ESA – OAB/RS.
Roberto Hilsdorf Rocha
Advogado, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela UNIMEP.