Resumo: As reflexões desse artigo encontram-se na análise técnica e jurídica acerca da possibilidade da adoção por homossexuais face à legislação contemporânea, considerando os direitos preconizados na Constituição Federal, no Código Civil e no ECA. Para tanto, este trabalho pretende trançar um panorama da questão, evidenciando aspectos sociais e, sobretudo jurídicos, no que pertine ao tema, tendo em vista tratar-se de assunto atual e conflitante. Tais informações são importantes, na medida em que serve como base para o aprendizado jurídico dos operadores do Direito. Logo, faz-se necessário um estudo das peculiaridades que o tema comporta.
Palavras-chave: Adoção homoafetiva; Princípios constitucionais; Direitos da criança e do adolescente.
Sumário: Introdução; 1. A compreensão do instituto familiar e a sua função consoante a CF/88; 2. O instituto da adoção; 3. Direitos da criança e do adolescente segundo as disposições do ECA; 4. Possibilidades da adoção por homossexuais. 5. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por escopo comentar, como também, apresentar, alguns pontos chaves acerca da possibilidade de adoção por casais homoafetivos, fazendo um paralelo com o direito atual. Pois, sabe-se que tais abordagens constituirão um auxiliar na medida em que serve de base para despertar a consciência crítica acerca da igualdade de direitos constitucionais dos cidadão, precipuamente, aos adotantes e adotados.
Assim, faz-se mister abordar alguns temas que são inerentes à matéria, começando por uma abordagem sobre o conceito de família, como também acerca do instituto da adoção, depois será tratado os direitos da criança e do adolescente disposto no ECA, trazendo por fim a possibilidade de adoção por homossexuais.
1. A COMPREENSÃO DO INSTITUTO FAMILIAR E A SUA FUNÇÃO CONSOANTE A CF/88.
Consoante diversos doutrinadores a família é tida como um núcleo organizacional diante do qual é garantida a perpetuação da espécie humana, sendo necessária inclusive à estruturação estatal, que por sua vez oferece-lhe proteção especial face constituir a mesma a base da sociedade.
No Brasil, pela característica de vida cultural e econômica implementado pela colonização, durante séculos este instituto viveu sob a égide do poder patriarcal absoluto. O chefe da família era o cabeça do casal com a função de preservar os negócios e a honra familiar, sendo autoridade máxima daquela célula; a esposa tinha por função precípua procriar e cuidar do casal; já os filhos lhe eram submissos.
Anteriormente à vigência da Constituição Federal, as filiações e o parentesco legitimamente constituídos estavam sob o enfoque do pátrio poder, prerrogativa adquirida pela formação da família através de três fontes: pela formalidade ao casamento, das relações extra-conjugais e pelo vinculo da adoção; derivando portanto, três especiais: a família legitima, a família natural e a família adotiva.
Com a evolução cultural ocorrida em épocas atuais, é salutar que as normas legais se modifiquem e se adequem a tais templos rumo à suas plenitudes e eficácias. Destarte, com a elaboração da constituição cidadã de 1988 em seu art. 226, estabelece: “a família é a base da sociedade, tem especial proteção do estado”. Neste artigo retromencionado, a Magna Carta à luz do §4° conceitua como entidade familiar a comunidade composta por qualquer dos pais ou seus descendentes.
Hodiernamente, a palavra família possui uma pluralidade de conceitos formais, nítido faz-se à incorporação a tais conceitos de que o grupo familiar é alicerçado diante do principio da solidariedade domestica, onde seus membros coabitam e cooperam entre si também deve prevalecer.
Diante do exposto, ela pode ser formada pelos laços de parentesco consangüíneos, civis e afins, e por relações externas, onde se reconhece a igualdade de direitos dos filhos havidos fora do casamento, quanto ao companheirismo, considerou a união estável entre o homem e a mulher (art. 1723, CC/02), mas não faz menção às relações homoafetivas.
Com tais evoluções, inspirada, sobretudo na Revolução Francesa de 1789, no qual era lema a igualdade, fraternidade e liberdade, que deu vasão a rigidez das constituições em grande parte do mundo (civil law), bem como através da Declaração Universal dos Direitos do Homem, instituída em 1948 apregoando, sobretudo, a igualdade, não poderia deixar a Constituição Federal brasileira de 1988 de elevar à categoria de princípios, instituindo-a inclusive no rol dos direitos e garantias fundamentais, onde, a luz do art. 5° enfatiza que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza.
Amparando-se em tal premissa, não poderia o Legislador, com tais avanços, inclusive com divisão do sustento familiar exercido entre o marido e a mulher, continua em vigor o pátrio poder, passando então, a guarda e a criação dos filhos menores ao exercício do poder familiar, conforme mensura o art. 1630, CC/02, alterando-se, sobretudo o poder absoluto que dispunha o pai sobre estes e a família para um poder relativo, passível de perda ou suspensão com características de irrenunciabilidade, indelegabilidade e imprescutibilidade.
2. O INSTITUTO DA ADOÇÃO
Entende-se por adoção a inserção do adotado numa célula familiar de forma definitiva cujos vínculos com a família anterior são rompidos, exceto os impedimentos matrimoniais.
Nos capítulos pertinente à família, a Constituição Federal Brasileira de 1988, conforme o art. 227, §5°, estabelece a assistência do Poder Púbico para a adoção, dando possibilidade também a sua efetivação por pessoas estrangeiras.
Este artigo, constitui-se em norma de eficácia contida pelo Instituto da Criança e do Adolescente criado em 1990, alem de servir como parâmetro a formação do Código Civil de 2002, atuando subsidiariamente ou completamente ao ECA, no que pertine ao instituto da adoção.
O velho Código Civil de 1916 previa três espécies de adoção, a saber: a simulada ao se referir a casais que registraram filho alheio; a civil, regulada pelo Código para maiores de 18 anos, permanecendo o adotado com laços à família consangüínea à exceção do pátrio poder; a estatutária prevista para os menores de 18 anos desligando de laços consangüíneos.
Face à CC/02, Lei 8069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim como, a adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei 8069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE SEGUNDO AS DISPOSIÇÕES DO ECA
A lei nº 8.069/1990 revolucionou o Direito Infanto-juvenil, no qual foi adotado a doutrina de proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. Tais direitos destinam-se a todas as crianças e a todos os adolescentes, sem qualquer distinção.
Pela ordem Constitucional que vige no país, os direitos em foco devem ser universalmente reconhecidos, por serem especiais e específicos, considerando a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Pela primeira vez na história das constituições brasileiras, a criança é tratada como questão pública, levando-se em conta que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos, independente de sua condição social.
O art. 6° Principio da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente afirma que: “Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á sempre que possível, aos cuidados, e sob a responsabilidade dos pais, e em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material”.
A família representa, portanto, o agente socializador do ser humano. E a ausência de família, a carência de amor e de afeto comprometem o desenvolvimento da criança e do adolescente. Logo, devido a sua relevância, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 227, considerou o direito à convivência familiar e comunitária um direito fundamental. O ECA no seu art. 19 regulamentou tal mandamento e determinou que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta.
Observa-se, pois, que ter uma família é direito essencial de todas as crianças e adolescentes, seja ela biológica ou substituta.
4. POSSIBILIDADES DA ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS
Após fincadas as premissas aludidas anteriormente, pode-se, agora tratar acerca das possibilidades de adoção por casais homossexuais. O tema tem sua relevância devido às inúmeras e rápidas transformações que a sociedade sofreu e vem sofrendo nos últimos anos e que de maneira alguma não podem ser ignoradas pelo direito, muito menos pela sociedade.
Sabe-se, que a legislação brasileira vigente não abarca os casais homossexuais no conceito de família, logo, devido à omissão da lei, eles não possuem direito de adotar uma criança.
Ocorre que, consoante o art. 42 do ECA, podem adotar os maiores de vinte e um anos, independente de estado civil, assim, casado, solteiro ou mesmo viúvo, desde de que preencham todos os requisitos exigidos para a adoção, são passíveis de adotar uma criança. Já que a Constituição Federal regulamente a família mono-parental, não há nenhum impedimento de uma criança ser adotada por apenas um do casal, já que não se leva em considerarão o estado civil do adotante. Logo, essa pode ser uma maneira, uma brecha da lei, que possibilita a adoção por casais homossexuais.
Todavia, o correto seria, já que se trata de tema de grande repercussão social, que fosse regulamentado em lei e o casal homossexual dentro do conceito de família, para que possam assim, gozar da efetiva proteção do Estado, bem como, a adoção de crianças e adolescente. Não podendo esquecer que sua não previsão só evidencia cada vez mais o preconceito que está arraigado na sociedade brasileira, como também, o desrespeito aos princípios constitucionais da igualdade e da liberdade.
Hoje as sociedades estão compreendendo que a homossexualidade é uma condição natural, não apenas observada em todas as civilizações e em todos os tempos, mas também comum nos seres da natureza.
Não se sabe ainda, das conseqüências que esse tipo de adoção possa trazer para a criança, mormente, pelo fato de ser este tema atual, passível de estudos e análises.
Cabe a todos os cidadãos analisar os pontos positivos e negativos relativos ao tema para depois se posicionar em uma vertente. Mas tal posição deve ser decidida sem preconceitos e julgamentos pré-elaborados. Antes de tudo deve-se considerar algo muito mais valioso e importante que está em jogo, que é a vida de uma criança que necessita de um ambiente familiar para o seu desenvolvimento.
Apesar de algumas decisões serem inéditas no país, a postura da jurisprudência moderna tem sido admirável. Tendo em vista, sobremaneira, a preocupação com a dignidade do ser humano como um todo, e, o devido respeito aos princípios constitucionais.
Nesse sentido, define a jurisprudência:
“Adoção cumulada com destituição do pátrio poder. Alegação de ser homossexual o adotante. Deferimento do pedido. Recurso do Ministério Público.
1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais), considerando que o adotado, agora com dez anos, sente agora orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro, e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Votação:Unânime Resultado: Apelo improvido TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Acórdão: Apelação Cível – Processo 1998.001.14332 Relator: Desembargador Jorge Magalhães Julgamento: 23.03.1999 – Nona Câmara Cível”
“Apelação cível. Adoção. Casal formado por duas pessoas de mesmo sexo. Possibilidade. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.” Elaborado por Maria Berenice Dias, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.”
5. CONCLUSÃO
Com base nos pressupostos anteriormente citados, pode-se concluir que tais abordagens se mostraram de suma relevância para a análise das possibilidades da adoção por casais homoafetivos, e, consequentemente, para a compreensão das peculiaridades que o tema comporta.
Deve-se, entretanto, recorrer aos princípios de igualdade de diretos, bem como o da liberdade, consagrados pela Lei Maior, para concordar com a possibilidade de adoção por homossexuais em conjunto. Apesar da omissão da lei, o ECA não contem dispositivos legais tratando da adoção pleiteada por homoafetivo, pois, não veda, implícita ou explicitamente tal adoção. Logo, os casais homossexuais têm direito de adotar um menor, salvo se não preencher os requisitos estabelecidos em lei. Aliás se não pudesse adotar uma criança ou adolescente, o princípio da igualdade estaria abertamente violado. O que importa, no substancial, é a idoneidade moral do candidato e a sua capacitação para assumir os encargos de uma paternidade (ou maternidade) adotiva.
Pode-se observar depois de fincadas as premissas dispostas neste trabalho, que a melhor regra para o caso é a prevista no art. 43 do ECA, que determina que a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em legítimos motivos. O código civil retrata tal disposição no art. 1.625 que, em outras palavras, dispõe que somente será admitida a adoção que constituir efetivo beneficio para ao adotando, já que toda criança tem direto a ter uma família.
Tal tema por ser polêmico e ensejar inúmeras discussões e controvérsias, precisa ser analisado cuidadosamente e está longe de obter unanimidade. Em ambos os casos é preciso pesar e ver se há a real vantagem para a adotando e isso deverá ser analisado caso a caso, levando em consideração principalmente os fatores psicológicos tanto dos adotantes quando do adotado.
Assim, a adoção deve ser vista como um ato de amor e o que deve prevalecer é a felicidade e o bem estar do adotando.
Informações Sobre os Autores
Luciana Costa dos Santos Almeida
Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humana e Sociais (AGES).
Marcos Aurélio Carregosa Lima
Acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – AGES, Paripiranga – BA