Sumário: 1. Introdução. 2. Abuso de minoria. 2.1. Características. 2.2. Algumas considerações sobre o dever de atuação em conformidade com o estatuto social e o dever de lealdade. 3. Modalidade de abuso de minoria. 3.1. Abuso de minoria negativo. 3.2. Abuso de minoria positivo. 4. Remédios Jurídicos. 4.1. Aplicações do artigo 58, nº1, b do CSC. 4.2. Do abuso de direito, aplicação do art.334 do C. Civ. 4.3. Execução específica. 4.4. Exclusão do sócio. 4. Conclusão. Bibliografia.[1]
1.0-Introdução:
Nos primórdios das sociedades comerciais, o critério adotado para a tomada de decisões em sede de deliberações sociais era o da unanimidade. Todavia, observou-se que este critério ensejava entraves a adequada eficiência do órgão deliberativo, pois a tomada das decisões era excessivamente procrastinada em virtude da dificuldade de reunião de consensos. [2]
Destarte, o princípio da maioria nasce com o objetivo de solucionar os problemas oriundos do critério anterior.[3] No entanto, em princípio, a minoria[4] “nem se quer era reconhecida como tal”, contudo, paulatinamente as minorias foram ganhando certo destaque em virtude da “evolução da consciência comunitária”.[5]
Assim, surge a necessidade de tutelar os interesses legítimos dos sócios que não compartilham do mesmo entendimento dos sócios majoritários, pois estes por força do princípio da maioria conseguem impor com facilidade seus interesses pessoais em detrimento do interesse social e dos sócios minoritários.[6]
No começo do século XIX, a doutrina da Europa Continental preocupava-se precipuamente com os direitos individuais dos sócios, pois acreditavam que os mesmos constituíam instrumento hábil para o controle da discricionariedade dos sócios majoritários. [7]
Entretanto, observa-se que a tutela individual do sócio não é suficiente para evitar os abusos dos sócios majoritários. Desta forma, progressivamente os mecanismos de tutela das minorias foram crescendo, os sócios majoritários passaram a ser controlados sob a égide do interesse social.[8]
Neste ínterim, são adotados institutos jurídicos gerais (boa fé, abuso de direito e igualdade de tratamento entre os sócios) com o intuito de resguardar as minorias contra eventuais abusos dos sócios majoritários.
Posteriormente, são atribuídos coeficientes constitutivos e deliberativos com percentuais mais elevados e os direitos de minoria qualificada são consagrados. [9]
Nota-se, então, após este breve passeio histórico que a tutela das minorias surge em virtude da necessidade de estabelecer contrapesos ao princípio do majoritário, isto é, com a finalidade de resguardar os sócios minoritários contra eventuais abusos dos sócios majoritários.[10]
Nesta linha, o Código das Sociedades Comerciais (CSC) consagrou o princípio do majoritário para a tomada das decisões sociais. Portanto, não é difícil vislumbrar que por força deste princípio, os sócios majoritários possam impor com facilidade seus interesses particulares em detrimento dos sócios minoritários e da própria sociedade.
O legislador, sensível a esta problemática, consubstanciou diversos dispositivos legais com escopo de tutelar as minorias contra eventuais abusos dos sócios majoritários.[11]
Todavia, as minorias poderão se valer destes direitos para alcançarem objetivos escusos a própria gênese da norma. Neste ínterim, poderá haver espaço para configuração de um abuso de direito por parte desta minoria em detrimento dos outros sócios e da própria sociedade.
No presente trabalho, trataremos dos abusos de minoria através da análise se suas características e modalidades para após delinearmos comentários sobre as sanções aplicáveis.
2.ABUSO DE MINORIA:
2.1- Características:
Inicialmente, insta salientar que a caracterização do abuso de minoria[12] constitui tarefa árdua, pois é difícil definir precisamente quando é ultrapassada a barreira da legítima tutela dos interesses das minorias para o campo do abuso. Por sua vez, o CSC não nos ajuda nesta tarefa, pois não consagra nenhum dispositivo legal específico para esta figura.
Em regra, nada impede que as minorias exerçam medidas de controle e fiscalização da gestão dos administradores e do andamento da sociedade. Da mesma forma, nada impede que os sócios se oponham, por exemplo, a uma deliberação de aumento de capital, pois a manutenção da posição relativa na sociedade é direito subjetivo dos sócios. [13]
Ressalta-se que estas faculdades legais estão atreladas diretamente ou indiretamente a tutela das minorias contra eventuais abusos dos sócios majoritários. Todavia, estes direitos poderão ser utilizadas pelas minorias com objetivos antagônicos a este, portanto abrindo espaço para uma configuração de um abuso de direito.
Muito embora, o abuso de minoria seja facilmente identificado sob o ponto de vista formal e abstrato, isto é, o abuso de direito de minoria restará configurado quando o direito em causa for utilizado com o escopo ou efeito de prejudicar o direito de outrem.
Entretanto, o problema reside na identificação do abuso de minoria no caso concreto, pois é difícil identificar o limite do exercício regular de um direito de minoria e o seu exercício arbitrário, no qual conduz a uma conduta abusiva.[14]
Na condução desta árdua tarefa, a doutrina nos auxilia apontando dois elementos fulcrais, isto é, o dever de atuação compatível com o interesse social e o dever de lealdade.[15]
2.2-Algumas considerações sobre o dever de atuação dos sócios compatível com interesse social e o dever de lealdade:
O abuso de minoria[16] está relacionado com a violação dos deveres de atuação compatível com o interesse social e / ou do dever de lealdade[17], portanto traçaremos algumas linhas sobre estes deveres com a finalidade de melhor compreensão do tema em causa.
Impende aos sócios majoritários ou minoritários de uma sociedade comercial o dever de atuarem de forma compatível com o interesse social e/ou em respeito ao dever de lealdade.[18]
Inobstante as diversas acepções de interesse social, a doutrina majoritária adota a teoria contratualista do interesse social nas relações dos sócios com a sociedade, isto é, o interesse social é o interesse comum dos sócios enquanto sócios.[19]
Para melhor esclarecer, nos socorremos do entendimento do Ilustre mestre LOBO XAVIER quanto ao interesse social: “Para nós, o interesse social, não é mais do que um interesse dos sócios- o interesse de todo e qualquer sócio, na consecução do máximo lucro, através da empresa colectiva. O interesse social é deste modo, um interesse comum a todos os sócios (…)” [20]
Ultrapassadas as premissas, indaga-se: como deverá ser compreendido o dever de atuação dos sócios em conformidade com o interesse social?
Preliminarmente, ressalta-se que os sócios no exercício de seus direitos subjetivos, em regra, poderão buscar tão somente a persecução de seus interesses pessoais.
Todavia, esta faculdade encontra limite no dever de atuação em conformidade com o interesse social[21], ou seja, é lícito os sócios buscarem interesses particulares através de seus direitos subjetivos de sócios, porém numa situação de conflito entre o interesse pessoal e o interesse social, este último deverá prevalecer.[22]
Por outro lado, os sócios também devem respeitar o dever de lealdade[23], sendo este identificado como o dever de atuação compatível com o interesse social ou com interesses de outros sócios relacionados com a sociedade, conforme assevera parte da doutrina.[24]
Nesta vertente, o dever de lealdade é identificado, em regra, como um dever de conteúdo negativo, isto é, um dever de não fazer ou de abster-se, pois o interesse social é apenas o limite para a busca do interesse pessoal, portanto não constitui um dever principal.
Muito embora, em algumas situações possa se admitir um conteúdo positivo, pois a situação em causa não admite outro comportamento além daquele que promova o interesse social.
Nesta perspectiva, o dever de atuação compatível com os interesses de outros sócios relacionados com a sociedade é considerado, em certo ponto, um dever de atuação compatível com o interesse social, pois “o dever “perante a sociedade” resolve-se, afinal, em um dever perante aos sócios”.[25]
O dever de lealdade entre os sócios é desrespeitado quando há, por exemplo, uma deliberação para o aumento de capital desnecessária para sociedade, na qual os sócios majoritários conhecem a impossibilidade dos sócios minoritários participarem; quando há uma limitação desproporcional do direito de preferência em aumento de capital; exclusão de sócios; deliberação de dissolução da sociedade pelos sócios, etc.[26]
Por outro lado, na hipótese dos sócios lesarem outros sócios sem que haja lesão ao interesse social, o dever de lealdade deve ser entendido de forma autônoma.[27]
Noutra perspectiva, há quem defenda que o dever de lealdade é um dever de conteúdo positivo, isto é, os sócios devem contribuir com máximos esforços pessoais e financeiros para o sucesso da sociedade.[28]
Neste ínterim, a primeira teoria parece ser a mais acertada, pois a adoção da segunda corrente implica numa mitigação dos direitos subjetivos atribuídos aos sócios para obtenção dos seus interesses pessoais, vez que estes ficariam subordinados ao dever de máxima satisfação do interesse da sociedade.[29]
3. Modalidades de abuso de minoria:
Os direitos de minoria podem ser classificados como direitos de minoria em sentido estrito ou direitos de minoria em sentido amplo. Os primeiros dizem respeito aos direitos de minoria qualificada. Enquanto, os direitos de minoria em sentido amplo estão pautados aos direitos individuais dos sócios.[30]
No entanto, estes direitos podem ser utilizados pela minoria na persecução de objetivos escusos através de táticas obstrucionistas (negativas) ou na prática de condutas positivas amparadas por lei.
Os motivos[31] que levam os minoritários abusarem de seus direitos nem sempre estão afetos a busca de interesses pessoais ou de terceiros, estes podem estar relacionados à simples intenção de desestabilizar o andamento societário, ou ainda, com escopo de tão somente prejudicar os sócios com maior participação social.[32]
3.1- Do abuso de minoria negativo:
Os abusos de minoria negativos ou votos abusivos constituem a modalidade de abuso de minoria mais observada na prática em virtude de sua facilidade de execução. Integram-se nesta conduta, as táticas de bloqueio e oposições sistemáticas e injustificadas de decisões essências para a sobrevivência da sociedade.[33]
O direito de “voto” e suas faculdades reflexas estão diretamente atrelados ao abuso de minoria negativo.[34]
Em regra, o direito de “voto” é um instrumento apropriado para tutela dos interesses pessoais dos sócios. Assim, em princípio, os sócios podem abster-se, votar contra ou em branco na busca de seus interesses pessoais.[35]
Portanto, podemos concluir que tais comportamentos são lícitos. Todavia, estes podem configurar um abuso de minoria quando utilizados com o desígnio de atender exclusivamente interesse de terceiros ou com intuito de prejudicar a sociedade ou os outros sócios.
Manifestamente, estas condutas assumem especial relevo nos casos em que a lei ou o contrato social exijam maioria qualificada para o quórum de constituição[36] de uma assembléia ou para a tomada das decisões sociais, pois estas ficam diretamente pautadas as condutas adotadas pelas minorias, desde que, é claro, as participações sociais dos majoritários não cubram a maioria qualificada exigida por lei ou pelo estatuto social.
Nestes casos, os sócios com participação social majoritária não podem decidir pela sorte da sociedade, em certos assuntos, sem que os sócios minoritários intervenham.
Assim, o direito de minoria qualificada nada mais é do que um instrumento de controle dos sócios minoritários com escopo de evitar condutas abusivas dos sócios majoritários, por força do princípio majoritário para a tomada das deliberações sociais.
Exige-se maioria qualificada, por exemplo, nas deliberações para aumento de capital, dissolução da sociedade, fusões, transformações, etc. Para alguns tipos societários é exigida unanimidade para a tomada de algumas destas decisões em virtude do “affection societatis”. [37]
Para melhor compreensão, exemplifiquemos, um determinado sócio minoritário (sociedade por quotas) com percentual de 26% do capital social poderá decidir a sorte da sociedade nos assuntos que exijam maioria qualificada de ¾ do capital (art.265, nº1).[38]
Neste ínterim, classicamente, a doutrina aponta dois exemplos, que devem ser inseridos no contexto de uma tática obstrucionista, que são: I- a deliberação para aumento de capital, em virtude de imposição legal, sob pena de desconstituição da sociedade; II- a deliberação para aumento de capital necessária para salvar a empresa.
No primeiro exemplo, a doutrina, em sua generalidade, não se opõe quanto à configuração do abuso de direito de minoria, vez que estamos diante do dever de lealdade de conteúdo positivo, isto é, não há outro comportamento admitido além da promoção do interesse social, pois aqui está em causa à sobrevivência da sociedade.[39]
Neste caso, os sócios minoritários devem votar a favor do aumento do capital sob pena de terem que indenizar a sociedade ou os sócios, na hipótese da dissolução da sociedade. [40]
Todavia, no segundo exemplo para conformarmos como abuso de minoria, o aumento social proposto deverá ser exatamente o necessário para salvar a empresa de eventual insolvência.
Na hipótese da proposta de aumento de capital ter sido realizada acima do valor necessário para salvar a empresa, o sócio minoritário tem o direito de manifestar-se contra, pois este pode desejar manter sua posição relativa na sociedade sem ter que realizar entradas além daquelas necessárias para sobrevivência da sociedade.
Por outro lado, nesta hipótese também deverá ser observado se o aumento de capital constitui o único meio capaz de salvar a empresa de uma futura dissolução.
Destaca-se que haverá abuso de direito nas hipóteses acima referidas, desde que os sócios minoritários tenham sido devidamente informados que o aumento de capital destinava-se aos respectivos fins mencionados.
Portanto, o elemento fulcral para configuração do abuso de minoria, em sede de deliberação social para aumento de capital, é a sobrevivência da empresa, isto é, a violação do dever de atuação positiva de forma compatível com o interesse social.
Na Espanha, o ilustre mestre Pedro J. R. Vicente assevera que os abusos de minoria negativos não se resumem a estas hipóteses, inclui-se aqui, o abuso de direito de impugnação de deliberações sociais.[41]
Neste ínterim, enfatizamos que as impugnações abusivas poderão acarretar na suspensão da execução de importantes contratos, isto é, gerando prejuízos para a sociedade.
Por este motivo, a utilização desvirtuada pelos sócios minoritários deste direito poderá servir como mecanismo de pressão perante a sociedade e os sócios majoritários, isto é, através de ameaças de dissentimentos para futuras propostas com escopo de obterem preços desproporcionais pelas participações sociais, ou ainda, com intuito de obterem grandes quantias dos sócios dominantes pela desistência da impugnação a deliberação.[42]
Em Portugal, os sócios só poderão impugnar as deliberações, nas sociedades anônimas de capital aberto, desde que isoladamente ou em conjunto, detenham o percentual mínimo de 0,5% da participação social, conforme estabelece o artigo 24, nº1 da CVM. Desta forma, nas sociedades de capital aberto, o direito de impugnação constitui um direito de minoria qualificada.
No entanto, noutros tipos societários, os sócios poderão impugnar as deliberações sociais, desde que não tenham votado no sentido do vencimento ou a ratificado posteriormente (art.58, nº1, b e art.59º, nº1).
3.2 Do abuso de minoria positivo:
Os abusos de minoria positivos não buscam o bloqueio das decisões sociais, pois estes abusos são praticados diretamente através do exercício de faculdades legalmente atribuídas às minorias de capital social.[43]
Neste universo, os direitos de minoria qualificada[44] constituem a principal modalidade de abuso positivo.
O abuso de minoria poderá ser consubstanciado através de diversos dispositivos que tratam dos direitos de minoria qualificada. No entanto, a título exemplificativo, iremos nos ater a análise da norma do art.375, nº2 do CSC.
O preceito legal supracitado consagra o direito dos sócios solicitarem convocação da assembléia geral, desde que possuam 5% de participação social. Para tanto, a solicitação deverá obedecer à forma escrita e conter as justificações do requerimento, conforme preceitua o nº3 do art.375º do CSC.
No entanto, o direito de solicitação de convocação de assembléia geral poderá ser utilizado, por exemplo, com intuito meramente protelatório, ou ainda, com a finalidade de perturbar a ordenada e correta vida social.
Releva-se para caracterização do abuso neste plano, a conduta anterior do grupo minoritário, isto é, se a pratica é reiterada com justificativas irrelevantes, com escopo meramente perturbador. Por outro lado, também poderá ser levado em consideração, o fato da proposta já ter sido recentemente apreciada.[45]
Todavia, a solução para este problema é encontrado pela própria lei através do disposto no nº5, do art.375 do CSC, isto é, se o requerimento for manifestamente abusivo poderá o presidente de mesa denegar o pleito.[46]
Os sócios minoritários que obtiverem seus requerimentos indeferidos pelo presidente de mesa, poderão pleitear judicialmente a convocação da assembléia, conforme disciplina, o art.375, nº6 do CSC.
4.Remédios jurídicos:
A ausência de previsão legal específica contra abusos de minoria dificulta a tarefa de encontramos um mecanismo jurídico capaz de se adequar por completo a este ilícito.
Por outro lado, não há como nos socorreremos de uma única sanção para todos os casos de abuso de minoria, pois este não apresenta uma homogeneidade material, portanto há necessidade da sanção se adequar as diversas circunstâncias do caso concreto.[47]
Todavia, a doutrina parece ser pacífica quanto à possibilidade da sociedade ou dos sócios prejudicados requererem reparação por via indenizatória por prejuízos ocasionados em virtude de um abuso de minoria.
Da mesma forma, não haverá dúvidas quanto à possibilidade de exclusão dos sócios que cometeram abuso de minoria, desde que o tipo societário permita tal faculdade.
Por outro lado, também parece ser pacífica a aplicação do artigo 817º do C. Civ, isto é, os sócios majoritários poderão requerer judicialmente que o sócio minoritário ausente compareça ou participe da deliberação social, por exemplo, de aumento de capital necessário para sobrevivência da sociedade.
Por sua vez, os abusos de minoria positivos, em sua maioria, encontram soluções jurídicas na própria lei. Por exemplo, o direito a convocação de assembléia poderá ser negado pelo presidente de mesa, desde que seja injustificado e com intuito perturbador. No entanto, a via indenizatória não é excluída e parece ser adequada para sancionar este tipo de conduta.
No entanto, o grande problema das sanções jurídicas aplicáveis reside nos abusos de minoria negativos, nomeadamente nas deliberações abusivas de aumento de capital necessário para a sobrevivência da sociedade, isto é, os votos abusivos deverão ser excluídos e a deliberação validada, ou então, a deliberação deverá ser anulada para que seja realizada nova deliberação?
A doutrina e a jurisprudência apontam diversas soluções, desde a validação da deliberação ate a anulação da mesma. Contudo, esta última solução parece esbarrar em outro obstáculo, isto é, poderá o Judiciário obrigar o sócio a votar num determinado sentido? Poderá nomear judicialmente um mandatário para fazê-lo em nome do sócio?
Destarte, a doutrina aponta diversos remédios jurídicos, destinados a tutelar a sociedade dos abusos de minoria, conforme apreciaremos a seguir.
4.1- Aplicação do artigo 58, nº1, b) do CSC:
O órgão de fiscalização e os sócios, desde que não tenham votado favoravelmente ou tenham ratificado a deliberação abusiva poderão impugná-la judicialmente com objetivo de anulá-la (art.58, nº1, b), conforme disciplina o nº1, do art.59 do CSC.
O art.58, nº1, b) do CSC estabelece que uma deliberação, será considerada abusiva e passível de anulação, desde que através do exercício do direito de voto, o (s) sócio (s) lograram vantagens para os mesmos ou para terceiros.
O direito de impugnação acima referido é considerado uma das principais manifestações da tutela das minorias, pois qualquer sócio, independente de sua participação social, poderá impugnar a deliberação social, desde que respeitados os limites estabelecidos pelo art.59, nº1 do CSC.
Deste modo, o problema reside na possibilidade de aplicação deste dispositivo aos abusos de minoria atinentes as deliberações negativas em virtude da falta de quórum mínimo estabelecido por lei ou pelos estatutos.
O artigo 58, nº1, b) não faz referência a necessidade de uma deliberação positiva para que este seja aplicado. Por outro lado, o artigo 58º, nº3 faz a seguinte assertiva “Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do nº1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios.”
Assim, há quem defenda a impossibilidade de aplicação do artigo 58, nº1, b) aos casos de abuso de minoria por força do artigo 58, nº3 do CSC, no qual faz expressa menção aos sócios que tenham formado maioria em sede de responsabilidade. [48]
Desta forma, sob esta perspectiva, o preceito em causa é aplicável tão somente aos abusos de maioria, pois a gênese deste preceito é a tutela das minorias.
Em sentido oposto, nos parece mais correta à acepção que considera a norma em causa um instrumento de tutela precípua do interesse da sociedade[49], portanto não há que se afastar a aplicabilidade deste dispositivo aos casos de abuso de minoria.[50]
No entanto, cabe ponderar que este dispositivo não resolve os problemas dos abusos de minoria, pois este preceito não poderá ser aplicado aos abusos de minoria relacionados à falta de quórum mínimo de constituição e nem aos abusos de minoria positivos.
Para os outros tipos de abuso de minoria, devemos nos socorrer de outros remédios jurídicos com objetivo de sancionar estes comportamentos ilícitos fora do âmbito deste artigo.
4.2- Do abuso de direito: aplicação do art.334º do Código Civil
O preceito geral do abuso de direito (art.334º do C. Civ.) poderá representar um remédio jurídico viável para os demais tipos de abuso de direito de minoria.
O abuso de minoria não está previsto em nenhum dispositivo especifico, portanto podemos nos valer dos preceitos de hierarquia das fontes legais estabelecido pelo art.2º do CSC.
Na apreciação deste preceito, este pode nos conduzir a aplicação subsidiaria do artigo 58, nº1, b do CSC, ou então, pela aplicação do artigo 334º do C. Civ, conforme a perspectiva adotada.
No entanto, a doutrina parece ser pacífica quanto à aplicação dos preceitos gerais do abuso de direito para os abusos de minoria, pois conforme observamos anteriormente, a aplicação do artigo 58º, nº1, b) não acoberta todas as variantes do abuso de minoria.
A figura jurídica do abuso de direito, está adstrita aos limites estabelecidos pela boa fé, pelos bons costumes, pelo fim social ou econômico desse direito.
Neste contexto, a boa fé deve ser entendida na sua acepção objetiva, isto é, como limitadora de direitos subjetivos, ou seja, os direitos das minorias são restringidos pelos limites impostos pela boa fé objetiva. Com efeito, o exercício dos direitos de minoria deverá ter em conta “a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.” [51]
Entretanto, o abuso de minoria apenas restará configurado, desde que a ação ou omissão revelem uma situação insustentável para a sociedade. Portanto, faz-se proeminente, que a atuação ou abstenção da minoria importe numa “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.” [52]
Destaca-se que a prova do dolo ou intenção do comportamento não constitui elemento fulcral para configuração do abuso, pois basta para tanto que haja uma transparente violação dos limites impostos pelo art.334º do C. Civ. [53]
Por fim, salientamos que o artigo 334º não prevê nenhuma sanção específica, portanto caberá ao Judiciário definir “as conseqüências sancionatórias/reparatórias, do modo a que satisfaçam plenamente os ideais de Justiça no caso concreto.” [54]
4.3-Execução específica:
O recurso a execução específica terá relevo nos abusos de minoria negativos, tanto para os casos de blocagens relacionados ao direito de maioria qualificada constitutiva, quanto para os casos de exigência de maioria qualificada deliberativa.
O artigo 828º do Código Civil disciplina que “o credor da prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor.”
No entanto, insta salientar que o pressuposto legal deste preceito é que a prestação resida sobre um facto fungível, por este motivo a aplicação do mesmo aos abusos de minoria ficará adstrita consoante o entendimento do voto ser facto fungível ou infungível.
Inobstante as demais correntes doutrinarias, consideramos mais acertada o entendimento do Ilustre mestre Coutinho de Abreu, isto é, o voto é facto fungível, pois este pode ser exercido por representantes voluntários dos sócios, conforme preceituam os arts. 189º, 4, 249º,5 e 380,nº1 do C.S.C.[55]
Deste modo, este recurso poderá ser utilizado nos casos em que a ausência dos sócios minoritários impossibilita a tomada de uma deliberação necessária para a sobrevivência da empresa.
Por outro lado, o artigo 830º do C. Civ estabelece a possibilidade de obtenção de uma sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso nos contratos-promessa. Deste modo, há quem defenda uma interpretação extensiva- teleológica deste preceito, isto é, este se aplica a todas as obrigações, que impliquem num dever de emitir declarações negociais.[56]
Neste sentido, portanto seria possível, por exemplo, requerer judicialmente uma sentença declarando o sentido positivo do voto para as deliberações de aumento de capital necessárias para a sobrevivência da empresa, nas quais o sócio minoritário se absteve ou votou contrariamente.
4.4- Exclusão do sócio:
Enquanto, nas sociedades em nome coletivo (art.186º, nº1,a) e nas sociedades por quotas (art.242º), não se colocam dúvidas quanto à possibilidade de exclusão do sócio por abuso de minoria.
Não observamos a mesma assertiva nas sociedades anônimas de capital aberto em virtude do regime de livre transmissibilidade dos títulos e do seu caráter capitalista. O sócio expulso facilmente poderia adquirir ações novas no mercado.
Por outro lado, a doutrina abre espaço para a aplicação do art.242, nº1 nas sociedades anônimas de capital fechado. [57]
5.Conclusão:
Os remédios jurídicos apontados pela doutrina, não resolvem a problemática do abuso de minoria, estes se mostram incompletos ou insuficientes.
Observa-se que a indenização poderá não suprir os prejuízos ou não evitar a dissolução da empresa; a exclusão do sócio poderá não ser possível, consoante o tipo societário; o sócio condenado a cumprir o dever de voto positivo poderá não cumprir.[58]
Na busca de uma solução adequada, a doutrina nacional atrela-se as opções adotadas pela doutrina e jurisprudência estrangeiras de maior relevo e experiência no tratamento deste ilícito. No entanto, estas enfrentam os mesmos problemas.[59]
Por esta via, cabe suscitar a aplicação cumulativa da reparação por via indenizatória com a reparação In natura para os casos de abusos negativos, pois a reparação indenizatória não será capaz de evitar que a sociedade venha a ser extinta. Por sua vez, a reparação dos danos por via indenizatória poderá mostrar-se adequada para os abusos de minoria positivo.[60]
Por outro lado, podemos nos socorrer da experiência francesa nos abusos negativos, isto é, através da nomeação de mandatário judicial para representar o sócio dissidente ou que tenha votado contra a deliberação anulada judicialmente.[61]
Noutra perspectiva, a jurisprudência francesa, aponta também pela exclusão dos votos negativos e a validação da deliberação.[62]
O ordenamento jurídico português parece não vedar nenhuma destas soluções, contudo, esta última parece ser aplicável apenas as sociedades anônimas, pois a maioria é contada a partir dos votos emitidos (art.386,nº3 e 4º do CSC), isto é, verifica-se se foi atingido a maioria exigida com a exclusão dos votos abusivos.
Nos demais tipos societários, a exclusão dos votos abusivos não alcançará uma validação da deliberação, pois é exigido quórum qualificado em relação à totalidade dos votos emissíveis para as deliberações de aumento de capital, por exemplo.
Por derradeiro, salientamos que não encontramos jurisprudência no ordenamento jurídico português sobre o tema.
Informações Sobre o Autor
Flávia Costa Machado
Professora de direito, mestre em direito empresarial pela Universidade de Coimbra-Portugal