Abstract: The main goal of this issue is to discuss the possibility of accessory obligations, concerning to taxes, bein instituted by Executive rules.
Keywords: accessory obligation, complementar rules, legality.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da Legalidade. 3. Obrigação Tributária Acessória. 4. Um julgado interessante do Superior Tribunal de Justiça. 5. Conclusão.
1 – Introdução
É antigo o debate doutrinário sobre o alcance do princípio da legalidade no que tange às obrigações tributárias acessórias.
O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis doutrinadores sobre o tema, todas muito bem fundamentadas, para esboçar um posicionamento que se reconhece tímido.
A questão central é refletir sobre a pertinência ou não de poderem normas editadas pelos Executivos das três esferas instituir obrigações tributárias acessórias.
2 – Princípio da Legalidade
Nos termos do art. 5º, II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Está aí positivado o princípio da legalidade no ordenamento jurídico brasileiro, a espraiar sua normatividade para todos os ramos do Direito.
O constituinte, todavia, no intuito de legar à sociedade um verdadeiro estatuto do contribuinte, reforçando ainda mais a prescrição do referido dispositivo, fê-lo inserir de forma específica no rol do art. 150, da seção que trata das “limitações ao poder de tributar” (II), no capítulo sobre o “sistema tributário nacional” (I), do título atinente à tributação e ao orçamento (VI).
Assim, é expressamente vedado aos entes tributantes “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150, I).
Reflexões acerca da interpretação que se deve dar ao vocábulo “lei” remetem às origens históricas do princípio, gerado a partir da reação dos barões feudais às obrigações exorbitantes que lhes vinham sendo impostas pelo soberano, fato que culminou com a Carga Magna de 1215, através da qual ficou estabelecido que somente os tributos autorizados poderiam ser cobrados.[1]
Assim, deve-se perquirir sobre o assentimento da classe representativa do povo para que um tributo seja validamente exigido.[2]
Destarte, apenas a lei, geralmente ordinária, pode instituir ou aumentar tributos no Brasil. De ser ressaltado que a própria Constituição, no entanto, prescreve a necessidade de lei complementar para algumas espécies, tais como, o empréstimo compulsório (art, 148) e o imposto extraordinário residual (art. 154, I). Nestes dois casos é notório também o intuito de dar maior proteção ao contribuinte, tendo em vista o quorum de maioria absoluta necessário para a aprovação da lei complementar.[3]
A medida provisória, atendidos seus requisitos de relevância e urgência, uma vez convertida em lei, pode também instituir ou aumentar tributos, observadas as regras de eficácia previstas no art. 62, da CF/88.
Atendendo ao comando do art. 146, III, da Carta Magna, a Lei n. 5.172/66 foi recepcionada com status de lei complementar.
Assim, cumprindo seu objetivo de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, explicita o art. 97, do Código Tributário Nacional:
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo.
IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção dos créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” (destaques nossos)
Tem-se, então, delimitado de forma bastante sintética, o princípio da legalidade em matéria tributária no ordenamento jurídico brasileiro.
3 – Obrigação Tributária Acessória
Embora o tributo, mais especificamente o imposto, decorra da necessidade de prover o Estado de recursos para a consecução do bem comum, não se pode perder de vista, como já realçado acima, a necessidade de assentimento dos representantes do povo para sua instituição.
Destarte, à concepção de relação de poder entre o Estado e o súdito, que imperava no Estado Absolutista, seguiu-se a da assimilação da relação entre Estado e contribuinte à relação obrigacional, conceito haurido no Direito Privado.[4]
Como leciona Machado[5]:
“A relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito. […] A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária).” (destaques no original)
A obrigação tributária pode ser principal ou acessória. A primeira tem como objeto, isto é, como prestação, a de adimplir o tributo ou a penalidade pecuniária. Na terminologia do Direito Privado, é uma obrigação de dar, portanto, tem natureza patrimonial.[6]
Já a obrigação acessória corresponde a uma obrigação de fazer em sentido amplo (fazer, não fazer ou tolerar) algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos. Não possui, assim, natureza patrimonial.[7]
Vêm definidas do seguinte modo pelo Código Tributário Nacional:
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.” (destaques nossos)
Carrazza aponta crítica recorrente na doutrina quanto à denominação “obrigação acessória”:[8]
“A relação jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu, como ao plexo de deveres instrumentais (positivos ou negativos) que gravitam em torno do tributo, colimando facilitar a aplicação exata da norma jurídica que o previu. É desses deveres, de índole administrativa, que a doutrina tradicional, seguindo a traça do Código Tributário Nacional, chama, impropriamente, de “obrigações acessórias”[…]
Ressalta esse doutrinador que tais deveres não têm cunho patrimonial, tanto assim é que, uma vez descumpridos, continuam com objeto irredutível em moeda.[9]
Neste sentido também é a lição de Carvalho:[10]
“No conjunto de prescrições normativas que interessam ao Direito Tributário, vamos encontrar os dois tipos de relações: as de substância patrimonial e os vínculos que fazem irromper meros deveres administrativos. As primeiras, previstas no núcleo da norma que define o fenômeno da incidência – regra-matriz – e as outras, circumpostas a ela, para tornar possível a operatividade da instituição tributária: são os deveres instrumentais ou formais.”
Machado, fiel à denominação do Código, aduz que o sujeito ativo não pode exigir um comportamento do sujeito passivo, mas tem o poder de criar contra este um crédito, correspondente à penalidade pecuniária, nos termos do § 3º, do art. 113, acima transcrito, salientando, também, que não é da substância da obrigação, como gênero, o conteúdo patrimonial.[11]
Aduz ainda que o adjetivo “acessória”, que qualifica tais obrigações, tem sentido diverso do Direito Privado. Neste, “o caráter de acessoriedade manifesta-se entre uma determinada obrigação, dita principal, e uma outra, também determinada, dita acessória”. No Direito Tributário, todavia, tal termo tem outra conotação, qual seja a de só existirem em função da obrigação principal. Confira-se:[12]
“Realmente, em Direito Tributário as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido. Só existem em função das principais, embora não exista necessariamente um liame entre determinada obrigação principal e determinada obrigação acessória. Todo o conjunto de obrigações acessórias existe para viabilizar o cumprimento das obrigações principais.”
No mesmo passo é a doutrina de Amaro:[13]
“É nesse sentido que as obrigações tributárias formais são apelidadas de “acessórias”; embora não dependam da efetiva existência de uma obrigação principal, elas se atrelam à possibilidade ou probabilidade de existência de obrigações principais (não obstante, em grande número de situações, se alinhem com uma obrigação principal efetiva).”
Esboçados esses comentários, convém adentrar o ponto mais polêmico em torno das obrigações acessórias, que é o de apontar os dissentimentos encontrados na doutrina no que concerne à possibilidade de as mesmas poderem ou não ser instituídas através das denominadas “normas complementares”, elencadas no 100, do Código Tributário Nacional.[14]
Estão estas divididas em quatro grupos e que, conforme Corrêa e Rezek, correspondem:[15]
“a) aos atos normativos das autoridades administrativas (portarias, avisos, circulares e, presentemente, em grande número, os pareceres normativos etc.); b) à jurisprudência administrativa a que a lei dê força normativa; c) aos usos e costumes; e d) aos convênios.”
Para Machado, partindo do conteúdo abrangente da expressão “legislação tributária”, extraído do art. 96, e da delimitação do fato gerador da obrigação tributária, veiculado no art. 115, ambos do Código Tributário Nacional, a conclusão é a de que as obrigações acessórias podem ser instituídas por normas complementares.[16]
Ademais, se fosse intenção do legislador excluir a possibilidade de instituição de obrigação acessória por norma complementar, certamente teria omitido o adjetivo “principal” para a qualificação da obrigação, na dicção do inciso III, do art. 97.[17]
Já Carrazza entende que também as obrigações acessórias só podem ser criadas por lei em sentido material e formal, à vista do princípio da legalidade. Além disso, as normas do art. 100, do Código Tributário Nacional, têm por função a complementação das leis, tratados e decretos, ressaltando que o cumprimento de tais deveres instrumentais exigem dispêndio de tempo e dinheiro e que sua inobservância resolve-se em sanções de várias espécies, inclusive pecuniárias.[18]
4 – Um julgado interessante do Superior Tribunal de Justiça
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se interessante julgado – o do REsp n. 1.105.947/PR -, em que se discutiu a legalidade de instituição de obrigação acessória por meio de Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal para imobiliárias e incorporadoras, qual seja, a entrega da DIMOB (“declaração de informação sobre atividades imobiliárias”).
Embora não tenha enfrentado o âmago da questão, porque a obrigação acessória decorria do art. 16, Lei n. 9.779/99, apenas complementado pela Instrução Normativa, a 2ª Turma daquela Corte sintetizou de forma lapidar a contemporânea realidade das atividades desenvolvidas em prol da arrecadação de tributos no Brasil.
Transcreve-se abaixo trecho da ementa:
5 – Conclusão
Feitas essas considerações, no âmbito deste trabalho, prefere-se o entendimento dos que defendem a possibilidade de instituição de obrigações acessórias através das normas complementares delineadas no Código Tributário.
As razões esposadas por Machado, com o devido respeito dos que não comungam delas, estão em consonância com a determinação traçada na própria Constituição Federal, que remete à lei complementar, no caso a Lei n. 5.172/66, o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária.
Nesse particular, referido diploma legal é muito claro quando determina que o fato gerador da obrigação acessória decorre da “legislação tributária”, a qual, por definição, engloba também as normas complementares (arts. 115 e 100).
Quando o legislador complementar pretendeu limitar o assunto à lei em sentido material e formal, fê-lo expressamente, como ao prescrever que o fato gerador da obrigação principal decorre de lei e ao qualificar a “obrigação” como sendo “principal” para fins da reserva legal (arts. 97, III, 103, § 2º e 115).
Além disso, como visto, a obrigação acessória impõe apenas um dever de fazer, não fazer ou tolerar, não podendo o Estado compelir o contribuinte à prestação in natura, mas apenas sancionar o descumprimento com pena pecuniária.
Ora, tal pena sim é obrigação principal, conforme art. 103, § 2º e, portanto, deve decorrer de lei stricto sensu, o que também está expressamente previsto no art. 97, V.
Não se pode olvidar também que o fato de que se vive numa sociedade de massa e as implicações daí decorrentes, muito bem explanadas no REsp n. 1.105.947.
Assim, tendo em vista o caráter de generalidade e abstração inerente a lei stricto sensu, é bastante razoável que os órgãos competentes do Poder Executivo das três esferas possam editar atos que complementem aquela, através dos quais os contribuintes e terceiros envolvidos em situações tributadas sejam chamados a prestar informações e manter controles de suas atividades e bens, em benefício do próprio Estado.
Tal entendimento, que se submete à crítica, não malfere o princípio da legalidade, mas, sopesado a outros, também basilares do nosso Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, o da livre concorrência e o da eficiência administrativa, é consentâneo com a realidade contemporânea, à qual se deve ajustar a hermenêutica das normas.
Informações Sobre o Autor
Lucília Isabel Candini Bastos
Mestra em Direito Público pela Universidade de Franca, Pós-graduanda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Procuradora da Fazenda Nacional, Ex-Auditora da Receita Federal do Estado de Minas Gerais