Sumário: 1. A Gestação Substitutiva; 2. A Ausência de Previsão Legal; 3. A Concessão do Salário Maternidade na Gestação Substitutiva; 4. Referência Bibliográfica
1. A Gestação Substitutiva
Desde os tempos primitivos, a esterilidade feminina, em contraponto à fecundidade sempre foi vista de forma preconceituosa pela sociedade antiga, representando algo extremamente negativo e do ponto de vista bíblico como um sinal de castigo divino.
Nas escrituras do antigo testamento, descreve o livro sagrado em Gênesis, capítulo 16, versículo 1 e 2: “Sara, mulher de Abrão, não lhe tinha dado filhos; mas, possuindo uma escrava egípcia, chamada Agar, disse a Abrão: Eis que o Senhor me fêz estéril; rogo-te que tomes a minha escrava, para ver se ao menos por ela eu posso ter filhos” (grifo nosso)
A discriminação contra a mulher estéril se encontra presente até os dias atuais, pois a mulher estéril se sente desigual e ao mesmo tempo excluída das demais criaturas femininas pelo fato de não poder procriar.
Nesse enleio, enfatiza Fernando David de Melo Gonçalves:
“Desde a Antiguidade, os casais não aceitam a esterilidade como limitação ao seu direito à procriação. Aliás, os direitos sexuais e reprodutivos sempre foram tratados como tabus, mas, graças aos movimentos feministas, vêm sendo discutidos com mais amplitude, o que inclui a adoção de políticas públicas voltadas para a saúde reprodutiva.”[1]
Consoante nos ensina Eduardo de Oliveira Leite:
“[…] a esterilidade gera uma reação de reprovação em cadeia, sendo limitada, inicialmente, a mulher, passando a atingir o casal, e daí, atinge o grupo familiar, envolvendo num estágio derradeiro a sociedade inteira”.[2]
Entretanto, com o avanço da tecnologia e da medicina, surgiram novas técnicas advindas da ciência que propiciaram aos casais e especialmente à mulher estéril a possibilidade de procriar e de exercer a maternidade com felicidade e bem estar psíquico. Em busca da cura para este mal a ciência genética deu um grande passo ao desenvolver as técnicas de Reprodução Humana Assistida.
Reprodução Humana Assistida compreende um termo médico que indica o conjunto heterogêneo de técnicas utilizado para tentar solucionar os problemas da esterilidade conjugal, interferindo-se diretamente no processo natural de reprodução humana, por meio de manipulação em laboratório de componentes genéticos da fecundação, como a fertilização in vitro (proveta).
Com brilhantismo e simplicidade Antônio Borges de Figueiredo e Marcela Gallo de Oliveira conceituam a Reprodução Humana Assistida:
“Considera-se reprodução humana assistida a intervenção no processo reprodutivo para tentar solucionar os problemas de infertilidade, quando a concepção não ocorre de forma espontânea.”[3]
Segundo Jussara Meirelles a reprodução humana assistida representa “o simples acompanhamento médico ou a eventual administração de medicamentos que facilitem o processo natural de reprodução”.[4]
O item I da Resolução n° 1.358 de 1992 ao descrever os princípios gerais das normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução humana assistida, estabelece que:
“1 – As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade”.
Cabe esclarecer, ainda, que a maternidade substitutiva é chamada popularmente de “barriga de aluguel”. Para melhor análise do tema, imperioso se faz o esclarecimento acerca da fertilização in vitro.
A fertilização in vitro (FIV) consiste em permitir o encontro do óvulo com o espermatozóide fora do corpo da mulher. O sêmen é obtido mediante masturbação, já o processo para a obtenção do óvulo é bem mais complexo: a mulher deve se submeter ao uso de medicamento para estimular o ovário de forma que ele possa produzir o desenvolvimento folicular e a produção de mais de um óvulo. Por meio de ultra-sonografia o crescimento e o amadurecimento são monitorados. Quando finalmente estão prontos, os óvulos são extraídos do corpo da mulher por procedimentos que requerem anestesia local ou geral, sendo selecionados aqueles de melhor qualidade e colocados em um meio de cultura, fora do corpo, para que aconteça a fecundação.
No magistério de Maria Helena Diniz, “o respectivo embrião pode ser implantado no útero da esposa ou de terceira pessoa”.[5]
Feito este esclarecimento, voltamos à conceituação da maternidade substitutiva, vulgarmente conhecida como “barriga de aluguel”. Trata-se de uma espécie de reprodução humana utilizada contra a esterilidade feminina, na qual se faz a manipulação por ectogênese ou fertilização in vitro (colhe-se o sêmen do marido e o óvulo da esposa, faz-se a fecundação in vitro, ou seja, cria-se o embrião) e implanta-se o embrião no útero de uma mulher fértil, que a ciência chama de mãe hospedeira ou mãe substitutiva. Esta mãe apenas empresta seu útero para que o embrião possa se desenvolver.
Insta destacar que a maternidade substitutiva decorre tanto da reprodução humana homóloga como da heteróloga. A manipulação por ectogênese ou fertilização in vitro será homóloga quando proveniente de componentes genéticos advindos do próprio casal. Já a reprodução humana heteróloga acontece quando há componentes genéticos de pelo menos um terceiro (sêmen do marido e óvulo de outra mulher, sêmen de terceiro e óvulo da esposa ou sêmen e óvulo de terceiros).
O procedimento técnico é de fácil compreensão: o embrião produzido, fruto da união de espermatozóides e do óvulo é implantado em um útero “emprestado”. Consiste em terceira pessoa emprestar seu útero, quando o útero da mãe biológica não for capaz de assegurar o desenvolvimento normal do nascituro ou quando a gravidez representa risco para a mãe.
Na maternidade substitutiva, assevera Eduardo de Oliveira Leite que:
“A mãe portadora é a mulher fértil que apenas empresta o seu útero, e nele reimplanta-se um ou vários embriões obtidos através da fertilização in vitro, que contém os óvulos e os espermatozóides do casal solicitante”.[6]
Nesse viés, destaca Fernando David de Melo Gonçalves:
“Coloquialmente conhecida no Brasil como barriga de aluguel, tal prática consiste na transposição da gestação da doadora, ou seja, do material genético desta para outra mulher cuja tarefa cinge-se ao desenvolvimento do embrião em seu ventre, propiciando a superação de problemas como ausência, malformação ou anomalias uterinas.”[7]
O autor em referência destaca, ainda, que:
“Circunstâncias há em que a mãe de substituição se predispõe a ceder, temporariamente, seu útero por motivos altruísticos, apenas para possibilitar a um parente próximo o milagre de gerar descendentes geneticamente seus, contornando sérios impedimentos biológicos gestacionais”.[8]
A maternidade substitutiva é conhecida por diversas denominações, tais como: mãe substitutiva, mãe sub-rogada, útero de aluguel, mãe de hospedeira, gestação substitutiva, barriga de aluguel, dentre outras. São inadequadas as denominações que se referem a “aluguel”, isso porque, por determinação da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, as respectivas disposições devem ser a título gratuito. Vejamos:
“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 4° – A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”.
A vedação à comercialização de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento também se encontra presente na Resolução n° 1.358 de 1992 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estabelece que a maternidade substitutiva poderá ser utilizada, desde que exista um problema médico que impeça ou contra indique a gestação na doadora genética, não podendo ter caráter lucrativo ou comercial a doação temporária o útero.
Assim, estabelece o inciso VII, item 2 da Resolução n° 1.358 de 1992 do Conselho Federal de Medicina:
“VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra indique a gestação na doadora genética.
1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.” (Grifo Nosso)
Apesar da disposição acima consubstanciada, que restringe o caráter lucrativo ou comercial da maternidade substitutiva, Fernando David de melo Gonçalves alerta:
“Apesar da normatização do Conselho Federal de Medicina, há suspeita de que a maior parte das gestações por substituição, ocorridas até o momento, tenha se dado de forma onerosa, ignorando-se por completo as graves implicações de natureza jurídica, moral, psicológica e social que podem advir dessa prática”.[9]
O autor em referência assevera que “considerando o estado de miserabilidade em que vivem muitos brasileiros, é possível que mulheres se lancem nesta aventura de dar um filho a outrem, em troca de favores ou dinheiro”.[10]
Desse modo, para Fernando David de Melo:
“Realmente, sem lei específica regulamentando a prática da mãe de substituição no Brasil, não há outra solução a não ser considerar nulo qualquer contrato que atribua valores pecuniários à cessionária do útero. O instrumento contratual em exame estará, irremediavelmente, maculado de nulidade absoluta, porquanto seu objeto é imoral e, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, antiético.”[11]
2. A Ausência de Previsão Legal
Não existe Lei que disponha sobre as técnicas de reprodução humana assistida na maternidade substitutiva, sendo apenas regulamentada pela Resolução n° 1.358 de 1992 do Conselho Federal de Medicina.
Desde 1999 tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n° 90/99, de autoria do Senador Lúcio Alcântara que visa estabelecer os casos de reprodução humana assistida no Brasil. Enquanto o legislador brasileiro não regulamenta as técnicas de reprodução humana assistida, as mesmas vêm se norteando pelas diretrizes da Resolução do Conselho Nacional de Medicina.
Tudo o que é feito até o momento sobre a reprodução humana assistida, no que tange à maternidade substitutiva está baseado na Resolução n° 1.358 de 1992 do Conselho Federal de Medicina – CFM, pois este regulamento somente permite a utilização da gravidez de substituição quando há impedimento físico ou clínico para que a mulher, doadora genética, possa levar a termo uma gravidez. É preciso pontuar, contudo, que a prática à maternidade substitutiva é restrita ao ambiente familiar, com o intuito de impedir qualquer caráter lucrativo ou comercial da mesma.
Assim, estabelece o inciso VII, item 1 da Resolução 1.358 de 1992 do Conselho Federal de Medicina:
“VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de reprodução assistida para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra indique a gestação na doadora genética.
1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina”. (Grifo Nosso)
Para enfrentar o problema da ausência legislativa acerca da maternidade substitutiva, é preciso tecer os comentários de Fernando David de Melo Gonçalves:
“Não é mais ficção científica cogitar da possibilidade de um caso concreto de gestação por mãe de substituição venha a necessitar da intervenção do Poder Judiciário brasileiro. Vale lembrar que a omissão legal não autoriza o juiz a realizar o non liquet, sendo imprescindível colmatar a lacuna legiferante com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, a teor do que preleciona o art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil (Lei n° 4.657/42). Ou seja, os tribunais serão compelidos a julgar, independentemente de existir lei específica regulamentadora desta prática.”[12]
Nesse enleio, a controvérsia acerca do tema da normatização da gestação de substituição merece receber especial atenção, pois faz- se necessário regulamentar e trazer para a esfera jurídica essa realidade já vivida pela sociedade.
3. A Concessão do Salário Maternidade na Gestação Substitutiva
A maternidade substitutiva no direito previdenciário brasileiro visa tratar da possibilidade de concessão de salário maternidade tanto para a mãe portadora, que é a gestante, como também para a mãe solicitante, que compreende a mãe genética ou a doadora do óvulo, também conhecida como mãe social, que é aquela que acolherá a criança após o parto para registrá-la como filha nos termos da lei.
Apesar da legislação previdenciária e trabalhista serem omissas quanto à maternidade substitutiva, tanto a mãe hospedeira como a mãe genética devem receber o salário maternidade e a licença maternidade de 120 (cento e vinte) dias, pois os casos omissos devem ser solucionados mediante a aplicação de analogia, costumes e princípios gerais do direito.
Levando-se em consideração que a adoção ou a guarda para fins de adoção acarretam o direito ao salário maternidade, deve-se, por interpretação analógica estender tal direito fundamental à mãe solicitante, à qual será entregue a criança após o parto.
É para o bem estar e para a felicidade do ser humano que o sistema previdenciário brasileiro deve se direcionar. É para garantir seu estado de bem viver, condignamente, com o respaldo moral de poder assegurar a si e a sua família o sustento, a saúde, e o progresso material e espiritual contínuo e crescente, a que deve voltar-se esse sistema. Isso é sinônimo de justiça social.
Juarez Freitas esclarece que “só a ordenação sistemática permite entender a norma questionada não apenas como fenômeno isolado, mas como parte de um todo”.[13]
O autor em referência assevera que “cada preceito deve ser visto como uma parte viva do todo, eis que é do exame em conjunto que pode resultar melhor resolvido qualquer caso em apreço, desde que se busque descobrir qual é, na respectiva situação, o interesse mais fundamental”.[14]
É preciso destacar que a Constituição Federal de 1988 representa um documento jurídico que interage com todos os elementos imprescindíveis à estrutura do Estado de Direito e a defesa dos princípios e valores essenciais que fundamentam o regime democrático brasileiro, quais sejam: a cidadania e a preservação da dignidade da pessoa humana. Essa mesma Constituição também atribui como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
À luz dos fundamentos do estado Democrático de Direito e dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil impõe-se interpretar a concessão do salário maternidade para a mãe portadora e para a mãe genética na maternidade substitutiva à vista de uma hermenêutica constitucional condizente com o perfil traçado pelo constituinte brasileiro de 1988.
Segundo Gilmar Ferreira Mendes:
“Modernamente o princípio da interpretação conforme passou a consubstanciar também um mandato de otimização do querer constitucional, ao não significar apenas que entre distintas interpretações de uma mesma norma há de se optar por aquela que a torne compatível com a Constituição, mas também que, entre diversas exegeses igualmente constitucionais, deve se escolher a que se orienta para a constituição ou a que melhor corresponde às decisões do constituinte.”[15]
Vale destacar que o legislador brasileiro instituiu um Estado Democrático de Direito baseado na promoção dos valores sociais individuais e no princípios da dignidade da pessoa humana, conforme se anuncia no preâmbulo da própria Lei Maior de 1988 e nas disposições dos arts. 1° e 3³ desta Carta.
De acordo com Juarez Freitas “interpretar é concretizar a máxima justiça social”.[16]
Na busca por melhor materializar a aplicação dos ideais sociais consubstanciados pelo constituinte brasileiro nos artigos 1° e 3°, é imprescindível considerar os ditames do art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim determina: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.
Segundo Antônio Borges de Figueiredo e Marcela Gallo de Oliveira:
“Situações novas exigem soluções jurídicas inovadoras, por parte de todos os criadores ou aplicadores do direito, de modo que a mãe biológica (gentrix-solicitadora) deve ser considerada como mãe para todos os efeitos legais, inclusive trabalhistas e previdenciários, por interpretação extensiva ou finalista, ou mesmo por analogia.”[17]
O princípio da unidade da Constituição impõe ao intérprete a exigência de uma interpretação sempre sistemática e em conexão com os demais dispositivos constitucionais.
Consoante nos ensina Gilmar Ferreira Mendes:
“As normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados no sistema unitário de regras e princípios, que é instituído na e pela própria Constituição. Em conseqüência, a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corretamente se nós a entendermos como unidade, do que resulta, por outro lado, que em nenhuma hipótese devemos separar uma norma do conjunto em que ela se integra, até porque – relembre-se o circulo hermenêutico – o sentido da parte e o sentido do todo são interdependentes”.[18]
Nesse enleio, se a concessão do salário maternidade para a mãe biológica não impede a concessão de igual benefício em caso de adoção ou guarda para fins de adoção de criança com idade não superior a 8 (oito) anos, nos termos do art. 93-A, § 1°, do Decreto n° 3.048/99, idêntico tratamento deve ser estabelecido para a maternidade substitutiva, a favor das duas seguradas.
De acordo com o art. 93-A, § 3 1° do Decreto n° 3.048/99:
“Art. 93-A. O salário maternidade é devido à segurada da previdência social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança com idade:
I – até um ano completo, por cento e vinte dias;
II – a partir de um ano até quatro anos completos, por sessenta dias; ou
III – a partir de quatro anos até completar oito anos, trinta dias.
§ 1° O salário maternidade é devido à segurada independentemente de a mãe biológica ter recebido o mesmo benefício quando do nascimento da criança.”
Estabelece, ainda, o art. 236, § 5° da Instrução Normativa n° 11 de 2005 que “o salário maternidade é devido à segurada independentemente de a mãe biológica ter recebido o mesmo benefício quando do nascimento da criança”.
Como bem assevera Wladimir Novaes Martinez, “a segurada que acolhe em seu útero o embrião de algum casal e o gesta, durante a gravidez, tem direito ao salário maternidade, ainda que não seja a mãe da criança”.[19]
Para Miguel Horvath Júnior, “a legislação deve ser alterada para proteger também a generatrix, compartilhando-se o benefício em questão”.[20]
Apesar do tema ainda não receber tratamento jurídico adequado, ambas as seguradas devem receber a proteção social na seara previdenciária. Assim, seria inaceitável e ofenderia frontalmente os ditames sociais já mencionados e traçados pela Constituição Federal de 1988.
De acordo com Maria do Perpétuo Castro:
“Em razão da divisão dos papéis da mãe biológica e da mãe sócio afetiva, na linha de solução para a licença parental e a licença por adoção, é válido seguir o mesmo tratamento jurídico, por analogia, no interesse da criança em sua tenra formação, concedendo-se a licença maternidade e o salário maternidade em favor de duas pessoas distintas.”[21]
Dessa maneira, conclui-se que a Constituição de 1988 possui pressupostos hermenêuticos constitucionais que orientam a interpretação ampliativa no que toca à concessão do salário maternidade para a mãe hospedeira e para a mãe genética na maternidade substitutiva.
Segundo Luis Roberto Barroso:
“A Constituição interpreta-se como um todo harmônico, onde nenhum dispositivo deve ser considerado isoladamente. Mesmo as regras que regem situações específicas, particulares, devem ser interpretadas de forma que não se choquem com o plano geral da Carta.”[22]
No pensamento de Christiane Oliveira Peter:
“A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento jurídico constitucional. Por meio dela o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do contexto normativo geral e particular estabelecendo as conexões internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas.”[23]
Preceitua, ainda, o art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum”.
Como se vê, apesar as lacunas para o caso em tela, deve ser concedidos os mesmos direitos previdenciários para a gestante e para a mãe sócio afetiva desde que claro, estejam presentes os requisitos traçados pela Resolução n° 1.358 de 1993 do Conselho Federal de Medicina, pois nenhuma norma do direito positivo representa apenas a si mesmo, mas ao menos se relaciona com todo o ordenamento jurídico.
Segundo Antônio Borges de Figueiredo e Marcela Gallo de Oliveira:
“A concessão do salário maternidade para a mãe biológica não impede a concessão de igual benefício em caso de adoção ou guarda para fins de adoção de criança com idade não superior a oito anos (art. 93-A, § 1°, do Decreto n° 3.048/99). Idêntico tratamento jurídico pode ser aplicado, em caso de maternidade por substituição, vulgarmente conhecida como barriga de aluguel, a favor das duas seguradas, por interpretação extensiva, lógica ou finalista, senão por analogia.”[24]
Neste sentido, o salário maternidade deve ser concedido por inteiro e de forma independente para cada uma das seguradas. A mãe social, por não estar grávida, deve gozar a licença maternidade e o salário maternidade a partir da data do nascimento da criança ou a partir da data em que registrar a criança como sua filha.
O benefício do salário maternidade consiste na proteção à maternidade, tendo como função social a integração mãe e filho nos primeiros meses de vida da criança e o restabelecimento da saúde da segurada. Nos casos de maternidade substitutiva, a mãe portadora passará pelo parto, fazendo jus ao benefício, uma vez que precisa se restabelecer; a mãe genética, por sua vez, também faz jus ao benefício, pois é ela quem ficará com a criança, necessitando do benefício para que possa ser possível a integração mãe e filho.
Este é o tempo de reproduzir um novo sentido para as palavras contidas na lei, pois, nenhuma norma do direito positivo representa apenas a si mesma, mas ao menos de relaciona com todo o ordenamento jurídico. Portanto, para se alcançar a verdadeira democratização:
“[…] o princípio as dignidade da pessoa humana há de ser considerado como o fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa humana e com fundamento nesta devem ser interpretados.”[25]
Informações Sobre o Autor
Rúbia Zanotelli de Alvarenga
Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense e membro pesquisadora do Instituto Cesarino Junior. Integrante do grupo de pesquisa da UFF – Direito, Estado, Cidadania e Políticas Públicas. Advogada.