Sumário: 1. Introdução. 2. Do dever familiar perante a legislação brasileira. 3. Afetividade como dever familiar e seus efeitos. 4. Da omissão decorrente do poder familiar. 5. Conclusão. Referencias bibliográficas.
Resumo: A afetividade é Princípio Constitucional inerente ao dever familiar, dado que conforme artigo 227 da Carta Magna o pai tem o dever de conviver com o seu filho desenvolvendo suas potencialidades. Isto deve acontecer pela convivência familiar, onde os genitores darão os aportes físicos, morais e psicológicos à criança para que esta se sinta segura o suficiente para se tornar um adulto saudável. O afeto é inerente ao direito a vida, a saúde, a liberdade, enfim aos preceitos da dignidade da pessoa humana e a omissão deste dever da paternidade responsável pode ensejar seqüelas na personalidade da criança, deixando danos irreparáveis e que merecem ser apurados perante a responsabilidade civil e perante o direito de família. Assim, o Estado deve assegurar a concretização deste dever perante as leis brasileiras aplicando as devidas sanções quando os pais não cumprirem o papel que lhes cabem.
Palavras chave: Dever Familiar, Paternidade Responsável, Afetividade, Convivência Familiar
1. Introdução
A família é célula estrutural de uma sociedade e que, através da convivência, tem o importante papel de criar e educar o filho, preparando-o para sua vida adulta. Atualmente seu conceito é amplo e esta pluralidade familiar tem se refletido no meio jurídico de tal forma que o judiciário precisa constantemente ampliar seus debates jurídicos-normativos para que se possa julgar com efetividade os casos pertinentes ao Direito de Família.
Desta premissa surge a paternidade responsável que deve ser desempenhada pelos condões da afetividade, pois só através desta é capaz de alcançar os preceitos da dignidade humana. Essa afetividade não é necessariamente a oferta de amor, mas com certeza o cumprimento do dever familiar constitucionalizado.
O pai que assegura ao filho com prioridade absoluta o direito à vida, à saúde, à cultura, à profissionalização, à dignidade, ao lazer, à educação e à convivência familiar e comunitária está sendo afetuoso com sua prole, pois o afeto é o meio de exercitar cuidados necessários ao desenvolvimento humano.
Assim, a omissão desse dever pode gerar numa criança danos irreparáveis, uma vez que lhe falte alguém capaz de acolhe-lo em suas necessidades e anseios, podendo assim não desenvolver suas potencialidades.
Portanto, cabe ao Estado dirimir os conflitos que chegam à esfera judicial e amparar os direitos que tem a criança de ter um desenvolvimento saudável oferecido pelos genitores através de uma convivência familiar afetuosa, pondo em prática a paternidade responsável oriunda do dever Constitucional.
2. Do dever familiar perante a legislação brasileira
A família é o núcleo mais importante da sociedade e por isto tem sido estudado pelas mais diversas ciências, abordando e explicando as transformações destas relações ocorridas no tempo. O reflexo destes estudos rompeu-se sobre a legislação brasileira, formando novos paradigmas para o Direito das Famílias e suas relações sócio-juridicas.
Seguindo tal orientação, Maria Berenice Dias esclarece que:
“A vastidão de mudanças das estruturas políticas, econômicas e sociais produziu reflexos nas relações jurídicas familiares. Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo voltaram-se a proteção da pessoa humana. A família adquiriu função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e sociais.”
Estas premissas são observadas na Carta Magna Brasileira, artigo 227, de onde pode se extrair os deveres que tem a sociedade, o Estado e a família com a formação integral da criança e do adolescente. Apura-se que somente através dos vínculos afetivos é possível cumprir os requisitos da nova ordem jurídico familiar.
A educação dada com amor e de forma prazerosa cumpre o princípio da dignidade humana e da paternidade responsável, ofertando qualidade de vida e definindo segundo Caio Mário a convivência familiar como direito fundamental. Aduz ainda o doutrinador que:
“Consolida-se família sócio-afetiva em nossa doutrina e jurisprudência uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, a não discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar. Convocando os pais a uma paternidade responsável, assumiu-se uma realidade familiar concreta onde os vínculos de afeto se sobrepõem a verdade biológica.”
No artigo 229, a Constituição Federal, visando a proteção da criança reforça o dever que tem o pai de assistir, criar e educar os filhos menores, posto que estes necessitam da proteção moral, psicológica, intelectual e social de um adulto. A fase infantil é muito importante pelo processo de descobrimento e evolução que tem a criança, portanto o encaminhamento nesta fase é importante para o sucesso de suas qualidades e características futuras.
Os artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, admitindo a condição de desenvolvimento da criança, reforça os Princípios Constitucionais capazes de dar os aportes: moral, físico, psicológico, mental e social, suficientes para a transposição digna desta fase até a vida adulta.
Apesar da Lei não dizer claramente sobre os laços afetivos, seus diversos enunciados são baseados nos aspectos do ser humano, baseados em preceitos da convivência familiar, comunitária e dos elos entre os seres, de forma a atingir o fim social da criação humana, qual seja, “um ser de bem”.
Admitindo esta concepção afetiva nas normas jurídicas brasileiras deve se fazer uma reflexão aos artigos 16 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo os quais é imperioso zelar pela dignidade dos menores e pô-los a salvo do tratamento desumano, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, tarefa esta que cabe ao Estado, à sociedade e à família.
O Código Civil Brasileiro elenca um rol de deveres de competência dos pais. Em especial, os incisos I e II do artigo 1634, que estabelecem a obrigação que tem o pai de cumprir com as responsabilidades inerentes ao seu papel, com destaque à criação, educação, guarda, companhia e proteção dos filhos.
Ao mesmo tempo em que a norma é uma imposição aos pais, ela protege a figura do filho, tornando o Estado e a sociedade responsáveis por garantir que na obrigação de uma paternidade responsável, cabe o direito do filho de ter a companhia dos pais, conviver com eles e receber as orientações de vida. Este dever-direito não é antagônico, mas uma relação recíproca em que a consonância está nos laços sanguíneos ou por afinidade.
Preservando este vínculo, o Código Civil, no Capítulo XI – Da Proteção dos Filhos sustenta que na hipótese de separação do casal a guarda dos filhos será atribuída a quem tiver melhores condições. Quando esta análise cabe ao judiciário, o termo supra se desdobra em vários critérios, englobando os aspectos morais, sentimentais e psicológicos que se sobrepõem ao critério material, tanto que, ainda que um dos pais não preste alimentos não pode ser privado de ter os filhos em sua companhia.
Desta forma, é notória a adequação da norma jurídica familiar à pluralidade social no momento que se faz presente esta interação das várias ciências, para dirimir os conflitos existentes. Os princípios familiares são o ápice desta cadeia jurídica e junto com as normas legais fazem as analogias necessárias aos casos práticos, quando não descritos metodicamente em lei.
3. Afetividade como dever familiar e seus efeitos
A constituição de 1988 traçou novos contornos para o conceito de família baseando-se muito mais na convivência do que na estrutura do casamento civil. É uma nova construção sob contornos da solidariedade e da dignidade humana, valorada pelos sentimentos de respeito, amor, dedicação e carinho.
Cleber Affonso Angelucci, em seu texto, fez uma relação entre o amor e o princípio da dignidade humana:
“Não se olvide que, para a implementação do princípio da dignidade humana, tal como expresso na Carta Magna, o sentimento de amor desempenha papel preponderante. A vida somente se aperfeiçoa e se desenvolve em ambiente propício, com a presença do amor, constituindo a família o centro motor deste processo de integração social e de aprendizado, de onde se extrai sua relevância.”
Parafraseando Cleber Affonso Angeluci pode se dizer que o afeto é a expressão do amor e da solidariedade familiar, é um valor inerente a formação da dignidade humana e da constituição da pessoa. O afeto caracteriza um grupo unido pelos sentimentos de proteção e cuidado.
O foco da família constitucionalizada pensado pelos direitos da personalidade tem como imperativo a convivência familiar afetiva, onde a afetividade passa a ser um axioma substancial e não mais formal, abarcando em seu bojo a idéia de que o ser humano precisa ser afetuoso com seu semelhante, experimentar em sua vida a solidariedade com o outro já que é impossível viver na solidão.
Atualmente, não se consegue dimensionar o direito de família sem direcioná-lo à afetividade como requisito essencial nas relações; a cada dia mais e mais este fundamento é agregado nos conceitos pertinentes à universalidade familiar, pois é daí que se faz cumprir a aludida paternidade responsável, que se preocupa com os recursos materiais e os morais.
Não se pode pesar que uma criança precise mais dos recursos materiais do que dos morais. Os dois apresentam elevado sentido de composição do ser humano, pois se o corpo não vive sem comida, o corpo mental, psicológico e social não vivem sem as relações, uma vez que elas são a expressão do amor e do afeto.
A professora Hildeliza Lacerda num recém artigo dissertando sobre o assunto pontua que a afetividade materializa a sensação de bem estar, promove o equilíbrio da pessoa e constrói a auto-estima, capacitando-a para superar as inusitadas situações da vida. Neste diapasão a professora em seu texto deduz:
“Os laços afetivos possibilitam que as pessoas se amem, se respeitem e desejem a felicidade reciprocamente – atitudes que permitem construir pontes sobre os abismos emocionais, ligando as pessoas por vínculos perenes. O afeto é o propulsar do senso de respeito e de cuidados nas relações familiares.”
Acerca da responsabilidade que tem o pai na persuasão deste ideal aos filhos, cabe suscitar o seu dever constitucional de criar e educar os descendentes por meio da convivência, sendo ônus pré-julgado da escolha de procriar, onde se reproduz as características genéticas (DNA) além das convicções morais, religiosas, sociais entre outros. Não se consegue imaginar outra forma de cumprir este dever se não pelo desdobramento da solidariedade e da convivência afetiva.
Considerando que a personalidade de uma criança está em formação, a falta desta solidariedade pode gerar conseqüências severas em sua vida, tornando-a um adulto aquém de suas potencialidades, uma vez que não encontrou ambiente propício para o amadurecimento de sua segurança e de suas qualidades.
A negligência da convivência familiar gera uma violência moral, desobedece aos preceitos constitucionais e fere as garantias individuais da criança. O pai tem o dever de conviver com seu filho e de torná-lo um homem bom, para que a própria sociedade não sofra o reflexo desta falta de amor, recebendo um adulto inseguro das suas atribuições e muitas vezes mais agressivo e hostil por não ter sido criado num ambiente de laços amigáveis e de afeto.
Assim, o estado tem a obrigação de reprimir a conduta ilícita no exercício do dever da paternidade responsável, decretando lhe sanções de acordo com o caso concreto, e ao mesmo tempo, amparar a vítima deste dano moral, acolhendo o ideal de indenização como possibilidade material para que a vítima busque recursos técnicos que ajude a minorar os danos psicológicos.
4. Da omissão decorrente do poder familiar
O exercício efetivo do poder familiar é alcançado pela convivência, pois assim os pais têm a oportunidade de cumprir a premissa legal e moral de criar e educar os filhos. Assim, a criança que é criada num meio ambiente equilibrado emocionalmente, tende a ter um desenvolvimento maior de suas capacidades. Daí, a Carta Magna guardar com tanta propriedade os direitos que têm a criança e os deveres que têm os pais em estarem presentes na vida dos filhos.
A omissão desse poder familiar equivale a dizer que uma fissura será deixada na personalidade de uma criança, de tal forma que a impeça de alcançar o desenvolvimento pleno de suas capacidades. Maria Berenice Dias discorrendo sobre dano afetivo, conclui:
“A falta de convivência dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole.”
“A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Se lhes faltar esta referência, o filho estará sendo prejudicado, talvez de forma permanente, para o resto de sua vida.”
No que concerne à omissão, o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, pune na forma da lei com a suspensão ou a extinção do poder familiar, o pai que negligenciar, discriminar, explorar, agir com violência ou crueldade descumprindo assim, os direitos fundamentais da criança.
Assunto este, que e ratificado pelo artigo 1638 do Código Civil de 2002, onde por ato judicial o pai perderá o poder familiar definitivamente, por descumprimento injustificado dos deveres e obrigações inerentes à paternidade responsável, punição esta prevista também no artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O abandono não é aquele exclusivamente material, mas qualquer forma que demonstre que a criança está desamparada. Ao que, não receber afeto incide em abandono, eis que deve se ponderar que o afeto é gênero enquanto o amor é espécie. O pai que não dedica os devidos cuidados médicos ao seu filho, não o mantém estudando, não lhe guarda os momentos de lazer, não lhe provê os recursos materiais e não lhe orienta sobre o bem e o mal na convivência social é omisso e demonstra deixar em abandono o filho, um abandono moral destituído dos laços de afeto.
A professora Hildeliza Lacerda Boechat, em artigo publicado no Instituto Brasileiro de Direito de Família acerca do assunto, afirmou que “não pode haver frustração da expectativa entre as pessoas que se amam, pois umas esperam das outras condutas positivas como carinho, atenção, zelo, enfim, todas as manifestações de promoção do bem estar.”
Quem se torna pai assume com este papel o dever de assegurar dignidade à criança, sem que possa se esquivar da responsabilidade paterna por desconhecimento deste fato, assim, sua conduta omissiva perante a ordem legal da paternidade responsável, deve ser apurada pelo Estado, no intuito de proteger os interesses da criança.
5. Conclusão
O afeto como Princípio Constitucional inerente ao dever familiar é conseqüência normativa antes mesmo de ser moral, posto que é abordado intrinsecamente em normas garantista da Carta Magna e tem a presunção da dignidade da pessoa humana.
Portanto, o dever que tem o pai, a mãe ou qualquer outro que ocupe o papel de responsável por uma criança deve ser exercido sob a égide legal da convivência humana, mas também permeado pelos laços afetivos que tornam esta relação prazerosa, equilibrada e segura tanto física quanto emocionalmente, posto que a criança tem o direito de ser bem cuidada e amparada em seus estudos, lazer, saúde, necessidades materiais, de ser preparada para uma profissão e outros.
Assim, o que se espera diante da legislação brasileira é que ela consiga amparar os direitos que têm a criança de ser educada pelos seus pais numa convivência harmônica, de tal forma que se torne um adulto moral, psicológico e mentalmente saudável.
Nesse sentido, o filho que provar que o desenvolvimento de suas potencialidades foi tolhido pela ausência afetiva de seu genitor, por este não ter cumprido os deveres da paternidade responsável, tem o direito de procurar amparo jurídico que asseverem a conduta do pai e ao mesmo tempo lhe crie condições para que possa minorar as consequências deste ato omissivo.
Não é uma omissão ocasionado pelo desamor, uma vez que ninguém é obrigado a amar o outro, mas ao descumprimento do Princípio da Paternidade Responsável muito bem estipulada pela maior das ordens aceitas num Estado Democrático de Direito, a Constituição.
Assim, esta conduta deve ser apurada, julgada e submetida às sanções previstas em lei, para que a esfera da personalidade da criança seja colocada a salvo.
Informações Sobre o Autor
Luciane Dias de Oliveira
Acadêmica de Direito