Resumo: Este artigo tem o objetivo de analisar o conflito prático existente quanto à competência para arrecadação do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) no arrendamento mercantil. O foco refere-se especialmente a competência do ente federativo mirim em legislar sobre o assunto sem se imiscuir de atender aspectos técnicos e jurídicos da norma maior. Debate-se ainda a evolução jurisprudencial em razão da discussão acerca da incidência ou não do ISSQN sobre o arrendamento mercantil e sua confirmação em julgados recentes. Agora o conflito de competência territorial traz à tona a necessidade de aplicação de critérios jurídicos corretos, definindo, assim, onde incide a tributação, se na sede da arrendadora ou no local da entrega efetiva do bem. Conceitos jurídicos amplos são debatidos, como prestação de serviço, obrigação de fazer, obrigação de dar, arrendamento mercantil, para que se chegue a uma conclusão prática, buscando nortear esse tema de grande destaque e enorme importância no cenário econômico atual.
Palavras-chave: Tributário. Imposto sobre Serviços. Arrendamento Mercantil. Conflito de competência territorial.
Sumário: 1 Introdução. 2. O arrendamento mercantil. 3. A incidência do imposto sobre serviços no arrendamento mercantil. 4. A definição da competência territorial. 5. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O imposto sobre serviços de qualquer natureza, conhecido comumente como ISS ou ISSQN, é tributo de competência municipal, conforme disposição do art. 156, inciso III, da Carta Magna de 1988.
A natureza de Direito Público do Sistema Jurídico Tributário conecta-se neste caso com o Direito Privado, afinal a relação entre o prestador e o tomador do serviço é do segundo campo.
A prestação de serviço que enseja a tributação pelo ISSQN deve ser relação jurídica bilateral e remunerada, e toma como referência o conceito de serviço disposto no art. 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor, e, assim sendo, é tida como “obrigação de fazer”.
Com o cumprimento da obrigação contraída, ou seja, a efetiva prestação dos serviços, nasce o vínculo material a ensejar a tributação pelo ISS, e, por isso, tem natureza de Direito Público, sendo obrigatória.
Esse vínculo jurídico tributário tem como sujeito ativo a edilidade, com competência restrita a área do município e como sujeito passivo o prestador de serviços, salvo nos casos de substituição tributária.
Nesse momento surge a controvérsia relativa à competência municipal para a exigência do tributo, tendo em vista, que hodiernamente o Superior Tribunal de Justiça, em sua jurisprudência dominante, entende como município competente para exigir o pagamento do imposto sobre serviços o local onde ocorreu a prestação dos serviços, no caso a entrega do bem arrendado, e não na sede da prestadora, aplicando o princípio da territorialidade no critério espacial de incidência tributária.
O entendimento jurisprudencial domina as relações jurídicas, preenchendo a lacuna deixada pela ineficiência legislativa quanto ao Direito Tributário, causando inúmeros casos de bitributação, levando a insegurança jurídica sobre o local correto para o recolhimento do tributo, deixando o prestador de serviços a mercê da guerra entre municípios.
O legislador, tentando solucionar o conflito de competência e regulamentar o ISSQN, promulgou a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, repetindo o disposto na legislação antepassada (Decreto Lei nº 406/68), definindo em seu art. 3º o local onde é devido o imposto como o estabelecimento do prestador, ou na falta deste, no domicílio do prestador, salvo as exceções previstas nos incisos do artigo supracitado.
Neste diapasão surge a problemática com relação ao arrendamento mercantil, internacionalmente conhecido com leasing, serviço que é divido em diversas partes, gerando divergências quanto à incidência do ISSQN, e via de conseqüência, aos que afirmam haver obrigação jurídico tributária referente ao imposto sobre serviços, onde o tributo deve ser recolhido, na sede do prestador de serviços, ou no município onde o bem arrendado foi entregue.
A falta de doutrina especializada no que concerne ao ISSQN, a impressionante diversidade de normas tributárias vigentes, e o controle preponderante da jurisprudência com relação ao Direito Tributário, cria o ambiente favorável as diversas discussões e conflitos jurídicos, ocasionando a insegurança jurídica e conseqüentemente a necessidade de lidar com os problemas com dedicação técnica.
O ajuste deve ser dado pela Ciência do Direito, utilizando-se de técnicas científicas para se chegar à melhor conclusão sobre o tema em quadro. A aplicação da regra matriz de incidência tributária, em especial o seu critério espacial, objetiva dar maior capacidade a todos os sujeitos do Direito Tributário a elevar a segurança jurídica de suas relações, principalmente os contribuintes no momento da quitação da obrigação tributária.
A importância do assunto fundamenta-se na segurança jurídica, princípio basilar do Direito como ciência e como fator social preponderante para que tenhamos o controle do Estado em busca de maior proteção aos contribuintes que já se sujeitam a imensa tributação, uma das maiores do mundo, não podendo ainda estar diante da insegurança quanto a forma correta de quitação das suas obrigações frente a incapacidade legislativa e a demora jurisprudencial em solucionar a problemática exposta.
O objetivo mor do presente trabalho é o exame conceitual dos termos ora telados, enfocando na aplicação do instituto da regra matriz de incidência tributária, com latente atenção em seu critério espacial, procurando trazer à baila da discussão a matriz constitucional, a legislação infraconstitucional e a jurisprudência pertinente ao caso.
A conclusão que se busca é a efetividade do princípio da segurança jurídica, utilizando-se do critério espacial não para examinar uma base legal em específico, mas para trazer os requisitos e os elementos basilares a compor as possibilidades a serem observadas pelos operadores do direito.
Por todo o exposto, trataremos do tema abordando os conceitos lingüísticos do arrendamento mercantil, realizando um breve estudo sobre o instituto e sua formalização empresarial e legal no Brasil, e, ato contínuo, estudar-se-á o ISS quanto à sua incidência no leasing, bem como, neste sentido, aplicar-se-á a regra matriz de incidência tributária, com foco no critério espacial para extrair dados necessários a conclusão.
2 O ARRENDAMENTO MERCANTIL
A origem histórica do arrendamento mercantil é conturbada, não se sabe exatamente o período de sua criação. Isto se dá, em tese, pela dificuldade em sua definição, bem como sobre a natureza jurídica do instituto por suas semelhanças com diversos outros institutos jurídicos.
Nas palavras de GICO[1], temos que a origem do arrendamento mercantil deu-se no Lend and Lease Act americano de 1941, vejamos:
“Em geral, atribui-se o arrendamento mercantil primeiro ao Lend and Lease Act americano de 1941, quando, em plena Segunda Guerra Mundial, o então presidente Roosevelt determinou o empréstimo de equipamentos bélicos aos países aliados, sob condição de, finda a guerra, estes comprarem ou devolverem aqueles[…]”
Apesar de não haver precisão na data em que foi implantado o instituto sob comento em nosso país, a evolução do leasing aliada ao crescimento da atividade industrial na década de 60 trouxe a solução mercantil sem que houvesse legislação a organizá-la.
Apenas em 12 de setembro de 1974 foi sancionada a Lei 6.099 que veio dispor sobre o tratamento tributário a ser dado ao leasing, chamando-o de arrendamento mercantil. Assim, tem-se como data oficial do reconhecimento do leasing no Brasil o dia 12 de setembro de 1974, com a regulação de seus efeitos tributários, haja vista que se fazia necessário a regulamentação do que já era utilizado pelo comércio desde a década de 60, em pleno regime militar.
No Brasil, consoante supracitado, a Lei nº 6.099/74 denominou o instituto como arrendamento mercantil, inspirado na velha locação mercantil disposta no art. 228 do antigo Código Comercial.
A professora Maria Helena Diniz[2] ao conceituar o arrendamento mercantil afirma:
“É o contrato pela qual uma pessoa jurídica, pretendendo utilizar determinado equipamento, comercial ou industrial, ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira o adquira, arrendando-o ao interessado por tempo determinado, possibilitando-se ao arrendatário, findo tal prazo, optar entre a devolução do bem, a renovação do arrendamento, ou a aquisição do bem arrendado mediante um preço residual previamente fixado no contrato, isto é, o que fica após a dedução das prestações até então pagas.”
Vê-se que a estrutura conceitual do arrendamento mercantil formulada pelos doutrinadores dispõe acerca de alguns elementos inerentes ao instituto jurídico, o que se coaduna com a conceituação legislativa presente na lei 6.099/74 no parágrafo único do art. 1º:
“Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.”
Assim sendo, o leasing envolve três sujeitos partícipes, quais sejam, o arrendador, o arrendatário e o fornecedor do bem.
Conclui-se, portanto, que o arrendamento mercantil é contrato atípico e complexo pelo qual se estabelece um pacto entre o arrendador e o arrendatário, onde o primeiro cede ao segundo o uso e o gozo da posse direta de determinado bem, móvel ou imóvel, para sua utilização por prazo certo e determinado, recebendo em troca a contraprestação, podendo, ao fim do contrato o arrendatário adquirir a propriedade do bem por valor anteriormente pactuado, renovar a contratação por novo prazo ou realizar a devolução do bem ao arrendador.
3 A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO ARRENDAMENTO MERCANTIL
O imposto sobre serviços é consagrado em nossa Carta Magna de 1988 em seu artigo 156, inciso III, consagrando toda a história evolutiva do tributo e confirmando suas características básicas, ou seja, a competência municipal, definido em lei complementar, tendo como fato gerador a prestação do serviço, como base de cálculo o preço do serviço, como contribuinte o prestador do serviço e em conformidade com o inciso I do parágrafo 3º do artigo 156 a lei complementar que instituir o imposto deverá limitar sua alíquota máxima e mínima.
ACQUAVIVA[3] conceitua o imposto sobre serviços de qualquer natureza como o “imposto de competência dos municípios cujo fato gerador é a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço”.
Mas o que é serviço?
O art. 3º da Lei 8.078/90 em seu parágrafo 2º conceitua serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Serviço, portanto, tem três características fundamentais: a) é obrigação de fazer; b) para terceiros; e, c) mediante remuneração.
Diante desses elementos, podemos conceituar serviço claramente e de forma simples como a realização de uma obrigação de fazer para terceiros mediante remuneração, excetuando-se às de caráter trabalhista.
Pontue-se que a concepção civilista disciplina a prestação de serviços como uma obrigação de fazer, e em conformidade com o art. 110 do CTN a lei tributária não pode restringir ou aumentar o alcance dos conceitos de direito privado.
Diante desses aspectos, o nosso entendimento jurisprudencial em torno da incidência do imposto sobre serviços no arrendamento mercantil evoluiu até o tema tornar-se objeto da Súmula nº 138 do STJ[4].
Constata-se que o entendimento da Corte Superior tem como data liame 01 de janeiro de 1987, pois a partir desse momento, com a vigência da Lei Complementar nº 56/87, o arrendamento mercantil passou a fazer parte do rol de serviços tributáveis pelo ISSQN.
A discussão então chegou ao Supremo Tribunal Federal que no Informativo 570 declarou sob o título “Leasing” e Incidência do ISS – 2 haver a incidência do tributo sobre o instituto.
“O Tribunal concluiu julgamento de dois recursos extraordinários em que se discutia a constitucionalidade, ou não, da incidência do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza – ISS sobre operações de arrendamento mercantil (leasing) — v. Informativo 534. Deu-se provimento ao RE 547245/SC, interposto pelo Município de Itajaí, e negou-se provimento ao RE 592905/SC, interposto por instituição financeira. Afirmou-se, quanto ao caráter jurídico do contrato de arrendamento mercantil, que ele seria contrato autônomo que compreenderia 3 modalidades: 1) o leasing operacional; 2) o leasing financeiro e 3) o chamado lease-back (Resolução 2.309/96 do BACEN, artigos 5º, 6º e 23, e Lei 6.099/74, art. 9º, na redação dada pela Lei 7.132/83). Asseverou-se que, no primeiro caso, haveria locação, e, nos outros dois, serviço. Ressaltou-se que o leasing financeiro seria modalidade clássica ou pura de leasing e, na prática, a mais utilizada, sendo a espécie tratada nos recursos examinados. Esclareceu-se que, nessa modalidade, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arrendatário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica, ao final da locação abrindo-se a este a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato. Observou-se que preponderaria, no leasing financeiro, portanto, o caráter de financiamento e nele a arrendadora, que desempenha função de locadora, surgiria como intermediária entre o fornecedor e arrendatário. Após salientar que a lei complementar não define o que é serviço, mas apenas o declara, para os fins do inciso III do art. 156 da CF, concluiu-se que, no arrendamento mercantil (leasing financeiro) — contrato autônomo que não é contrato misto, cujo núcleo é o financiamento e não uma prestação de dar —, por ser financiamento serviço, poderia sobre ele incidir o ISS, resultando irrelevante a existência de uma compra. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, por reputar que locação gênero não é serviço, considerava inconstitucional a incidência do tributo, reportando-se ao voto que proferira no julgamento do RE 116121/SP” (DJU de 25.5.2001).
Humildemente, registre-se que o entendimento da presente trabalho é pela incidência do ISSQN sobre o arrendamento mercantil por estarem dispostos todos os elementos que ensejam a subsunção na hipótese de incidência do tributo, sendo uma prestação de serviços constante do rol taxativo da Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003.
Ora, sendo o arrendamento mercantil uma obrigação de fazer em razão da finalidade de utilização do bem arrendado para fins mercantis, ou seja, obtenção de lucro, realizada para terceiros e com remuneração, temos os três elementos formadores de uma prestação de serviço.
Num segundo momento, apresenta-se disposto em diversos itens da Lista de Serviços anexa a Lei Complementar nº 116/03, e assim, não se vislumbra outra tese que não seja a incidência do tributo telado no instituto em quadro.
O debate que agora se trava é acerca do local onde incide o tributo, ou seja, quanto à aplicação do critério espacial da regra matriz de incidência tributária com relação ao imposto sobre serviços de qualquer natureza no arrendamento mercantil, âmago do trabalho.
4 A DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Inicialmente, mister destacar as duas teses adotadas pela doutrina. Uma afirma que a incidência do tributo com relação ao arrendamento mercantil é na sede da arrendadora, outra parte afirma ser o local onde efetivamente realizou-se a prestação de serviços ou o da entrega do bem, como queira.
4.1 A tese da incidência na sede da arrendadora
Sinteticamente, a tese pela incidência na sede da arrendadora tem base na aplicação do art. 4º da Lei Complementar nº 116/03, ou seja, a tributação do arrendamento mercantil se daria em conformidade com a regra geral.
O art. 3º da Lei Complementar nº 116/03 que baliza o imposto sobre serviços de qualquer natureza expressa que “o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador[…]”.
Como vemos, a legislação tem como regra geral o município da sede como o local onde é devido o imposto. Tal afirmação em conjunto com o art. 4º da LC 116/03 dá a base da tese defendida pela incidência na sede da arredadora, in verbis:
“Art. 4º. Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.”
Esse não é o entendimento do presente trabalho conforme se argumentará, traduzido na jurisprudência do STJ.
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES.
I – Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços -, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea “a” do Decreto-Lei n.º 406/68.
II – Embargos rejeitados. (EREsp 130792/CE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 07/04/2000, DJ 12/06/2000 p. 66)
4.2 A autonomia municipal
Com vistas a delimitar a questão em foco, é válido destacar a autonomia municipal para que depois possamos realizar o exame do conflito de competência, tanto no seu aspecto heterogêneo como também o homogêneo.
VALE, em apertada síntese, diz que autonomia “é a faculdade de se governar por si mesmo ou um direito de se reger por leis próprias”.
Com espeque no contexto exposto pelos artigos dispostos no Capítulo IV da Constituição Federal, evidencia-se a autonomia municipal, inclusive para legislar sobre assuntos de interesse local e instituir e arrecadar os tributos de sua competência.
A competência tributária é clarificada no art. 156 de nossa Carta Magna. É que sem arrecadação a autonomia municipal estaria mitigada, sendo inclusive inconstitucional qualquer lei de outro ente federativo que retire a autonomia da urbe.
Cumpre ressaltar as palavras de GALVÃO[5] informando que “mais por tradição histórica, a autonomia municipal está, amplamente, assegurada no Texto Magno, despontando, dalí, como um dos mais importantes princípios jurídico-constitucionais”.
Ora, claro se faz que a União ao legislar sobre o local de incidência do imposto sobre serviços não poderia negar a autonomia municipal para dispor sobre a questão, pois, assim, estaria menoscabada a competência delimitada no Texto Maior.
Neste diapasão, com fulcro na autonomia municipal, razoável se faz o estudo do conflito de competência, com sede no conflito homogêneo.
4.3 O conflito de competência
O conflito de competência se afirma em dois tipos, o heterogêneo e o homogêneo, sendo o primeiro relativo a dúvidas com relação a subsunção de um fato concreto na hipótese de incidência de mais de um tributo de competências diversas, por exemplo, ISS e ICMS.
O segundo – conflito de competência homogêneo, diz respeito ao debate ora traçado, e refere-se a titularidade do ente federativo onde é devido o imposto, quando duas ou mais pessoas políticas de mesmo patamar, in casu, mais de um município, exigem a exação fiscal de um mesmo tributo ocasionado por um idêntico fato gerador.
O conflito homogêneo tem dimensão espacial, pois tem base na vigência e na validade de uma lei no espaço.
Quanto à questão, expressa com maestria BARROS[6]:
“Recolhido o fato de ser o Brasil juridicamente, uma Federação, e o de haver Municípios dotados de autonomia, a vigência das normas tributárias ganha especial e relevante importância. Vê-se, na disciplina do Texto Constitucional, a preocupação sempre presente de evitar que a atividade legislativa de cada uma das pessoas políticas interfira nas demais, realizando a harmonia que o constituinte concebeu. É a razão de ter-se firmado a diretriz segundo a qual a legislação produzida pelo ente político vigora no seu território e, fora dele, tão-somente nos estritos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem. Nessa linha de raciocínio, as normas jurídicas editadas por um Estado são vigentes para colher os fatos que aconteçam dentro de seus limites geográficos, o mesmo ocorrendo com os Municípios e com a própria União. Todavia, desde que se celebrem convênios entre os Estados e entre os Municípios, alguns princípios da extraterritorialidade podem ser eleitos e, nessa estrita dimensão, as normas de um serão vigentes no território do outro. Passa-se o mesmo com a União, quer na sua qualidade de pessoa política de direito constitucional interno, quer como pessoa no direito das gentes. Participando no concerto das nações, assina tratados e convenções internacionais que têm o condão de imprimir vigência às suas normas, mesmo em território estrangeiro”.
Nesse sentido, a legislação municipal erguerá a hipótese de incidência tributária, argüindo os critérios material, temporal e espacial a concretizar o fato gerador.
Destaque-se que a prestação de serviços é o fato concreto que se subsume a hipótese de incidência delineada no imposto sobre serviços de qualquer natureza. Nesse esteio, a completa realização do serviço concernente às operações de arrendamento mercantil se dá no local onde efetivamente se entrega o bem arrendado para sua utilização com fito mercantil.
Essa é a primeira argumentação a abraçar a tese de que a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza no arrendamento mercantil ocorre no local da prestação do serviço, ou seja, no município onde o bem foi entregue.
Incumbe mencionar as palavras de VALE[7] no que compete ao entendimento jurisprudencial adotado pelo STJ.
“No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a tributação do imposto municipal é imponível no local onde ocorre a prestação do serviço e não no estabelecimento ou domicílio do prestador. Uma ementa exemplar: “Tributário. ISS. Sua exigência pelo Município em cujo território se verificou o fato gerador. Interpretação do art. 12 do Decreto-lei nº 406/68. Embora a lei considere local da prestação do serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-lei nº 406/68), ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o Município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o princípio constitucional implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território. A lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não pode ter voga. Recurso a que se nega provimento, indiscrepantemente” (STJ – 1º T – Resp 54.002-0/PE – j. em 5.4.95 – DJU de 1 de 8.5.85).
O conflito de competência ocorre quando uma edilidade entende ser no local da sede da arrendadora, enquanto outro município argumenta que é no território da efetiva prestação do serviço.
Contudo, não pode haver exigência de tributo em fato gerador ocorrido em território alheio. Acompanha a tese o mestre BARRETO[8]:
“Como toda outorga de competência envolve uma autorização e uma limitação, tem-se que, de um lado, a Constituição confere aos Municípios competência para exigir ISS relativamente a fatos ocorridos em qualquer lugar dentro de seus respectivos territórios; mas, de outro, proíbe-lhes a cobrança desse imposto fora desses limites. Ora, como o território nacional está integralmente segmentado em Estados e Distrito Federal e aqueles estão divididos em Municípios, o certo é que não há espaços que não pertençam a este ou àquele Município (ou ao Distrito Federal). Logo, nenhum Município (nem o Distrito Federal) pode, sob pena de invasão de competência alheia, pretender ISS sobre fatos ocorridos fora de seu território.”
Isso só acontece quando há diferença entre o local da atividade-meio e da atividade-fim. Ora atividade-meio apenas diz respeito a serviços internos, normalmente fruto de relação trabalhista que tem o fito de tornar possível a realização da atividade-fim. Por outro lado, a atividade-fim é o objeto final da prestação de serviço contratado, é o interesse que o destinatário da prestação deseja na contratação.
Relativamente ao arrendamento mercantil, a sede fica responsável pela formatação dos contratos, gerenciamento financeiro e contábil, dentre outras atividades claramente destinadas a oportunizar a realização da atividade-fim que ocorre em local diverso.
É que a entrega do material arrendado, objetivo final do arrendatário dá-se, muitas vezes, em município distinto daquele que realizou a atividade-meio, e, portanto, a titularidade do tributo telado recai no segundo, na urbe onde se deu a efetiva prestação do serviço.
Conclui-se que quando houver conflito de competência entre dois ou mais municípios o que deve ser analisado é a consecução da atividade-fim, determinando em qual edilidade se deu a prestação do serviço, diferenciado esta daquela onde se realizou apenas atividade-meio.
A divergência ora apontada deve ser examinada com base em dois aspectos: o princípio da territorialidade e a aplicação do critério espacial de incidência tributária constante da regra matriz.
4.4 O princípio da territorialidade
De início compete diferenciar o âmbito de vigência da lei no espaço e o critério espacial de incidência tributária.
O primeiro diz respeito ao espaço territorial onde a norma editada pelo ente competente tem eficácia, assim, configurando-se o princípio da territorialidade.
O segundo, como supra transcrito, informa o local da ocorrência do fato concreto que se subsume a hipótese abstrata delineada pelo legislador tributário.
Apesar de quase sempre coincidirem, faz-se necessária a separação dos institutos para que se entenda de forma clara a argumentação que ora se estabelecerá.
O princípio da territorialidade tem o fito de delimitar a convivência harmônica dos vários entes federativos, sendo corolário do nosso Estado Democrático de Direito, afeito ao sistema republicano e federativo, elevado a cláusula pétrea, conforme predileção do art. 60, §4º, inciso I, do Texto Magno.
A nossa Constituição impôs limitações a circunscrição ou âmbito de validade de uma lei num dado território, e em via de consequência, não apenas deve ser examinado o critério material de incidência tributária.
O debate ora levantado se resolve quando da aplicação do princípio da territorialidade, utilizando-se do critério temporal para delimitar o local onde efetivamente foi prestado o serviço, e, com isso, aonde é devido o imposto telado.
A questão que ora se coloca diz respeito também a subsunção aos outros dois critérios existentes na regra-matriz de incidência tributária.
4.5 O critério espacial
O critério espacial de incidência tributária da regra matriz de incidência tributária exposta por Paulo de Barros, por raciocínio lógico desemboca na definição de que ocorre o fato gerador do tributo no local onde expressa ou implicitamente nasce o laço obrigacional.
Sobre o exposto aduz BARROS[9]:
“Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária:
a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico;
b) hipótese em que o critério espacial alude áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido;
c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.”
No caso específico do imposto sobre serviços ele suporta duas situações, uma de estipulação de critério espacial genérica e outra específica, subsumida a ocorrência do fato gerador apenas em dada circunstância territorial.
Nas palavras de BARRETO[10]:
O aspecto espacial desse imposto comporta duas vertentes. Uma, genérica, que se confunde com o próprio âmbito de validade da lei o qual não pode ser ampliado por iniciativa do legislador municipal, embora possa ser reduzido. A segunda, específica, diz respeito ao compromisso que a lei estabelece entre o fato imponível a uma determinada circunstância de lugar.
Por exemplo, um município entende que o pagamento do tributo deve ser realizado sob sua competência arrecadatória, em razão da sede do prestador ser ali, enquanto que outro abraça a idéia de que em razão do local da efetiva prestação de serviços ser o seu território, logicamente a arrecadação do tributo é de sua competência.
É o que ocorre no caso das operações de arrendamento mercantil.
Relembrando conceitos de âmbito de validade da lei, princípio da territorialidade e agora o debate relativo a coadunação tempo-espaço, chega-se a assaz clara cognição de que o local onde deve ser quitado o tributo é onde efetivamente ocorreu a subsunção aos três critérios da hipótese dispostos na regra matriz de incidência tributária: material, espacial e temporal.
No caso da sede não ocorre sequer a subsunção ao critério material, haja vista atividade-meio não ser tributável pelo ISSQN, enquanto que no município onde acontece a entrega do bem arrendado sim, existe a exação fiscal por submeter-se o fato concreto a todas as hipóteses.
Senão, vejamos.
A prestação do serviço divide-se em obrigação de fazer remunerada para terceiros, no primeiro caso – tributo na sede – não existe obrigação de fazer a terceiros, tendo em vista que as prestações realizadas visam apenas oportunizar a consecução da atividade-fim.
D’outra banda, com relação ao município de entrega do bem, há a subsunção a todos os elementos da prestação de serviços – critério material de incidência tributária, ou seja, existe a obrigação de fazer que é a entrega do material para utilização e não propriedade, ocorre remuneração em razão da onerosidade do contrato de leasing, e logicamente se faz a terceiros, por claro raciocínio em razão da bilateralidade do contrato.
No que concerne ao critério espacial deve ser levada em consideração também o aspecto temporal. É que o local onde se extingue a obrigação de fazer do arrendador para com o arrendatário logicamente será o município competente para arrecadar o tributo.
Para que se verifique a completitude da obrigação de fazer deve ser levado em conta o tempo, ou seja, o exato momento onde ocorreu a subsunção ao critério material, configurando-se assim os outros dois critérios.
Coaduna com a fundamentação ora traçada BARRETO[11]:
“Impõe-se, pois a urgente reposição do único critério que parece prestigiado pela Constituição, qual seja, o de que o local da prestação é o do Município onde se conclui, onde se consuma o fato tributário, é dizer, onde se produzirem os resultados da prestação do serviço. Se o fato tributável só ocorre no momento da consumação do serviço, ou seja, no átimo da produção dos efeitos que lhe são próprios, parece ser necessário concluir que o Município competente seja o do lugar onde forem eles produzidos, executados, consumados. É fazer prevalecer só o que diz o art. 12, b (deveria ser a única regra, sem contemplar exceção): deve-se o ISS no lugar onde se efetuar a prestação”.
Conclui-se, finalmente, que a prestação de serviços (critério material) é finalizada com a entrega efetiva do bem (critério temporal), objetivo final do arrendatário, e nesse momento, oportuniza-se a configuração do último elemento da regra-matriz, qual seja, no local informado pelo arrendatário (critério espacial).
Nesse sentido, deve ser afastada a pressão dos Municípios de grandeza maior que se utilizam de sua influência política para angariar ainda mais tributos, ampliando sua área de competência além de seus territórios.
Ora, se houve prestação de serviço num dado momento, num dado território, ali se subsume todas as hipóteses de incidência que dispõe a regra matriz, e, assim sendo, deve ser esse o município competente para arrecadar o tributo instituído mediante legislação própria e com base nas leis de hierarquia superior, respeitados os limites constitucionais.
5 CONCLUSÃO
Por todo o exposto, por hialina cognição, defende-se a tese da incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza no arrendamento mercantil no local onde se efetiva a prestação do serviço (entrega do bem arrendado), sendo objetivo primordial do presente estudo dar base a fundamentações futuras acerca do tema tratado, conquanto, sobre o enfoque constitucional, não se pode mitigar a autonomia municipal, afastando-se o princípio da territorialidade, pois esse é o meio ideal para solução dos conflitos de competência homogênea.
Informações Sobre o Autor
Eduardo Marcelo de Oliveira Araújo
Graduação em Direito – Universidade Federal da Paraíba. Sócio e Diretor de Relacionamento de Marques Galvão Advogados