Resumo: O presente artigo pretende analisar a estrutura do trabalho por tarefa a fim de identificar a categoria de trabalho que melhor o admite, dando enfoque especial ao trabalho dos tarefeiros nas indústrias de pescado de Rio Grande. Demonstra que a atividade tarefeira possui maior semelhança ao trabalho avulso e eventual, sendo que a consideração do trabalhador por produção como avulso importa em benefício tanto ao trabalhador quanto ao tomador de serviços.[1]
Palavras chaves: trabalho tarefeiro; atipicidade; categoria de trabalho.
Abstract: This study intends to analyze the structure of piecework to identify the labor category that best admits, giving special focus to the work of the temporary workers in the industries of fish from Rio Grande. It shows that the activity pieceworkers has greater similarity to casual work and loose work, but consider the pieceworker as loose worker benefits the worker and the service contractor.
Keywords: piecework; atypicality; labor category.
Sumário: Introdução; 1. O trabalho por tarefa no contexto da pesca riograndina. 1.1 do trabalho por tarefa. 1.2.trabalho por tarefa e relação de emprego. 1.3 das relações de trabalho e emprego pela perspectiva do operário. 2 – da legislação aplicável ao trabalho por produção. 2.1. Relações de trabalho não tuteladas pela consolidação das leis do trabalho. 2.2. Do trabalhador avulso e do trabalhador eventual. 2.3. Disposições legais acerca do trabalho tarefeiro. 3. Do trabalho por tarefa na cidade de rio grande. 3.1. Da estruturação do trabalho por tarefa no setor da pesca riograndina. 3.2. Da fraude à relação de emprego. Considerações finais
Introdução
O trabalho por tarefa é uma situação freqüente, especialmente nas áreas da pesca e agricultura.
Com efeito, a cidade de Rio Grande abrigou durante longo período uma infinidade de empresas voltadas para o beneficiamento do pescado que sempre utilizaram a mão-de-obra tarefeira no desenvolvimento de sua atividade.
A situação fática do trabalho por tarefa em um primeiro momento não é preocupante, eis que a problemática existente é gerada em torno da inexistência de legislação capaz de abranger as características inerentes a essa espécie de trabalho.
No entanto, quando se passa a perquirir acerca de existência de relação de emprego ou não, é necessário analisar a situação fática individual de cada trabalhador para que seja analisado se há de fato ou não as características inerentes ao trabalhador celetista na relação de trabalho em apreço.
A atipicidade do contrato de trabalho por tarefa é caracterizada pela ausência de habitualidade e pessoalidade, elementos inerentes à relação de emprego, razão pela qual a atividade não pode ser inserida no modelo celetista de trabalho.
Não há dúvidas que existe relação de trabalho entre o trabalhador tarefeiro e o tomador de serviços, todavia é preciso estabelecer que espécie de trabalho é desenvolvida pelo trabalhador tarefeiro a fim de inserir tal categoria no ordenamento jurídico pátrio.
Com efeito, em razão dessa atipicidade, o tarefeiro ainda é uma figura indefinida dentro do ordenamento jurídico brasileiro e, em razão disso, gera dúvidas e interpretações diversas acerca do tema pelos trabalhadores, empregadores e até mesmo pelo poder judiciário.
Resta clara, portanto, a insegurança jurídica da relação de trabalho por produção, tanto em relação ao empreendimento quanto ao trabalhador, em razão de sua atipicidade e da ausência de legislação específica.
No presente estudo, se buscará conceituar o trabalho por tarefa através da análise das características inerentes a tal modalidade de trabalho e das definições doutrinárias acerca de tais atributos e, a seguir, será feita uma comparação entre o trabalhador tarefeiro e o trabalhador empregado.
A seguir será feito um estudo sobre as modalidades de trabalho existentes, tendo por base a doutrina e a legislação, a fim de buscar regramentos e efeitos decorrentes da relação de trabalho do tarefeiro ou, na falta de regulamentação específica, das categorias mais próximas desta espécie de trabalho.
Por fim, será analisado o desenvolvimento do trabalho realizado nas indústrias de pescado da cidade de Rio Grande ao longo dos últimos anos, bem como as conseqüências da utilização da mão de obra tarefeira no setor.
1 – O TRABALHO POR TAREFA NO CONTEXTO DA PESCA RIOGRANDINA
1.1. Do trabalho por tarefa
O trabalho por tarefa, também conhecido como por produção ou peça, consiste em uma modalidade de relação de trabalho, na qual a remuneração não está relacionada à jornada de trabalho, mas com o quanto é produzido pelo operário.
Em princípio, toda e qualquer modalidade de trabalho que utilize tal sistema remuneratório pode ser considerada como um trabalho por tarefa, no entanto, o presente estudo se buscará compreender a estrutura da modalidade de trabalho que surge a partir da utilização desse sistema.
Nesse estudo se utilizará as expressões trabalho por tarefa, tarefeiro, por peça ou por produção para designar essa atividade especificamente, ainda que tal nomenclatura possa ser atribuída a outras modalidades.
A remuneração do trabalho por peça não é prática moderna, segundo Karl Marx, 1982 (p. 216) tal prática já era utilizada no século XIV, onde estava oficialmente prevista nos estatutos dos operários ingleses e franceses.
Conforme o autor, o salário por peça se desenvolveu durante o período da manufatura propriamente dito e, no período da grande indústria, de 1797 a 1815, foi utilizado para o prolongamento do tempo de trabalho e rebaixamento dos salários.
A principal característica do trabalho tarefeiro é exatamente o fato de que a remuneração do trabalhador é calculada multiplicando-se o valor unitário da peça a ser produzida ou serviço a ser realizado pelo número de peças ou serviços finalizados pelo operário no período de trabalho.
Assim, é notório que tal modalidade de trabalho possui caráter oneroso, ou seja, há a obrigatoriedade da contraprestação do tomador de serviços pelo serviço prestado pelo trabalhador, conforme definição de Sérgio Pinto Martins,2009 (p. 91).
Para Amauri Mascaro Nascimento, 2006 (p. 622) “onerosidade quer dizer que só haverá contrato de trabalho desde que exista um salário, convencionado ou pago”.
Já o autor Maurício Godinho Delgado, 2006 (p. 299) define onerosidade de uma forma mais abrangente. Para ele a contraprestação econômica pelo serviço prestado pelo obreiro pode assumir formas distintas e variadas, eis que o salário pode ser pago em dinheiro ou parcialmente em utilidades.
Inobstante o conceito empregado, não há dúvidas de que há efetivamente uma contraprestação econômica ao trabalhador tarefeiro pelo serviço que produziu, sendo notória a onerosidade como atributo dessa modalidade de trabalho.
Outra característica do trabalho por produção é que o trabalhador não faz parte do quadro de funcionários da empresa, somente é contratado nos casos em que a utilização de sua mão-de-obra é necessária ao empreendimento. Assim, não há perspectiva ou obrigação alguma de que o obreiro continue exercendo serviços ao empreendimento depois de realizada a tarefa para qual foi contratado.
Todavia, da mesma forma que a empresa pode deixar de contratá-lo, também o trabalhador não possui obrigação junto ao empreendimento de prestar serviço ou lhe dar continuidade, ainda que solicitado pela empresa.
O autor Amauri Mascaro Nascimento, 2006 (p. 624) afirma que eventual é o “trabalho transitório, portanto, caracterizado por tarefas ocasionais de índole passageira”.
Já o autor Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 129) discorre sobre a continuidade do trabalho como “um contrato de trato sucessivo, de duração, que não se exaure numa única prestação”.
Ocorre que, através dos fatos acima mencionados se percebe que o contrato de trabalho por produção não é um contrato de trato sucessivo, na verdade, se exaure no momento em que o trabalhador percebe a importância devida pelo trabalho que produziu.
Assim, resta claro que o trabalho por tarefa não possui natureza contínua, bem como que a prestação dos serviços pelo trabalhador ocorre de modo eventual, ou seja, esporadicamente.
Outro atributo do trabalho tarefeiro é a impessoalidade. Com efeito, não importa para o empreendedor quem será o responsável pela realização do serviço, mas que o serviço seja feito.
Tal fato inclusive determina a remuneração, eis que o trabalhador só irá receber quando e pelo que produzir. Se outro tarefeiro for responsável pela produção, a remuneração será dirigida a esse e não àquele.
O autor Mauricio Godinho Delgado define a pessoalidade como uma relação jurídica intuitu personae, na qual o prestador de serviços não pode se fazer substituir por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados.
Assim, resta claro que não existindo óbice algum à substituição do trabalhador tarefeiro por outro, a pessoalidade é atributo dispensável ao trabalho por produção.
No trabalho por produção, o trabalhador realiza o serviço para o empreendedor, de modo que não usufrui dos lucros obtidos pelo empreendimento em razão do serviço prestado, tampouco pode arcar com eventual prejuízo.
Assim, uma das características do serviço tarefeiro é a alteridade, definida por Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 92) como “um trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador”.
Por fim, para a formação do conceito de trabalho tarefeiro é importante analisar se existe subordinação do trabalhador tarefeiro ao tomador dos seus serviços.
O autor Mauricio Godinho Delgado, 2006 (p. 302) afirma que
“a subordinação corresponde ao pólo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.”
Já Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 130) define de modo mais claro e abrangente a subordinação como sendo “a obrigação que o empregado tem de cumprir as ordens determinadas pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho”, bem como “o estado de sujeição em que se coloca o empregado em relação ao empregador, aguardando ou executando ordens”.
Amauri Mascaro Nascimento, 2006 (p. 629) define a subordinação como: “uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará”.
Embora não se esteja tratando de relação de emprego, os conceitos de subordinação expostos acima permitem uma reflexão acerca da existência ou não de subordinação no trabalho por tarefa.
Ainda conforme o autor Sérgio Pinto Martins, 2009 (p.130), a subordinação seria decorrente do poder que possui o patrão sobre o trabalhador.
Ocorre que em alguns aspectos do trabalho por produção não se percebe a subordinação do trabalhador frente ao empreendimento.
Com efeito, embora o tomador dos serviços possa determinar o modo de realização do serviço a ser prestado pelo trabalhador, aquele não pode obrigar esse a cumprir uma jornada de trabalho fixa ou determinar que o obreiro permaneça prestando serviços com continuidade ou eventualidade.
Ainda, pode o tomador dos serviços do tarefeiro sequer dirigir a atividade a ser executada pelo trabalhador por produção, determinando apenas o resultado final almejado pelo empreendimento.
Não obstante exista certa submissão do obreiro, até mesmo decorrente da desigualdade inerente às relações de trabalho, a ausência de vínculo entre o trabalhador e o tomador de serviços implica também na supressão, ou pelo menos em uma amenização do poder que seria exercido pelo último sobre o primeiro, o que implica, por óbvio em uma espécie distinta da subordinação existente na relação de emprego.
Essa subordinação atípica poderia ser considerada como parassubordinação, discutida especialmente pela doutrina italiana, que ocorre quando o trabalhador organiza sua própria atividade, mas mantém-se vinculado ao tomador do serviço em relação aos resultados, conforme ensina Sérgio Pinto Martins, 2009 (p.132).
De acordo com o doutrinador Giuzeppe Tarzia apud Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 133) “a parassubordinação compreende relações de trabalho que, embora sejam exercidas com independência e sem a direção do destinatário do serviço, inserem-se na organização do mesmo”[2].
Já, segundo Amauri Mascaro Nascimento,1997 (p. 319):
“o trabalho parassubordinado é uma categoria intermediária entre o autônomo e o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em uma das duas modalidades tradicionais entre as quais se situa, como a representação comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação.”
Diante do conceito acima, o trabalho por tarefa não pode ser considerado como trabalho parassubordinado eis que carece de continuidade e pessoalidade na prestação do serviço.
Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 133) esclarece que na Itália, a parassubordinação é atribuída a alguns contratos de trabalho autônomos que possuem certa dependência em relação ao tomador de serviços, mas diferem da subordinação típica, ou seja, o trabalhador assume os riscos da atividade desenvolvida.
Assim, embora o trabalho por tarefa seja similar ao trabalho parassubordinado, não se pode confundi-lo com tal figura eis que além de não ser um trabalho de caráter contínuo, uma de suas características é a alteridade, inexistente na parassubordinação.
Karl Marx, 1982 (p. 215) afirma que, no trabalho remunerado por peça a qualidade do trabalho é controlada através do próprio produto, que tem de possuir qualidade média para que o preço por peça seja pago integralmente. Assim, como a quantidade e a intensidade do trabalho são controladas pelo próprio sistema remuneratório, grande parte da fiscalização do trabalho se torna supérflua.
Conclui-se, portanto, que há de fato pode haver subordinação no trabalho por produção, todavia, de uma maneira diferenciada em relação às demais modalidades de trabalho.
Em razão do exposto, a conclusão a que se chega é que se entende por trabalho tarefeiro aquele prestado por conta do tomador de serviços, com remuneração proporcional ao número de peças produzidas ou serviços desempenhados pelo trabalhador, realizado de forma não habitual, impessoal e mediante certa subordinação.
1.2. Das relações de trabalho e emprego pela perspectiva do operário
A relação de trabalho, notoriamente, não se confunde com a relação de emprego, eis que é plenamente possível que exista uma relação de trabalho sem que seja estabelecido um vínculo empregatício entre o trabalhador e o prestador de serviços.
A esse respeito, Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 381) afirma que as figuras do empregado e do trabalhador, dentro de um critério rigoroso, não são equivalentes, eis que trabalhador é gênero do qual empregado é espécie.
Nesse sentido, Mauricio Godinho Delgado, 2006 (p. 285) explica que a relação de trabalho
“tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível”.
Segundo o autor, a expressão relação de trabalho engloba não apenas a relação de emprego, como o trabalho autônomo, eventual, avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de trabalho.
Também o doutrinador Mozart Vitor Russomano, 1997 (p. 52) afirma que “relação de emprego, sempre, é relação de trabalho; mas, nem toda relação de trabalho é relação de emprego, como ocorre, v. gr., com os trabalhadores autônomos (profissionais liberais, empreitadas, locações de serviços, etc”.
Já os autores Orlando Gomes e Elson Gottschalk, 1995 (p. 128), afirmam que
“o trabalho humano pode ser objeto de outros contratos, que não atribuem a um dos contraentes a condição jurídica de empregado. Tais são, dentre outros, a empreitada, a sociedade, a parceria, a comissão mercantil. Estas modalidades de convenções não se confundem com o contrato de trabalho propriamente dito. Embora tenham por fim a atividade do homem, diferenciam-se nitidamente pela natureza do vínculo obrigacional que criam. Poderiam todos ser englobados na denominação genérica de contratos de atividade”.
Jean Vicent, apud Orlando Gomes e Elson Gottschalk (1995, p. 128), utiliza a expressão contratos de atividade para designar “todos os contratos nos quais a atividade pessoal de uma das partes constitui o objeto da convenção ou uma das obrigações que ela comporta”.
Resta claro que os autores Orlando Gomes, Elson Gottschalk e Jean Vicent, apesar de utilizarem uma denominação diferente, também diferenciam a relação de emprego das demais modalidades de trabalho, compreendendo de forma genérica a relação de trabalho, como contrato de atividade, e a relação de emprego, denominada por eles e pela legislação como contrato de trabalho, como uma das espécies do referido contrato de atividade.
Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 78) também é adepto à idéia de que o contrato de trabalhado é gênero que compreende, dentre outras espécies, o contrato de emprego, mas afirma que em relação a esse (contrato de emprego) “a denominação corrente é contrato de trabalho, inclusive encontrada no art. 442 da CLT”.
A doutrina majoritária atual é no sentido de que, embora se denomine a relação de emprego como contrato de trabalho, as figuras do trabalhador e do empregado são distintas, sendo verdadeiro dizer que todo empregado é um trabalhador, mas nem todo trabalhador é empregado.
Assim, conforme Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 78), “contrato de trabalho poderia compreender qualquer trabalho, como o do autônomo, do eventual, do avulso, do empresário etc.” e segundo Orlando Gomes, 1995, (p. 128) são aqueles que têm por fim a atividade do homem.
Já “a relação empregatícia, enquanto fenômeno sociojurídico, resulta da síntese de um diversificado conjunto de fatores (ou elementos) reunidos em um dado contexto social ou interpessoal”, conforme entendimento do autor Mauricio Godinho Delgado, 2006 (p. 289).
Ainda segundo o referido autor, a relação de emprego deriva da inarredável conjugação de certos elementos fático-jurídicos imprescindíveis para a caracterização da relação empregatícia (DELGADO, 2007, p. 290).
A legislação pátria, no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho define o empregado da seguinte forma:
“Art. 3 º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Acerca de tal conceito, para que reste configurada a existência de relação empregatícia o autor Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 129) entende que, em relação à figura do empregado, “temos que analisar cinco requisitos: (a) pessoa física; (b) não-eventualidade na prestação do serviço; (c) dependência; (d) pagamento de salário; (e) prestação pessoal de serviços”.
Os cinco requisitos apontados pelo autor Sérgio Pinto Martins são os mesmos elementos fático-jurídicos mencionados por Mauricio Godinho Delgado.
A natureza fático-jurídica de tais elementos se deve ao fato de que embora ocorram no mundo dos fatos e existam independentemente do Direito, em razão de sua relevância produzem efeitos no plano jurídico (DELGADO, 2007, p. 290).
Em relação ao primeiro requisito mencionado acima, ser o empregado pessoa física, o autor Sérgio Pinto Martins, 2007 (p. 129) explica que “a legislação trabalhista tutela a pessoa física do trabalhador”, não sendo possível que empregado seja uma pessoa jurídica ou um animal.
Já o doutrinador Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 380) desenvolve melhor a idéia afirmando que o empregado poderá ser:
“Toda pessoa física, excluindo-se, portanto, a pessoa jurídica, porque esta jamais poderá efetuar o próprio trabalho, fazendo-o por meio de pessoas físicas, e porque o direito do trabalho protege o trabalhador como ser humano e pela energia que desenvolve na prestação de serviços.”
Mauricio Godinho Delgado, 2006 (p. 291) também discorre sobre as razões que impedem a pessoa jurídica de figurar do pólo passivo do contrato de emprego. Segundo o referido autor, o trabalhador deve ser sempre uma pessoa natural, porque “os bens jurídicos (e mesmo éticos) tutelados pelo Direito do Trabalho (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc.) importam à pessoa física, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas”.
Assim, resta claro que a legislação vigente só admite o empregado como pessoa física, pois os bens jurídicos tutelados pelo direito do trabalho são referentes ao trabalhador como ser humano e não como um mero mecanismo integrante do complexo sistema das relações de trabalho.
Decorrente do requisito anterior, outro atributo da relação empregatícia é a pessoalidade, eis que o contrato de trabalho é firmado com uma pessoa certa e, por tal razão, é chamado intuitu personae (MARTINS, 2007, p. 134).
Manoel Alonso Olea apud Amauri Mascaro Nascimento, 2006 (p. 620) afirma que
“a prestação do trabalhador é estritamente personalíssima, e o é em duplo sentido. Primeiramente, porque pelo seu trabalho compromete o trabalhador sua própria pessoa, enquanto destina parte das energias físicas e mentais que dele emanam e que são constitutivas de sua personalidade à execução do contrato, isto é, ao cumprimento da obrigação que assumiu contratualmente. Em segundo lugar, sendo cada pessoa um indivíduo distinto dos demais, cada trabalhador difere de outro qualquer, diferindo também as prestações de cada um deles, enquanto expressão de cada personalidade em singular.”
Assim, segundo autor, o contrato de trabalho não continuará vigendo se houver qualquer alteração na pessoa do trabalhador, pois a substituição desse implicará em um novo contrato com o substituto (NASCIMENTO, 2006, p. 620).
O autor Maurício Godinho Delgado, 2006 (p. 292), no entanto, lembra que existem situações em que ocorre a substituição do trabalhador sem que, contudo, se perca o caráter pessoal e infungível da prestação do serviço. São elas as substituições consentidas pelo tomador dos serviços, desde que de forma não intermitente e constante, e a substituições normativamente autorizadas, como as férias, licenças, entre outras.
Ainda segundo o autor, no primeiro caso “uma eventual substituição consentida (seja mais longa, seja mais curta no tempo), por exemplo, não afasta, necessariamente, a pessoalidade com relação ao trabalhador”, enquanto na segunda hipótese o contrato de trabalho firmado com o trabalhador afastado ou substituído é apenas suspenso ou interrompido, não descaracterizando a pessoalidade da relação de emprego havida.
A pessoalidade indica que a relação empregatícia possui caráter infungível em relação ao trabalhador, eis que esse não pode se fazer substituir por outro trabalhador intermitentemente, situação que descaracterizaria a relação de emprego, pois tornaria o trabalho impessoal e fungível (DELGADO, 2006, p. 292).
No que tange à não-eventualidade do trabalho executado pelo empregado, Sérgio Pinto Martins, 2007 (p. 129) esclarece que “o serviço prestado pelo empregado deve ser de caráter não eventual, e o trabalho deve ser de natureza contínua, não podendo ser episódico, ocasional”.
Nesse mesmo sentido, Mauricio Godinho Delgado, 2006 (p. 293) a idéia de permanência ocorre em duas dimensões, sendo a primeira referente à duração da relação de emprego e a segunda ao caráter do trabalho prestado.
Segundo o referido autor, em relação à primeira dimensão da permanência,
“rege esse ramo jurídico, nesse aspecto, o princípio da continuidade da relação de emprego, pelo qual se incentiva, normativamente, a permanência indefinida do vínculo de emprego, emergindo como exceções as hipóteses de pactuações temporalmente delimitadas de contratos de trabalho.”
Em relação ao trabalho prestado, o autor afirma que para que exista a relação de emprego, o caráter permanente é requisito imprescindível, ainda que o trabalho possua um curto período de tempo determinado, não podendo se qualificar como um trabalho esporádico.
Amauri Mascaro Nascimento, 2006 (p. 624) tendo em vista o requisito da não eventualidade, define o empregado como
“aquele que destina o seu trabalho de modo constante, inalterável e permanente a um destinatário, de modo a manter uma constância no desenvolvimento da sua atividade em prol da mesma organização, suficiente para que um elo jurídico seja mantido, resultante, muitas vezes, dessa mesma continuidade.”
Segundo o referido autor (p. 530) o trato sucessivo, ou seja, a execução em caráter continuado através do tempo é a característica do contrato de emprego que o distingue dos contratos denominados instantâneos.
É de se ressaltar que a Consolidação das Leis do Trabalho não exige o trabalho cotidiano, mas habitual, de modo que deve haver uma regularidade na prestação dos serviços que pode ou não ocorrer diariamente (MARTINS, 2007, p. 129).
Amauri Mascaro Nascimento, 2006 (p. 447), afirma que
“a continuidade é o elemento diferenciador do eventual e do empregado. Presente a continuidade, a figura será do empregado. Ausente esse requisito o trabalho será eventual. Não há critério matemática da lei fixando o limite máximo a partir do qual a duração do vínculo torna-se permanente”.
Assim, o trabalho executado de forma ocasional e transitória não atribui ao trabalhador a condição jurídica de empregado, ainda que pela presença dos demais requisitos fático-jurídicos, a relação pudesse ser qualificada como empregatícia (GOMES E GOTTSCHALK, 1995, p. 78)
O requisito da onerosidade está previsto pelo artigo 3º da CLT pela utilização do termo mediante salário.
Segundo Maurício Godinho Delgado, 2006 (p. 299) a remuneração paga ao operário pelo empregador pode assumir diversas formas, eis que o salário pode ser pago em dinheiro ou parcialmente em utilidades.
Assim, é amplamente aceito e utilizado pela doutrina o termo onerosidade para designar a contraprestação paga ao empregado pelo tomador de serviços.
Maurício Godinho Delgado, 2006 (p. 298) afirma que “a relação empregatícia é uma relação de essencial cunho econômico”, e define onerosidade como um “conjunto diferenciado de prestações e contraprestações recíprocas entre as partes, economicamente mensuráveis”.
Para Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 384) a onerosidade é um encargo bilateral que “significa, para o empregado, o dever de exercer uma atividade por conta alheia cedendo antecipadamente ao beneficiário os direitos que eventualmente teria sob os resultados da produção, em troca de uma remuneração”.
Manuel Alonso Olea apud Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 384) afirma que a alienação do trabalho
“deriva do fato de trabalhar para uma terceira pessoa que, por força do contrato, possui um título prévio que torna exigível a prestação do trabalho e em virtude do qual faz seus os frutos dele resultantes, que careceriam de valor se considerados isoladamente, em virtude da divisão do trabalho.”
Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 133) entende que o contrato de trabalho possui natureza onerosa. Ele explica que se a prestação de serviços for gratuita não haverá condição de empregado do prestador dos serviços.
Por fim, o elemento fático da dependência é outra característica imprescindível à relação empregatícia. Todavia, embora a legislação brasileira utilize o termo dependência, a maioria dos doutrinadores prefere denominá-la como subordinação (NASCIMENTO, 1997, p. 388).
Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 130) explica que o termo dependência “não é adequado, pois o filho pode ser dependente do pai, mas não é a ele subordinado”.
O jurista francês Cuche, apud Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 389), em 1913, concluiu que
“há locação de serviço ou contrato de trabalho todas as vezes que a execução de trabalho, qualquer que seja o modo de sua remuneração, coloca aquele que o fornece numa relação de dependência econômica ou de subordinação em face de quem o remunera.”
Assim, se percebe que o referido jurista já em 1913 diferenciava a dependência econômica da subordinação propriamente dita.
Basicamente, a subordinação consiste no exercício de uma atividade profissional sob o poder de outrem (NASCIMENTO, 1997, p. 381). Todavia, devido à complexidade deste atributo, existem diversos fatores que devem ser analisados.
Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 130, 131 e 132) aponta as seguintes espécies de subordinação: a) econômica, referente à dependência financeira que o empregado possui em relação ao empregador para poder sobreviver; b) técnica, no sentido de que são imprescindíveis ao operário as determinações técnicas do tomador de serviços; c) moral, em relação aos deveres do empregador junto ao empreendimento; d) social, decorrente da subordinação econômica, diz respeito à subsistência do trabalhador por meio do trabalho; e) hierárquica, referente à posição do empregado na empresa; f) jurídica, decorrente do contrato de trabalho; g) objetiva, decorrente de previsão legal; h) subjetiva, referente à sujeição do trabalhador de ser dirigido pelo empregador; i) estrutural, que ocorre quando há a inserção do trabalhador na estrutura da empresa; j) direta, referente ao empregador; k) indireta, referente à terceiro que não o empregador; l) típica, inerente ao contrato de trabalho; e m) atípica, existente em contratos de trabalho como o do trabalhador eventual e do estagiário.
Todavia, Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 389) afirma que
“prevalece a teoria da subordinação jurídica que explica a posição do empregado perante o empregador, para demonstrar que não a sua pessoa, como equivocadamente sustentou a doutrina clássica italiana da subordinação como ‘status’, mas o modo como seu trabalho é prestado, é o objeto do contrato.”
No que tange ao conceito de subordinação, Arion Sayão Romita apud Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 391), afirmou, no ano de 1979, que a mesma “consiste em integração da atividade do trabalhador na organização da empresa mediante um vínculo contratualmente estabelecido, em virtude do qual o empregado aceita a determinação pelo empregador, das modalidades de prestação de trabalho”.
Já o autor Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 392) prefere definir subordinação “como uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará”.
Resta claro que em ambos os conceitos foi adotada a teoria da subordinação jurídica, decorrente do vínculo contratual, como característica da relação empregatícia.
Assim, segundo Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 380) se define empregado como “a pessoa física que com ânimo de emprego trabalha subordinadamente e de modo não eventual para outrem, de quem recebe salário”, enquanto trabalhador, segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 78), compreende qualquer modalidade de trabalho.
1.3. Trabalho por tarefa e relação de emprego
Diante da conceituação do trabalho por tarefa e dos requisitos inerentes à relação empregatícia supramencionados, é de se perquirir se o contrato de trabalho firmado entre o trabalhador tarefeiro e o tomador de serviços configura ou não relação de emprego.
No que tange à onerosidade, tendo em vista que a remuneração do trabalhador, conforme Maurício Godinho Delgado, 2006 (p. 299) pode assumir formas distintas e variadas, pode o empregado perceber a remuneração de acordo com o quanto produziu, todavia no trabalhador por peça não é possível a remuneração do trabalhador com base no tempo de serviço, eis que incompatível com a forma de trabalho desempenhada pelo tarefeiro.
No entanto, apesar dessa diferença, a onerosidade é característica comum ao tarefeiro e ao empregado, não impedindo o reconhecimento da existência de relação empregatícia em razão dessa característica, todavia, é preciso analisar conjuntamente os demais requisitos da relação de emprego para se obter uma conclusão.
Outro requisito do trabalho por tarefa comum à relação de emprego é a alteridade, eis que conforme se viu anteriormente, tanto o tarefeiro quanto o empregado não assumem os riscos da atividade desenvolvida pelo tomador de serviços.
Já no que tange à natureza contínua do trabalho, se verificou a inexistência de perspectiva ou obrigação de que o obreiro continue exercendo serviços ao empreendimento depois de realizada a tarefa para qual foi contratado.
Com efeito, o vínculo existente entre o tarefeiro e o tomador de serviços tem início no momento da contratação e extingue-se tão logo cumpridas a tarefa para a qual foi contratado, independentemente de qualquer lapso temporal.
Assim, ao contrário do contrato de emprego, o trabalho por tarefa não consiste em um contrato de trato sucessivo, mas instantâneo, pois se exaure no momento em que o trabalhador percebe a importância devida pelo trabalho que produziu.
Outro requisito inerente à relação de emprego que não se verifica no trabalho tarefeiro é a pessoalidade, eis que enquanto na relação empregatícia o contrato de trabalho é intuitu personae, possuindo, portanto, caráter infungível em relação ao trabalhador, no trabalho por tarefa impetra a impessoalidade, pois essa modalidade não tem relação com o trabalhador, mas com a tarefa a ser desenvolvida.
No que tange à subordinação, no trabalho por tarefa há certa atipicidade, eis que se verificou que a ausência de vínculo entre o trabalhador e o tomador de serviços implica também em uma amenização do poder que seria exercido por esse sobre aquele.
Essa atipicidade da subordinação existente no contrato de trabalho por tarefa tem como fundamento o fato de que a qualidade e a intensidade do trabalho são controladas pelo próprio sistema remuneratório, eis que o trabalhador só será remunerado pela tarefa prestada corretamente, tornando grande parte da supervisão do trabalho supérflua, pois é do interesse do trabalhador produzir mais para aumentar o valor a ser percebido (MARX, 1867/1982, p. 215).
Já na relação empregatícia, o empregado encontra-se sujeito ao poder de direção do empregador sobre a atividade que desempenhará, o que implica, por óbvio em uma espécie distinta da subordinação existente no trabalho por tarefa.
No entanto, tendo o trabalho por tarefa a subordinação, ainda que atípica, como característica, tal requisito não é suficiente para impedir a configuração do trabalho tarefeiro como relação de emprego.
Assim, tendo em vista a inexistência de pessoalidade e continuidade, em regra, não resta configurada a existência de relação de emprego no trabalho por tarefa, mas tão somente de relação de trabalho entre o tarefeiro e o tomador dos serviços.
No entanto, há sempre que se analisar o caso em concreto e, embora o conceito geral do trabalho por tarefa não inclua os requisitos alteridade e pessoalidade, a existência desses não implicaria na descaracterização completa do trabalho por tarefa, mas tão somente no reconhecimento de vínculo empregatício, caracterizando relação de emprego tarefa.
Tendo em vista a distinção dos conceitos de trabalhador e empregado, entendendo-se o primeiro como gênero que abrange o segundo como espécie, têm-se, portanto, que o conceito de trabalhador tarefeiro abrange a relação de emprego por tarefa.
Diante disso se percebe que o trabalho por tarefa comporta pelo menos duas situações jurídicas distintas, a do empregado tarefeiro e a do trabalhador tarefeiro sem vínculo empregatício.
No que tange ao empregado tarefeiro, não resta dúvidas de que a mesma configura relação de emprego, portanto, devido à existência de todos os requisitos inerentes essa modalidade de trabalho, deve-se aplicar as normas relativas à relação de emprego.
No entanto, apesar de ser possível a caracterização de emprego por tarefa, é imprescindível verificar na legislação vigente o regime jurídico que abrange a categoria do trabalho por produção propriamente dito, para que a referida modalidade de trabalho produza efeitos jurídicos e legais adequados.
2. DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO TRABALHO POR PRODUÇÃO
2.1. Relações de trabalho não tuteladas pela consolidação das leis do trabalho
Maurício Godinho Delgado, 2006 (p. 321) afirma que existem várias relações sociojurídicas que se diferenciam da relação de emprego pela inexistência de um ou alguns dos elementos fático-jurídicos componentes previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Segundo o autor, cabe
“ao intérprete e aplicador do Direito, reconhecendo os elementos de aproximação entre as figuras comparadas, hábeis a situá-las em um mesmo gênero conceitual (o do trabalho humano prestado a outrem, onerosamente), identificar-lhes, ao mesmo tempo, a diferença específica, de modo a poder situar, sem equívocos, seu correto posicionamento no universo normativo existente.”
O trabalho por tarefa, portanto, é uma dessas relações, no entanto, não há na doutrina ou legislação pátria vigente, definição acerca do que consiste o trabalho tarefeiro ou indicação expressa sobre a modalidade na qual o mesmo é caracterizado.
É necessário que, através da comparação entre as características atinentes ao trabalho por produção e os atributos das modalidades de trabalho reconhecidas atualmente pela doutrina e pelo ordenamento pátrio, se analise qual o regime jurídico no qual a categoria pode ser incluída
Sérgio Pinto Martins, 2009 elenca as seguintes espécies de trabalhadores: estagiário, diretor de sociedade, empregados em domicílio, aprendiz, doméstico, rural e público e trabalhadores temporário, autônomo, eventual, avulso e voluntário.
Tendo em vista que se pretende analisar a situação jurídica do trabalhador por tarefa sem vínculo empregatício, é notório que não o mesmo não pode ser considerado como empregado em domicílio, aprendiz, doméstico, rural ou público.
Outrossim, é evidente que o tarefeiro não pode ser confundido com o estagiário ou com o diretor de sociedade.
A Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, em seu artigo 1º definiu a figura do estágio como
“ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.”
Resta claro, portanto, uma diferença fundamental entre o contrato de estágio e o contrato de trabalho por tarefa que diz respeito à finalidade. Enquanto, o primeiro possui cunho primordialmente educacional, o último possui caráter meramente econômico.
Inobstante as divergências acerca da relação jurídica entre o diretor de sociedade e a empresa no que tange à existência de relação de trabalho ou não, é necessário para o desenvolvimento do presente estudo tão somente determinar se a figura do diretor de sociedade compreende o empregado por tarefa.
Segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 143), o artigo 16 da Lei nº 8.036/90 “a legislação apenas considera que diretor é o que exerce ‘cargo de administração previsto em lei, estatuto ou contrato social, independentemente da denominação do cargo’”.
Diante de tal conceito, é notório que o trabalhador tarefeiro sem vínculo empregatício nada tem a ver com o diretor de sociedade, eis que esse não possui cargo algum dentro da empresa até mesmo em razão da inexistência de vínculo com essa.
Restam, portanto, as figuras dos trabalhadores voluntário, autônomo, eventual, avulso e temporário.
O trabalhador voluntário é aquele que presta trabalho com ânimo e causa benevolente (DELGADO, 2006. P. 343).
Segundo Amauri Mascaro Nascimento, 2006 (p. 424) o trabalho assistencial é prestado sem remuneração e possui finalidade não profissional, mas social.
A Lei nº 9.608 de 1988 considera o trabalho voluntário como
“a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade” (NASCIMENTO, 2006. P. 425)
Dos conceitos supramencionados se percebe que o trabalhador voluntário é aquele que presta serviços de forma graciosa, com finalidade não profissional, ou seja, possui como requisitos duas características completamente antagônicas ao trabalho tarefeiro, que possui finalidade profissional e cunho econômico.
O trabalhador autônomo é aquele que detém o poder de organização de sua atividade, não se submetendo ao poder de controle e ao poder disciplinar de outrem (NASCIMENTO, 1997, p. 316).
Pedro Paulo Teixeira Manus, 1986, (p. 40) afirma que o trabalho autônomo se caracteriza, de fato, pela prestação de serviços sem vínculo de subordinação, o qual é essencial à relação de emprego.
Em razão disso, segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 149) não se aplica a Consolidação das Leis do Trabalho, eis que essa é aplicável apenas a empregados.
Segundo Mozzart Vitor Russomano, 1997 (p. 73), basta que inexista a relação de subordinação entre o operário e o tomador de serviços para se configure a existência de trabalho autônomo ou independente.
A definição legal de autônomo está expressa na alínea h, do inciso V, do artigo 12 da Lei nº 8.212 de 1991 como “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não” (MARTINS, 2009, p. 149).
Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 316) divide o trabalho autônomo como trabalho autônomo propriamente dito e empreitada, a qual consiste em uma modalidade do primeiro.
O referido autor (p. 317) define empreitada como o contrato em que uma das partes se propõe a fazer ou a mandar fazer certa obra, mediante remuneração determinada ou proporcional ao serviço executado.
Assim, se percebe que tal modalidade de trabalho comporta o sistema remuneratório do trabalho por tarefa, no entanto, não é capaz de comportar tal modalidade por completo.
Com efeito, o trabalho por produção possui, ainda que de forma atípica, a subordinação como atributo, ao contrário do trabalhador autônomo que tem por principal característica sua não submissão ao poder do tomador de serviços.
Diante da existência de subordinação no trabalho tarefeiro, resta analisar as figuras dos trabalhadores temporário, avulso e eventual, definidos por Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 316) como relações atípicas de trabalho subordinado.
A figura do trabalhador temporário possui regulamentação especifica na Lei nº 6.019 de 1974, a qual regulamentada pelo Decreto nº 73.841 do mesmo ano (MARTINS, 2009, p. 147).
O artigo 16º do Decreto acima mencionado define o trabalhador temporário como “aquele contratado por empresa de trabalho temporário, para prestação de serviço destinado a atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de tarefas de outra empresa”.
Assim, resta claro que existem três envolvidos nessa relação de trabalho: o trabalhador, a empresa de trabalho temporário e o tomador de serviços.
Segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 148), apesar de trabalhar para a empresa tomadora de serviços, o trabalhador temporário é subordinado à empresa de trabalho temporário, sendo que essa inclusive é a responsável pela remuneração do trabalhador.
A empresa de trabalho temporário é considerada pelo art. 9º da Lei nº 6.019/74 como “a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar a disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos” e depende de registro no Departamento Nacional de Mão de Obra do Ministério do Trabalho para funcionar. Entre suas obrigações, segundo o artigo 19 da referida norma, está a de contratar por escrito junto à empresa tomadora de serviços ou cliente, devendo constar no referido contrato expressamente a justificativa acerca da necessidade do trabalho temporário e as modalidades de remuneração da prestação do serviço. (NASCIMENTO, 1997, p. 706)
O contrato de trabalho temporário possui ainda uma limitação temporal no sentido de que o trabalhador somente poderá prestar serviços para a mesma empresa por no máximo 90 dias, conforme dispõe o artigo da Lei nº 6.019/74.
Percebe-se, portanto, que o trabalhador temporário possui vínculo e presta trabalho de forma contínua, ainda que apenas durante determinado lapso temporal, bem como é subordinado a outrem que não a empresa tomadora de seus serviços, ao contrário do trabalhador tarefeiro que além de não possuir a continuidade do trabalho como característica, subordina-se diretamente àquele que usufrui dos serviços por ele prestados.
Do acima exposto, resta claro que as modalidades de trabalho até aqui analisadas não comportam a situação do trabalhador tarefeiro, eis que o mesmo não pode ser considerado estagiário, diretor de sociedade, empregado ou trabalhador temporário, autônomo ou voluntário.
No entanto, há, ainda, as figuras dos trabalhadores avulsos e eventuais, que possuem características bastante próximas àquelas inerentes ao trabalho por tarefa.
2.2. Do trabalhador avulso e do trabalhador eventual
O trabalhador avulso teve sua situação definida pela primeira vez no ano de 1971, na Portaria nº 3.107, como sendo o trabalhador sem vínculo empregatício, independente de filiação sindical, que possuía seus direitos de natureza trabalhista executados por intermédio da respectiva entidade de classe (MARTINS, 2009, p. 157).
Segundo Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 709) em razão da amplitude dos termos da referida Portaria, outras categorias passaram a utilizar o mesmo sistema de trabalho, contratando serviços por meio do sindicato, no entanto, inexistindo leis aplicáveis às suas relações de trabalho, teriam tão somente os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, se fossem empregados (p. 710).
Para o referido autor o trabalho avulso possui as seguintes características: “a) a intermediação do sindicato do trabalhador na colocação da mão-de-obra; b) a curta duração dos serviços prestados a um beneficiado; c) a remuneração paga basicamente em forma de rateio procedido pelo sindicato”.
Segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 158) o tomador de serviços não paga diretamente ao operário, ele “paga ao sindicato ou OGMO um valor geral, que é rateado pelos segundos entre os trabalhadores que prestaram serviços (…) a remuneração é definida por tabelas estabelecidas pelo sindicato”.
Atualmente a Lei nº 8.212 de 1991, que dispõe sobre o Custeio da Seguridade Social considera como trabalhador avulso “quem presta a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento”. O referido regulamento, que consiste no Decreto nº 3.048 do ano de 1999, caracteriza, por sua vez, como avulso aquele trabalhador que “sindicalizado ou não, presta serviços de natureza urbana ou rural, sem vínculo empregatício, a diversas empresas, com intermediação obrigatória do sindicato da categoria profissional ou do órgão gestor de mão-de-obra” (MARTINS, 2009, p.157).
Segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 157), a subordinação não é característica dessa modalidade de trabalho, de acordo com o referido doutrinador “não é o trabalhador avulso subordinado nem à pessoa a quem presta serviços, muito menos ao sindicato, que apenas arregimenta a mão-de-obra e paga os prestadores de serviço, de acordo com o valor recebido das empresas”.
Já Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 315) entende que o avulso é trabalhador subordinado, eis que “aliena o poder de direção sobre o próprio trabalho em troca de remuneração”.
Outra característica do trabalho avulso é a impessoalidade.
“O avulso não presta serviços com pessoalidade, pois o trabalhador pode ser substituído por outra pessoa. Ao tomador não interessa normalmente que o serviço seja feito por determinada e específica pessoa, mas que o trabalho seja realizado. Pouco importa quem irá fazer o trabalho. A relação, portanto, não é ‘intuitu personae’” (MARTINS, 2009, p. 157).
Pelo acima exposto se percebe que embora o trabalho avulso possua características muito similares ao trabalho por tarefa, inclusive no que tange à atipicidade da subordinação, carece aos trabalhadores tarefeiros a intermediação do sindicato da categoria, eis que na maioria dos casos a contratação se dá diretamente entre o operário e o tomador de serviços.
Resta, por fim, a figura do trabalhador eventual, compreendido como aquele que presta serviços de curta duração que não coincidem com os fins visados pelo empreendimento, de forma descontínua e sem vinculação a uma única fonte de trabalho (NASCIMENTO, 2006. P. 444).
Segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 156) o trabalho eventual consiste em um trabalho prestado de forma ocasional, fortuita, esporádica. Para o autor, há uma descontinuidade na prestação dos serviços, pois o eventual é aquele que trabalha apenas ocasionalmente para o mesmo tomador de serviços.
A respeito da eventualidade do trabalho, o doutrinador Maurício Godinho Delgado, 2006 (p. 340), cita várias teorias que merecem atenção:
“A primeira dessas teorias considera que eventual será o trabalhador contratado para atender a um serviço esporádico, decorrente de um evento episódico verificado na empresa.
A teoria da descontinuidade considera que eventual será o trabalhador que se vincula, do ponto de vista temporal, de modo fracionado ao tomador, em períodos entrecortados, de curta duração. A idéia de segmentação na prestação de serviços ao longo do tempo é que se torna relevante para tal enfoque teórico.
A teoria dos fins da empresa identifica no eventual o trabalhador contratado para realizar tarefas estranhas aos findos do empreendimento, as quais, por isso mesmo, tenderiam a ser episódicas e curtas.
A teoria da fixação jurídica, por sua vez, enxerga no eventual aquele trabalhador que, pela dinâmica de relacionamento com o mercado de trabalho, não se fixa especificamente a um ou outro tomador de serviços, ofertando-se indistintamente no mercado e relacionando-se de modo simultâneo e indistinto, com diversos tomadores.”
A partir das referidas teorias o referido autor caracteriza o trabalho de natureza eventual como aquele no qual a prestação do trabalho possui curta duração, é prestada de forma descontínua, sem fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços, cuja natureza do trabalho é concernente a evento certo, determinado e episódico quanto à regular dinâmica do empreendimento do tomador de serviços e, em conseqüência, a natureza do trabalho não seria também correspondente ao padrão dos fins normais do empreendimento.
Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 314) afirma que o trabalhador eventual “é aquele que presta a sua atividade para alguém, ocasionalmente”. Segundo ele as características da relação de trabalho eventual são a descontinuidade, a impossibilidade de fixação jurídica a uma única fonte de trabalho e a curta duração de cada trabalho prestado.
Segundo Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 155), a definição legal de trabalhador eventual é encontrada na alínea g, do inciso V, do art. 12 da Lei nº 8.212/91 que o classifica como “aquele que presta serviço de urbana ou rural em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego”.
Assim, se percebe o conceito legal atribui apenas as características da não eventualidade e inexistência de vinculação ao trabalho eventual, o que, em princípio acomoda as demais características do trabalho por tarefa.
No entanto, em razão das teorias acima mencionadas o trabalho tarefeiro nem sempre configuraria trabalho eventual, eis que não há restrição alguma quanto à finalidade ou momento em que o trabalhador por tarefa poderá ser contrato.
Resta claro, portanto, que embora tenham algumas características divergentes, as modalidades que melhor se assemelham ao trabalho tarefeiro são as categorias dos trabalhadores avulsos e eventuais.
2.3. Disposições legais acerca do trabalho tarefeiro
Conforme mencionado anteriormente, não há na legislação pátria definição acerca do que consiste exatamente o trabalho tarefeiro propriamente dito.
No entanto, sabe-se que o trabalho tarefeiro é uma modalidade de trabalho subordinado, o qual, por sua vez, compreende, no Brasil, a figura do empregado e, segundo Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 316) também os trabalhadores avulso, eventual e temporário.
Tendo em vista a possibilidade de utilização do sistema remuneratório por produção na relação de emprego, no que tange a essa espécie de relação, a Consolidação das Leis do Trabalho estabeleceu diretrizes para o empregado remunerado por tarefa.
Com efeito, no artigo 78, estabeleceu a remuneração mínima diária não inferior ao salário mínimo por dia normal no local onde a atividade é desenvolvida.
No artigo 142, restou estabelecida o valor devido no período das férias ao empregado tarefeiro será calculado pelo valor da tarefa vigente na data em que a mesma for concedida com base na média da produção do período aquisitivo do direito a férias.
O artigo 358 previu a possibilidade de o empregado brasileiro remunerado por tarefa perceber remuneração inferior ao estrangeiro, quando este tiver maior rendimento.
Tal artigo faz referencia tão somente ao valor total da produção auferido pelo trabalhador, no entanto não é lícito que o valor da tarefa pago ao empregado brasileiro seja inferior ao do estrangeiro.
O artigo 478 trata da indenização pela rescisão de contrato indeterminado, e define que o cálculo do valor devido ao empregado por tarefa será efetuado com base no valor que seria auferido pelo empregado ao final de 30 dias, calculado tal valor com base na média produzida pelo empregado.
Já o artigo 483 permite a rescisão do contrato pelo empregado por tarefa quando “o empregador reduzir o seu trabalho (…) de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários”.
Ainda em relação à rescisão do contrato, dispôs o artigo 487 acerca do aviso prévio, tendo o parágrafo 3ª estabelecido que a importância devida pela falta do mesmo será calculada pela média dos últimos 12 meses de serviço.
Por fim, o artigo 582 trata da contribuição sindical descontada da folha de pagamento do empregado pelo empregador no mês de março, e na alínea b do parágrafo primeiro, restou definido que para determinar o valor da referida contribuição, para o empregado por tarefa, considera-se um dia de trabalho, 30 avos da importância percebida no mês anterior.
Assim, percebe-se que a consolidação das Leis do Trabalho não traz inovações quanto ao trabalho por tarefa, apenas disciplina as relações empregatícias cujo sistema remuneratório é o mesmo utilizado nesse tipo de produção. No entanto, é natural que não haja uma definição acerca do trabalho por tarefa na legislação referida, pois essa trata do trabalhador empregado e, conforme supramencionado, não é o caso do trabalhador tarefeiro.
A legislação italiana menciona o trabalho por tarefa, denominado no local pela expressão lavoro a cottimo.
Com efeito, o artigo 2.099 do Codice Civile, que trata da remuneração do trabalhador, dispõe que poderá a remuneração do trabalhador ser fixada por tempo trabalhado ou por peça produzida.
O artigo 2.100, por sua vez, define que o trabalhador será remunerado de acordo com a produção por peça quando, pela organização do trabalho, estiver vinculado a uma taxa de produção ou, quando a avaliação do seu desempenho for feita com base no resultado das medições do tempo de trabalho.
No entanto, no caso da legislação italiana o trabalhador tarefeiro é tratado como o trabalhador subordinado, cuja situação jurídica encontra-se definida pela legislação local.
Segundo Lorena Vasconcelos Porto, o código civil italiano divide os trabalhadores subordinados nas seguintes categorias: “operários (operai), empregados (impiegati), quadros (quadri) e dirigentes (dirigenti)”.
Segundo a autora, “os requisitos que definem cada categoria são estabelecidos pela contratação coletiva e o enquadramento do trabalhador depende das funções para as quais ele foi contratado”.
Sendo notória a subordinação do trabalhador, se percebe que o mesmo só pode ser classificado em uma das referidas modalidades de trabalho subordinado, o que importa na facilidade de enquadramento do tarefeiro de acordo com as funções para as quais foi contratado.
Ainda que se esteja tratando de regime jurídico diverso, a legislação italiana traz uma importante inovação quanto ao tema do trabalho tarefeiro, eis que de fato define como trabalhador tarefeiro aquele vinculado a uma taxa de produção ou avaliado com base no seu desempenho.
Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 382) cita as definições de empregado das legislações argentina e mexicana. Segundo o autor, de acordo com a Lei nº 20.744 de 1974 da Argentina,
“‘Considera-se trabalhador para os fins desta lei, a pessoa física que se obrigue a prestar serviços nas condições previstas pelos artigos 23 e 24 desta lei, quaisquer que sejam as modalidades da prestação’ (art. 27). ‘Há relação de trabalho quando uma pessoa realize atos, execute obras ou preste serviços em favor de outra, sob a dependência desta em forma voluntária e mediante o pagamento de uma remuneração, qualquer que seja o ato que lhe dê origem’ (art. 24). O art. 23 da lei refere-se ao prazo determinado e indeterminado.”
Já na legislação mexicana, o autor afirma que o art. 8º da Lei de 1972 e de 1974 daquele país, considera que “trabalhador é a pessoa física que presta a outra, física ou jurídica, um trabalho pessoal subordinado”.
Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 79) menciona, ainda, a legislação portuguesa, a qual, no artigo 10 do Código do Trabalho local, define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas”.
Na Itália, o direito do trabalho, tratado no livro V do Código Civil, traz a seguinte definição para o trabalhador subordinado:
“Art. 2094 Prestatore di lavoro subordinato
E prestatore di lavoro subordinato chi si obbliga mediante retribuzione a collaborare nell’impresa, prestando il proprio lavoro intellettuale o manuale alle dipendenze e sotto la direzione dell’imprenditore” (2239).
De fato, não há na legislação italiana, ou nos conceitos acima transcritos, menção aos requisitos a continuidade do serviço, de modo que não se pode estabelecer um paralelo entre a referida legislação e a legislação brasileira, pois a definição de empregado no Brasil é menos abrangente que a legislação dos referidos países.
Assim, não seria difícil encontrar o regime jurídico adequado ao trabalhador tarefeiro nas legislações dos referidos países, eis que os mesmos seriam facilmente considerados como empregados nos referidos países, o que, no Brasil, percebe-se que não é possível.
Resta claro, portanto, que as referidas legislações não trazem grande solução para a situação do trabalho por tarefa no Brasil, eis que não fornecem grandes informações sobre o tema.
É notório, portanto, que a situação do tarefeiro é figura atípica e inusitada no ordenamento jurídico pátrio e que a legislação internacional não possui grande utilidade para o estudo do tema.
3. DO TRABALHO POR TAREFA NA CIDADE DE RIO GRANDE
3.1. Da estruturação do trabalho por tarefa no setor da pesca riograndina
A cidade de Rio Grande, por ter grande parte de sua economia voltada para o setor pesqueiro, abrigou durante anos um significativo número de empresas que atuavam no ramo da comercialização e beneficiamento de pescados.
A partir do ano de 1870, com a imigração de portugueses da Povoa do Varzim, os recursos pesqueiros locais passaram a ser socialmente produzidos, mas foi no começo da década de 90 que houve um aumento das exportações de pescado salgado para o Nordeste Brasileiro e em Rio Grande, instalaram-se duas fábricas de conservas (Varella, apud, MARTINS, 2002).
Segundo o autor César Augusto Ávila Martins, 2002, os dados referentes às quantidades de pescado desembarcado na cidade do Rio Grande indicam médias anuais de 14.000 toneladas por ano no período de 1945 a 1949, de 120.000 toneladas/ano na década de 1970 e, no período de 1993 a 1907, capturas médias de 56.000 toneladas/ano.
Ainda, o autor afirma que no início da década de 80 havia 15 indústrias de pescado em Rio Grande, sendo que em 2002 as funcionam regularmente empregam cerca de 1000 trabalhadores.
Em razão da grande demanda de trabalho existente na época, era comum que o trabalhador não estabelecesse vínculo com um empreendimento específico, optando diariamente pela empresa na qual iria trabalhar de acordo com a remuneração oferecida pela tarefa, motivo pelo qual receberam a denominação de trabalhadores transitórios da indústria do pescado ou simplesmente tarefeiros, conforme afirmou o Juiz do Trabaho Dr. Daniel de Souza Voltan, na sentença proferida nos autos do processo nº 00954-2005-122-04-00-9.
Segundo o magistrado, ficava a critério do trabalhador a escolha dos dias e do local em que iria trabalhar, eis que podia a cada dia optar por laborar em determinado empreendimento, e o fazia de acordo com a localização do empreendimento, o valor da tarefa, a espécie ou produtos a serem elaborados.
Assim, evidente que não era possível determinar qual trabalhador iria trabalhar no empreendimento no dia ou mesmo no turno seguinte, pois os tarefeiros escolhiam o trabalho e jornada nos termos de seu juízo de conveniência. O que demonstra a completa ausência de pessoalidade e continuidade do serviço prestado pelos trabalhadores transitórios das indústrias de pescado rio-grandinas.
Diante de tais características, se percebe que os trabalhadores transitórios da indústria do pescado em Rio Grande, em relação ao tomador de serviços, prestavam trabalho por conta do tomador de serviços, com remuneração proporcional ao número de peças produzidas, de forma eventual, impessoal e mediante subordinação somente quanto ao resultado final da peça.
Assim, é notório que o trabalho transitório da indústria do pescado, era corretamente chamado de trabalho tarefeiro, eis que de fato possuía as mesmas características inerentes ao trabalho por tarefa em sentido amplo, definido no primeiro capítulo.
No entanto, não havia na época, nem há ainda hoje, amparo legal algum à categoria dos trabalhadores tarefeiros. Diante disso, no ano de 1975, o Ministério do Trabalho elaborou a portaria nº 3.186 que considerou como avulsos os trabalhadores tarefeiros, para fins de inclusão no regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em caráter experimental, até que a situação ficasse definitivamente posicionada em termos de amparo legal.
Com efeito, tal portaria considerou as seguintes características dos tarefeiros da cidade de Rio Grande: prestação de serviços à várias empresas sem vínculo empregatício, oferta de mão-de-obra de forma aleatória, serviço prestado além do horário normal para evitar a perda ou deterioração do pescado, remuneração com base na produtividade.
Por serem tais características muito semelhantes ao trabalho avulso, dispôs a referida norma que os tarefeiros mereciam gozar dos mesmos direitos e vantagens assegurados aos avulsos e, com base nos Decretos nº 61.851 de 1967 e nº 63.912 de 1968, que determinavam a competência do Ministério do Trabalho para incluir outras categorias de trabalhadores avulsos, considerou os tarefeiros como trabalhadores avulsos.
Outrossim, tendo em vista a exigência de vinculação sindical para caracterização do trabalho avulso, a referida portaria vinculou os trabalhadores transitórios das indústrias de pescado locais ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Torrefação e Moagem de Café, Massas Alimentícias e Produtos de Cacau, Balas, Trigo, Milho e Mandioca, Cervejas e Bebidas em Geral de Rio Grande, devendo esse assumir as obrigações impostas aos outros sindicatos de trabalhadores avulsos.
Tal portaria também considerava como avulso o horista que operava em regime de serviços complementares da industrialização e eventualmente por produção.
Tendo em vista que, após seis anos, a situação dos tarefeiros não havia sido amparada pela legislação, no ano de 1981 foi editada a Portaria nº 3.021 que manteve o enquadramento dos tarefeiros como trabalhadores avulsos.
Outrossim, tendo em vista que o trabalho horista na verdade é regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho, foi necessário restringir a aplicação da Portaria anterior aos referidos trabalhadores.
Assim o item 1 da Portaria nº 3.021 de 1981, vigente ainda hoje, manteve o enquadramento como avulsos, para fins de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), os
“trabalhadores transitórios das indústrias de pescado da Cidade do Rio Grande, Estado do Rio Grande do sul, já antes qualificados como os profissionais que atuam como escaladores e filetadores de peixes, descascadores e descabeçadores de camarão e de tratos análogos em outras espécies de fauna marinha (que já estejam ou venham a ser incorporados a tais fainas de industrialização, com dependência dessa mão-de-obra especializada) e que, com ou sem ferramentas próprias, exerçam a atividade sem sujeição a horário, obrigatoriedade de freqüência e de tarefa quantificada, inteiramente a seu talante, sem qualquer vínculo de emprego.”
O segundo item, por sua vez, manteve a vinculação, ainda em caráter provisório, dos tarefeiros ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de rio Grande, antigo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Torrefação e Moagem de Café, Massas Alimentícias e Produtos de Cacau, Balas, Trigo, Milho e Mandioca, Cervejas e Bebidas em Geral de Rio Grande.
Atualmente, o número de empresas locais que atuam no setor já não é tão significativo, bem como a mão-de-obra. Assim, tanto a possibilidade de escolha pelo trabalhador, quanto o número de trabalhadores buscando trabalho nas empresas foram limitados.
Segundo o juiz do trabalho acima mencionado,
“Isso levou as empresas a exigirem cumprimento de jornada de trabalho e produção mínima dos ‘tarefeiros’ (com evidente subordinação hierárquica destes em face do tomador do serviço). Os ‘tarefeiros’ a seu turno, em face da escassez da oferta de trabalho, passaram a se submeter a tais exigências e a perceber a remuneração no antigo molde (pagamento por peça produzida e proporcionalidade dos repousos semanais, férias e gratificação natalina sobre o valor da produção).”
Com efeito, em razão da significativa redução do número de estabelecimentos voltados para a atividade de beneficiamento e comércio de pescados, os trabalhadores já não mudam com freqüência o estabelecimento onde trabalham. Inclusive, muitas vezes, trabalhando de forma habitual e contínua junto a um mesmo empreendimento.
Assim, percebe-se que, apesar das características inerentes ao contrato por tarefa e aos trabalhadores transitórios das indústrias de pescados de Rio Grande, a modalidade de trabalho por tarefa por vezes é empregada com algumas variações estruturais.
Com efeito, a estrutura do trabalho tarefeiro nas empresas pesqueiras riograndinas, apesar da designação usualmente aplicada, não é condizente com as características do trabalho por tarefa, eis que em grande parte dos casos é exercida com pessoalidade, subordinação, continuidade e pessoalidade.
Presentes tais requisitos, se percebe claramente que, muitas vezes se esta diante de uma relação de emprego, ainda que os empreendimentos locais continue tratando os trabalhadores como se de fato fossem tarefeiros.
Outrossim, a existência dessa situação não é suficiente para caracterizar todo trabalhador da indústria do pescado como se de fato fossem tarefeiros, devendo ser analisado o caso em concreto.
No entanto, o que de fato se percebe é que tanto as empresas quanto os trabalhadores desconhecem os direitos e deveres decorrentes dessa relação de trabalho, sendo que não é produzido qualquer meio hábil a comprovar o trabalho efetivamente desenvolvido dentro dos empreendimentos, o que dificulta a análise fática da situação.
Tais fatos ocasionam uma insegurança jurídica tanto para o empreendimento quanto ao trabalhador, eis que o trabalhador não conhece os direitos decorrentes da referida relação de trabalho e o tomador de serviços passa a trabalhar com duas modalidades de emprego dentro de uma mesma relação de trabalho, uma enquanto a atividade é desenvolvida e outra, ao final da atividade.
O Ministério Público do Trabalho buscou resolver a situação através do ajuizamento de várias Ações Civis Públicas em face de diversas empresas do setor pesqueiro local.
Nas referidas ações busca o parquet a condenação das referidas empresas a utilizar, nas atividades de beneficiamento de frutos do mar, somente mão-de-obra de trabalhadores admitidos sob regular vínculo de emprego, bem como a condenação das empresas a pagar todos os reflexos decorrentes do reconhecimento da relação de emprego, aos atuais trabalhadores do setor e àqueles que trabalharam nos últimos cinco anos.
O ajuizamento das referidas ações civis públicas demonstram não apenas que a situação de cada um dos trabalhadores das indústrias de pescado riograndinas vem sendo tratada como se fossem exatamente iguais, ou seja, sem qualquer consideração da situação fática de cada trabalhador.
Nesse sentido, a magistrada Fabiane Martins, na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 01047-2008-121-04-00-3, afirma que
“não há, portanto, como determinar, de forma genérica, que todos os tarefeiros tenham vínculos de empregos reconhecidos, porque isso englobaria uma universalidade de trabalhadores que não têm as condições necessárias para tanto. Então, cada caso deve ser analisado isoladamente, presumindo a regularidade da contratação na forma da Portaria do MTE. O exame concreto de cada demanda é que definirá tratar-se de relação de emprego ou não”
A solução da situação dos trabalhadores das indústrias de pescados de Rio Grande traria reflexos não apenas para os trabalhadores e para as empresas, mas também ao próprio judiciário trabalhista, eis que os processos que tem por objeto a relação dos trabalhados do referido setor são responsáveis por grande parte das demandas judiciais das varas de trabalho da justiça do trabalho de Rio Grande, conforme afirmou o procurador Fabiano Holz Bezerra, nos autos da Ação Civil Pública nº 01047-2008-121-04-00-3 (p. 04).
Dentre outras situações irregulares decorrentes da ausência de amparo legal à categoria dos trabalhadores transitórios da indústria do pescado riograndina, destacam-se a utilização desse sistema de trabalho pelas empresas como meio de fraudar à relação de emprego e a utilização do judiciário pelos trabalhadores efetivamente tarefeiros como meio de auferir vantagens indevidas através do reconhecimento de vínculo empregatício inexistente.
Assim, notória a insegurança jurídica e social no que tange a situação do trabalhador tarefeiro, não havendo dúvidas de que a mesma necessita ser amparada judicialmente, eis que tal vazio normativo não foi suprido pelas portarias editadas pelo Ministério do Trabalho.
3.2. Da fraude à relação de emprego
A Consolidação das Leis do Trabalho, nos artigos 2º e 3º regulamentou a relação de emprego através da definição das figuras do empregador e do empregado. Com efeito, assim dispôs a referida norma:
“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (…)
Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 79) afirma que o artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, equivocadamente estabelece que “o contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”, eis que o contrato cria uma situação jurídica que não pode ser correspondente a ele próprio.
A relação de emprego é a relação formada entre o empregado e o empregador em razão do contrato de trabalho (MARTINS, 2009, p. 80).
Octavio Bueno Magano apud Sérgio Pinto Martins, 2009 (p. 79) define o contrato individual de trabalho como “o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física se obriga, mediante remuneração, a prestar serviços, não eventuais, a outra pessoa ou entidade, sob a direção de qualquer das ultimas”.
O autor Amauri Mascaro Nascimento, 1997 (p. 328) define diretamente a relação de emprego como a relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado.
Assim, percebe-se que os elementos da relação de emprego são: o empregado, o empregador e o trabalho prestado de forma subordinada, continuada e assalariada.
Já os elementos do contrato de trabalho por tarefa, diante do conceito estabelecido no primeiro capítulo, são: o tomador de serviços, o tarefeiro e o trabalho remunerado com base na produção e prestado de forma subordinada e eventual.
É notório que inexiste relação de emprego no trabalho por produção, em razão da inexistência dos requisitos pessoalidade e continuidade. No entanto, as alterações estruturais introduzidas no sistema de trabalho tarefeiro de algumas indústrias de pescado riograndinas, podem implicar na existência de características diversas do trabalho por tarefa, suficientes para configurar modalidade de relação de trabalho diversa.
Com efeito, em razão da atual baixa rotatividade de trabalhadores nas indústrias de pescado riograndinas, os tarefeiros, muitas vezes, passam a trabalhar rotineiramente junto ao mesmo empreendimento, passando a desenvolver o trabalho de forma continuada.
Assim, nos casos em que o trabalhador tarefeiro, presta serviço sob a dependência do tomador de serviços, mediante remuneração e de forma não-eventual, evidente que se está diante de um trabalhador empregado, os exatos termos do artigo 2º da CLT, devendo ser o mesmo tratado e considerado como tal pelo empreendimento que, nesse caso, passa a figurar como empregador.
No entanto, o que se percebe é que diversas indústrias locais tratam esse trabalhador cuja situação fática caracteriza situação de emprego como trabalhador avulso, nos termos das portarias editadas pelo Ministério do trabalho, em flagrante violação ao direito de tais trabalhadores.
Conforme afirmou o Procurador do Trabalho Fabiano Holz Bezerra, nos autos da Ação Civil Pública nº (p. 04) a situação configura fraude à legislação trabalhista, nos termos do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, eis que estão presentes todos os elementos que definem a relação de emprego, definidos pelos artigos 2º e 3º da referida norma.
Com efeito, assim dispõe o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho:
“Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
Assim, não há dúvidas de que a efetiva utilização de mão-de-obra empregada, sob a mesma denominação e tratamento dispensado aos trabalhadores transitórios da indústria do pescado, tarefeiros, constitui verdadeira fraude à aplicação das normas celetistas.
Diante de tal situação, cria-se a figura do falso tarefeiro, que consiste no trabalhador que apesar de contratado num regime de tarefa, acaba prestando serviço de modo habitual, sujeito à hierarquia e cumprimento de jornada de trabalho.
A ocorrência de fraude, no entanto, não pode vir a prejudicar o empregado, de modo que no judiciário deverá ser reconhecido o vínculo e, conseqüentemente, a relação empregatícia com o empreendimento fraudador, o qual, por sua vez, deverá efetuar o pagamento dos reflexos decorrentes do reconhecimento da referida relação de trabalho.
Todavia, é de se considerar que para que se defina a existência das características da relação de emprego deve-se, sempre, analisar o caso em concreto, eis que, embora a utilização dos chamados falsos tarefeiros seja freqüente, também o é a efetiva e regular utilização de trabalhadores por tarefa. Nesse sentido é o acórdão proferido nos autos da ação pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
“VÍNCULO EMPREGATÍCIO. TRABALHADOR AVULSO. TAREFEIRO. INDÚSTRIA DE PESCADO DE RIO GRANDE. Mesmo que as Portarias nº 3.186/75 e 3.021/81 do Ministério do Trabalho e Emprego disponham que os profissionais que atuam como escaladores e filetadores de peixe ou descascadores e descabeçadores de camarão sejam considerados tarefeiros, a condição de trabalho avulso depende da não-configuração das características inerentes à relação de emprego. Isso significa que o trabalhador deve exercer, na realidade, a atividade sem qualquer tipo de sujeição a horário, obrigatoriedade de freqüência ou tarefa quantificada, de forma inteiramente livre. Quando, porém, a prestação de serviços não detém tal autonomia, apresentando todos os elementos necessários ao vínculo empregatício (arts. 2º e 3º da CLT), há que se o reconhecer, como feito na origem.” (BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Recurso Ordinário nº 0135000-17.2007.5.04.0122, redator: Marçal Henri dos Santos Figueiredo, julgado em 19.08.2009)
O Sr. Paulo Édison da Silva Pinto, funcionário da empresa Junção Pescados S.A, em entrevista, informou que a empresa Junção Pescados possui um quadro de funcionários regularmente contratados que de fato possuem relação de emprego com a empresa e laboram de forma contínua anualmente. No entanto, nas épocas em que há maior quantidade de matéria-prima, em geral entre os meses de julho a novembro, é necessária a utilização da mão-de-obra dos trabalhadores tarefeiros, eis que se trata de matéria perecível, que deve ser beneficiada em pouco tempo, eis que se deteriora rapidamente.
Segundo o referido funcionário, a empresa efetua o pagamento da remuneração dos tarefeiros, acrescida dos valores referentes à 13º salário, adicional de insalubridade, férias, contribuição previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, dentre as demais verbas efetivamente devidas, através de guias de recolhimento repassadas ao sindicado local, o qual se encarrega de repassar os valores devidos a cada um dos tarefeiros a titulo de remuneração.
Paulo Édison da Silva Pinto, assevera que os funcionários que fazer parte do quadro fixo da empresa, percebem remuneração de acordo com o piso da categoria, cuja quantia perfaz um salário mínimo nacional, sendo que é comum que os trabalhadores tarefeiros retirem, em um mês de trabalho entre as empresas de pescados locais, em especial no período de safra, valores de até R$ 2.500,00.
Por fim, ele afirma que o grande problema da situação dos tarefeiros é a irregularidade da contratação desse tipo de mão-de-obra por empresas que não efetuam o devido recolhimento das verbas decorrentes da prestação do serviço.
Assim, é notório que é beneficial à empresa valer-se da mão-de-obra tarefeira quando há maior quantidade de matéria prima, eis que não é onerada com gastos de pagamento de funcionários supérfluos, quando não há trabalho a ser realizado.
No entanto, o efetivo tratamento dos tarefeiros nos moldes das portarias do Ministério do Trabalho, importa também em significativo benefício aos trabalhadores transitórios das indústrias de pescado de Rio Grande, eis que os mesmos percebem remuneração muito superior ao piso da categoria, o que influi nas verbas decorrentes da relação de trabalho (FGTS, 13º salário, contribuição previdenciária, entre outras).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, não existem muitas referências sobre o trabalho por tarefa na doutrina ou na legislação pátria vigente. Com efeito, são poucos os trabalhos dedicados a este tema, e, em geral, as discussões sobre o assunto se dão somente no âmbito do judiciário, através do ajuizamento de ações que buscam resolver situações específicas.
Conceitua-se o tarefeiro o trabalho prestado por conta do tomador de serviços, com remuneração proporcional ao número de peças produzidas ou serviços desempenhados pelo trabalhador, realizado de forma não habitual, impessoal e mediante certa subordinação.
Já o trabalhador avulso é o trabalhador sem vínculo empregatício, independente de filiação sindical, que possui seus direitos de natureza trabalhista executados por intermédio da respectiva entidade de classe, e o trabalhador eventual é classificado como “aquele que presta serviço de urbana ou rural em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego”.
Percebe-se, portanto, que as categorias que melhor admitem a figura do trabalhador tarefeiro são o trabalho avulso e o trabalho eventual, sendo que à primeira carece o requisito da intermediação da contratação do trabalhador pelo sindicato ou órgão de classe.
Resta claro, portanto, que embora tenham algumas características divergentes, as modalidades que melhor se assemelham ao trabalho tarefeiro são as categorias dos trabalhadores avulsos e eventuais.
Com efeito, a intermediação sindical importa em notório benefício aos trabalhadores, eis que sendo tratados como trabalhadores avulsos teriam sua situação normatizada.
Na cidade de Rio Grande, o tema ganha maior repercussão em razão da ampla utilização deste tipo de mão-de-obra, bem como pelas contratações dos falsos tarefeiros, trabalhadores que atuam conforme as normas celetistas, mas são tratados como se de fato fossem tarefeiros, o que eleva o grande número de ações judiciais movidas pelos trabalhadores buscando o reconhecimento dessa relação de emprego.
A problemática do falso tarefeiro, no entanto, é facilmente resolvida pelo judiciário, através do reconhecimento do vínculo empregatício.
Todavia, a eventualidade é uma característica inerente ao trabalho por tarefa e totalmente incompatível com a relação de emprego, não podendo ser o trabalhador por tarefa amparado pelas normas celetistas, como pretendeu o Ministério Público do Trabalho nas Ações Civis Públicas ajuizadas em face das empresas de pescado locais.
Ademais, o Ministério do Trabalho encontrou solução adequada aos trabalhadores transitórios da indústria de pescado local, enquadrando-os na categoria de avulsos nas Portarias nº 3.186 de 1975 e 3.021 de 1981.
A regular contratação dos trabalhadores na modalidade de avulsos, implica em benefício tanto para a indústria de pescado local quanto para os trabalhadores, eis que remuneração por peça implica em possibilidade de aumento da remuneração, eis que alguns chegam a perceber até cinco vezes o piso da categoria durante um mês de trabalho.
Outrossim, às empresas a utilização da mão-de-obra tarefeira é imprescindível nas épocas em que a safra de pescados é maior, eis que a quantidade de pescado a ser beneficiada é desproporcional ao número de funcionários que fazem parte do quadro fixo da empresa e a matéria prima deve ser lavrada com rapidez, pois perece rapidamente.
A contratação de todos os tarefeiros utilizados na época da safra como tarefeiros, obviamente, implicaria em gastos supérfluos dentro das empresas o que, obviamente importa em grande prejuízo aos estabelecimentos, afetando a economia das empresas e, em longo prazo, também a economia local, eis que muitas empresas não suportariam os gastos com trabalhadores e encerrariam suas atividades.
Assim, é notório que a inclusão dos trabalhadores transitórios das indústrias de pescado riograndinas na categoria dos trabalhadores avulsos, importa em benefício para ambas as partes envolvidas.
O que de fato se percebe é que em algumas empresas, a contratação dos tarefeiros se dá de forma irregular, sem intermédio do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Rio Grande.
Em razão de tal situação, o trabalhador recebe sua remuneração diretamente do tomador de serviços que, em geral, não recolhe as contribuições devidas à previdência social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Assim, se percebe que não é a inclusão dos tarefeiros na categoria dos trabalhadores avulsos que causa a problemática, mas a contratação irregular dos tarefeiros e o não pagamento das verbas e reflexos que lhes são devidas por estabelecimentos que não seguem as normas do trabalho avulso.
Outrossim, não se percebe uma grande mobilização do sindicato que representa o tarefeiro na solução da problemática referente à contratação irregular dessa mão-de-obra.
Tal fato inclusive, se deve ao fato de que a vinculação dos tarefeiros ao Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de alimentação de Rio Grande foi determinada provisoriamente pelo Ministério do Trabalhado, através da portaria 3.021 de 1981, no entanto, não foi criado qualquer outro órgão para atender às necessidades dos tarefeiros.
Todavia, é em razão da parca movimentação sindical que se tornou possível a utilização dos chamados falsos tarefeiros por algumas empresas riograndinas, prejudicando grande parte dos trabalhadores locais.
No entanto, ainda que haja uma portaria estabelecendo que o trabalhador tarefeiro das indústrias de pescado seja considerado tarefeiro, é necessário que a situação seja devidamente regulamentada para que surta os efeitos jurídicos necessários e possa ser fiscalizada objetivamente.
Nesse sentido a própria portaria estabeleceu a necessidade amparo legal para a situação, atribuindo-se caráter provisório. No entanto, 35 anos após a edição da primeira portaria pelo Ministério do Trabalho, a situação ainda permanece regulamentada precariamente pelo referido instrumento normativo.
Informações Sobre o Autor
Laís Pinto
Acadêmica de Direito na FURG/RS