Resumo: A concorrência desleal ocorre no plano concreto a partir do momento em que o empresário utiliza de práticas ilícitas para angariar clientela, prejudicando seus concorrentes, sendo que para sua configuração pouco importa os resultados obtidos com a deslealdade e sim os meios que foram empregados para a consecução do fim da atividade empresarial que é, além dos lucros, os clientes. Este estudo propõe verificar como ocorre a concorrência desleal identificando os fatores que estão atrelados a mesma, sua definição e pressupostos de existência, bem como analisar os atos indevidos nas práticas comerciais, além da proteção que o ordenamento jurídico confere ao empresário que se sentir lesado, destacando a importância de se manter incólume e sadia a livre concorrência para o bem estar da ordem econômica e do desenvolvimento do país.
Palavras chave: Atividade Comercial; Concorrência; Deslealdade; Clientela.
Abstract: Unfair competition occurs in the concrete plan from the moment the employer uses illicit practices to solicit customers, hurting its competitors, and for your configuration does not matter the results obtained with disloyalty, but the means were employed to achieve the end of business activity which is beyond the bottom line, customers. This study proposes to verify as it is unfair competition by identifying the factors that are tied to it, its definition and assumptions of existence and analyze the wrongful acts in commercial practices, beyond the protection the law gives the entrepreneur who feel aggrieved, highlighting the importance of maintaining healthy and unscathed free competition to the well being of the economic order and the country’s development.
Keywords: Commercial Activity; Competition; Disloyalty; Clients.
Sumário: 1. Introdução. 2. A concorrência desleal. 2.1. Pressupostos. 2.2. Diferença entre infração a ordem econômica e concorrência desleal. 2.3. O papel do conselho administrativo de defesa da concorrência – cade. 3. Atos caracterizadores da concorrência desleal. 3.1. Confusão entre produtos ou estabelecimento. 3.2. Denigração do concorrente. 3.3. Desrespeito a cláusula contratual. 3.4. Concorrência parasitária. 4. Proteção jurídica aos concorrentes lesados. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Nas análises mais recentes, compreende-se a empresa ou atividade do empresário aquela que fabrica produtos, circula os bens ou presta os serviços indispensáveis a vida humana a partir da conjugação dos quatro fatores de produção: o capital, os insumos, a mão de obra e a tecnologia, de maneira organizada e habitual, com a finalidade específica de auferir lucro.
Assim, o Código Civil Brasileiro, adotou a teoria da empresa e nos termos do artigo 966 considerando empresário todo aquele que exerce profissionalmente, com habitualidade, atividade econômica organizada, que visa lucro, para a produção ou circulação de bens ou serviços, das mais diversas espécies, exceto, em regra, a atividade de natureza intelectual, científica ou literária.
Contudo, exercer a atividade empresarial e estruturar os fatores de produção que viabilizem a distribuição dos bens e/ou serviços no mercado consumidor, nos dias atuais, com preço e qualidade competitivos não é considerado uma tarefa fácil. O empresário deve possuir vocação, habilidade e experiência, pois o cliente pode não se atrair pelo produto, bem e/ou serviço oferecido ou ainda, ele pode simplesmente não sobreviver há fatores externos, como as crises econômicas, a concorrência leal e desleal, casos fortuitos, etc.
Por esta razão deve a empresa deve possuir uma estrutura organizada formada por um complexo de bens materiais e imateriais, para a exploração da atividade econômica, atualmente intitulado de estabelecimento empresarial, que possui especial proteção jurídica.
Cada vez mais, tem-se como um dos elementos mais importantes para o sucesso da empresa a criatividade do titular, seja quanto à capacidade de introdução de novos e competitivos produtos ou serviços no mercado, seja quanto à arte de apresentar-se, ou a seus produtos, ao público consumidor.
Nesse diapasão, em que pese a importância dos bens corpóreos (materiais) que fazem parte do estabelecimento empresarial, os bens conhecidos por incorpóreos (imateriais) vêm alcançando um maior destaque, vez que individualizam e identificam a empresa que passa a conquistar a preferência dos consumidores.
Assim, por exemplo, o nome da empresa, o título do estabelecimento, a marca e a embalagem do produto acabam por constituir significativos elementos de atração do consumidor, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento dos negócios. Nesse ínterim, o patrimônio imaterial é responsável não só pela captação da clientela, mas também pela manutenção da mesma. Muitas empresas, nacionais ou internacionais, sobrevivem no tempo em função da construção de marcas sólidas e investimentos em marketing.
Sendo assim, os bens incorpóreos que possuem valor incomensurável ganhou amparo jurídico voltado para a preservação da lealdade na competitividade e na condenação da concorrência desleal.
A disciplina que rege a proteção aos bens imateriais garantiu o direito de uso exclusivo que detém foro constitucional estampado no art. 5º, inciso XXIX, da Carta Magna de 1988. Outrossim, as criações intelectuais do titular da empresa (invenções, marcas de produtos ou serviços, nome empresarial, embalagens, insígnias etc.) também são protegidas por três ramos distintos do chamado direito de propriedade intelectual, que são conhecidos por direito autoral, direito industrial e a proteção a concorrência desleal.
Cada um destes direitos tutela os bens incorpóreos de maneira diferente e com leis específicas para sua regência, sendo que cabe principalmente a concorrência desleal, assegurar o bom funcionamento da empresa por meio da repressão a condutas imorais por parte de concorrentes que usam de meios abusivos para captar a clientela alheia, condutas estas que serão o objeto de estudo do presente trabalho.
2 A CONCORRÊNCIA DESLEAL
A livre concorrência faz parte da atividade empresarial apresentando-se como fator importante para o crescimento da economia de mercado e como princípio basilar da ordem econômica e financeira no país. Isso porque, a concorrência regularmente praticada, beneficia tanto o consumidor, que tende a adquirir produtos e serviços por preços mais baratos, como o empresário, que poderá maximizar a oferta de bens e serviços (PIMENTEL, 2007, p.58).
O princípio da livre concorrência vem esculpido no art. 170, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 que com o perfil neoliberal baseou-se na livre iniciativa como pilar essencial da ordem econômica e financeira, sem o qual a atividade empresarial não alcançaria seus objetivos maiores, como a obtenção de lucros e a captação de clientela.
Dessa forma, concede-se ao particular a liberdade para exercer qualquer atividade, salvo nos casos vedados por Lei. A liberdade é fundamental para a caracterização da concorrência, sobretudo porque é a partir dela que surgem diversos produtores ou prestadores de serviços interessados em praticar igual atividade, “de tal sorte a garantir para sociedade a possibilidade de escolha do melhor produto, preço, condições de pagamento, etc.” (ALMEIDA, 2004, p.111).
A livre concorrência acirra a competição entre empresários que lutam bravamente pelos mesmos consumidores. Assim, a disputa pela clientela e pela ampliação de mercado é constante no sistema capitalista e, constituem para o consumidor um ótimo fator, já que estes encontram à disposição no mercado inúmeras opções de escolha entre serviços e/ou bens com qualidade e preços.
Para que melhor se identifique a concorrência é necessário ater-se aos seguintes fatores: é necessário que os concorrentes estejam disputando o mercado em momentos temporais paralelos, também, é forçoso que a competição se funde no mesmo bem ou serviço, por fim, tem-se a identidade de mercado, mais abrangente que a expressão identidade territorial, baseado na globalização, que permite a competição entre territórios longínquos, como, por exemplo, o comércio eletrônico (internet) (ALMEIDA, 2004, p.101).
Pelo princípio da livre concorrência é dada liberdade aos empresários para adentrarem na economia no setor ou ramo de indústria ou comércio que melhor lhe aprouverem, competindo com os demais. Contudo, é necessário haver certas restrições impostas pelo Estado, inclusive para que se mantenha a lealdade empresarial sob pena de caracterização da concorrência desleal ou de infração à ordem econômica, dependendo da abrangência do ato.
O elemento primordial da concorrência é alcançar a clientela em detrimento dos demais competidores que exploram o mesmo tipo de mercado, o objetivo imediato do empresário em competição é simplesmente o de cativar consumidores, através de recursos (publicidade, melhoria de qualidade, redução do preço etc.) que os motivem a direcionar suas opções no sentido de adquirirem o produto ou serviço que ele, e não outro empresário fornece.
O efeito necessário da competição é a indissociação entre o benefício de uma empresa e o prejuízo de outra, ou outras. Na concorrência, os empresários objetivam, de modo claro e indisfarçado, infligir perdas a seus concorrentes, porque é assim que poderão obter ganhos (ULHÔA, 2006, p.190).
Nesse ínterim, torna-se complicada a diferenciação entre a concorrência leal da concorrência desleal, pois as duas têm em comum a sua finalidade, vez que pretendem angariar os clientes alheios. Logo a concorrência por si só não é capaz de tornar o ato ilegal, devendo restar demonstrado a má intenção do competidor que objetiva desviar a clientela utilizando meios artificiosos.
“[…] não é simples diferenciar-se a concorrência leal da desleal. Em ambas, o empresário tem o intuito de prejudicar concorrentes, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado. A intencionalidade de causar dano a outro empresário é elemento presente tanto na concorrência lícita como na ilícita. Nos efeitos produzidos, a alteração nas opções dos consumidores, também identificam a concorrência leal e a desleal. São os meios empregados para a realização dessa finalidade que as distinguem. Há meios idôneos e inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes. Será, assim, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário, que se poderá identificar a deslealdade competitiva”. (ULHÔA, 2006, p. 191)
Nesta análise pode-se estabelecer que o ato será considerado como desleal não pelo resultado alcançado por ele, porém no meio que foi empregado para alcançar o fim maior da atividade comercial, que são os clientes, ou seja, se dentro das práticas concorrenciais o competidor utilizou-se de má-fé, veiculou publicidade negativa do concorrente, utilizou indevidamente das criações intelectuais ou de algum outro elemento constitutivo do aviamento etc.
Assim a concorrência desleal apresenta-se como um instituto novo e cujo conceito ainda está em formação, “tanto assim, que sua própria denominação suscita controvérsia, pois a expressão concorrência tem sentido exato, o adjetivo desleal é obscuro, dependendo do vago conceito de deslealdade” (REQUIÃO, 2007, p. 353).
Entende-se como concorrência desleal o conjunto de condutas do empresário que, fraudulenta ou desonestamente, busca afastar a freguesia do concorrente. A concorrência desleal tem característica instrumental, à medida que se caracteriza pelos meios ilícitos adotados pelo empresário para angariar clientes em detrimento dos demais concorrentes. (FAZZIO JUNIOR, 2000, p. 140)
A concorrência desleal traduz-se, portanto, em um desvio de conduta moral, com violação dos princípios da honestidade comercial, da lealdade, dos bons costumes e da boa fé, e não está presente no simples alcance dos consumidores, mas sim na maneira como se busca esse fim (ALMEIDA, 2004, p.125).
Como forma de estabelecer um norte para a concorrência desleal a legislação pátria tipificou os atos como ilícitos através da Lei 9.279/96, no art. 195 e incisos. Para fins penais o rol elencado no citado artigo é taxativo, no entanto outros atos também poderão ser rotulados como desleais, mesmo não sendo caracterizados como crime, ou seja, o mesmo rol poderá ter fim exemplificativo ao tratar de concorrência desleal pura. (ALMEIDA, 2004, p.131)
Nesse sentido procurando fornecer subsídios para uma melhor compreensão tem-se que a concorrência desleal consiste, em suma, na prática de atos de comércio e em procedimento reprovável destinado a desviar a freguesia do concorrente; eis porque o texto ressaltou ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por outros atos de concorrência desleal nele não previstos, tendentes a prejudicar a reputação, os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais ou industriais ou entre produtos e artigos postos no comércio.
Estes atos podem não se reputarem crimes e não se sujeitarem a pena; mas são delituais do ponto de vista do Direito Comercial, são atos ilícitos que criam obrigação de indenizar perdas e danos. (FERREIRA apud, ALMEIDA, 2004, p. 133)
Desta feita, existem atos desleais mencionados em lei passíveis de repressão criminal, bem como atos não enumerados no dispositivo, oriundos das práticas comerciais, que causarão danos ao estabelecimento empresarial e que poderão ser discutidos em sede de cognição, pela prestação jurisdicional contenciosa através da busca pelo ressarcimento das perdas e danos, a teor do que pondera o art. 209 da Lei de propriedade industrial.
2.1 Pressupostos
Para a materialização da concorrência desleal no caso concreto, mister se faz a identificação de determinados elementos que norteiam a existência do próprio instituto e reduzem o seu campo de incidência.
São os requisitos assentados na doutrina: a) desnecessidade de dolo ou de fraude, bastando a culpa do agente; b) desnecessidade de verificação de dano em concreto; c) necessidade de existência de colisão; d) necessidade de existência de clientela; e) ato ou procedimento suscetível de repreensão (BITTAR, 2005, p.47).
A desnecessidade de dolo ou fraude pressupõe a idéia de que para a caracterização da concorrência desleal basta a culpa, sendo assim, é prescindível averiguar-se a real intenção do agente quando pratica a conduta e consequentemente produz o dano. Isso porque, quando se está diante do dolo o agente quer a ação e o resultado proveniente da mesma. Já na concorrência desleal (culpa) o agente quer a ação, todavia não o resultado, vindo este a ocorrer em virtude de uma abstenção do dever de cuidado, a negligência.
Por outro lado, é dispensável a concretização do dano, bastando para a configuração da concorrência desleal a possibilidade ou iminência de resultado gravoso para o concorrente que se sentir lesado em seu patrimônio imaterial e para o agente buscar a cessação dos atos. Isso se deve ao fato de que na ação de concorrência desleal o que importa é a configuração e interrupção dos atos indevidos, pouco importando os prejuízos que foram causados, que poderão ser ressarcidos posteriormente caso comprovado o dever de indenizar.
A jurisprudência brasileira tem entendido bastar apenas o risco de dano, fundamentado na teoria do risco, que foi criada principalmente pelos juristas franceses no século XIX e pressupunha que “risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa desse assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente” (CAVALIERE FILHO, 2006, p.155).
Dessa maneira, sendo provável a existência de um dano ante a prática de atos desleais, cabe ao concorrente lesado buscar a proteção do seu patrimônio imaterial pelos meios legais, seja através da repressão criminal dos referidos atos, seja por qualquer outra pretensão jurídica cabível.
Adiante, é condição indispensável a existência de concorrentes que atuem em campos de interesses iguais, ou seja, somente haverá a concorrência desleal se subsistir “a possibilidade de competitividade entre os fornecedores de um mesmo bem ou serviço, com objetivo de trazer para si o maior número de consumidores (clientes)” (BITTAR, 2005, p. 48).
Esse pressuposto significa que não é possível a concorrência, mesmo que leal, entre um empresário do ramo de informática e outro pertencente ao ramo de alimentação, por exemplo, uma vez que não existem interesses conflitantes entre os mesmos. Para a caracterização da concorrência desleal é requisito indispensável que os competidores atuem no mesmo setor de negócios e disputem também o mesmo mercado, ou pelo menos tenham condições de disputá-lo.
Outro pressuposto para a caracterização da deslealdade na concorrência é a presença de clientes, ou ao menos a probabilidade de existência destes. Tal fato decorre de um simples raciocínio. A atividade empresarial gira em torno da disputa pelos consumidores, que é um dos objetivos da referida atividade, além do lucro. Logo, sem a clientela não existe negócio nem tampouco concorrência, tanto a que ocorre dentro dos padrões legais, como a fora dos padrões legais (ALMEIDA, 2004, p. 141).
Dessa maneira, os clientes constituem um dos objetivos salutares do instituto e atributo de qualidade do estabelecimento, significam, pois, numa conquista do titular do empreendimento. Quanto maior a clientela maior será o lucro, o crescimento e o sucesso dos negócios e é a partir do momento que existe a captação injusta da clientela que haverá a configuração da concorrência desleal.
Por último, “na concretização da concorrência desleal, o ato ou procedimento de concorrência deve destacar-se das práticas normais dos negócios. Há de ser qualificado por ausência ou por desrespeito a preceitos de direito ou de moral”, ou seja, deslealdade (BITTAR, 2005, p. 49).
A deslealdade nos negócios é, pois, um ato repreensível e abusivo, dotado de subjetividade, mas que por sua abrangência torna-se de suma importância para caracterizar a concorrência desleal, eis que poderá atingir atos não previstos na legislação e que mesmo assim podem ser entendidos como desleais.
Contudo, a existência ou não de concorrência desleal será verificada no caso concreto, mormente por não existir um rol taxativo de hipóteses que dão ensejo a caracterização do instituto, devendo ser analisado casuisticamente se houve o preenchimento dos pressupostos acima elucidados.
2.2 Diferença entre infração a ordem econômica e concorrência desleal
O direito brasileiro admite duas formas de repressão à concorrência indevida, uma delas é o objeto de estudo do presente trabalho a concorrência desleal, a outra é denominada como infração a ordem econômica. A primeira está intimamente ligada com a proteção da clientela e alcança apenas os direitos dos empresários diretamente prejudicados por uma prática irregular cometida por algum concorrente. A segunda possui alcance muito maior, uma vez que voltada à preservação das estruturas da economia de livre mercado e envolve conceitos como, abuso de poder dominante, atos de concentração, mercado relevante, dumping, cartel, monopólios etc., fazendo parte de matéria específica dentro do direito antitruste.
A proteção a ordem econômica encontra amparo de foro constitucional no Título VII – Da ordem econômica e financeira, Capítulo I – Dos princípios gerais da atividade econômica, art. 173, § 4º, Constituição Federal de 1988. Além disso, existe disposição legal infraconstitucional na Lei nº 8.884 de 11.06.1994, chamada Lei antitruste.
A infração a ordem econômica é considerada outra espécie de concorrência indevida sendo “modalidade mais grave de agressão contra a economia de mercado, porque atinge diretamente suas colunas estruturais” (FAZZIO JÚNIOR, 2000, p.142).
Dessa forma, quando a atividade empresarial objetiva a destruição de empresas concorrentes, para dominação da clientela e dos mercados e subseqüente imposição de preços mais elevados o poder público interfere para combater os excessos do domínio econômico, sendo então infração à ordem econômica (REQUIÃO, 2007, p. 358).
Nesta análise, pode-se estabelecer como infração à ordem econômica todo abuso de poder dominante que vise a eliminação da concorrência e o aumento excessivo dos lucros, a fim de conquistar o mercado e instituir o monopólio, assim, tem-se que a infração a ordem econômica, se caracteriza por algumas formas de posição dominante em determinado seguimento de mercado; quais sejam, as práticas empresariais que, por restringirem ou eliminarem a concorrência, ou importarem aumento arbitrário de preços, comprometem a organização liberal da economia (ULHÔA, 2006, p. 242).
Por outro lado, como visto, caracteriza-se a concorrência desleal pelos meios empregados pelo empresário e a análise de sua legalidade para atingir o fim maior da atividade empresarial que são os clientes, sendo que a abrangência da mesma somente alcança os direitos dos concorrentes lesados e não o mercado como um todo.
2.3 O papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, foi criado em 1962 pela Lei 4.137 e transformado em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça por força da Lei 8.884/94 e que integra o Poder Executivo, exercendo a chamada jurisdição administrativa. Ele é um órgão judicante, com sede no Distrito Federal e com atuação em todo o território nacional, exercendo funções de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, tutelando a prevenção e repressão.
Outrossim, ao CADE compete o julgamento em última instância na esfera administrativa sobre matérias relacionadas com a concorrência. Junto com a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE e com a Secretaria de Direito Econômico – SDE formam o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC.
Saliente-se que, competem igualmente e respectivamente a SDE e a SEAE, instruírem processos administrativos inerente aos atos de concentração e sobre as condutas anticoncorrenciais, emitindo pareceres não vinculativos ao CADE e promovendo a conduta da concorrência junto aos órgãos do governo.
Cabe ressaltar acerca da sua competência que, o CADE, é órgão encarregado de apurar a concorrência ilícita e julgá-la, não dispondo de discricionariedade quando examina a infração da ordem econômica, assim, não pode, o conselho considerar infração à ordem econômica a conduta que o legislador não descreveu como tal, nem pode deixar de considerá-la infração se corresponder à hipótese legal. Contudo, à natureza vinculante da competência do CADE para considerar determinada prática empresarial como ilícita contrapõe-se a discricionariedade para punir ou não o agente econômico que a perpetrou (ULHÔA, 2006, p.207).
Desta feita, é importante colacionar que o CADE é considerado um órgão administrativo de instrumento de política econômica. Em outras palavras, isso quer dizer que ao averiguar a prática de infração à ordem econômica possui competência vinculada, uma vez que somente considera como ilegal os atos tipificados por lei. Contudo, quando da aplicação da sanção cabível o Conselho Administrativo possui competência discricionária, visto que deverá ser levado em conta os efeitos trazidos pela conduta do agente, podendo a penalidade não ser aplicada.
O órgão exerce três papéis básicos: repressivo; preventivo; educativo. O primeiro deles aborda a análise dos atos de concentração, presentes no art. 54, da Lei 8.884/94 e da viabilidade das fusões, incorporações e associações de qualquer tipo de agente econômico. O segundo visa ao repudio das condutas anticoncorrenciais previstas no art. 20 e seguintes da Lei Antitruste, e no Regimento Interno do Conselho, bem como na Resolução 20 do CADE. Nesse caso, ao órgão cabe a averiguação dos cartéis, vendas casadas, preços predatórios, acordos de exclusividade etc. O último diz respeito à expansão da cultura da concorrência narrada no art. 7º, XVIII, da Lei 8.884/94, que se perpetua com parcerias entre o órgão e universidades, institutos de pesquisa, órgãos do governo dentre outros.
No que concerne especificamente à proteção ao direito individual do empresário prejudicado por infração à ordem econômica, esta pode ser alcançada tanto administrativa como jurisdicionalmente. Isso se deve ao fato do empresário que se sentir prejudicado pela conduta ilícita de outro competidor possuir o direito de apresentar representação escrita e fundamentada junto a Secretaria de Direito Econômico – SDE, quando houver indícios suficientes para instauração do procedimento administrativo, como também de entrar em juízo para que haja cessação dos atos ilegais, bem como proporcional indenização, conforme os danos causados.
3 ATOS CARACTERIZADORES DA CONCORRÊNCIA DESLEAL
Para a identificação da concorrência desleal fez-se necessário o agrupamento dos atos considerados como indevidos, que turbam o livre funcionamento do mercado, em categorias, cuja classificação varia na doutrina, dentre as quais analisa-se os mais relevantes: atos capazes de criar confusão, também chamada de confusão entre produtos ou estabelecimento; denigração do concorrente; desrespeito da cláusula contratual e a concorrência parasitária.
3.1 Confusão entre produtos ou estabelecimento
A confusão entre produtos ou estabelecimento é considerada pela doutrina e presente na jurisprudência como a forma mais comum de concorrência desleal e quem os pratica se propõe a obter vantagens da confusão provocada intencionalmente entre a empresa ou seus produtos, e a empresa ou os produtos de um competidor, geralmente se aproveitando da homonímia ou provocando-a (REQUIÃO, 2007, p. 356).
Quer dizer, trata-se de atos desleais capazes de confundir e levar o consumidor ao erro, tanto em relação aos produtos, quanto ao estabelecimento de determinada empresa, no momento em que aquele efetua as suas compras.
A confusão entre produtos ou estabelecimentos resulta também do ritmo acelerado das pessoas nos dias atuais. Com o tempo corrido muitos consumidores não prestam a devida atenção aos produtos adquiridos ou aos estabelecimentos em que adquirem os bens ou serviço e acabam comprando algum produto não desejado ou de qualidade inferior ao original em face da semelhança existente entre os mesmos, por exemplo.
Dessa forma, atos tendentes a criar confusão entre estabelecimentos comerciais são aqueles praticados por um comerciante que utiliza nome, insígnia iguais ou parecidas de outro, de sorte a induzir a clientela a erro. A confusão caracteriza-se, em uma análise global, por meio de práticas tendentes a captar, ilicitamente, clientela alheia, aproveitando-se da imagem do concorrente, mediante assemelhação indevida (seja de seu nome, seja de seu estabelecimento, seja de seu produto etc.).
No que tange aos pressupostos para a caracterização da confusão tem-se: a anterioridade do produto concorrente, a presença de imitação e a possibilidade de haver confusão (BITTAR 2005, p. 60). Assim, verifica-se que o aproveitamento indevido deverá recair sobre produto preexistente no mercado, a ponto de que os consumidores se confundam quando da procura desse determinado bem, seja em função da imagem, nome, ou qualquer outro elemento distintivo da empresa ou de seu produto e é salutar que da absorção desleal dos subsídios pertencentes ao estabelecimento comercial haja probabilidade suficiente para criar a confusão, ou seja, sejam idôneos para a desorientação dos consumidores.
Por fim, para que ocorra a confusão entre produtos ou estabelecimentos, mister se faz que estes sejam conhecidos pelos consumidores e existam no mercado por um tempo considerável, pois a contrafação pauta-se na absorção dos sinais distintivos da empresa que por si só são suscetível de induzir o consumidor ao erro, nas mais diversas forma de imitação capazes de ensejar a confusão entre produtos, como a semelhança ortográfica, fonética, visual e pela cor.
Como semelhança ortográfica entende-se a confusão criada na escrita entre duas expressões de propaganda, traduzindo-se não pela cópia em si, mas sim pelo emprego de forma ortográfica parecida, capaz de confundir a clientela. Já por semelhança fonética considera-se a imitação do tom da palavra quando proferida em voz alta pelo consumidor, mesmo que seja distinta gramaticalmente. Por outro lado, na semelhança visual o concorrente utiliza um sinal diferente, mas apresentando-o visualmente à clientela de maneira semelhante ou idêntica à de outro empresário e no caso de similaridade pela cor o rival valer-se de cores comuns da propaganda de outrem. Frisa-se que as cores de forma isolada não obtêm proteção legal, porém seu conjunto, empregado para certa atividade de forma a identificar a propaganda ou próprio estabelecimento, deve ser protegido (ALMEIDA, 2004, p. 156).
Em resumo, caso algum concorrente tente se beneficiar por algum sinal distintivo do patrimônio imaterial de outrem, de maneira que cause a confusão entre os produtos ou estabelecimentos, bem como a subsequente indução do consumidor ao erro, ocorrerá ato de concorrência desleal, que causa prejuízos de grande monta não só para a empresa ou indústria copiada, mas também aos consumidores que são enganados, induzidos ao erro.
Sendo assim, várias medidas contra este ato de concorrência desleal podem ser tomadas, em especial pelo empresário lesado que comprovando a contrafação pode buscar a intervenção judicial imediata para a paralisação dos atos tendentes a criar confusão em relação ao produto, sob pena de multa diária, bem como a busca e apreensão dos produtos imitados, para que sejam retirados do mercado.
3.2 Denigração do concorrente
A denigração do concorrente visa desviar a clientela mediante o fomento da depreciação do empresário rival e de seus produtos, bens ou serviços que são colocados a disposição no mercado, tendo por objetivo prejudicar a reputação de um concorrente ou seu negócio. Tais atos se concretizam por tornar público falsa informação do concorrente a fim de causar-lhe prejuízo. Os atos denigridores podem atingir tanto a pessoa do concorrente como seu negócio ou seus produtos.
Entende-se por denigração todo ato capaz de gerar dano de cunho moral ao patrimônio imaterial ou ao próprio titular do empreendimento através da divulgação de publicidades que pautem por alusões, comparações, confronto direto dos produtos ou colocados a disposição maliciosamente, a fim de afastar a clientela, ou ainda pela veiculação de propaganda enganosa mesmo sem caráter comparativo em detrimento do concorrente, que seja apta a induzir o consumidor ao erro.
Não são levados em consideração, para a configuração da denigração a intenção, o prejuízo efetivo, ou a veracidade do fato. Com efeito, tem-se decidido que: mesmo em negligência ou em imprudência, pode haver a denigração, não se requerendo o dolo para a sua conceituação; também não é necessária a prova do prejuízo, bastando a existência de possibilidade de dano; e, por fim, não importa a veracidade do fato na comparação ostensiva, porque não é o concorrente, mas o consumidor que deve, em concreto, julgar os produtos de cada qual. Ao atingido compete, portanto, apenas demonstrar a divulgação da referência ilícita ou potencialmente danosa (BITTAR, 2005, p. 65).
Ademais, é imprescindível que a mensagem denigridora identifique o concorrente, possua conteúdo imoral ou desleal e não paute pela ética publicitária, além de que seja transmitida aos consumidores.
Contudo, importante observar que não é toda comparação que será sopesada como ilícita, porém tão somente aquela que inflija as legislações que versem sobre a propriedade industrial e defesa do consumidor. A comparação pode fazer parte do marketing da empresa e não configurar ato de concorrência desleal se pautar a publicidade pelos princípios éticos e não causar prejuízos a imagem e ao estabelecimento do concorrente (ULHÔA, 2008, p. 369.
Assim, a propaganda comparativa é plenamente admitida, pois alimenta a livre concorrência e é sempre benéfica ao consumidor, seu alvo número um, contando com garantia constitucional (art. 170, IV) e previsão no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária (art. 32), ostentando, portanto, manto de legalidade. Destarte, enquanto não sugerir ou insinuar ofensa, não denegrir a marca ou produto comparado e observar a ética, não pode ser considerada ato de concorrência desleal.
A propaganda é, pois, de suma importância para o empresariado, uma vez que contribui para a divulgação da produção ou circulação de bens ou serviços e se apresenta como fator de atração dos clientes. No entanto, pode constituir ato de concorrência desleal se capaz de induzir o consumidor ao erro por meio do descrédito do concorrente, divulgando atos que rebaixam a reputação do concorrente ou do seu patrimônio imaterial.
3.3 Desrespeito a cláusula contratual
Outra forma comum de concorrência desleal, esta presente no plano contratual, é a decorrente da violação da cláusula de não restabelecimento ou interdição de concorrência presente na compra e venda (trespasse) de estabelecimento ou controle de empresa quando tratar-se de sociedade comercial.
Pela cláusula de não concorrência, o alienante compromete-se a não se estabelecer com o mesmo negócio, em certa área ou em qualquer território, por um período de tempo, exatamente porque a meta visada pelo adquirente é a absorção da respectiva clientela, já que insuscetível esta, com valor etéreo, de ingressar em negócio jurídico específico (figurando, pois, a cessão embutida na venda do negócio) (BITTAR, 2005, p. 66).
Essa cláusula, no caso do contrato de trespasse, é indispensável para a preservação da integridade do potencial econômico do bem alienado, já que na hipótese de o alienante concorrer com o adquirente, parte do potencial – senão todo ele – é comprometido pelo desvio de clientela (ULHÔA, 2008, p. 247).
A cláusula de interdição de concorrência pressupõe uma proteção ao adquirente do estabelecimento comercial para que o alienante não venha a se estabelecer no mercado com o mesmo negócio e ainda no mesmo limite territorial. Tal restabelecimento caracterizaria concorrência desleal.
Saliente-se que é entendimento predominante que a referida regra também se aplica aos parentes, companheiros, aos sócios de empresa e aos empregados, estes últimos que detêm a obrigação de preservar os segredos industriais, denominando tal prática de restabelecimento indireto (BITTAR, 2005, p. 67).
O Código Civil vigente no art. 1.147 assim dispõe: “Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência”.
Há, entretanto, necessidade de elucidação quanto à referida norma, eis que algumas condições devem ser observadas quando da aplicação da mesma ao caso concreto. Em relação aos limites materiais, observa-se que cláusula disciplinando a concorrência é inválida, se impede o contratante de explorar qualquer atividade econômica, pois a restrição deve necessariamente se circunscrever a determinados ramos de comércio, indústria ou serviços. Também deve se considerar inválida a cláusula que impeça o contratante pessoa física de exercer a sua profissão. Por exemplo, o sócio que se desliga de sociedade de engenheiros pode, no instrumento de cessão de cotas, ficar impedido de competir com a sociedade, desde que os termos contratados não alcancem todas as atividades de engenharia para as quais o retirante se encontra profissionalmente habilitado ou preparado (ULHÔA, 2008, p. 247).
Ademais, a cláusula de não-reestabelecimento não poderá ser infinita no tempo e no espaço, sendo inválida a cláusula que vede a concorrência para sempre ou em qualquer lugar. Limites temporais ou espaciais são exigidos, para que a restrição contratada não importe eliminação total da concorrência.
Destarte, entende-se que o artigo 1.147, do Código Civil de 2002 veda a concorrência desleal através da regra de proibição de restabelecimento de empresa por parte do alienante que objetive explorar o mesmo ramo comercial, em determinada área e durante certo prazo previamente pactuado ou não, já que a norma traz a cláusula como regra implícita ao contrato quando os pactuantes não transigirem nesse sentido, podendo, contudo, os mesmos estabelecerem prazo inferior, desde que conste explicitamente no contrato.
3.4 Concorrência parasitária
A concorrência parasitária é uma modalidade de concorrência desleal que difere dos outros atos de concorrência, eis que não ocorre de forma agressiva, mas ao contrário, ela se instala de forma quase despercebida. Tal nomenclatura (parasitária) é dada ao instituto, porquanto, a vantagem advinda da atividade praticada pelo concorrente, a clientela, é obtida sem nenhum esforço, sendo que “o objetivo é, portanto, se aproveitar do ser parasitado retirando aquilo que interessa, sem contudo, ter qualquer esforço para conseguir” (ALMEIDA, 2004, p. 176).
Nesta modalidade de concorrência não se busca a ruína total de seu concorrente, já que para o parasita o importante é que este continue crescendo e inovando em seus produtos. Ademais, o parasita muitas vezes não deseja sequer que haja confusão entre os seus produtos com os originais, justamente para não configurar outras espécies de concorrência desleal, assim, em regra, os produtos do parasita se apresentam de forma distinta, com sua própria marca, cores e sinais distintivos.
A conduta do parasita está presente no aproveitamento indevido do sucesso e do esforço empregado por alguma empresa de renome no fabrico e comercialização de seu produto, ou seja, o parasita sempre espera que outro empresário lance seu produto para posteriormente aproveitar-se das características do mesmo e simplesmente copiar, não empregando, dessa forma, nenhum gasto com pesquisas, testes ou publicidade etc., isso porque, o parasitado já o fez.
Como consequência da prática empregada pelo concorrente parasita, o produto por este lançado terá preço mais baixo, porém com qualidade inferior, o que não impede a capacidade de retirar em parte a clientela do empresário que foi parasitado, sendo que a absoluta e indevida exploração das criações e de investimentos alheios, mesmo quando periodicamente modificados os produtos – quase sempre aliados a violação de segredo –, pode até comprometer o próprio negócio do titular, apesar de não ser este o intuito do parasita (BITTAR, 2005, P.57).
Assim, a concorrência parasitária se funda em lançar produtos análogos, utilizar idênticas técnicas de comercialização, agir de forma sistemática, independentemente de causar confusão, porém, sem ter que suportar as despesas e os riscos do negócio com intuito de angariar clientes (ALMEIDA, 2004, p. 181).
Sendo assim, pode-se declarar que o concorrente parasitário aproveita-se indevidamente, sem autorização e de maneira bem articulada do sucesso de marcas notórias, com o escopo de captar a clientela alheia, sem, no entanto, causar prejuízos irreparáveis ao seu concorrente, pois como todo parasita, necessita do parasitado para sobreviver.
4 PROTEÇÃO JURÍDICA AOS CONCORRENTES LESADOS
A tutela jurídica de proteção do empresário contra as práticas oriundas da concorrência indevida estão dispostas na Lei de Propriedade Industrial que prevê além da responsabilização penal do agente a responsabilidade civil na forma cabível segundo o Código de Processo Civil. Alguns atos de concorrência desleal podem ser sancionados penal e civilmente de maneira cumulada, chamados de concorrência desleal específica, ao passo que outros somente são sancionados no plano do direito civil, chamados de concorrência genérica.
Corresponde a concorrência desleal específica aqueles atos tipificados como crime previstos na Lei de Propriedade Industrial no art. 195 e incisos, que se perpetua através de meios inidôneos facilmente identificáveis, enquanto a concorrência desleal genérica, também chamada de extracontratual é mais difícil de ser identificada e sancionada, posto que não há legislação especial que trata da mesma, devendo sua identificação ser feita em sede de ampla cognição, à vista do disposto no art.209, da Lei de Propriedade Industrial.
Deve ser ressalvado que, quanto a classificação genérica o ato deverá ser ilícito de acordo com o art. 186, do Código Civil, ou seja, somente poderá haver a repressão e condenação do agente, no plano cível daquele que comete ato de concorrência indevida considerado como contrário a lei, ou seja aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, cometendo ato ilícito.
Destarte, a possibilidade de se considerar a matéria tipificada como crime ou apenas indevida pela violação do princípio da lealdade comercial dependerá do estudo caso a caso, pois na legislação penal só considera como desleal todos os atos ilícitos praticados em conformidade com o tipo penal previsto na Lei de Propriedade Industrial, já para buscar a responsabilidade civil, basta que esteja caracterizado o ato como ilícito, bem como o abuso de direito, nos termos do art. 209, da Lei de Propriedade Industrial.
A responsabilidade do agente que comete ato de concorrência desleal e a composição dos danos sofridos pelo empresário prejudicado pode ser obtida por meio de ação pelo procedimento ordinário no juízo cível. Neste caso estar-se diante tanto da concorrência desleal específica quanto da genérica, sendo que em relação a primeira não se encontram muitos problemas para a caracterização da conduta do agente que vem descrita no tipo penal, já a segunda depende da comprovação de que os atos praticados são ilícitos ou manifestadamente contrários aos limites impostos ao direito do agente.
No entanto, não é simples definir os contornos dos meios inidôneos utilizados pelo concorrente que pratica ato de concorrência desleal genérico, posto que a finalidade do mesmo está intimamente ligada a conquista da concorrência alheia que também é inerente à concorrência lícita, sendo que será a idoneidade do meio utilizado que possibilitará a distinção entre o que se permite e o que se condena, na concorrência entre empresas (ULHÔA, 2008, p.196).
Assim, a concorrência desleal genérica se perpetua através da utilização de meios desonestos, imorais, ou condenados pelas práticas usuais dos empresários, sendo que qualquer ato inidôneo gera a responsabilidade por competição indevida, desde que tendentes a causar algum prejuízo a outrem. Constituem-se, pois, exemplos de atos de concorrência desleal genérica a sonegação de impostos, o desrespeito aos direitos do consumidor (fabricação produtos em desacordo com as normas técnicas publicadas pelo INMETRO), dentre outros.
Assim, o direito a reparação do dano causado por ato de concorrência desleal ocorre sempre que algum concorrente comete ato abrangido no tipo penal que, pela própria descrição da conduta sua caracterização no plano concreto é facilmente visualizada e, outrossim, quando comete ato ilícito ou contrário aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, independente de infração criminal, podendo o prejudicado demandar as ações cíveis que achar cabível.
No que tange as ações cabíveis mais utilizadas no plano cível, cabe ao prejudicado ajuizar ação pelo procedimento comum (ordinário) de indenização por danos materiais (lucros cessantes) ou morais cumuladas ou não a uma obrigação de fazer ou não fazer para haver a reparação e paralisação dos danos emergentes da deslealdade comercial, bem como ação pelo procedimento cautelar (preparatório) com a finalidade de assegurar a tutela pretendida no processo principal desde que presentes os requisitos necessários como fumus boni iuris e periculum in mora, dispensando-se em ambos os casos a prova do prejuízo e da intenção do agente (BITTAR, 2005, p.77).
A ação cautelar nominada mais comum aforada para garantir a paralisação dos atos tendentes a captar a clientela alheia de forma desleal é a busca e apreensão de coisas presente no art. 839 e seguintes do Código de Processo Civil. Com tal medida as empresas que praticam atos turbadores são obrigadas a retirar a contrafação do mercado sob pena de busca e apreensão dos produtos.
Outrossim, pode o juiz conceder a medida cautelar em caráter liminar nos autos da ação com procedimento ordinário interposta pelo prejudicado nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada determinando a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada a teor do que dispõe o § 2º do art. 209, da Lei de Propriedade Industrial.
Por outro lado, o prejudicado pode formular pedido para cessação dos atos turbadores ao livre comércio em procedimento ordinário, ficando a sua conveniência, a interposição de ação declaratória, cominatória de obrigação de fazer ou não fazer com pedido de aplicação de multa diária ou não, (como, por exemplo, abstenção do uso indevido de produto com embalagem similar), reparação de dano materiais, sendo a indenização determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido e, dependendo da extensão do dano se alcançar a personalidade jurídica do estabelecimento se ofender a imagem e reputação da empresa ou empresário respectivamente, a reparação dos danos morais.
Merece, no entanto, destaque o especial tratamento dado pelo legislador quanto aos lucros cessantes colacionados no art. 210 do Código de Propriedade Industrial: “Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes: I – os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou, II – os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou, III – a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem”.
Dessa maneira, a extensão da indenização a ser aplicada obedecerá dentre os critérios acima o que se apresentar como sendo mais benéfico ao prejudicado, sendo que o aforamento de ação cível possui a finalidade de manter o poderio econômico da propriedade imaterial e a clientela de determinada empresa através da condenação dos concorrentes desleais.
Já na esfera penal o art.195 do Código de Propriedade Industrial previu várias condutas que serão consideradas crimes de concorrência desleal, ou seja, atuando o agente com dolo, praticar qualquer destas condutas, configurado estará o crime de concorrência desleal com cominação de detenção de três meses a um ano, ou aplicação de multa.
Ressalta-se que, aos crimes de concorrência desleal cabe à instauração de ação penal privada procedida somente mediante provocação do ofendido, que deve apresentar representação à autoridade competente e formular queixa crime no prazo legal, sob pena de decadência e é considerado de menor potencial ofensivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concorrência é não só importante como salutar para o desenvolvimento saudável da atividade econômica existindo desde os primórdios desta atividade quando os empresários se dividiam em simples comerciantes ou feirantes. Todavia a concorrência precisa ter limites bem definidos para que não reste configurado, tanto a infração a ordem econômica quanto a própria concorrência indevida, ou desleal.
Assim, é fundamental identificar quando a concorrência se torna ilícita e quais os requisitos dão ensejo à sua configuração, bem como definir as proteções jurídicas atribuídas ao concorrente lesado, o que se pretendeu fazer, ainda que de forma bastante resumida, neste trabalho.
Verificou-se que a concorrência desleal se perfaz por uma conduta indevida de concorrente que pretende por meios ilícitos conquistar maior número de clientes e com isso afeta e causa prejuízo não somente aos direitos de outro empresário como também aos direitos dos consumidores que dependem dos produtos e/ou serviços colocados a disposição no mercado e são com isso, induzidos ao erro em decorrência das práticas turbadoras.
A Lei de Propriedade Industrial tipifica diversas condutas com crimes de concorrência desleal e uma vez configurados geram ao empresário lesado o direito de ver reparado os danos sofridos, também na esfera civil. Contudo, não são apenas as condutas tipificadas como crime que ocasionam danos e configuram concorrência desleal sancionável na esfera civil, devendo no caso concreto ser avaliado se houve os atos de confusão entre produtos ou estabelecimento, denigração do concorrente, desrespeito a cláusula contratual de não-reestabelecimento ou concorrência parasitária.
Dessa forma, o empresário precisa se proteger contra os atos ilícitos perpetrados por competidores desleais, e quando alcançado por atos de concorrência desleal deve procurar juridicamente a abstenção destes atos, buscando as medidas jurídicas cabíveis colocadas a sua disposição, em especial na esfera civil, pois além de essencial para ver reparado seus próprios prejuízos é importante para a economia do país, pois espera-se que permaneça no mercado empresas que sejam criativas, que fabriquem e comercializem produtos de boa qualidade, e não empresas que crescem em virtude de atos ilícitos que prejudicam seus concorrentes.
Informações Sobre o Autor
Dahyana Siman Carvalho da Costa
Advogada, especialista em Direito da Economia e da Empresa, mestre em Direito Ambiental, docente no Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE.