Novos paradigmas e as mudanças no papel do pai na sociedade contemporânea

Resumo:Uma vez que a sociedade vem passando por mudanças na sua forma de organização, notou-se que a paternidade, um papel estabelecido milenarmente, assim como as formas de poder na sociedade, hoje sofrem radicais mudanças. O presente trabalho tem como objetivo traçar linhas de compreensão sobre as mudanças ocorridas no papel do pai e, a parir desta análise, procurar compreender a nova estrutura em que a sociedade ocidental contemporânea está inserida. É um estudo de corte transversal e descritivo, na medida em que os dados informados permitem desvelar o papel da família e, em especial, do pai, em uma nova sociedade que passa a moldar o conceito de família a partir de premissas como o afeto e a mútua satisfação.


Palavras-chave: pai – família – direito – sociedade.


1. Introdução


No presente estudo adotou-se a definição do papel da família como sendo “uma unidade de experiência sintética em que se fundiram elementos privados, sociais e culturais”[1] foram descritas as transformações ocorridas neste papel, traçando-se um relação analítica com as mudanças no sistema de poder na sociedade contemporânea. Neste diapasão, este estudo pode ser descrito como sendo de corte transversal, uma vez que os dados que o embasam foram coletados em dados momentos e não há intenção de avaliar/monitorar suas variações com o decorrer do tempo (Sampieri apud Oliveira, 1999). O estudo também se caracteriza por sua natureza exploratória, na medida em que o objetivo foi à obtenção de maior familiaridade com os institutos da família e da paternalidade, tornando-os explícitos. A partir de então, a pesquisa passa a ser descritiva, tendo em vista as informações que vão sendo obtidas.


Segundo Castells (2010), a família patriarcal, base fundamental do patriarcalismo, vem sendo contestada neste fim de milênio pelos processos, inseparáveis, de transformação do trabalho feminino e da consciência da mulher. As forças propulsoras desses processos são o crescimento de uma economia informacional global, mudanças tecnológicas no processo de reprodução da espécie e o impulso poderoso promovido pelas lutas da mulher, três tendências observadas a partir do final da década de 60.


Neste sentido, sexo, casamento e reprodução, ao que parece, sempre foram os elementos que deram lastro a estruturação da família o que, por si só, serviu durante longo tempo como paradigma de organização em face da sociedade. Na visão de Pereira e Dias (2001), não se exigem ais que a concepção seja originada pelo ato sexual e o casamento deixou de ser o instituto legitimador das relações afetivas. Sendo assim, a partir da dissociação desses elementos, o conceito de família necessariamente deve ser revisto. Entretanto, é irrefutável que a família ainda é o que sempre foi e o que semre será: o ponto de partida, a célula básica da sociedade, o ponto de partida para o desenvolvimento das demais relações sociais.


2. O homem e a paternidade


Os núcleos familiares, na historia da humanidade, parecem ter sido uma conseqüência da reprodução da própria espécie. De forma rudimentar, foram surgindo as primeiras sociedades e, daí, o intercambio de interesses e as relações entre um grupo familiar e outro. Estas relações ensejaram a criação de um conjunto de regras que permitissem esta vida que, agora, se apresentava societária (SÁ, 1986).


Analisando-se a evolução histórica da paternidade, segundo Lamb (2010), na época da industrialização o papel do pai era o de fornecer suporte econômico à família. Então, como resultado da Grande Depressão, que deixou muitos homens desempregados e incapazes como provedores, os cientistas sociais começaram a descrever a imagem do pai como modelos de masculinidade. Para o autor, durante todo o século XX os pais foram requisitados ao envolvimento com seus filhos e, com as críticas femininas e dos pesquisadores sobre masculinidade e feminilidade, emergiu no final dos anos 70 a preocupação com o “pai nutridor” que exercia o papel ativo na vida das crianças. Para Cabrera, N., Tamis LeMonda,  Bradley, e Lamb, (2000), temos visto uma evolução do conceito de pai ideal desde colonial, ao  provedor, ao moderno envolvido até colaborador e parceiro. Assim, as mudanças sociais no decorrer da história da sociedade contemporânea vem imprimindo um novo conteúdo no conceito de paternidade, pois, segundo Cabrera, Tamis LeMonda, Bradley e Lamb, (2000, p.127), o século XX foi caracterizado por quatro importantes tendências sociais que mudaram fundamentalmente o contexto sociocultural que são: (1) a crescente participação da mulher no mercado de trabalho, (2) ausência do pai na vida dos filhos, (3) envolvimento do pai nos cuidados dos filhos pequenos e (4) a crescente diversidade cultural.


O raciocínio estabelecido por Leite (1997) ratifica este entendimento ao comentar a gradação da intensidade no exercício da autoridade paterna, empregando a terminologia doltiana do “pai contínuo” e do “pai descontinuo”, enquanto, sob a perspectiva do mundo jurídico, as expressões utilizadas são as de “pai-guardião” e “pai-não-guardião”. Estes termos são empregados no contexto jurídico e utilizados no caso da ruptura do casal onde se cria a figura de um genitor “continuo”, que assegura uma permanecia cotidiana e de um genitor “descontinuo” que aparece em dias fixos, desaparece e reaparece novamente, onde um tem o tempo principal e, o outro, o tempo secundário.


Como afirma Oliveira (2003), as relações decorrentes da consangüinidade e do natural afeto entre pais e filhos marcam o sentido primário do que entende por parentalidade. Tecnicamente, isto diz respeito ao poder que os pais podem ter sobre a pessoa e os bens do filho, no que diz respeito a sua guarda, criação e sustento. A bem da verdade, tais poderes são um conjunto de deveres e que, legalmente, prevalecerão enquanto aqueles forem menores.


Juridicamente, não há uma prevalência entre pai e mãe a embasar a assistência filial, uma vez que prevalece o princípio igualitário. As novas realidades, entretanto, põem em choque estas premissas, na medida em que estão presentes no meio social os casos de reprodução assistida, fecundação e inseminação heteróloga. É necessário que se considere, também, que o direito acompanha os acontecimentos sociais e a eles oferece guarida. As relações que se estabelecem ente o pai e o filho transcendem as concepções tradicionais de família e passam a abarcar as relações que se sacramentam através da mutua afeição.


3. As Mudanças no Papel do Pai e na Sociedade Contemporânea


Nada mudou mais a família no século XX que a entrada da mulher no mercado de trabalho, o que vem provocando um crescimento dos cuidados parentais às crianças e provocando um maior envolvimento do pai no desenvolvimento dos filhos e, por outro lado, o modelo individualista e competitivo do capitalismo contemporâneo nos traz uma crescente ausência do pai nas vidas dos filhos e o envolvimento de ‘outros pais’ na vida dos mesmos.


Contudo, segundo Silva e Piccinini, (2008), a falta de uma definição clara do conceito de paternidade tem se constituído um grande obstáculo para o estudo do papel do pai.


No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 acabou por reconhecer novas formas de entidade familiar, alem daquela até então concebida. Como anota Oliveira (2003), a simples união entre o homem e a mulher, até então marginalizada sob a forma de concubinato, passa a ser respeitada como ente familiar e protegida pelo Estado. O mesmo aconteceu com a família monoparental, aquela que é formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Estas passam a ser consideradas família natural e, em alguns casos, aprecem como família substituta e é prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir de então, a família passa a ser revalorizada e em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana passa a igualar os direitos decorrentes da paternidade ou maternidade.


Os valores vigentes na sociedade hordierna passam a reproduzir a família, na idéia de Pereira e Dias (2001), não se restringindo apenas a um núcleo econômico e de reprodução e onde sempre esteve instalada a superioridade masculina, uma vez que passou a ser muito mais do que isto ao abrirem-se os espaços para o companheirismo, ao amor e, acima de tudo, ter passado a ser o núcleo formador da pessoa e o elemento fundante do próprio sujeito.


Para Hutten (2006), o egocentrismo e a vida centrada em si mesma tem-se tornado tão prevalente e evidente para muitos homens, que eles não tem nem espaço para pensar sobre outras pessoas ou serem responsáveis pela geração mais jovem. Pare este autor, existem vários tipos de paternidade no mundo contemporâneo que são: (1) o pai biológico, (2) pai judicialmente responsável, (3) pai social e (4) pai psicológico.  O pai biológico refere-se  à origem biológica da criança: o homem cujo esperma fertilizou o óvulo. O jurídico é o pai legal da criança, ele é a pessoa que estabeleceu a paternidade legal, que implica em certos direitos e deveres legais dados a ele. O pai social é o homem que divide seus dias com a criança, morando junto com ela e respondendo pelas necessidades diárias da mesma, entretanto não é o pai biológico, porém, a mãe é mãe biológica da(s) criança(s), mas o pai não é o pai biológico nem judicial. O pai psicológico é o homem que estabeleceu um relacionamento próximo e recíproco com a criança, morando ou não com a mesma, mas, em todos os eventos ela se refere a ele como pai, assim, o termo psicológico refere-se ao relacionamento ou ao vínculo entre a criança e o homem, e a partir daí este tipo de pai ou paternidade poderá ser acessado com sentido de pai.


O pai social para Cabrera et al. (1999, p.12) é definido mais amplamente:


“O pai social é o homem que demonstra características paternas, mas o faz ‘como pai’, ele assume as expectativas e obrigações que a sociedade impõe para o pai, sendo relacionado biologicamente (ex:avô, tio), unido à criança por laços conjugais (padrasto) ou socialmente relacionado com a mãe (ex: cohabitação, ou amigo)”.


Para Cabrera (1999) o conceito de pai social traduz a idéia do pai psicológico de Hutten (2006), sendo o primeiro autor de origem americana e o segundo, australiano, o que talvez justifique a visão da influência da cultura na referida conceituação, uma vez que, Hutten (2006) nos diz que as mudanças sociais, advindas da cultura capitalista ocidental,  nos trazem novos modelos diversos de família e paternidade tais como o modelo de pai na família nuclear, na nova família (social), pais não residentes e o pai solteiro. Para ele, existem culturas que pregam a diminuição da paternidade e as que pregam a intensificação. As culturas que pregam a diminuição da paternidade as fazem através do discurso da crescente demanda do mercado de trabalho, das práticas familiares dos pais ausentes, ou pais que exercem a paternidade como uma obrigação jurídica. As culturas que pregam a intensificação da paternidade as fazem através do discurso da nova paternidade como o modelo de pais colaboradores, responsáveis que exercem seu papel compartilhando com o trabalho através de arranjos flexíveis e com um maior envolvimento com os filhos.


Para Hutter (2006), existem dois tipos de paternidade a boa, que engloba os modelos provedor e cuidador, e a má, que nos traz os modelos irresponsável, individualista e livre, pare estes pais a paternidade encontra-se fora de moda. Talvez a paternidade no futuro irá aumentar em qualidade e reduzir-se em quantidade.


O encontro através dos sistemas de comunicação, com histórias sociais distintas e com diferentes modos de vida, causa impacto sobre o sentido que as pessoas dão às suas vidas e a seus projetos. Para além das discussões sobre tendências e resistências à homogeneização cultural, não se pode negar que os padrões e tradições do passado estão menos nítidos (HENNIGEN & GUARESHI 2002).


Até poucas décadas, o modelo predominante de pai privilegiava o papel de provedor financeiro, ficando a casa e os filhos a cargo da mulher. Esta, na visão de Fachin (2001), passa a ser vista como fundante da estrutura social e, neste contexto, passou a exercer funções relevantes, não só apenas no que diz respeito a sua emancipação pessoal e profissional, como também para a sociedade e para a família.


No entanto, o pai era importante simbolicamente para os filhos como representante da autoridade e da lei (GIFFIN, 1998; LAMB, 1999; LEWIS & DESSEN, 1999).   Contudo, esse modelo não mais corresponde à realidade das famílias em grande parte das sociedades ocidentais, as transformações têm raízes em importantes questões sociais, entre elas: a urbanização, a industrialização, o movimento feminista e suas exigências de novas definições dos papéis sexuais, entre outros. Tais questões contribuíram para o ingresso das mulheres no mercado de trabalho e para a flexibilização do papel do homem na instituição familiar. Também se tem observado o aumento do índice de divórcios e de pais que não vivem com seus filhos.


A revolução industrial nos trouxe uma nova forma de organização do trabalho que migrou das manufaturas residenciais para as fábricas e estabeleceu a divisão social das tarefas entre homens e mulheres e, à partir daí, a família vem sofrendo mudanças constantes em sua estrutura e definição e seus papéis. Para Olavarría (2001,pg.1) foi à partir desta época que o trabalho urbano se consolidou e produziu a separação entre casa e trabalho, público e privado, atuação de mulheres e homens e  do poder e do afeto. Para ele, paralelamente começou a consolidar-se um tipo particular de família, que respondeu às necessidades da economia: a família nuclear, com pai/patriarca como chefe de família e a mãe doméstica e cuidadora dos filhos.


“….este tipo de família foi idealizado no modelo normativo, assumindo como normal e natural a ideologia da divisão sexual dos papéis. A família nuclear se projetou na teoria como a única que se adaptava às instituições econômicas com as quais estão relacionadas a sociedade moderna. Leon (1995, pg.172), apud Olavarría (2001)”


Em decorrência destas mudanças sociais, a imagem da paternidade moderna consolidou-se com a família nuclear burguesa, caracterizada por uma rígida divisão de papéis sexuais, e pelo distanciamento entre o lar e o espaço de trabalho, para Furman e Caliter (2009, pg.23), entretanto, o modelo ideal de pai tem passado por muitas mudanças passando de pai como modelo de educação moral e disciplinar para ser o provedor, seguindo-se do modelo de camarada e finalmente mudando pra ser o modelo de nutridor co-parental. Para os autores, as pesquisas indicam que as mudanças no sentido do que seja ser um bom pai têm acontecido e que ser provedor não mais representa ser um bom pai porem, para Bustamante (2005), o papel de provedor ainda é visto pelos pais como mais importante componente da paternidade, pois diante da falta de condições financeiras de sustentar os filhos, os pais tendem a se afastar, deixando de assumir também outras funções. Contudo, os pais entrevistados por esta autora, acreditam que deveriam ser emocionalmente próximos de seus filhos.


O sistema patriarcal é permeado pela indébita intervenção do Estado, que invade a liberdade individual, impondo condições que constrangem as relações de afeto (BARROS e DIAS, 2002). Resta claro que é necessária a substituição da ideologia da família patriarcal pela ideologia do afeto, onde as uniões servidas pelos interesses patrimoniais não prosperarão.


Segundo Alatorre e Luna (2000), apud Bustamante (2005, pg.394), o desejo de ter proximidade emocional com os filhos está presente em todas as camadas sociais. Nas camadas populares, predomina uma visão tradicional dos papéis parentais, o papel de provedor exercido pelo homem, é necessário, porém insuficiente, dado que existem outras tarefas consideradas próprias de pai: educar, ajudar nos deveres, brincar, etc. Dessa forma, o pai ideal, além de responsável, deve ser carinhoso, compreensivo e saber ter proximidade com o filho. Assim sendo, a paternidade, para Bustamante (2005, pg.400), é uma experiência que se constrói em vários níveis. Os aspectos culturais têm a ver com as expectativas preexistentes com relação aos homens: ser provedor de recursos, respeito e autoridade; os aspectos relacionados teriam a ver com os estilos de relacionamento com a mãe das crianças e com os parentes; por outro lado, a singularidade de cada homem marcaria diferenças na forma de elaborar experiências passadas e na síntese reproduzida no momento atual.


Segundo Lamb (2004), os pais desempenham diferentes papéis em diferentes subculturas, contextos e os diversos grupos trazem contradições sobre o que significa ser um bom pai. Ele exemplifica com a noção de que o provedor pode ser de grande importância em certos contextos (quando a criança foi concebida em um relacionamento não duradouro) enquanto orientação moral pode ser de menor importância relativa. Para outras comunidades, o suporte financeiro pode ser de menor relevância, sendo cruciais os cuidados diretos, supervisão e suporte emocional, já para Souza Benetti (2007, pg.97), o conceito de paternidade tem se modificado ao longo das épocas, refletindo as alterações no contexto socioeconômico e cultural das sociedades.


Segund Hewlett (2000), apud Hennigen e Guareschi (2002, pg.563), o papel que o pai exerce hoje, particularmente nas sociedades ocidentais, é único na história da humanidade.


Os analistas da contemporaneidade têm mostrado a fragilidade dos laços entre os indivíduos, a transitoriedade das posições identitárias e as profundas mudanças ocorridas nas instituições sociais. Como pensar as posições paterna e materna neste cenário? Indicadores demográficos revelam a crescente diversidade dos arranjos familiares, mas estes dados, tomados isoladamente, não ajudam a entender como estão se constituindo os lugares sociais de pai, mãe, filhos/as; demonstram, sim, a pluralização das relações familiares. Portanto, há que se buscar a forma como estão sendo significadas/vivenciadas.


Segundo Hennigen & Guareschi (2002, p.9):


“Ser pai era considerado, até pouco tempo, algo da ordem do natural e a ciência, assim como a crença popular, afirmava a importância do pai para o desenvolvimento da criança; em função dessa naturalização, estudos mais aprofundados a respeito da relação pai-filhos/as e sobre os caminhos da paternidade para o homem não eram empreendidos. (…) Entretanto, só a partir dos estudos sobre a mulher, impulsionados pelo feminismo, que pesquisadores/as vão buscar compreender melhor a masculinidade e a paternidade, que passam a ser vistas sob outro prisma, como construções sociais. As mudanças sócio-econômicas e culturais que foram se consolidando na segunda metade do século XX provocaram alterações nas condições femininas e masculinas, desencadeando a necessidade de se buscar diferentes compreensões sobre as relações pessoais e sobre os laços e novas configurações familiares”.


Segundo Bauman, (2004), as afiliações – mais ou menos herdadas – que são tradicionalmente atribuídas aos indivíduos como definição de identidade: raça, gênero, país ou local de nascimento, família e classe social, agora estão se tornando menos importantes, diluídas e alteradas nos países mais avançados do ponto de vista tecnológico e econômico. Ao mesmo tempo, há a ânsia e as tentativas de encontrar ou criar novos grupos com os quais se vivencie o pertencimento e que possam facilitar a construção da identidade. Segue-se a isso um crescente sentimento de insegurança.  A maioria de nós, na maior parte do tempo, tem uma opinião ambígua sobre essa novidade que é “viver livre de vínculos” – de relacionamentos “sem compromisso”. …Estamos inseguros quanto a como construir os relacionamentos que desejamos. Pior ainda, não estamos seguros quanto ao tipo de relacionamentos que desejamos.


O homem procura por espaços de solidariedade e intimidade que preencham as suas necessidades e segundo Morin (2007, p.174): “nunca o casal foi tão frágil e, contudo, nunca a necessidade do casamento foi tão forte; é que, diante de um mundo anônimo, de uma sociedade atomizada, em que o cálculo e o interesse predominam, o casamento significa intimidade, solidariedade”.  Para ele, a família está em crise, o casal está em crise, mas o casal e a família são respostas a essa crise.


Apesar do recente interesse de diversos pesquisadores pelas mudanças de expectativas em relação ao papel paterno, pouco se sabe sobre como os pais estão vivenciando tais mudanças, como se avaliam nesse papel e que sentimentos nutrem a respeito da paternidade.


Os resultados de algumas pesquisas apontam para o papel do pai ainda como provedor, verificamos em Silva & Piccinnini, (2008), que pais cujos filhos estavam no período pré-escolar relutavam em tomar contato com o corpo das crianças, não realizando atividades de higiene e outros cuidados, especialmente com as meninas. Porém isso não correspondia à totalidade dos casos, havendo pais que assumiam essas tarefas de cuidado dos filhos. Outro dado destacado pela autora foi que o papel de provedor era visto pelos pais como o mais importante componente da paternidade. Um estudo de Silva & Piccinnini (2008), realizado em Porto Alegre, constatou uma realidade um pouco distinta, embora, nesse caso, os participantes fossem pais de crianças mais velhas, em idade escolar, e formassem famílias de classe média investigando uma amostra de 100 famílias, as autoras verificaram que a maioria dos pais assumia, de forma conjunta com as mães, o exercício da disciplina, a educação básica em termos de higiene, o compromisso com a escola e o sustento econômico da família. As funções de nutrição e de acompanhamento das tarefas escolares dos filhos, no entanto, permaneciam sendo considerados trabalhos femininos.


De qualquer forma, o papel que o pai exerce hoje, particularmente nas sociedades ocidentais, é único na história da humanidade. Desse modo, embora o envolvimento paterno, por vezes, ainda não apresente um grande crescimento quantitativo, existe hoje um maior desejo de participação, por parte dos pais, na criação de seus filhos, acompanhado de uma nova capacidade de paternagem, cujas características estão mais associadas à figura materna. É pertinente comentar o estudo citado em Hennigen & Guareschi (2002) de Trindade, Andrade e Souza (1997) que revela diferenças nas representações sociais da paternidade de homens de duas gerações: pais da década de 80, principalmente os de nível de escolaridade superior, enfatizam os aspectos afetivos da relação pai-filho/a; já a categoria provedor é mais referida pelos pais dos anos 60.


4. Ultimas considerações


Os intensas modificações que ocorreram nas ultimas décadas em relação a estruturação da família, de acordo com Barreto (1997), acabam por revelar, do ponto de vista fenomenológico, inegável transformação que é amplamente divulgada pelos cientistas sociais.


O que se tem notado é que, de efetivo, o poder despótico atribuído ao homem e que imperava desde a sociedade romana, foi gradativamente sendo abrandado: o pátria potestas dos romanos que abrangia, inclusive, o poder de vida e morte e era extremamente extenso, passou a ser exercido com afeição e não com a atrocidade até então imperante (LÔBO, 2001). Esta evolução deu-se no sentido de transformar-se o poder sobre os outros em uma autoridade natural, onde os filhos são vistos como seres dotados de dignidade, no melhor interesse e no pressuposto ínsito da convivência familiar.


Atualmente, o que os homens estão experienciando em relação à paternidade? Konrath (1996) apud Hennigen & Guareschi (2002) investiga as concepções de homens sobre o que é ser pai, como deve ser um pai e constata que eles querem ter diálogo e intimidade, mas preocupam-se com sua responsabilidade diante dos/as filhos/as; criticam o estilo de seu pai, mas muitas vezes se sentem desconfortáveis quando assumem outra posição. A busca de uma posição diferente frente aos/às filhos/as também é revelada pelos homens entrevistados por Saraiva (1998), apud Hennigen & Guareschi (2002), que enfatiza a necessidade de uma reconstrução da posição dos homens/pais para que eles possam assumir a própria masculinidade exercendo uma paternagem conectada com afetos e prazeres. A tônica na fala destes homens recai sobre a participação, que define novas atitudes no cuidado e na relação com filhos/as e não está, como poderia se pensar, atrelada à convivência cotidiana. A referência ao monopólio materno, gerador de tensão, é bastante freqüente, assim como à capacidade de ‘maternar’ do pai. Constatamos a hipótese da competência exclusiva da mulher para a maternagem como conseqüência da educação sexista. Assim, propõe que um novo modelo de relação, não hierárquico, excludente e de poder, talvez possa ser possível se os cuidados infantis forem compartilhados por pai e mãe desde o início. Contudo, pensamos não ser o bastante: há necessidade de mudanças nas estruturas sociais, políticas, econômicas e, o que considera indissociável, nas mentalidades.


Segundo Hennigen & Guareschi (2002), para um grupo de pesquisadores americanos Cabrera, Tamis-LeMonda, Bradley, Hofferth e Lamb, (2000), o significado da paternidade e o envolvimento efetivo com os/as filhos/as relaciona-se à identidade de gênero e às experiências dos homens com seus próprios pais e parentes. Contudo, afirmam que há uma diversidade muito grande por conta das variações culturais e étnicas e que não existe uma definição simples de paternidade de sucesso, que possa reivindicar aceitação universal. Ao contrário, eles propõem que expectativas paternas, práticas realizadas e seus efeitos sobre as crianças precisam ser vistos dentro do contexto da família, comunidade, cultura e história.


O certo é que toda esta discussão passa a ser o cerne dos debates da contemporaneidade. As mudanças, os desafios e as contradições passam a ser questões importantes para a reestruturação da sociedade em face dos novos paradigmas. É manifesta, igualmente, que as novas situações alteraram os modelos inequívocos do casamento e da família.


A paternidade passa a ser vista e relacionada com à integração das pessoas no meio parental, o princípio fundante do seu efetivo bem-estar individual e social, consubstanciando-se em uma convivência baseada e profundamente marcada pelo afeto e mutua satisfação dos interesses dos envolvidos (OLIVEIRA, 2003).


Assim, a compreensão da sociedade contemporânea perpassa pelo entendimento deste novo modelo de pai e vice-versa, uma vez que estamos frente a uma nova sociedade (com a democratização das estruturas de poder que requerem valores de liberdade e igualdade, e vêm impregnando as relações sociais contemporâneas), e um novo modelo de pai, impregnados de diversidade, em função de um novo modelo econômico globalizado que imprime características de novas estruturas políticas de dominação (envolvendo a participação e o diálogo), de desenvolvimento econômico sustentável e de um novo modelo não hierárquico de relações.


 


Referências

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Notas

[1] MORENO, J.L. Psicodrama, Editora Cultrix, 1993, 9ª. Edição.


Informações Sobre os Autores

Ana Barreiros de Carvalho

Doutoranda em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSal, Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana, Administradora e Mestre em Administração, pela UFBA. Psicodramatista (FEBRAP), Pós-Graduada em Administração de Recursos Humanos, UFBa., experiência de mais de 20 anos em gestão e Desenvolvimento Organizacional, Consultora Ad.hoc. do Ministério da Educação e Cultura

Victor Paulo Kloeckner Pires

Doutor em Direito (UBA), Doutorando em Administração (USP), Mestre em Administração (UFRGS). Professor da Universidade Federal do Pampa


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