Resumo: Busca-se, com o trabalho, compreender em quais situações a prescrição pode ser pronunciada de ofício pelo Magistrado trabalhista, tendo em vista o teor do art. 219, §5º do Código de Processo Civil. Utiliza-se, na abordagem, o método dedutivo, eis que o trabalho origina-se de um problema para o qual se buscam soluções; assim, da relação entre premissas obtém-se uma conclusão. No procedimento, o método adotado é o monográfico, visto que o objeto, o pronunciamento de ofício da prescrição no processo trabalhista, será analisado em todos os seus aspectos, observando os fatores que o influenciaram; e, também, o histórico, para verificar a origem e a evolução do tema na lei. Desta forma, o trabalho aborda, primeiramente, as origens do instituto da prescrição, bem como a evolução da matéria até a edição da Lei n. 11.280/2006, que alterou o §5º do art. 219 do CPC, dispondo que o Juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. Em um segundo momento, estuda o c onceito e a finalidade da prescrição. Por fim, compreende em quais casos o Magistrado trabalhista deve pronunciar, de ofício, a prescrição. De todo expendido, chega-se a conclusão de que o Magistrado trabalhista, em que pese o caráter protetivo que possui o Direito do Trabalho, deve pronunciar, de ofício, a prescrição, no momento em que verifica estar prescrita a pretensão do autor.
Sumário: Introdução 1. O instituto da prescrição. 1.1 Aspectos históricos 1.2 Conceito e finalidade 2. O pronunciamento ex officio da prescrição 2.1 A compatibilidade do art. 219, §5º do CPC com o Direito e o Processo do Trabalho. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
É possível afirmar que o Direito é uma ciência interpretativa, que possui um conjunto de princípios e normas jurídicas que visam proteger e equilibrar as relações em sociedade. Em virtude de reger as relações humanas, essa ciência jurídica provoca inúmeras questões controversas, polêmicas, que geram uma série de debates no universo jurídico. Isso se deve ao fato de que é humanamente impossível visualizar todas as situações que possam ocorrer no dia a dia. A vida em sociedade provoca fatos que o legislador não pode prever, por ser ela muito mais abrangente que a sua imaginação.
Porém, não é suficiente apenas estabelecer a forma ideal de conduta. Também é preciso instituir meios de imposição que façam valer a imperatividade da norma jurídica, sob pena de todo o ordenamento se tornar letra morta. Dessa forma, visando manter a supremacia da ordem jurídica, o Estado detém a condição de pacificador dos conflitos originados em sociedade, uma vez que é vedada a justiça feita pelas próprias mãos.
Em virtude de o Estado ser obrigado a dar solução a todas as lides, a prestação jurisdicional foi tornando-se, com o passar dos anos, morosa. E essa demora para aplicar a justiça ao caso concreto é, nos dias atuais, uma das principais queixas feitas pela população ao Poder Judiciário.
Visando modificar esse cenário, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 45/2004, que introduziu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal, dispondo que, a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Com o objetivo de fazer valer a supracitada norma constitucional, foi promovida a chamada “terceira fase da reforma do Código de Processo Civil”, que se perfectibilizou com alterações na legislação processual vigente, com a edição de leis que buscam conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional.
Nessa toada, uma das leis editadas com esse propósito foi a Lei n. 11.280/2006, que acrescentou, entre outras modificações, o §5º no art. 219 do CPC, autorizando o Magistrado a pronunciar, de ofício, a prescrição. Tal alteração tem provocado inúmeros debates, especialmente na esfera trabalhista, já que o principal beneficiado com o pronunciamento da prescrição é o empregador, costumeiramente o réu na ação trabalhista. Assim, discute-se se é possível a aplicação desse dispositivo no processo trabalhista, que tem por princípio basilar a proteção do hipossuficiente, ou seja, do empregado.
Por isso, o estudo deste tema faz-se necessário. A matéria, apesar de estar em vigor desde o ano de 2006, não foi debatida o suficiente, seja no âmbito da pesquisa, seja no da doutrina. Em razão disto, temos uma literatura insuficiente sobre o tema. Esse fato ratifica a ideia de que se trata de uma questão controversa, que não possui entendimento pacífico, inclusive na jurisprudência.
É importante que se destaque, também, que o objeto do estudo é interdisciplinar, pois se confrontam desde questões de talho constitucional até as de ordem processual e procedimental, passando pelas de cunho civil e trabalhista.
Na primeira parte do trabalho, far-se-á uma evolução histórica da matéria, para que haja uma melhor compreensão sobre os motivos que levaram o legislador a fixar no âmbito legal o assunto. Para tanto, serão estudadas as origens do instituto da prescrição e as leis que regulamentaram a matéria, iniciando pelo Código Comercial de 1850 até o novel art. 219, §5º do CPC. Uma vez estabelecidas estas premissas, o trabalho irá abordar o conceito e a finalidade da prescrição.
No segundo e derradeiro capítulo, será estudada a compatibilidade do pronunciamento de ofício da prescrição com a principiologia do Direito do Trabalho, em especial com o princípio da proteção do trabalhador. Para isso, valendo-se de entendimentos antagônicos sobre o assunto, buscar-se-á compreender qual corrente tem argumentos mais concisos.
Sem a pretensão de esgotar a discussão, espera-se que esse estudo possa lançar opiniões que contribuam para um melhor entendimento acerca dessa controvertida matéria.
Procurando atingir os objetivos, o presente estudo adotará o método de abordagem dedutivo, pois da relação entre premissas, busca-se obter uma conclusão, a partir da análise do sistema jurídico brasileiro e da doutrina. Também, será utilizado o método de procedimento monográfico, visto que o objeto, o pronunciamento de ofício da prescrição no processo trabalhista, será compreendido em todos os seus aspectos, observando os fatores que o influenciaram. O método de procedimento histórico, também, estará presente no trabalho, para verificar a origem e a evolução do tema na lei.
Por fim, ambiciona-se que o estudo alcance o objetivo desejado, contribuindo para o entendimento do tema. Far-se-á uma análise dos contrapontos da doutrina e da jurisprudência, inserindo-se no contexto dos anseios e perspectivas da sociedade.
1. O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
O capítulo inicial deste trabalho pretende discorrer sobre o instituto da prescrição. Para tanto, far-se-á uma sucinta abordagem sobre as suas origens e, também, sobre sua evolução histórica no ordenamento jurídico brasileiro. Essa análise histórica mostra-se necessária, pois por meio dela será possível compreender precisamente a sua importância e abrangência, bem como os motivos que levaram o legislador a elaborar a atual redação do art. 219, §5º do CPC.
Após essa breve explanação sob o ponto de vista histórico, o trabalho dissertará sobre o conceito e a finalidade da prescrição, analisando as controvérsias existentes acerca de tais questões.
1.1 Aspectos históricos
É notório que o direito em nosso país se desenvolveu sob enorme influência do direito romano, valendo-se de algumas normas e institutos jurídicos que faziam parte do ordenamento jurídico da Roma antiga.
Nesse contexto, a prescrição foi um desses institutos que o legislador pátrio “importou” do direito romano. Isso se deve ao fato de que um dos principais diplomas legais da antiga Roma, qual seja, a Lei das XII Tábuas contemplava ações que poderiam ser intentadas sem limitação de tempo, ou seja, o titular do direito ofendido poderia demandar quando bem entendesse contra o ofensor. Eram as chamadas ações quiritárias, pois eram cinco ações perpétuas.
Por serem apenas cinco, essas ações se mostraram insuficientes com o passar do tempo, já que a sociedade romana caminhava para o desenvolvimento. Ainda, as ações quiritárias padeciam de rigidez e excesso de formalismo, o que ajudou a torná-las ainda mais ineficazes.
Dessa forma, foi necessário o implemento de novas ações, que passaram a viger a partir da elaboração da Lex Aebutia. Essa lei previu então as ações temporárias, que deveriam ser exercidas dentro de determinado período de tempo. Assim, o Pretor, ao apreciar essas ações, deveria averiguar se ela foi proposta no tempo hábil, redigindo uma nota preliminar, antes de relatar a própria regra, que ganhou o nome de praescriptio, que se reportava ao prazo conferido ao credor para exigir em juízo o seu direito.[1]
Quanto à praescriptio, destaca-se o magistério do eminente Magistrado Ari Pedro Lorenzetti[2]:
“A praescriptio referia-se, assim, ao que era escrito antes: prae (antes) mais scriptio (escrito). Com o tempo, dessa simples posição topográfica, o termo passou a significar, por extensão, a matéria contida na parte preliminar da fórmula, adquirindo a nova acepção de extinção da ação por não ter sido exercitada no devido prazo, em regra, de um ano. O desaparecimento das ações perpétuas, a partir da Constituição Teodosiana (424 d. C.), contribuiu para que se firmasse esse novo sentido.”
Analisando tais informações, verifica-se que a prescrição, já nessa época, era pronunciada de ofício pelo Pretor, no momento da preescrição introdutória (praescriptio). Foi somente após um período considerável de tempo, mais precisamente com a publicação do Código Napoleônico, que houve mudança nessa regra, passando a prescrição a ter de ser alegada pela parte favorecida, não devendo mais ser declarada de ofício.
Voltando à evolução histórica, na antiguidade romana a prescrição foi concebida como exceptio. O correr dos anos deu-lhe indevidamente o caráter de fato jurígeno polivalente para criar ou suprimir direitos, pretensões ou ações. Tal mudança verificou-se à míngua de um esforço teórico capaz de rebelar-se contra a classificação da prescrição sob duas modalidades: a aquisitiva e a extintiva.[3]
Diante da dupla face do instituto, Justiniano entendeu que a prescrição aquisitiva seria um meio de aquisição em virtude de decurso de tempo e a prescrição extintiva ocorreria quando a parte se liberasse de uma obrigação no momento em que transcorresse certo período de tempo.
A festejada doutrinadora Maria Helena Diniz[4] traz importante magistério sobre o tema:
“A prescrição tinha aplicação originalmente para designar a extinção da ação reivindicatória, pela longa duração da posse; tratava-se da praescriptio longissimi temporis e para indicar a aquisição da propriedade, em razão do relevante papel desempenhado pelo longo tempo, caso em que tinha a praescriptio longi temporis. Desta forma, no Direito Romano, sob o mesmo vocábulo surgiram duas instituições jurídicas, com os mesmos elementos, quais sejam a ação prolongada do tempo e a inércia do titular do direito.”
No entanto, não foi esse o entendimento adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que essas duas matérias são reguladas por diversos institutos. Consequentemente, a chamada prescrição aquisitiva diz respeito ao usucapião, já a prescrição extintiva (ou liberatória) corresponde à prescrição em sentido estrito.
Feitas essas considerações acerca das raízes da figura da prescrição, cumpre ressaltar alguns aspectos sobre seu histórico no ordenamento jurídico pátrio. Em âmbito nacional, até a edição do Código Comercial de 1850, a legislação aplicada à prescrição eram as Ordenações Filipinas de 1603, que foram a base do direito lusitano até o século XIX e, por consequência, possuíam força normativa também no Brasil.
Tal ordenação, em seu livro IV, capítulo LXXIX, trazia o título “Das prescripções”, dispondo que “se alguma pessoa fôr obrigada à outra em alguma certa cousa, ou quantidade, por razão de certo contracto, ou quasi-contracto, poderá ser demandado até trinta annos, contados do dia, que essa cousa, ou quantidade haja de ser paga, em diante. E passados os ditos trinta annos, não poderá mais ser demandado por essa cousa, ou quantidade.”
As Ordenações Filipinas também regiam a prescrição em matéria trabalhista. O livro IV, capítulo XXXII, dispunha que “os homens e mulheres que morarem com senhores, ou amos a bemfazer, ou per soldada, ou jornal, ou per qualquer convença, se depois que se delles saírem, passarem trez annos, e seus senhores e amos stiverem sempre nesses lugares, onde se delles serviram, sem se delles partirem, e os taes servidores e criados os não demandarem nos ditos trez annos por seu serviço; não os poderão mais demandar, nem serão a isso recebidos, nem seus amos mais obrigados a lhes pagar. Porém aos menores de vinte e cinco annos começarão de correr os ditos trez annos, tanto que chegarem a idade de vinte e cinco”.[5]
Tais normas, como dito anteriormente, vigeram até 1850, ano de edição do Código Comercial, que foi o primeiro diploma legal a disciplinar a prescrição, fazendo referência ao instituto em seu título XVIII, a partir do art. 441. No que diz respeito ao prazo prescricional trabalhista, esse Código previa prazo de um ano, a contar do rompimento do liame empregatício, para que os trabalhadores do comércio pudessem demandar em juízo.
Porém, foi o Código Civil de 1916 que tratou do instituto de forma mais detalhada. Com a sua edição, os prazos prescricionais previstos anteriormente foram suprimidos. O título III do Código revogado, a partir do art. 161, continha as regras sobre o instituto, dispondo, entre outros assuntos, sobre as causas suspensivas e interruptivas e os prazos prescricionais, que, no caso trabalhista, passou a ser de cinco anos para que os trabalhadores reivindicassem seus direitos, de acordo com o art. 178, §10, V.
Como o assunto já era tratado pelo Código Civil, o Código de Processo Civil de 1939, por sua vez, se mostrou omisso, não contendo regras sobre a prescrição.
Não se pode olvidar, igualmente, do Decreto-Lei n. 1.237/1939, que estruturou a Justiça do Trabalho. Esse Decreto, em seu art. 101, rezava que se não houvesse disposição especial em contrário, prescreveria em dois anos qualquer reclamação perante a Justiça Laboral. Por qualquer reclamação, se poderia entender que tanto trabalhadores urbanos quanto os rurais e domésticos estariam abrangidos pelo prazo prescricional supracitado.
Pouco tempo depois, mais precisamente em 1º de maio de 1943, com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452/1943), foi conservado o prazo prescricional bienal, conforme dispunha o art. 11 consolidado. No entanto, consoante o teor do art. 7º do mesmo diploma legal, os preceitos contidos na CLT não se aplicam aos trabalhadores rurais e aos domésticos, salvo por expressa disposição legal.
Salienta-se, porém, que em momento posterior a CLT passou a disciplinar sobre a prescrição do trabalhador rural em seu art. 11, II, dispondo que o direito de ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreveria em dois anos para esses trabalhadores, após a extinção do contrato de trabalho.
Esse quadro foi alterado com a promulgação da Constituição Federal de 1988. O art. 7º, XXIX da Lei Maior dispõe que todos os trabalhadores urbanos e rurais têm direito de ação quanto a créditos resultantes da relação de trabalho, desde que o façam no prazo de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
Houve, porém, certa discussão sobre o prazo prescricional que deveria ser aplicado aos empregados domésticos, porque o art. 7º, parágrafo único da Carta Magna, que elenca os direitos desses trabalhadores, não incluiu o inciso XXIX nesse rol. Não se pode olvidar, nesse contexto, das sábias palavras da Magistrada Alice Monteiro de Barros[6]:
“A pretensão resultante da relação de trabalho doméstico está sujeita à prescrição a que se refere o art. 7º, XXIX, da Constituição da República de 1988, embora o citado artigo não inclua este item em seu parágrafo único, no qual arrola os direitos sociais atribuídos aos domésticos. Essa circunstância não afasta a aplicação do disposto no mencionado inciso ao doméstico, pois a prescrição não é direito social, mas perda da pretensão, logo, a boa técnica legislativa não autorizaria a inserção da prescrição no citado parágrafo único.”
Em que pese haja entendimentos contrários[7] (minoritários, vale destacar), é possível dizer que a Constituição Federal de 1988 unificou os prazos prescricionais trabalhistas, pois todos os empregados, sejam urbanos, rurais ou domésticos, devem ajuizar em cinco anos a reclamação para postular seus direitos, sendo esse prazo limitado em dois anos se já extinto o contrato de trabalho. A exceção a essa regra é quanto aos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), pois a Súmula 362 do TST afirma que é de trinta anos o prazo para reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o FGTS. Porém, ainda segundo a Súmula, deve ser observado o prazo de dois anos após o término do contrato de trabalho.
Mais tarde, o Código de Processo Civil de 1973 foi ao encontro do texto do Código Civil de 1916, pois em seu art. 219, §5º, estabeleceu que quando não se tratasse de direitos patrimoniais, o juiz poderia conhecer de ofício a prescrição e decretá-la de imediato.
Essa linha de entendimento foi alterada em 2002, com a edição do novo Código Civil. De acordo com o art. 194 do aludido Código, o juiz não poderia suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecesse a absolutamente incapaz.
Como há de se verificar, o legislador, nessa época, optou pela proibição da decretação de ofício da prescrição de pretensão alusiva a direitos, por entender que o instituto da prescrição deveria ser exercido como um meio de defesa. O juiz, com isso, não tinha o poder de decretar, de ofício, a prescrição da pretensão relativa a direitos patrimoniais, conforme rezava o art. 219, §5º do CPC, se essa não fosse invocada pelas partes. A única exceção seria para favorecer um absolutamente incapaz que estivesse presente na relação jurídica processual.
Com isso, razoável afirmar que o art. 219, §5º do CPC foi revogado pelo art. 194 do CC, em virtude do princípio da posteridade, o qual afirma que a norma posterior revoga a anterior, desde que haja incompatibilidade entre ambas e que sejam de mesma hierarquia.
Tal tese restou superada com o advento da Lei n. 11.280/2006, que faz parte da chamada Terceira Fase da Reforma do Código de Processo Civil, que veio para cumprir o disposto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal[8]. Essa lei, assim como outras[9], possui o nítido escopo de conferir efetividade e celeridade à prestação jurisdicional.
Entre outras inovações, a Lei n. 11.280/2006 revogou expressamente o art. 194 do Código Civil e alterou o texto do art. 219, §5º do CPC, que passou a ter a seguinte redação: “o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”. A partir desse momento, portanto, o juiz passa a ter o poder para decretar de ofício a prescrição, assim que verificar estar prescrita a pretensão do autor.
Feita a breve explanação sobre os aspectos históricos, como a origem e a evolução da lei, o presente trabalho passará, de imediato, a abordar o conceito e finalidade do instituto da prescrição.
1.2 Conceito e finalidade
Ao realizar estudos sobre determinada matéria, é sempre interessante conhecer a sua definição, para que se possa compreender com exatidão o objetivo central da pesquisa.
Nesse particular, uma vez agredido certo direito subjetivo, o seu titular passa a ter pretensão, ou seja, nasce para o titular a possibilidade de buscar a reparação desse dano pela via judicial. Dessa forma, se assim desejar, pode reivindicar o direito violado em juízo, exigindo uma prestação positiva ou negativa do ofensor.
Pretensão, de acordo com Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona[10], é a expressão utilizada para caracterizar o poder de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico, vale dizer, é o poder de exigir a submissão de um interesse subordinado (do dever de prestação) a um interesse subordinante (do credor da prestação) amparado pelo ordenamento jurídico.
Todavia, o direito de ação, ou, se preferir, a pretensão do titular deve ser realizada dentro de determinado período de tempo, que venha a ser fixado pela lei. Transcorrido esse lapso temporal sem que a parte venha a postular em juízo a reparação do direito violado, ocorre o que chamamos de prescrição.
O conceito de prescrição sofreu algumas alterações com o decorrer dos anos. Isso se deve em grande parte ao Código Civil de 1916, uma vez que esse diploma não fazia distinção entre ação e pretensão. O legislador de 1916, cabe destacar, utilizou o termo “ação” para fazer referência a ambos.
O notável Antônio Luis da Câmara Leal[11], em clássica obra sobre o tema, ensina que “prescrição é a extinção de uma ação ajuizável em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”.
Carvalho Santos[12], por sua vez, define prescrição:
“Como sendo um modo de extinguir os direitos pela perda da ação que os assegurava, devido à inércia do credor durante um decurso de tempo determinado pela lei e que só produz seus efeitos, em regra, quando invocada por quem dela se aproveita. […] Três são os requisitos da prescrição extintiva: a) a inércia do credor; b) o decurso do tempo; c) a invocação dela por qualquer dos interessados.”
Para ratificar o entendimento do século passado sobre o conceito de prescrição, colhe-se o apontamento de Clóvis Beviláqua[13], para quem “a prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, e, consequência do não uso delas, durante um determinado espaço de tempo”.
Nota-se, ao examinar o conceito trazido pelos clássicos autores supracitados, que todos fazem referência a perda ou extinção da ação. No entanto, tal entendimento padece de atecnia vocabular, pois o direito de ação assegurado a todos não pode estar sujeito a prescrição, sob pena de afrontar o texto constitucional, já que tal direito está elencado no rol de direitos fundamentais, não podendo ser revogado nem mesmo por Emenda Constitucional, consoante o teor do art. 60, §4º da Carta Magna.
Tal atecnia, porém, é herança do Código Civil passado, que não fazia distinção entre pretensão e ação, como foi relatado anteriormente. O Código Civil de 2002, ao revés, deixa claro, em seu art. 189, que o que se extingue pela prescrição é a pretensão, sendo erro grosseiro, atualmente, falar em prescrição da ação. Impropriedade essa que somente pode ser justificável pelo uso da linguagem comum, isto é, aquela que não faz uso do jargão jurídico e não possui qualquer zelo técnico.
Após a edição do Código Civil atual, a doutrina, corretamente, deixou de lado a expressão “prescrição da ação”, adotando a melhor técnica trazida pelo novo diploma civil.
O ilustre Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado[14], um dos mais respeitados doutrinadores da atualidade no âmbito do Direito do Trabalho, define da seguinte forma o instituto da prescrição:
“A prescrição extintiva constrói-se sob a ótica do titular do direito atingido. […] Ou: a perda da exigibilidade judicial de um direito em consequência de não ter sido exigido pelo credor ao devedor durante certo lapso de tempo. Caso, entretanto, se preferisse examinar a figura sob a ótica do devedor (e não do credor) – do beneficiário da prescrição, que é a ótica tradicional da prescrição aquisitiva, portanto -, a prescrição extintiva poderia ser conceituada como o meio pelo qual o devedor se exime de cumprir a obrigação em decorrência do decurso do tempo.”
Nesse particular, valiosas as palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[15]:
“A prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei. Nesse caso, a obrigação jurídica prescrita converte-se em obrigação natural, que é aquela que não confere o direito de exigir seu cumprimento, mas, se cumprida espontaneamente, autoriza a retenção do que foi pago. Tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis, não afetando, por isso, direitos sem conteúdo patrimonial direto como os direitos personalíssimos, de estado ou de família, que são irrenunciáveis e indisponíveis.”
Como bem lembrado pelos altivos doutrinadores, a prescrição atinge somente pretensões que possuam caracteres patrimoniais e direitos disponíveis, isto é, apenas as prestações sujeitas a ações condenatórias, quando buscarem o bem da vida mediante uma ação ou omissão do sujeito passivo é que podem sofrer os efeitos da prescrição. Assim sendo, uma questão que tenha nítida natureza declaratória não prescreverá, bem como não prescrevem os direitos indisponíveis. Um exemplo de pretensão de natureza declaratória no âmbito do Direito do Trabalho é o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício.
Importante destacar, nesse contexto, quando começa a fluir o prazo prescricional. Essa questão comportava certa divergência, hoje praticamente superada. Uma corrente, a minoritária, influenciada por Savigny e pelo teor do art. 189 do Código Civil[16], entendia que o início do prazo deveria coincidir com a violação do direito.[17]
O outro entendimento (hoje quase unânime) defende a ideia de que o prazo da prescrição somente pode começar a fluir a partir do momento que o titular toma ciência do prejuízo sofrido. Por essa corrente, portanto, mesmo que a lesão tenha ocorrido anteriormente, o prazo para propor a ação própria somente irá começar quando o sujeito tiver conhecimento do dano causado.
Nesse sentido, colaciona-se o seguinte aresto[18]:
“PRESCRIÇÃO. INÍCIO DO PRAZO. Observado o princípio actio nata, o cômputo do prazo prescricional inicia-se quando o interessado tem um direito seu lesado e disso toma conhecimento, nascendo para ele o direito de ação correspondente. Dessa forma, prescreve em 2 anos, contados da rescisão contratual, o direito de pleitear verbas trabalhistas, pois, por ocasião do acerto de verbas rescisórias, o trabalhador tem ciência das possíveis pendências financeiras que não foram sanadas, incidindo o previsto no art. 7º, XXIX da CF/88, exceto se houver lei ou norma coletiva com efeitos no passado. Mas há situações em que o marco prescricional não é a ruptura do pacto. Tendo o reclamante tomado conhecimento, somente 5 anos após a rescisão contratual, da existência de outro ato lesivo do empregador […], praticado contra o obreiro durante a relação de emprego, o prazo prescricional de 2 anos para haver indenização por danos morais e materiais deve ser contado a partir do momento em que o laborista teve ciência da lesão sofrida”.
Convém ressaltar, que a CLT, em seu art. 440, deixa claro que contra os menores de dezoito anos não corre nenhum prazo de prescrição. Dessa forma, o prazo prescricional somente irá começar a correr no momento que o indivíduo atingir a maioridade, ou seja, completar 18 anos.
Tal prerrogativa, contudo, não se aplica aos menores herdeiros ou sucessores de empregado falecido, a quem, eventualmente, venham a ser transmitidos os créditos trabalhistas decorrentes do extinto contrato de trabalho (arts. 1.784 e 1.829 do CC e art. 1º da Lei n. 6.858/80). Nesses casos, já em curso o prazo prescricional em virtude da extinção do contrato de trabalho, que continua a correr contra os sucessores do falecido (art. 196 do CC), só virá a ser suspenso, e mesmo assim em relação à cota-parte respectiva (art. 1º, §1º da Lei n. 6.858/2006 e art. 201 do CC), nos casos de incapacidade absoluta do herdeiro ou sucessor, o que subsistirá até que venha a completar 16 anos, quando voltará a fluir normalmente pelo que lhe resta.[19]
Ainda, cumpre salientar que as normas que disciplinam o instituto são de ordem pública. Ressalta-se o magistério de Nelson Nery Júnior[20]:
“Tendo em vista a nova regra de reconhecimento judicial da prescrição, transformando essa matéria, nessa parte, em questão de ordem pública, o juiz deve proclamar a prescrição ainda que contra o poder público em todas as suas manifestações (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias, empresas públicas, fundações públicos e sociedades de economia mista federais, estaduais,distritais e municipais).”
Além disso, por fazer parte de diplomas que tratam de direito material, a prescrição é instituto de direito material. Porém, seus efeitos geram consequências no direito processual, já que no momento em que é extinta a pretensão, a prestação jurisdicional não é mais exigível.
Mister se faz ressalvar que a prescrição é fato extintivo do direito do autor. Menciona o inciso IV do art. 269 do Código de Processo Civil que é julgado o mérito quando se acolhe a prescrição. Não se trata de pressuposto processual ou condição da ação.[21]
Outra questão que merece análise é a distinção entre prescrição e institutos semelhantes, como a decadência, perempção e preclusão[22]. No que diz respeito às diferenças entre prescrição e decadência, cumpre salientar que a diferença principal repousa no fato de que a decadência fulmina os direitos potestativos, ou seja, o direito em si, ao contrário da prescrição, que atinge a pretensão do titular que teve o direito violado, tornando-o inexigível judicialmente.
Além dessa diferença básica, pode-se dizer que há distinção também quanto aos prazos. O prazo decadencial começa a ser contado no momento em que surge o direito, e esse prazo corre continuamente, não sendo possível haver suspensão e interrupção. O prazo prescricional, por sua vez, flui a partir do momento que a obrigação é descumprida e pode ser suspenso ou interrompido, de acordo com as disposições previstas em lei.
A Magistrada Alice Monteiro de Barros[23] aponta mais duas diferenças entre a prescrição e a decadência:
“A prescrição é renunciável, tácita ou expressamente, depois de consumada. Já a renúncia à decadência, fixada em lei, é nula (art. 209 do Código Civil de 2002). A renúncia antecipada à prescrição é vedada, com fundamento no seu caráter de ordem pública, instituído para estabilizar o direito, tornado incerto pela violação. […] A prescrição está prevista em lei, como a decadência, mas esta última poderá também contar de contrato (art. 211 do Código Civil de 2002)”.
Em relação à prescrição e à perempção, podemos tecer as seguintes considerações: ocorre a perempção, na Justiça do Trabalho, nos casos previstos nos arts. 731 e 732 da CLT. Dispõe o art. 731 da CLT que aquele que, tendo apresentado ao distribuidor reclamação verbal, não se apresentar, no prazo estabelecido no parágrafo único do art. 786 (cinco dias), à Secretaria da Vara do Trabalho para tomar por termo os fatos relatados, incorrerá na perda, pelo prazo de seis meses, do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho.
O art. 732 da CLT, por sua vez, reza que na mesma pena do artigo anterior (seis meses) incorrerá o Reclamante que, por duas vezes seguidas, der causa ao arquivamento de que trata o art. 844 do texto consolidado (não comparecimento à audiência).
Da compreensão desses dois artigos, podemos entender que a perempção não elimina o direito material nem extingue a pretensão, tão somente inibe o exercício do direito de ação da parte. A prescrição, ao contrário, não impede que a parte invoque a tutela jurisdicional, mas sim afeta a pretensão do autor, sendo que se esse ingressar em face do devedor pleiteando pretensão já prescrita, o processo será extinto com resolução do mérito.
Em que pese constar regramento específico sobre a perempção na CLT, há corrente doutrinária entendendo que tal instituto não se aplica na seara trabalhista. Além disso, há autores que defendem a sua inconstitucionalidade, como é o caso do Professor Manuel Antônio Teixeira Filho[24], que diz:
“Embora tenhamos dito que a perempção se trata de matéria de defesa, estamos convencidos de que as disposições contidas na CLT e no CPC estão em antagonismo com o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal em vigor, que proíbe a exclusão, do conhecimento jurisdicional, de qualquer lesão ou ameaça de direito.”
Para encerrar a diferença entre a prescrição e as figuras próximas, cabe tecer algumas considerações sobre a preclusão. O instituto da preclusão nada mais é do que a perda da prática de determinado ato processual que a parte detinha a faculdade de realizá-lo. Há três espécies de preclusão, quais sejam, temporal, consumativa e lógica.
A preclusão temporal é a que mais guarda semelhança com a prescrição, já que ocorre quando a parte não pratica determinado ato processual no prazo legal. O art. 183 do CPC[25] dispõe sobre esse tipo de preclusão.
A preclusão consumativa se verifica quando a parte pratica um ato processual e esse é consumado, não podendo praticá-lo novamente. Uma vez consumado o ato, ele não pode ser exercido posteriormente.
Por fim, a preclusão lógica ocorre quando há a prática de um ato processual que é incompatível com outro ato praticado em momento anterior pela mesma parte e na mesma relação processual.
Como se pode observar, a preclusão pode ocorrer por três motivos, enquanto a prescrição somente se perfectibiliza quando transcorrer, in albis, o prazo previsto em lei, sem que o titular do direito tenha saído da inércia.
Ainda, cabe salientar que a preclusão é instituto de direito processual, enquanto a prescrição é matéria de direito material com repercussão no direito processual, como já dito anteriormente.
Realizadas tais considerações, cumpre destacar qual é a finalidade da prescrição. A doutrina, embora não de modo pacífico, elenca alguns motivos como sendo os fundamentos do instituto. Alguns motivos, como a paz social, a segurança jurídica, o castigo à negligência, a presunção de pagamento, o perdão da dívida e a proteção do devedor são os mais indicados pelos autores que tratam do assunto.
Apesar dessa celeuma, é razoável afirmar que a maioria elege as regras de segurança e paz social como os fundamentos mais relevantes. Assim, a segurança jurídica seria a meta a ser alcançada pelo instituto da prescrição.
É interessante, no entanto, destacar alguns comentários de autores que entendem de modo diverso. Embora a imensa maioria da doutrina veja de forma positiva a prescrição, o instituto não tem aprovação unânime. Um de seus opositores é o Magistrado Jorge Luiz Souto Maior, conhecido por sua luta incessante pelos direitos dos trabalhadores.
Esse autor, em um de seus artigos[26], salienta que é urgente o direito trabalhista, em um primeiro instante, se direcionar em busca da eliminação da prescrição e da declaração da imprescritibilidade nos acidentes do trabalho, por ser a prescrição uma violência simbólica contra os direitos dos trabalhadores.
Embora seja louvável a tentativa de conferir mais eficácia às regras do Direito do Trabalho, a eliminação da prescrição, no sentir do autor do presente trabalho, é medida um tanto radical. Conquanto não seja um instituto jurídico perfeito, a prescrição é indispensável na sociedade atual, por possuir interesse jurídico-social e evitar obrigações perpétuas.
Para Délio Maranhão[27], a prescrição seria uma punição ao credor inerte, que não exigiu a tempo o cumprimento da obrigação em face do devedor. O jurista entende que, se o titular do direito ofendido não age, propondo a ação para restabelecer o equilíbrio desfeito, o Estado – visando à estabilidade das relações sociais em sociedade – consolida a relação criada, punindo, dessa forma, aquele que negligenciou na defesa de seu direito.
Esse entendimento, embora respeitável, não merece prosperar. Data venia, o direito não visa punir o credor que permanece em inércia, uma vez que esse possui a faculdade de cobrar ou não a obrigação, a satisfação do direito. Verifica-se, portanto, apenas a perda dessa faculdade, porque o direito que teve a sua pretensão prescrita continua existindo, mesmo que não seja possível acioná-lo na via judicial.
Quanto à teoria da presunção do pagamento, vale salientar que nunca se deve ignorar o real esclarecimento dos fatos, o que poderia ocorrer se o direito se contentasse unicamente com fatos presumidos. Em hipóteses pontuais, há situações presumidas (mas que podem ser elididas por prova em contrário), mas essa não deve ser a regra, sob pena de ofensa ao princípio da busca da verdade real.
A teoria da proteção do devedor ganhou fôlego durante a vigência do direito colonialista lusitano. Nesse período, as Ordenações Filipinas parecem conjugar a teoria da proteção do devedor como correlata à teoria da pena. A importância da teoria da tutela dos interesses do devedor é questionada por Pontes de Miranda, ao alegar que a prescrição é instituída não para beneficiar o devedor inadimplente, mas para outorgar a estabilidade às relações jurídicas e se há alguém a ser protegido este deve ser o credor.[28]
No que diz respeito à teoria mais aceita pela doutrina, qual seja, a busca pela paz social e pelo estabelecimento da harmonia, o Eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes[29], com sua habitual precisão e demonstrando notável conhecimento sobre o assunto, traça algumas considerações sobre o princípio da segurança jurídica, que é indispensável para a concretização de tais objetivos:
“Em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria ideia de justiça material. […] A ideia de segurança jurídica torna imperativa a adoção de cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuto jurídico. […] O tema da segurança jurídica tem assento constitucional (princípio do Estado de Direito).”
Nessa toada, esse trabalho concorda com os fundamentos dessa teoria, visto que não é admissível que haja obrigações perpétuas, pois, caso contrário, o devedor estaria à mercê do credor eternamente, o que não é razoável no contexto social atual.
Se assim não fosse, como ficaria a situação dos cidadãos que fossem demandados por obrigações que já foram cumpridas há vários anos atrás? Deveriam guardar todos os recibos e notas fiscais contraídas durante toda a vida, já que somente com o comprovante de pagamento é que poderiam comprovar a quitação da obrigação? Não parece que esse é o caminho mais adequado para uma sociedade que busca a harmonia, paz e segurança jurídica.
O Professor Washington de Barros Monteiro[30], partidário desse entendimento, dá a sua lição:
“A prescrição é indispensável à estabilidade e a consolidação de todos os direitos, mesmo que a primeira vista tenha aparência de instituição iníqua, porquanto, através dela, o credor pode ficar sem receber o seu crédito e o proprietário despojado do que lhe pertence, porque se mostraram morosos no exercício de seus direitos, circunstância que, por si só, não deveria afetar qualquer relação jurídica. Contudo, conforme demonstra Cunha Gonçalves, a prescrição é indispensável à estabilidade e à consolidação de todos os direitos; sem ela, nada seria permanente; o proprietário jamais estaria seguro de seus direitos, e o devedor livre de pagar duas vezes a mesma dívida.”
O Saudoso Mestre Silvio Rodrigues, de modo sempre claro e preciso, afirma ser imperioso as relações jurídicas se consolidarem no tempo, ensinando que há um interesse social em que situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para que sobre a comunidade não paire, indefinidamente na ameaça de desequilíbrio representada pela demanda.[31]
Portanto, vê-se que a figura da prescrição foi inserida no ordenamento jurídico como um interesse jurídico-social, com o escopo de impedir os conflitos eternos, objetivando, por fim, a constituição de regras que evitam a desarmonia social, já que se busca, sempre, a paz social e a segurança jurídica.
Para finalizar o presente capítulo, serão feitas algumas considerações sobre a natureza jurídica da prescrição. Sempre que quisermos saber qual a natureza jurídica de determinada instituto, devemos primeiro saber qual é a sua importância para o direito.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz[32] afirma:
“Esse instituto foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda de um fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado.”
Portanto, a prescrição possui natureza de norma de ordem pública, em virtude do interesse público, que clama pela paz social e pela harmonia, preponderar sobre o interesse dos particulares.
Encerradas as considerações iniciais sobre o instituto da prescrição, como a origem, a evolução histórica, o conceito e a finalidade, encerra-se o primeiro capítulo deste trabalho e passa-se ao segundo, que tratará da alteração introduzida pela Lei n. 11.280/2006 no art. 219, §5º do CPC e de sua compatibilidade com o Direito e Processo do Trabalho.
2. O PRONUNCIAMENTO EX OFFICIO DA PRESCRIÇÃO
No presente capítulo, pretende-se abordar, especificamente, o tema do pronunciamento ex officio da prescrição, consoante ordena o art. 219, §5º do CPC. Buscar-se-á chegar à conclusão se o supracitado artigo é compatível com os princípios do Direito e Processo do Trabalho, ou se somente deva ser aplicado no âmbito do Processo Civil.
Para tanto, é imperioso estudar a compatibilidade da nova norma com alguns pontos especiais, especialmente com o caráter tutelar que possui o Direito do Trabalho em virtude do princípio da proteção.
2.1 A compatibilidade do art. 219, §5º do CPC com o Direito e o Processo do Trabalho
O art. 166 do Código Civil de 1916 rezava que o juiz não poderia pronunciar de ofício a prescrição se a matéria tratasse de direitos patrimoniais, ou seja, caberia às partes a sua invocação.
O Código Civil de 2002, por sua vez, em seu art. 194, não alterou de forma substancial esse tema, pois afirma que o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer os absolutamente incapazes.
Até o ano de 2006, mais precisamente até a edição da Lei n. 11.280/2006, dispunha o art. 219, §5º do CPC que não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.
Como se percebe, houve certa evolução, com o passar dos anos, no sentido de conferir mais liberdade ao juiz para se manifestar sobre a prescrição. O ápice dessa evolução veio com a já citada Lei n. 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, que modificou significativamente o contexto das regras sobre processo.
Essa lei modificou o texto do §5º do art. 219 do CPC, dispondo que o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. Nota-se, pelo teor da nova regra, que não é uma faculdade conferida ao Magistrado, mas sim uma obrigação, já que o verbo pronunciará é imperativo, não deixando margem para qualquer discricionariedade do julgador.
Como toda novidade, a regra tem provocado cizânia doutrinária e jurisprudencial, principalmente quando o debate gira em torno da aplicação do dispositivo na seara trabalhista, estando o tema, por enquanto, longe de um entendimento uníssono.
Contudo, antes de verificar a possibilidade de aplicação da nova regra, há de se entender o disposto no art. 769 da CLT, que admite o Direito Processual comum como fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho, desde que haja omissão e compatibilidade com as normas do diploma trabalhista.
O saudoso Professor Valentin Carrion[33] comenta o artigo em questão:
“Ao processo laboral se aplicam as normas, institutos e estudos do processo geral (que é o processo civil), desde que: a) não esteja aqui regulado de outro modo (“casos omissos”, “subsidiariamente”); b) não ofendam os princípios do processo laboral (“incompatível”); c) se adapte aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento; d) não haja impossibilidade material de aplicação (institutos estranhos à relação deduzida no juízo trabalhista); […] Perante novos dispositivos do processo comum, o intérprete necessita fazer uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, permitir-se-ão a celeridade e a simplificação, que sempre foram almejadas.”
De proêmio, deve-se verificar se há omissão, para somente depois debater sobre a compatibilidade. Dessa forma, diante da omissão, emerge a necessidade pragmática da integração do ordenamento jurídico sempre que o intérprete se deparar com uma dada manifestação de lacuna jurídica.[34] Uma vez preenchido o requisito da omissão, torna-se imprescindível analisar o segundo pressuposto, que é o da compatibilidade.
A divergência principal repousa na dúvida se há ou não compatibilidade da nova regra com os princípios que orientam o Direito Laboral, uma vez que esse ramo especializado do Direito confere proteção jurídica ao empregado, que é considerado o hipossuficiente na relação de emprego mantida com o empregador.
Nesse particular, princípios, segundo Robert Alexy[35], consistem em uma espécie de normas jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas. Os princípios, nas palavras do eminente autor, possuem apenas uma dimensão de peso e não determinam as consequências normativas de forma direta, ao contrário das regras. Por isso, a aplicação de um princípio deve ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida – se no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso.
O Direito do Trabalho, além dos princípios gerais que orientam os outros ramos da ciência jurídica, também é regido por alguns princípios particulares, em virtude da carga axiológica que prepondera na seara laboral.
Os princípios basilares do Direito do Trabalho são os seguintes: princípio da proteção; princípio da primazia da realidade; princípio da continuidade da relação de emprego; princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas; princípio da imperatividade das normas trabalhistas. Percebe-se, pela nomenclatura dos princípios, a preocupação que o Direito do Trabalho tem em proteger o empregado.
Nesse sentido, dentre os princípios norteadores do Direito Trabalhista, destaca-se o princípio da proteção do trabalhador. O ilustre Amauri Mascaro Nascimento[36], citando o jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, disserta:
“No direito do trabalho há um princípio maior, o protetor, diante da sua finalidade de origem, que é a proteção jurídica do trabalhador, compensadora da inferioridade em que se encontra no contrato do trabalho, pela sua posição econômica de dependência ao empregador e de subordinação às suas ordens de serviço. O direito do trabalho, sob essa perspectiva, é um conjunto de direitos conferidos ao trabalhador como meio de dar equilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho, diante da natural desigualdade que os separa, e favorece uma das partes do vínculo jurídico”.
Vale destacar que o princípio da proteção é o “princípio-mãe” do Direito do Trabalho, isto é, é o pilar principal desse ramo especializado do direito. Ainda, esse princípio divide-se em três subprincípios, que são explicados magnificamente pelo mestre Arnaldo Sussekind[37], um dos pais da legislação trabalhista nacional:
“Os fundamentos jurídico-político e sociológicos desse princípio-mater geram outros, que dele são filhos legítimos: a) o princípio in dubio pro operário, que aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória; b) o princípio da norma mais favorável, em virtude do qual independentemente da sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador; c) o princípio da condição mais benéfica, que determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam elas incompatíveis.”
O notável Carlos Henrique Bezerra Leite[38] chega a afirmar que o princípio da proteção é a própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para realizar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral.
Em virtude dessa importância para o Direito do Trabalho e por conferir relevante amparo ao trabalhador, o princípio da proteção é o argumento capital invocado pela corrente que defende a inaplicabilidade da prescrição de ofício na seara laboral.
Valendo-se do princípio tutelar para embasar o seu entendimento acerca da inaplicabilidade do art. 219, §5º do CPC no Processo do Trabalho, Emília Simeão Albino Sako[39] defende que:
“É patente a incompatibilidade do §5º do art. 219 com as normas contidas no Título X da CLT, que regem o processo judicial do trabalho (arts. 793 a 910 da CLT), das quais são extraídos princípios próprios e específicos, com destaque para o princípio da proteção, que orienta o intérprete a aplicar, no julgamento da causa, a condição mais benéfica e a norma mais favorável ao trabalhador.”
O Magistrado José Carlos Lima da Motta[40], fazendo uma crítica mais contundente ao pronunciamento de ofício da prescrição no âmbito laboral, afirma:
“Nesse contexto, não se pode, em nome da “segurança jurídica”, da “celeridade processual” e da “prevalência do interesse público” (de quem? Do proprietário capitalista?) sobre o “particular” (de quem? Do empregado hipossuficiente), num exacerbado surto de legalismo e tecnicismo, fechando os olhos à realidade social que envolve a relação capital-trabalho – e que, ainda hoje, possui os mesmos contornos do passado de triste memória – fazer tabula rasa dessa proteção, para permitir que uma norma legal, de caráter eminentemente civilista, venha a ser aplicada à relação de trabalho para prejudicar, exatamente, a parte mais frágil e vulnerável da relação jurídica: o trabalhador!”
A corrente que entende ser inaplicável o art. 219, §5º do CPC na Justiça do Trabalho, além de estar representada na doutrina, também tem voz na jurisprudência, inclusive no Tribunal Superior do Trabalho, como se depreende do aresto colacionado[41]:
“PRESCRIÇÃO. ART. 219, §5º, DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. Esta Corte tem reiteradamente decidido não ser aplicável na Justiça do Trabalho o art. 219, §5º, do CPC, segundo o qual o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição, por ser incompatível com os princípios que regem o Direito do Trabalho. […] A prescrição é instituto de direito material, cuja aplicação na esfera trabalhista está condicionada às condições estabelecidas no art. 8º e parágrafo da CLT. A disposição contida no art. 219, § 5º, do CPC, ao determinar a decretação de ofício da prescrição, não se compatibiliza com os princípios que regem o Direito do Trabalho, notadamente o da proteção, que busca reequilibrar a disparidade de forças entre reclamante e reclamado. Nesse sentido já se manifestou a SBDI-1 desta Corte Superior. Recurso de revista não conhecido.”
Além desse motivo, outros fatores são levantados por essa corrente. Lara Piau Vieira[42] realça que, à primeira vista, a incompatibilidade entre a obrigação imposta ao Magistrado (pronunciar de ofício a prescrição) e os preceitos do mantido art. 191 do Código Civil, o qual dispõe que a renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, parece intransponível, notadamente, quando se vislumbra a agressão aos princípios da ampla defesa e do contraditório, furtados do Autor por iniciativa de quem não detém o poder do “querer”; de quem não pode dispor de um bem pertencente a outro.
Além disso, a supramencionada Autora[43] ressalva:
“No âmbito trabalhista, a incompatibilidade da nova forma de aplicação da prescrição se mostrou mais evidente – em um primeiro momento, repita-se – porque não poderia fazer frente ao princípio da conciliação, de observância obrigatória. Isto, porque o legislador impediu o juiz de conciliar, se este, declara, de plano, a prescrição. Não nos esqueçamos de que esta hipótese pode ocorrer antes mesmo da audiência inaugural. […] Portanto, a incompatibilidade da declaração de ofício no Direito do Trabalho se daria, no nosso entendimento, pelas mesmas razões das consideradas para o Direito Civil, ou seja, pela possível incongruência com o objeto do instituto, a sua destinação e características, mas não porque, aqui, há uma parte hipossuficiente.”
Outro adepto desse entendimento, Alberto de Magalhães Franco Filho[44], elevando a discussão para além dos domínios do Direito do Trabalho, afirma que essa nova norma não deveria ser aplicada sequer no Processo Civil, pois, segundo sua inteligência, é aparente o seu desacordo com todo o sistema jurídico material e processual brasileiro.
Por outro lado, há corrente que entende ser vantajosa a aplicação do art. 219, §5º do CPC na esfera trabalhista. Apontam como principais fundamentos a celeridade e a efetividade processual, bem como a simplicidade, princípios que sempre foram privilegiados no Processo do Trabalho.
Nessa toada, Eliane Machado Arleu[45] destaca que o Judiciário Trabalhista sempre primou pela celeridade e simplificação dos procedimentos, em busca de uma efetiva prestação jurisdicional. Assim, a aplicação da prescrição ex officio com fundamento no princípio da celeridade conforma-se com objetivos perseguidos pelo processo trabalhista.
Além do mais, segundo a aludida Autora, a declaração de ofício pelo juiz evitaria o desperdício de atos inúteis, permitindo que toda máquina judiciária se desenvolva com mais presteza com relação aos pedidos ainda não prescritos, ou até mesmo com uma atenção maior a outras demandas mais complexas.
Essa linha de raciocínio é seguida por eminentes doutrinadores. Amauri Mascaro Nascimento[46], com sua habitual precisão, ensina:
“A lei processual trabalhista não prevê declaração oficial, razão pela qual é omissa, além de ser compatível com o processo trabalhista no qual há prazo de prescrição fixado pela Constituição. Como dever do juiz, a sua declaração atende à natureza e finalidade. É matéria de ordem pública constitucional visando à segurança jurídica. A sua finalidade é a proteção do devedor para que não sofra, indefinidamente, a cobrança de uma obrigação que, pelo decurso do tempo, não é mais razoável que venha a ser exigida.”
Procurador do Ministério Público do Trabalho e Professor, Gustavo Filipe Barbosa Garcia[47], rebatendo o argumento que a prescrição de ofício não poderia ser aplicada na Justiça do Trabalho em virtude do princípio da proteção, adverte que eventual hipossuficiência de uma das partes da relação jurídica de direito material – condição esta que não se restringe ao âmbito do Direito do Trabalho, podendo perfeitamente ocorrer em outros ramos do Direito, mesmo Civil lato sensu – não é critério previsto, no ordenamento jurídico em vigor, como apto a excepcionar a aplicação de dispositivo legal em questão. Ou seja, de acordo com o eminente Professor, a hipossuficiência não afasta o reconhecimento do Juiz, de ofício, da inexigibilidade do direito, da mesma forma como se este já estivesse extinto por outro fundamento.
O Autor, para ratificar seu entendimento[48], ainda ressalta:
“ Se a pretensão formulada, de acordo com o direito objetivo, não é mais exigível, nada mais justo e natural que seja assim considerada pelo juiz, mesmo de ofício, o que está em consonância, aliás, com os princípios da primazia da realidade, bem como da celeridade e economia processual. Argumentações em sentido contrário, na verdade, estão a discordar do próprio direito objetivo ora em vigor, situando-se, assim, com a devida vênia, no plano da mera crítica ao legislado.”
Igualmente, há decisões do Tribunal Superior do Trabalho[49] que entendem pela aplicabilidade do pronunciamento, de ofício, da prescrição no processo trabalhista, a saber:
Além de tais considerações, Carlos Eduardo Amaral de Souza[50] lembra que a norma positivada no art. 7º, XXIX da CF não suporta interpretações diversas, pois o trabalhador somente será beneficiado com o recebimento das parcelas a que tem direito dentro daquele prazo previsto na Constituição. Isso significa que ao se estipular os direitos fundamentais do trabalhador, a Constituição teve o cuidado de estabelecer, sem qualquer ressalva, que retroagiriam cinco anos ao ajuizamento da ação e só poderiam ser pleiteados se dentro do prazo de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
Propondo o lançamento de um novo olhar sobre o assunto, o Mestre Melchíades Rodrigues Martins[51] enfatiza:
“Pode-se dizer que o instituto da prescrição não deve ser analisado tão somente sob o aspecto do princípio protetor, mas também sob a ótica do princípio dos interesses da salvaguarda da gestão empresarial. Os dois princípios não se excluem e se completam já que a prevenção da empresa é também um objetivo a ser levado em conta não só pela sua função social, mas pelo fato de ser geradora de empregos.”
Nesse particular, é certo que o pronunciamento de ofício da prescrição em uma relação jurídica processual beneficia o Réu da ação, que é, costumeiramente na Reclamatória Trabalhista, o empregador. Isso porque o Magistrado, ao verificar que está prescrita a pretensão do Autor, vale dizer, do empregado, extinguirá a ação com resolução do mérito, sem, contudo, determinar a reparação do direito violado.
Poderia se entender, com isso, que a aplicação do art. 219, §5º do CPC no processo trabalhista subverteria a razão de ser do Direito do Trabalho, que é conferir superioridade jurídica ao trabalhador em virtude de sua fragilidade na relação de emprego mantida com o empregador.
De outra face, em que pese a proeminência do caráter tutelar desse ramo especializado do Direito, outras considerações devem pesar para que se possa chegar a uma conclusão sobre o tema, pois o princípio da proteção, embora de suma importância, não deve ser o único ponto a ser analisado.
Outras questões, como a economia processual e a celeridade devem ser sopesadas, além da segurança jurídica e da ordem pública. Destarte, se o empregado, ao propor Reclamatória Trabalhista, postula pretensão já prescrita, o Juiz, como terceiro imparcial que é, precisa levar em conta tais considerações.
Além disso, o princípio da proteção, na forma do in dubio pro operario, ao dispor que a norma deve ser interpretada da maneira que mais favoreça o empregado, somente merece ser posto em prática quando estivermos frente a uma regra que permita várias interpretações, conforme já destacado.
Porém, não é o que ocorre no presente caso. O CPC, no §5º do art. 219, é claro ao dispor que a prescrição deve ser pronunciada, ex officio, pelo Magistrado. Não há qualquer ressalva quanto à aplicação dessa norma, que é imperativa. Assim sendo, o Juiz, ao verificar que há prescrição, deve pronunciá-la, não importando quem seja o Autor.
O jurista uruguaio, Américo Plá Rodriguez[52], fala, inclusive, que o princípio da proteção não tem por objetivo contrariar o texto da lei. Se assim o fosse, tal princípio seria uma aberração jurídica, pois as regras de Direito (e o princípio faz parte do ordenamento jurídico, assim como as normas) devem caminhar na mesma direção, para auxiliar o intérprete a aplicá-las ao caso concreto. Muito pelo contrário, o escopo do princípio é interpretar a norma e não afastar a sua própria razão de ser. E é certo que o desígnio do art. 219, §5º do CPC é conferir celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, além de homenagear a segurança jurídica.
Nesse mesmo passo, o princípio da norma mais favorável, outro braço do princípio da proteção, como vimos, dispõe que quando houver mais de uma regra que possa ser aplicada ao caso concreto, a que deve prevalecer é a norma que mais favoreça o empregado, não importando o seu grau de hierarquia.
Todavia, tal regra também não tem o condão de contrariar os preceitos de lei, não devendo ser invocada, portanto, quando houver lei que ordena a prática de uma ação de modo imperativo, positivo. Como bem lembra Amauri Mascaro Nascimento[53], a regra da norma mais favorável é princípio de interpretação que permite a solução das dúvidas sobre o sentido jurídico da norma. Contudo, não é um comando absoluto porque existem leis que impedem a adoção do critério que o conduz. É o que acontece, no entender deste trabalho, com a regra contida no art. 219, §5º do CPC.
Aliás, o princípio da norma mais favorável tem função somente quando há duas ou mais normas existentes que possam ser aplicadas em determinado caso. No entanto, o único preceito que trata do tema no ordenamento jurídico pátrio é o art. 219, §5º do CPC, não havendo outra regra que diga o contrário. A norma que rezava de forma diversa, qual seja, o art. 194 do CC, foi expressamente revogada pela Lei n. 11.280/2006, o que torna clara a intenção do legislador.
Ademais, o outro comando do princípio da proteção, qual seja, a prevalência da condição mais benéfica, visa resguardar situações pessoais mais vantajosas que já estão incorporadas ao patrimônio do empregado, seja pelo contrato de trabalho, seja pelo regulamento da empresa, de forma tácita ou expressa. Tais vantagens não poderão ser suprimidas mesmo que sobrevenham normas posteriores com elas incompatíveis. Ou seja, princípio da condição mais benéfica foi o nome dado pela doutrina trabalhista ao princípio do direito adquirido, pois ambos possuem o mesmo sentido.
Porém, o princípio da condição mais benéfica tem por objetivo proteger as condições de trabalho adquiridas pelo empregado. Assim, de acordo com esse princípio, deve-se respeitar não somente as condições de trabalho propriamente ditas, mas também aquelas que se concederam para o trabalho realizado, tais como alimentação, roupas, alojamento, gratificações, entre outras.[54]
Nesse sentido, não se pode considerar que o art. 219, §5º do CPC, ao dispor que o Juiz deve pronunciar, de ofício, a prescrição, está desrespeitando o princípio da condição mais benéfica, pois, ao realizar esse pronunciamento, o Magistrado não estaria suprimindo as condições de trabalho mais vantajosas adquiridas pelo empregado por força do contrato de trabalho ou do regulamento da empresa.
Para embasar esse entendimento, valiosa é a lição de Américo Plá Rodrigues[55], que afirma ser necessário não haver uma norma oposta que exclua ou impeça a aplicação do princípio da proteção. Embora seja de grande valia para o Direito do Trabalho, seu valor não pode ser tal que se imponha contra uma norma de direito positivo. Isto é, poderá aplicar-se o princípio protetivo sem a norma, mas não contra ela.
Além do mais, como já destacado, o princípio da proteção consiste na tentativa de diminuir as desigualdades e não em promover a procedência dos pedidos pleiteados pelo empregado em sua demanda judicial em face do empregador. Por isso, este trabalho entende que o princípio protetivo não é óbice para a aplicação do art. 219, §5º do CPC no processo trabalhista, pois a norma não desprotege nem fere os direitos do trabalhador, mas apenas declara uma situação já consolidada pelo decurso do tempo.
Ao mesmo tempo, não deve ser esquecida a finalidade e os fundamentos da prescrição. Pois, conforme relatado no primeiro capítulo desta monografia, este instituto preza pela segurança jurídica e pela paz social, além de se tratar de norma de ordem pública.[56]
Aliás, a disposição contida no art. 8º da CLT se coaduna com essa ideia ao ressaltar que nenhum interesse de classe ou particular deve prevalecer sobre o interesse público.
Acrescenta-se, ainda, que a nova norma contida no art. 219, §5º do CPC não destoa do preceito contido no art. 191 do Código Civil, que permite a renúncia à prescrição. Primeiro porque é extremamente raro o devedor renunciar à prescrição. Pelo contrário, o que é visto diariamente nos Tribunais são os devedores fazendo uso de todos os meios hábeis para livrarem-se de suas dívidas cobradas em juízo. Além do mais, se é desejo do devedor pagar a dívida, ele não precisa renunciar à prescrição, pois não é preciso ação judicial para adimplir débitos. Isso porque, a dívida, embora prescrita, continua a existir, como obrigação natural. Então, se assim desejar, o inadimplente pode pagar o seu credor, mesmo com a dívida prescrita.
Ainda, há a questão da natureza alimentar dos créditos trabalhistas, fator que também é invocado pela corrente que entende ser inaplicável a prescrição de ofício na Justiça do Trabalho. Porém, tal argumento igualmente não merece prosperar.
De fato, se o credor permanece inerte por muito tempo, presume-se que não tenha tanto interesse na satisfação do crédito. Nessa toada, o Professor Ari Pedro Lorenzetti[57] leciona:
“O caráter alimentar dos créditos trabalhistas resta esmaecido quando transcorrido extenso lapso temporal desde sua constituição até que sejam exigidos. O verdadeiro crédito alimentar é aquele que é indispensável ao sustento do credor e de sua família. Quando já passaram diversos anos desde que o direito foi sonegado, a vinculação entre o crédito e a necessidade alimentar praticamente desaparece. Não por outro motivo, o atual Código Civil fixou o prazo prescricional de dois anos, a contar do respectivo vencimento, para haver prestações alimentares inadimplidas espontaneamente” (art. 205, §2º).
Em que pesem tais considerações, é imperioso que seja assegurado às partes o direito de ampla defesa e o contraditório, que são corolários do princípio do devido processo legal. Para explicar tais garantias fundamentais, colhe-se o ensinamento de Alexandre de Moraes[58]:
“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa. […] Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a conduta dialética ao processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.”
Embora o nobre Constitucionalista tenha mencionado apenas o Réu como destinatário ao direito à ampla defesa, é certo que tal direito fundamental é assegurado às partes, e não somente ao Réu. O Autor, como parte legítima da relação jurídica processual, também pode, aliás, deve fazer uso dessa garantia prevista expressamente na Constituição Federal. Isso porque o Réu também alega fatos e postula pretensões, da mesma forma que o Autor. Sendo assim, não seria justo que somente o Demandado pudesse usar de todos os meios assegurados em lei para defender-se, razão pela qual o Demandante pode se valer de tais meios, igualmente.
Inclusive, já se disse que só se tem processo quando o procedimento se desenvolve em contraditório.[59] Por isso, visando a respeitar princípios tão caros ao ordenamento jurídico, este trabalho defende que o Juiz não deve pronunciar, de plano, a prescrição.
É importante, antes de declarar prescrita a pretensão, dar voz às partes para que possam se manifestar sobre a prescrição, para garantir, dessa forma, o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Imperioso dar essa oportunidade aos litigantes, pois pode ter ocorrido, no decurso do tempo, eventual causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva da prescrição, o que é capaz de tornar a pretensão ainda exigível. Tais causas estão previstas no Código Civil, a partir do art. 197.
Portanto, toda vez que o Magistrado for pronunciar a prescrição, seja no Processo Civil ou no Processo Trabalhista, deve ser assegurado, em primeiro lugar, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Visando isso, o Juiz, primeiramente, deve abrir prazo, na forma do art. 177 do CPC, para que a parte interessada comprove a ocorrência de causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva, se essa questão ainda não foi debatida no curso da relação processual. Caso não seja concedido prazo, este será de cinco dias, consoante o teor do art. 185 do CPC.
Dessa forma, somente depois que essas questões forem amplamente debatidas, é que caberá ao Magistrado pronunciar a prescrição das pretensões prejudicadas em virtude do decurso do tempo previsto em lei, se for o caso.
CONCLUSÃO
Muitas foram as indagações que levaram à escolha desta matéria como tema central para o presente estudo. Para muitas foram obtidas respostas, porém, outras ainda merecem mais embasamento teórico e prático para que se possa chegar a um entendimento satisfatório.
Porém, já é sabido o que se deve fazer para adquirir uma visão mais adequada sobre as questões polêmicas que surgem no universo jurídico. É preciso, em primeiro lugar, compreender o ordenamento jurídico como um todo, pois o Direito é um só. Ele só é dividido em ramos para poder ser melhor compreendido, ou seja, isso ocorre por uma questão didática.
É certo que essa compreensão não é tarefa fácil, uma vez que a ciência jurídica é extremamente complexa, pois visa regular a vida em sociedade e, isso, com certeza, é uma das missões mais difíceis.
Nessa toada, a matéria que esse trabalho teve o objetivo de compreender foi a norma trazida pela Lei n. 11.280/2006, que, entre outras alterações, modificou o texto do art. 219, §5º do CPC, permitindo o pronunciamento ex officio da prescrição. Como o Processo Civil é fonte do Processo do Trabalho, discute-se a aplicação dessa regra no âmbito trabalhista.
Em um primeiro momento, se pode achar que esse pronunciamento de ofício da prescrição pelo Magistrado é incompatível com o Direito do Trabalho, já que esse ramo especializado do Direito é centralizado no princípio da proteção, que busca corrigir as desigualdades existentes entre o empregado, considerado a parte vulnerável da relação de emprego, e o empregador.
Porém, e aí está a importância de compreender o sistema jurídico como um todo, essa superioridade jurídica conferida ao empregado não deve ser o único ponto a ser levado em consideração. Ainda que o caráter tutelar que possui o Direito do Trabalho seja de suma importância, outras considerações devem ser levadas em conta, como a segurança jurídica, o interesse público, a celeridade e a efetividade na prestação jurisdicional, fatores que são tão importantes quanto o princípio da proteção.
Apesar de os argumentos da corrente que entende pela inaplicabilidade da prescrição de ofício no Processo Trabalhista serem defensáveis e respeitáveis, não devemos esquecer os motivos que levaram o legislador a optar por essa modificação legislativa. Pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, que essa modificação veio para tentar solucionar a grande morosidade que assola o Poder Judiciário brasileiro.
Nesse teor, mesmo que haja vozes afirmando ser a Justiça do Trabalho conhecida por sua celeridade e eficiência, essa afirmativa não é de toda verdadeira. De fato, o Judiciário Trabalhista resolve com mais rapidez os processos de sua competência, mas somente se comparado com a Justiça comum, e, com a devida vênia, essa Justiça não deve ser parâmetro de celeridade e efetividade, visto que é notória sua morosidade.
Além do mais, como pode se depreender, a nova norma inserida no art. 219, §5º do CPC não busca limitar os direitos dos trabalhadores, não ferindo, dessa maneira, o princípio da proteção. Isso porque o Magistrado está apenas declarando uma situação já consolidada pelo decurso do tempo.
Não podemos esquecer também que o princípio da proteção, conforme já salientado, visa equilibrar uma situação que é notoriamente desequilibrada, em virtude da hipossuficiência do empregado frente ao empregador, e não facilitar a total procedência das pretensões do Reclamante. Se assim fosse, tal princípio estaria dissonante dos preceitos da justiça, que é o objeto a ser alcançado pelo Direito.
Ainda, a finalidade e os fundamentos da prescrição devem ser levados em conta. Este instituto jurídico prima pela paz social, pela harmonia e pela ordem, além de assegurar a tão almejada segurança jurídica às relações sociais. Embora seja o devedor beneficiado com o pronunciamento da prescrição, não se pode esquecer que esta figura é norma de ordem pública. Sendo assim, sua maior finalidade é fazer com que nenhum interesse particular prevaleça sobre o interesse público. Aliás, esse é o teor do art. 8º da CLT.
Ademais, a própria Constituição Federal, que é a lei maior do ordenamento jurídico pátrio, estabelece, em seu art. 7º, XXIX, que os créditos resultantes da relação de trabalho devem ser pleiteados no prazo máximo de cinco anos, sendo que, se o contrato de trabalho for extinto, a Reclamatória Trabalhista deve ser proposta em até dois anos.
Além disso, o credor que demora vários anos para propor uma demanda, postulando direitos violados há tempos, não merece proteção, pois, ao que parece, a sua pretensão não é muito importante. Caso contrário, não esperaria tanto tempo para ingressar com a ação em face do devedor.
Como já destacado, o verdadeiro crédito alimentar é aquele imprescindível para a subsistência do credor e de seus dependentes. Uma vez que o titular do direito ofendido demora anos para pleitear tais direitos, estaria descaracterizada a natureza alimentar do crédito.
Porém, ao detectar que está prescrita a pretensão do Autor, deve o Magistrado, antes de pronunciar, de ofício, a prescrição, possibilitar a manifestação das partes sobre essa questão, pois imprescindível que o processo se desenvolva em contraditório. Portanto, antes de pronunciar a prescrição, o Juiz deve ouvir antes as partes, para que possam se manifestar sobre eventual causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva da prescrição, o que pode tornar a pretensão ainda exigível.
Por fim, encerrado o estudo, espera-se que o presente trabalho possa contribuir, com argumentos jurídicos, para o entendimento da matéria, amparado nas conclusões expostas. Apesar de o tema ser controverso e de difícil compreensão, entende-se que os objetivos foram alcançados, pois grande parte das indagações e incertezas que havia antes da realização do estudo foi respondidas.
Informações Sobre o Autor
Leo Mauro Ayub de Vargas e Sá
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano