Salário-maternidade: as inconstitucionalidades e ilegalidades do art. 97 do Decreto nº 3.048/99

1. INTRODUÇÃO.


O salário-maternidade surge num primeiro momento como forma de proteção do trabalho feminino e posteriormente como forma de busca da igualdade de tratamento entre o trabalho do homem e da mulher.


O benefício é denominado salário-maternidade, porém não se trata na realidade de salário dada sua natureza de prestação previdenciária, desde a edição da Lei nº 6.136/1974. Melhor se fosse designado de auxílio-maternidade ou subsídio-maternidade.


É concedido visando à proteção da mulher, bem como a proteção do filho. Pela natureza familiar este benefício projeta forte impacto na manutenção do pacto de gerações. Indiscutivelmente, pois, tem natureza de benefício previdenciário.


Não obstante a amplitude do benefício previdenciário objeto do presente estudo, o Instituto Nacional do Seguro Social, por intermédio do poder regulamentar, restringe o direito das seguradas desempregadas ao recebimento do salário-maternidade exigindo prova da “relação de emprego”, no momento da concessão.


Assim, nas próximas linhas, passar-se-á a análise da validade este requisito específico, em face das normas constitucionais e infraconstitucionais.


2. VERIFICAÇÃO DE VALIDADE DO ART. 97 DO DECRETO Nº 3.048/99. UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL E LEGAL.


2.1. O art. 97 do Decreto nº 3.048/99 em face dos dispositivos constitucionais atinentes à espécie.


A Constituição Federal, em seu art. 201, II, elevou a maternidade como uma das contingências geradoras de riscos sociais, merecendo, portanto, proteção previdenciária:


Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: […];


II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; […].”[1] (grifos nossos)


A Lei nº 8.213/91, que criou o Plano de Benefícios da Previdência Social, assim delimitou a concessão do benefício previdenciário do salário-maternidade:


“Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.”[2]


Vislumbra-se do dispositivo legal supra nenhum requisito específico para a concessão do benefício previdenciário em questão. Contudo, o Decreto nº 3.048/99, no art. 97, em sua redação original, enumera mais um, este de caráter restritivo, para a concessão do salário-maternidade, qual seja, a necessidade da manutenção da relação de emprego no momento da ocorrência do critério temporal. Senão, veja-se: “Art. 97. O salário-maternidade da empregada será devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego”.[3]


Com a publicação do Decreto nº 6.122/07, a redação do art. 97 foi modificada, e o próprio Poder Executivo reconheceu, em parte, a inconstitucionalidade e ilegalidade do citado dispositivo regulamentar, fazendo ressalva à possibilidade de a segurada desempregada, estando no período de graça, receber o benefício previdenciário em análise, nos casos de demissão antes da gravidez, ou, durante a gestação, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido. O art. 97, do Decreto nº 3.048/99, passou, então, a vigorar com a seguinte redação:


Art. 97.  O salário-maternidade da segurada empregada será devido pela previdência social enquanto existir relação de emprego, observadas as regras quanto ao pagamento desse benefício pela empresa.


Parágrafo único.  Durante o período de graça a que se refere o art. 13, a segurada desempregada fará jus ao recebimento do salário-maternidade nos casos de demissão antes da gravidez, ou, durante a gestação, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, situações em que o benefício será pago diretamente pela previdência social.[4]


No entanto, tal dispositivo infralegal, mesmo após as alterações perpetradas pelo Decreto nº 6.122/07, é a um só tempo inconstitucional e ilegal. Senão veja-se.


Já dizia HANS KELSEN que o ordenamento jurídico, como um todo, é formado por um conjunto de normas, disposta de forma hierarquiza, formando o que se convencionou chamar de pirâmide jurídica, assim, “[…] o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma”,[5] sendo Constituição Federal o topo dessa pirâmide.


Assim, inconstitucional[6] porque viola o art. 84, IV, da Constituição Federal de 1988, ao extrapolar o campo material de atuação do decreto que é a permitir a fiel execução da lei:


Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: […];


IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; […]”.[7]


O Decreto nº 3.048/99 desobedece, igualmente, no ponto em análise (art. 97), o princípio da legalidade estampado no art. 5º, II[8] e art. 37, caput[9], ambos da Lei Suprema.


Deve se entender, outrossim, a existência de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, da cidadania e dos valores sociais do trabalho com fundamentos do Estado Democrático do Direito, todos enumerados no art. 1º e 3º, da Constituição Federal de 1988. Não se pode, também, deixar passar in albis, a violação ao princípio da solidariedade, contido, explicitamente, no inciso I, do art. 3º, da Constituição Federal de 1988.


Ademais, impedir a segurada que perder o emprego, nas hipóteses não contempladas no decreto regulamentar, de usufruir o benefício previdenciário do salário-maternidade implicaria violação ao princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios (Constituição Federal de 1988, art. 194, parágrafo único, II e Lei nº 8.213/91, art. 2º, II), corolário do princípio da isonomia contido no art. 5º, da Constituição Federal de 1988, o qual confere igualdade de tratamento aos trabalhadores, fazendo com que os critérios de concessão dos benefícios previdenciários sejam os mesmos, podendo-se, apenas, por se tratar de previdência social, diferenciação no valor do benefício.


Os princípios e regras constitucionais do direito previdenciário, corolários da dignidade da pessoa humana, direito social encartado no art. 6º, da Constituição Federal de 1988, norma protetora dos cidadãos, que se encontram submetidos a certas contingências sociais, no caso em análise a maternidade, estão intimamente relacionado ao direito à vida (art. 5º, caput), constituem, como esta, cláusulas pétreas constitucionais, como direito de todo o povo (populos concebido segundo o antigo direito como o conjunto de todos os cidadãos), primeiro dos direitos inerentes ao homem, os denominados direitos humanos: direito inalienável para o desenvolvimento de um povo livre e soberano; o que nos parece uma tautologia jurídica, posto ser o Direito nada mais que a conduta humana intersubjetivada na norma.


Por lógica, o ser humano é a matriz e destinatário do Direito, por ser sua conduta, matéria-prima à feitura da norma; não podem ser suprimidos pelo poder regulamentar do Estado.


A pessoa é, portanto, o valor último e máximo do sistema democrático, que o humaniza, sendo, portanto, valor declarado, positivado no texto da Constituição Federal de 1988, (art. 1º, III), de forma expressa, impregnando toda a interpretação constitucional, que subordina, por óbvio, a legislação brasileira existente, a tal critério hermenêutico.


CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO afirma com propriedade, radicar o Estado Democrático Brasileiro na dignidade humana, como se infere do texto abaixo transcrito:


Numa expressão mais simples, pode-se afirmar que o Estado Constitucional Democrático da atualidade é um Estado de abertura constitucional radicado no princípio da dignidade do ser humano. É assim, uma instituição de ilimitada absorção das aspirações e conquistas sociais, que faculta os canais pacificadores da mediação jurídica e à generalidade dos focos de tensão e dos multiformes projetos de dignificação humana. A rigor, o postulado da dignidade da pessoa humana constitui-se no direito prolífero por excelência, tendo gerado nas últimas décadas várias famílias de novos direitos que angariaram o status de fundamentalidade constitucional.


Com efeito, essa locução supralegal e aglutinadora de toda sorte de valores e demandas das sociedades pós-modernas deste fim de século assumiu o papel de eixo central do Estado Democrático de Direito, cuja configuração, como antes afirmado, projeta-se hoje muito mais rumo à sociedade e ao mundo, do que propriamente em direção à organização do Estado e à tipologia dos poderes representativos da soberania.”[10] (grifos nossos)


O dispositivo regulamentar em análise se apresenta dissociado do primado da justiça encontrado, primeiramente, no Preâmbulo de nossa Constituição e estampado no art. 3º, como um dever-ser para o hermeneuta jurídico, não podendo estar desconectado da interpretação história daquela coletividade que absorverá a legislação.


Neste sentido, desvela a celeuma em torno do valor justiça, ROBERTO DE AGUIAR:


“Assim, o que podemos notar é o fato de encontrarmos, fundamentando as visões formais de justiça, uma articulação dedutiva, lógico-formal, na medida em que deduz de princípios gerais ou de entidades abarcantes os critérios que vão orientar as atitudes concretas. Para se elaborar uma visão concreta de justiça, mister se faz a introdução da temporalidade na reflexão sobre as tensões e contradições que perpassam a vida social.”[11]


Sobre a importância dos princípios constitucionais da Seguridade Social, ensina MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA que:


“O sistema normativo é composto da atuação também dos princípios. Portanto, estes são informadores do sistema – e não meramente integradores deste. Uma regra que destoa de um princípio, obviamente não pode prevalecer, […].”[12]


Portanto, é certo e induvidoso que a Constituição Federal como norma garantidora dos direitos individuais avaliza o direito da segurada desempregada, demitida nas hipóteses não contempladas no Decreto nº 3.048/99, ao recebimento do salário-maternidade, impedindo a restrição encartada no decreto regulamentar.


2.2. Cotejo analítico entre o art. 97 do Decreto nº 3.048/99 e o art. 15 da Lei 8.213/91.


Ademais, após a devida análise dos princípios e regras constitucionais, é possível concluir, também, que nem mesmo a Lei nº 8.213/91, poderia restringir tal direito, como não o fez. As notas seguintes se destinarão ao exame do art. 97, do Decreto nº 3.048/99, em contraponto as normas infraconstitucionais, para demonstrar a ilegalidade do citado dispositivo.


É de bom alvitre, prefacialmente, noticiar o conteúdo do art. 15, da Lei nº 8.213/91. In verbis:


Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:


I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;


II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração[13];


III – até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;


IV – até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;


V – até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;


VI – até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.


§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.


§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.


§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.


§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.[14]


Este dispositivo normativo estatui as formas de manutenção da qualidade de segurado, o que a doutrina designa período de graça, lapso temporal onde o sujeito ativo da relação jurídica de proteção conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social, mesmo que deixe de trabalhar de forma remunerada (segurado obrigatório) ou realizar o pagamento de contribuições previdenciárias (segurado facultativo).


De sua detida leitura, não se extrai qualquer vedação ao recebimento de salário-maternidade pela segurada que não esteja empregada, conforme as vedações do art. 97, do Decreto nº 3.048/99. Pelo contrário, de sua interpretação, até por aquele método menos privilegiado, ou seja, o gramatical, a única conclusão possível a que se chega é a que obriga o Instituto Nacional do Seguro Social a conceder o benefício previdenciário do salário-maternidade.


O art. 15, da Lei nº 8.213/91, por não fazer distinção em relação a qualquer espécie de benefício, é plenamente aplicável na hipótese, pois onde a lei não discrimina, não cabe ao intérprete fazê-lo, mormente se a questão envolve a maternidade, merecedora de proteção especial do Estado. Ademais, como delineado alhures, o art. 71, do Plano de Benefícios, regra matriz do salário-maternidade, igualmente, não comporta restrição alguma.


É bom lembrar, ainda, que no direito brasileiro:


“[…] o ato normativo decorrente do poder regulamentar conferido ao Poder Executivo não pode contrariar a Lei nem criar direitos, impor quaisquer obrigações, proibições, penalidades que nela não estejam previamente estabelecidos, sob pena de serem ilegais.”[15]


Estes são também os ensinamentos de JEAN RIVERO, ao considerar que a “Administração é uma função essencialmente executiva: encontra na lei o fundamento e o limite de sua actividade.[16]


ALEXANDRE DE MOARES não discrepa ao ensinar que:


“Os regulamentos, portanto, são normas expedidas privativamente pelo Chefe do Poder Executivo, cuja finalidade precípua é facilitar a execução das leis, removendo eventuais obstáculos práticos que podem surgir na sua aplicação e se exteriorizam por meio de decreto, […].”[17]


A propósito do poder regulamentar, é sempre atual o magistério de PIMENTA BUENO, o mais autorizado intérprete da Carta Imperial de 1824, que o considera abusivo nos seguintes casos, verbis:


1º) em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidas pela lei, porquanto seria uma inovação exorbitante de suas atribuições, uma usurpação do poder legislativo, que só poderá ser tolerada por câmaras desmoralizadas. Se assim não fora poderia o governo criar impostos, penas, ou deveres, que a lei não estabeleceu, teríamos dois legisladores, e o sistema constitucional seria uma verdadeira ilusão; 2º) em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações, porquanto a faculdade lhe foi dada para que fizesse observar fielmente a lei, e não para introduzir mudança ou alteração alguma nela, para manter os direitos e obrigações como foram estabelecidos, e não para acrescentá-los ou diminuí-los, para obedecer ao legislador, e não para sobrepor-se a ele; 3º) em ordenar, ou proibir o que ela não ordena, ou não proíbe, porquanto dar-se-ia abuso igual ao que já notamos no antecedente número primeiro. E demais, o governo não tem autoridade alguma para suprir, por meio regulamentar, as lacunas da lei, e mormente do direito privado, pois que estas entidades não são simples detalhes, ou meios de execução. Se a matéria como princípio é objeto de lei, deve ser reservada ao legislador; se não é, então não há lacuna na lei, sim objeto de detalhe de execução; 4º) em facultar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece, porquanto deixaria esta de ser qual fora decretada, passaria a ser diferente, quando a obrigação do governo é de ser em tudo e por tudo fiel e submisso à lei; 5º) finalmente, em extinguir ou anular direitos ou obrigações, pois que um tal ato equivaleria à revogação da lei que os estabelecera ou reconhecera; seria um ato verdadeiramente atentatório. […]


O governo não deve por título algum falsear a divisão dos poderes políticos, exceder suas próprias atribuições, ou usurpar o poder legislativo. Toda e qualquer irrupção fora destes limites é fatal, tanto às liberdades públicas, como ao próprio poder.[18] (grifos nossos)


Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro atribui ao regulamento unicamente o papel de regulamentar a lei, esclarecendo o seu comando normativo, porém, sempre, observando-a, estritamente, não podendo inovar, ampliar ou restringir direitos, sob pena de ilegalidade.


Não obstante os argumentos expostos, mais um de onde infraconstitucional, abarca a opinião neste aqui defendida. A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942), no art. 5º, determina que ao aplicar a lei, deve o magistrado se atentar aos fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem comum.[19]


Assim, da interpretação conjugada dos dispositivos legais (arts. 15 e 71, da Lei nº 8.213/91 e art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil), o único e possível resultado válido que se pode chegar é aquele que considera ilegal e contrário ao ordenamento jurídico brasileiro o art. 97, do Decreto nº 3.048/99.


Sobre o tema DANIEL MACHADO DA ROCHA e JOSÉ PAULO BALTAZAR JÚNIOR afirmam:


O Regulamento de Benefícios, no seu art. 97, consagra uma disposição em absoluto descompasso com os princípios que rezam a concessão das prestações previdenciárias, mormente o princípio da proteção. Ao restringir o deferimento do salário-maternidade para empregada apenas na vigência da relação de emprego, o preceito está, no mínimo, eivado de ilegalidade. Com efeito, o inciso II do art. 15 da Lei de Benefícios estende a proteção previdenciária pelo período mínimo de 12 meses no caso de cessação de atividade remunerada vinculada à previdência social, razão pela qual entendemos que esta regra não pode ser considerada porquanto é ilegal”[20]. (grifos nossos)


O entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça corrobora o aqui esposado:


“PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 15 DA LEI Nº 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADA MANTIDA. BENEFÍCIO DEVIDO. 1. Não ocorre omissão quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu crivo. 2. A legislação previdenciária garante a manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições, àquele que deixar de exercer atividade remunerada pelo período mínimo de doze meses. 3. Durante esse período, chamado de graça, o segurado desempregado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social, a teor do art. 15, II, e § 3º, Lei nº 8.213/91. 4. Comprovado nos autos que a segurada, ao requerer o benefício perante a autarquia, mantinha a qualidade de segurada, faz jus ao referido benefício. 5. Recurso especial improvido[21]”. (grifos nossos)


As decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região seguem a mesma linha.[22] Em abono o recente acórdão prolatado em 19 de abril de 2011 e publicado em 05 de maio de 2011:


PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. DISPENSA ARBITRÁRIA. MANUTENÇÃO DA CONDIÇÃO DE SEGURADA. DIREITO AO BENEFÍCIO. 1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção da maternidade, sendo pago diretamente pela Previdência Social. 2. A legislação previdenciária garante a manutenção da qualidade de segurado, até 12 meses após a cessação das contribuições, àquele que deixar de exercer atividade remunerada. 3. A segurada tem direito ao salário-maternidade enquanto mantiver esta condição, pouco importando eventual situação de desemprego. 4. O fato de ser atribuição da empresa pagar o salário-maternidade no caso da segurada empregada não afasta a natureza de benefício previdenciário da prestação em discussão. Ademais, a teor do disposto no artigo 72, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 10.710, de 5/8/2003, a responsabilidade final pelo pagamento do benefício é do INSS, na medida em que a empresa tem direito a efetuar compensação com as contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos. Se assim é, não há razão para eximir o INSS de pagar o que, em última análise, é de sua responsabilidade. 5. A segurada não pode ser penalizada com a negativa do benefício previdenciário, que lhe é devido, pelo fato de ter sido indevidamente dispensada do trabalho. Eventuais pendências de ordem trabalhista, ou eventual necessidade de acerto entre a empresa e o INSS, não constituem óbice ao reconhecimento do direito da segurada, se ela optou por acionar diretamente a autarquia.[23] (grifos nossos)


Veja-se, ainda, a outra recente decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgamento ocorrido em 06 de abril de 2011 (D.E. 13/04/2011), que afirmar a inexigibilidade do vínculo empregatício da empregada para o recebimento do salário-maternidade, enfatizando ilegalidade do art. 97, do Decreto nº 3.048/99, por extrapolar o contido na lei de benefícios da previdência social:


“PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA EMPREGADA URBANA. DEMISSÃO. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADA. ART. 15, INCISO II, DA LEI N.° 8.213/91. ART. 97 DO DECRETO N.º 3.048/99. INAPLICABILIDADE. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. 1. Demonstrado, nos autos, o exercício de labor urbano o mesmo deve ser considerado para fins previdenciários. 2. O registro constante da CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados. 3. Nos termos dos arts. 71 e ss. da Lei n.º 8.213/91, é devido o salário-maternidade às empregadas urbanas que fizerem prova do nascimento dos filhos e da qualidade de seguradas na data do parto, independentemente do cumprimento de período de carência (arts. 11, inciso II, e 26 da LBPS). 4. Demonstrada a maternidade e a manutenção da qualidade de segurada, nos termos do art. 15 da LBPS, é devido à autora o salário-maternidade, ainda que cessado o vínculo empregatício na data do nascimento. 5. Em que pese o art. 97 do Decreto n.º 3.048/99 estabeleça somente ser devido o salário-maternidade quando existir relação de emprego, tem-se entendido pela sua inaplicabilidade uma vez que a lei que o referido decreto visa a regulamentar não prevê tal restrição. Acrescente-se, ainda, ser exigência da legislação para concessão dos benefícios que o postulante ostente a condição de segurado, não importando se está empregado ou não.”[24] (grifos nossos)


Então, o Instituto Nacional do Seguro Social deve se abster de exigir das seguradas não-empregadas da previdência social, enquanto estiverem no período de graça (art. 15 da Lei 8.213/91), prova de relação de emprego ou que a demissão antes da gravidez, ou, durante a gestação, tenha ocorrido em vista de dispensa por justa causa ou a pedido como pré-requisito para concessão do salário-maternidade, tanto na vigência da redação original do art. 97, do Decreto nº 3.048/99, quanto após a alteração perpetrada pelo Decreto nº 6.122/07.


3. CONCLUSÃO.


Demonstrado, então, as mancheias, nas linhas anteriores, a impropriedade do dispositivo estampado no art. 97 do Decreto nº 3.048/99, tanto em relação a sua redação original quanto após a mudança perpetrada pelo Decreto nº 6.122/07.


Assim, os aplicadores do direito, em especial os advogados, na busca pela verdadeira supremacia dos ditames constitucionais, devem a todo custo lutar perante o judiciário pelo reconhecimento e declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade do citado dispositivo.


Portanto e para finalizar, é induvidoso que cumprida a carência, mesmo estando à segurada do regime geral de previdência social desempregada, qualquer que seja a forma de extinção do contrato de trabalho, havendo a manutenção da qualidade de segurado na forma do art. 15, da Lei nº 8.213/91, faz jus ao recebimento do benefício previdenciário de salário-maternidade, afastando-se, assim, a aplicação do art. 97 do Decreto nº 3.048/99, por ser a um só tempo inconstitucional e ilegal.


 


Bibliografia

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______. Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 05 de maio de 1999.

______. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1995. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 14 de agosto de 1991.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15 jun. 2011.

______. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br>. Acesso em: 15 jun. 2011.

BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da constituição do império. Rio de Janeiro, 1857.

CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da dignidade da pessoa humana nas constituições abertas e democráticas. 1988-1998, uma década de constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2. ed. v. II. trad. de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1962.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. 5. ed. Atlas: São Paulo, 2005.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Curso de Especialização em Direito Previdenciário. v. 1. Editora Juruá, Curitiba.

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ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. Livraria do Advogado: ESMAFE: Porto Alegre, 2006.

______. Comentários à lei de benefícios da previdência social. Livraria do Advogado: ESMAFE: Porto Alegre, 2000.

 

Notas:

[1] BRASIL. Constituição (1988). “Constituição da República Federativa do Brasil”. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 05 de outubro de 1988.

[2] BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1995. “Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e dá outras providências”. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 14 de agosto de 1991.

[3] BRASIL. Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999. “Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências”. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 05 de maio de 1999.

[4] BRASIL. Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999. op. cit.

[5] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2. ed. v. II. trad. de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1962. p. 2.

[6] Não se desconhece, contudo, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que por sua jurisprudência, entendeu ser inviável a controle de constitucionalidade de norma jurídica secundária, já que seu fundamento de validade é a lei (norma jurídica primária) e a violação ao Constituição Federal se daria apenas de forma indireta ou reflexa.

[7] BRASIL. Constituição (1988). op. cit.

[8] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…];

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[9] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]:

[10] CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da dignidade da pessoa humana nas constituições abertas e democráticas. 1988-1998, uma década de constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 107/108.

[11] AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. O que é justiça. Uma Abordagem Dialética. Editora Alfa-Ômega: São Paulo, 1993. p. 63.

[12] CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Curso de Especialização em Direito Previdenciário. v. 1. Editora Juruá, Curitiba. p. 255.

[13] A Medida Provisória nº 1.709-4, de 27.11.1998, reeditada até a de nº 2.164-41, de 24.8.2001, em vigor em função do disposto no art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11.9.2001, assegura a qualidade de segurado aos empregados ali mencionados, nos seguintes termos:

“Art. 11. Ao empregado com contrato de trabalho suspenso nos termos do disposto no Art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT aplica-se o disposto no Art. 15, inciso II, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.”

[14] BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1995. op. cit.

[15] ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. Livraria do Advogado: ESMAFE: Porto Alegre, 2000. p. 312.

[16] RIVERO, Jean. Direito administrativo. Almedida: Coimbra, 1981. p. 20.

[17] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. 5. ed. Atlas: São Paulo, 2005. p. 802.

[18] BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da constituição do império. Rio de Janeiro, 1857. p. 237. nº 326.

[19] Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

[20] ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. Livraria do Advogado: ESMAFE: Porto Alegre, 2006. p. 240.

[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 549.562/RS, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 25.06.2004, DJ 24.10.2005 p. 393.

[22] Veja-se também: BRASIL, TRF4, AC 2006.71.99.003042-3, Sexta Turma, Relator Sebastião Ogê Muniz, D.E. 13/07/2007; BRASIL, TRF4, AMS 2004.70.00.006688-2, Turma Suplementar, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 13/12/2006; BRASIL, TRF4, AC 2001.04.01.041462-2, Quinta Turma, Relator do Acórdão Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ 22/10/2003; BRASIL, TRF4, AMS 2006.72.10.004175-6, Quinta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 27/08/2007; BRASIL. TRF4, AC 2006.72.99.001746-9, Quinta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 28/02/2007.

[23] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC 0002093-74.2011.404.9999, Quinta Turma, Relatora Loraci Flores de Lima, D.E. 05/05/2011.

[24] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC 0000632-67.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 13/04/2011.


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Elvio Flávio de Freitas Leonardi


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