Resumo: A internetwork, ou simplesmente, internet, realizou o impossível há cinquenta anos: tornar a sociedade simultânea aos acontecimentos. Hoje, em apenas um dispositivo que mede centímetros pode-se ter o mundo inteiro, e portá-lo de modo confortável. O advento do leitor digital de livros conferiu mais mobilidade à vida humana, mas trouxe consigo inúmeras controvérsias, tais qual a aplicação da imunidade do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, que exonera de impostos os livros e o papel, ao suporte digital de leitura, na medida em que apresenta funcionalidades que vão muito além do prazeroso hábito de folhear um livro.
Palavras-chave: Imunidade tributária; leitor digital; suporte
Sumário: Introdução. 1. O Princípio da Imunidade Tributária. Conceito e evolução histórica. Finalidade e alcance da norma constitucional imunizante. 2. O suporte do livro e a sua imunidade tributária. A finalidade da imunidade conferida aos livros e ao seu papel de impressão. 3. A aplicação do Princípio da Imunidade Tributária aos novos conceitos tecnológicos. As novas tecnologias: da internet ao leitor digital. O livro eletrônico e a imunidade tributária sobre suas espécies: disquete, CD-ROM, leitor digital. Considerações Finais. Referências bibliográficas. Notas.
INTRODUÇÃO
A modernidade e o direito não se conjugam. De um lado, os grandes avanços tecnológicos demandam interpretações rápidas e precisas. De outro, o direito exige longos debates, dificultando à legislação acompanhar, em tempo real, as novidades trazidas na sociedade, principalmente após o Século XX. A sociedade atravessou a era agrícola, a era industrial, chegando, finalmente, à era da informação e do conhecimento. O direito, que antes protegia a propriedade e a produção, hoje, tutela a informação – um bem impalpável e controverso. Com isso, o homem contemporâneo emergiu para uma sociedade em que o veículo principal, antes constituído por prótons, passou ao conceito binário – o bit. Com isso, hábitos modificaram-se, exigindo uma resposta contemporânea e eficaz do direito. Uma dessas mudanças vem sendo verificada no hábito da leitura. Ontem, era o papiro; hoje, o suporte é um dispositivo digital que permite a leitura de livros, elementos tutelados pela Constituição Federal e sobre os quais paira a imunidade tributária, no sentido de assegurar a disseminação do conhecimento humano e a liberdade de expressão. O presente estudo tem o objetivo de trazer à discussão um conceito contemporâneo, e que promete revolucionar na medida em que proporciona comodidade e economia e cumpre com o objetivo constitucional de difundir a cultura, o conhecimento e de agregar base para a liberdade de expressão, e que também permite ao seu usuário outras funcionalidades não incluídas no rol constitucional de exonerações fiscais. Usando-se de uma metodologia indutiva, por meio de uma abordagem qualitativa, iniciará tratando da própria imunidade constitucional tributária, do seu significado a sua finalidade primordial. Em seguida, fará uma breve abordagem sobre o conceito de livro e os seus diversos tipos de suporte, desde o surgimento dos escritos pré-históricos. Em um último momento, será abordada a aplicação da norma constitucional imunizante aos novos conceitos de tecnologia, mormente o leitor digital de livros, conceito inédito no Brasil, e que tende a inúmeros debates legislativos, doutrinários e jurisprudenciais, uma vez que não se limita, apenas, à leitura textual.
1. O princípio da imunidade tributária
1.1 Conceito e evolução histórica
O Estado, no exercício de sua soberania, impõe aos cidadãos o recolhimento de recursos financeiros visando a atender suas políticas públicas. Para tanto, a Constituição Federal deferiu à União, ao Distrito Federal e aos Estados e Municípios poder para tributar, consistente na competência para instituir tributos à vista da realização de situações previstas na legislação.
A Constituição que confere competências aos entes federados para criar tributos também os limita com o objetivo de equacionar o poder que o Estado possui de invadir a esfera econômica do contribuinte, e este de exercer sua qualidade de sujeito de direito. Consistentes em verdadeiras “Limitações ao Poder de Tributar”, manifestam-se mais explicitamente por meio de princípios constitucionais tributários e de imunidades tributárias, que se distinguem, entre si, no conceito. Tanto é assim que, embora seus objetos se confundam – o poder de tributar -, a Constituição Federal distintamente lhes faz referência.
Marco Aurélio Greco (2003, p. 165) ensina que o principio traz diretrizes positivas traçadas conforme a vontade do constituinte, no sentido de informar os padrões a serem amplamente aplicados no exercício do poder de tributar[1]. Diferentemente, as limitações veiculam atribuições de cunho proibitivo, negando maior ação ao legislado e condicionado o poder tributante.
O presente estudo limita-se à abordagem da imunidade tributária que, segundo Luciano Amaro (2009, p. 106), consiste em uma técnica de retirar do campo da competência tributária determinados tributos em razão de situações excepcionais, fixando limites que, uma vez ultrapassados, imprimem inexistência à norma de competência. Ives Gandra da Silva Martins (2003, p. 121), sobre a imunidade, esclarece que “das seis formas desonerativas da imposição tributária, é a única que se coloca fora do alcance do poder tributante, não havendo nascimento nem da obrigação, nem do crédito tributário, por determinação superior.” Em um conceito bem simplificado, Alexandre de Moraes (2007, p. 836) ensina que imunidade tributária “consiste no impedimento constitucional absoluto à incidência da norma tributária, pois restringe as dimensões do campo tributário da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”
As imunidades, portanto, são regras da Constituição Federal (art. 150, VI) que limitam o poder do Estado afastando-o da competência para instituir impostos. A Constituição traça fronteiras para a manifestação do poder de tributar, vedando a instituição de tributos, sob pena do não reconhecimento da lei tributante violadora da norma constitucional.
Traçando um breve retrospecto, importante dizer que a atividade de tributar na antiguidade representava o poder da realeza e sua dominação geográfica sobre os seus súditos e riquezas, indistintamente. No Império Romano havia institutos que recaíam sobre determinadas pessoas ou situações, retirando-lhes o encargo de pagar tributos. Dessa época, registra-se a desoneração de templos religiosos, justificado pelo poder que a Igreja exercia sobre a realeza, e de bens públicos, introduzindo na seara das imunidades o modelo de reciprocidade tributária entre as pessoas políticas, como no modelo atual.
Na Idade Média, os tributos oneravam sobremaneira e abusivamente os súditos. Isso porque, nessa época, os fatores econômicos não eram levados em conta ao recolher tributos, mas o caráter político e vinculado entre o rei, a nobreza e a igreja. Regina Helena Costa (2006, p. 26), citando Rosa Maria Garcia Barros, argumenta que:
“Nessa época, ‘em total confronto com os princípios consagrados posteriormente no Estado Liberal, quais sejam, os da universalidade e da capacidade contributiva, eram os mais abonados que gozavam do privilégio da imunidade’. A imunidade, assim, significava um autêntico privilégio dos nobres e da Igreja frente ao poder do Rei.”
Contudo, a concessão de privilégios fiscais a uma minoria foi perdendo peso e, consequentemente, desfragmentando-se com a Revolução Francesa, em 1789, diante dos protestos da burguesia que pleiteava isonomia e imparcialidade na concessão de benefícios fiscais embasada em um ideal de justiça e capacidade econômica. Passou-se, pois, de um cenário no qual se exigia o pagamento de impostos aos pobres – em benefício dos mais abastardos, para uma verdadeira democratização das imunidades, deixando estas, segundo Regina Helena Costa (2006), de representar apenas privilégios a poucos para figurar como garantia na diferenciação da exigência do tributo.
A imunidade tributária no Brasil foi ganhando relevo ao longo das Constituições Brasileiras na medida em que incluíam no seu rol novas categorias de pessoas ou circunstâncias. Destacando os pontos mais relevantes das Constituições Brasileiras, tem-se o surgimento das normas de imunidade no ordenamento pátrio em 1824, quando a Carta Constitucional modelou o que, atualmente, é conhecido como princípio da capacidade contributiva, e dispôs sobre as imunidades fiscais. A imunidade recíproca foi reconhecida entre a União e os Estados-membros pela Constituição de 1891, e a vedação ao embaraço aos cultos religiosos foi reiterada no Texto de 1934, que destacava, também, a imunidade sobre os impostos afetos a profissionais escritores, jornalistas e professores. A Constituição de 1937 estendeu a imunidade recíproca aos Municípios.
Todavia, foi na Constituição de 1946 que ganhou importância legislativa a exoneração tributária do papel destinado à impressão de jornais, periódicos e livros, citado no art. 31, V, “c”, daquele Texto Maior. A Constituição de 1967 manteve a disposição do ordenamento anterior; porém, a imunidade, antes conferida apenas ao papel, foi estendida aos bens a que servia de suporte – jornais, livros e periódicos -, ampliando o rol de situações imunizadas. Com o advento, em 1988, da atual Constituição Federal, as imunidades tributárias se consolidaram, formando um rol de situações e pessoas que gozam de uma justiça contributiva, que exalta o princípio da isonomia no ordenamento fiscal.
1.2 Finalidade e alcance da norma constitucional imunizante
As imunidades tributárias, transcendendo aos conceitos de incentivo ou privilégios fiscais vigente na antiguidade, e visando à garantia dos valores constitucionais, não significam apenas renúncias fiscais. Hoje, as imunidades representam fato de absoluto interesse nacional na medida em que, retirando o poder do Estado de criar tributos, não permitem sequer o nascimento da obrigação tributária e, consequentemente, do crédito dela decorrente. Fundamentam-se na obrigação do Estado em preservar valores que representam a razão de existir de determinados direitos inerentes às pessoas; ou, manifestando-se por meio da não-incidência sobre determinadas circunstâncias, reforçam o conceito de não-privação de determinados institutos jurídicos, em prol da sua continuidade.
Nesse sentido, Luciano Amaro (2009, p. 151) bem explica que:
“O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente de existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes.”
Também importantes são as considerações de Ari Timóteo dos Reis Junior (2010), ao entender que “ao contemplar hipóteses de imunidade, quis a Constituição garantir a efetividade de múltiplos valores consagrados pela sociedade sob a forma de princípios”.
Adiante, Ives Gandra da Silva Martins (2003, p. 122), ensina:
“É que a imunidade, nas hipóteses constitucionais, constitui o instrumento que o constituinte considerou fundamental para, de um lado, manter a democracia, a liberdade de expressão e ação dos cidadãos e, por outro lado, de atrair os cidadãos a colaborarem com o Estado, nas suas atividades essenciais, em que, muitas vezes, o próprio Estado atual mal ou insuficientemente” […].
É visível, portanto, a preocupação da doutrina em afastar quaisquer intervenções estatais que resultem, não só em onerar sobremaneira determinados bens, fatos ou pessoas – a ponto de comprometerem o exercício efetivo de princípios infirmados na Constituição Federal -, mas, também, na proteção do exercício de liberdade e na continuidade do Estado.
Para Regina Helena Costa (2006, p. 115), “a interpretação da norma imunizante dever ser efetuada de molde a efetivar o princípio ou liberdade por ela densificado”, e complementa a autora, na mesma oportunidade, que “o alcance da norma deve se conformar com a eficácia do princípio ou liberdade”. Isso quer dizer que não importa, tão somente, o sentido da norma imunizante, mas da sua interpretação em consonância com do direito fundamental a que deve proteger.
Assim, dada a dinâmica dos fatos sociais, o intérprete da norma imunizante precisa adotá-la de modo a dar concretude, ao longo do tempo, ao valor nela abrigado. Do contrário, corre-se o risco de retirar a eficácia objetivada pelo constituinte, que é dar proteção a fundamentos essenciais à sociedade e à manutenção da democracia e, consequentemente, das liberdades, estendendo seu condicionamento a uma interpretação adequada.
Em um estudo realizado acerca da interpretação das imunidades tributárias, Ana Caroline Kruger de Lima Leopoldo (2010, p. 25) entende sê-las passíveis de interpretação ampliativa. Nesse passo, Regina Helena Costa (2006, p. 111), considerando ser a interpretação uma atividade cujo objetivo é identificar o conteúdo, o alcance e o significado de uma norma jurídica, de modo a antecedê-la e ampliá-la, apresenta quatro aspectos que, segundo a autora, repercutem nas normas constitucionais: “1) sua superioridade hierárquica em relação às demais normas; 2) a natureza da linguagem por elas empregada; 3) o conteúdo específico que abrigam; e 4) seu caráter essencialmente político”. Conclui a mesma autora (2006, p. 116) que “apresenta-se, então, superado, o entendimento segundo o qual a interpretação deve ser estrita e literal, pois, como garantia constitucional que é, a norma imunizante merece ser interpretada generosamente.
Feitas tais considerações, resta identificar, mais à diante, o que o legislador quis alcançar com o enunciado do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, ao declarar imunes os livros, jornais e periódicos e o papel que lhes serve de suporte. Atendo-se ao livro, importa esclarecer se, assim como o papel enquanto suporte, os meios digitais, em voga na sociedade atual, são capazes de atrair a intenção do legislador e abarcar a imunidade tributária. Afinal, o livro não mais é, exclusivamente, escrito sobre prótons, mas, também, por meio de bytes.
3. O suporte do livro e a sua imunidade tributária
A história do livro e de seus suportes é tão antiga quanto à da humanidade, e impressiona tanto pela audácia de seus elementos constituintes, ao logo do tempo, como pela sua finalidade: difundir conhecimento e assegurar liberdade de expressão.
O suporte, para representação de um texto compilado em formato de livro – suporte textual -, constitui uma ordenação na qual é impressa a história das várias sociedades ou de fatos que permitam a comunicação. Segundo o Dicionário Aurélio (2009), suporte é “aquilo em que algo se firma ou se assenta”, significando, pois, uma espécie de superfície na qual algo, ideia ou conceito encontra-se baseado. Luiz Antonio Marcuschi (2003), leciona ser o suporte “um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”, complementando que deve ser algo “real” e “específico”, sendo sua função primordial “fixar o texto e assim torná-lo acessível para fins comunicativos”.
O suporte tem suas bases formadas em um elemento que dá concretude às ideias de modo a torná-las inteligíveis, especificamente voltado para acomodar textos de forma permanente, e sua função é tornar acessível a difusão do conhecimento. Alguns autores têm o cuidado de identificá-lo como algo físico no seu sentido literal, palpável, como Benedito Gomes Bezerra (2006), que aponta alguns suportes, como a pedra, o papiro e o pergaminho, conforme se verifica no texto abaixo:
“Diversos tipos de material foram utilizados para a escrita no mundo antigo: tábuas de argila, pedra, osso, madeira, couro, metais diversos, fragmentos de cerâmica (ostraca), papiro e pergaminho. No entanto, de todos esses materiais, os mais eficazes para a feitura de documentos que pudessem ser manuseados e transportados até o leitor/ouvinte foram, num primeiro momento, as tábuas de argila e depois o papiro e o pergaminho.”
O conhecimento era transmitido, ainda na pré-história, quando o homem, de modo não ordenado, reproduzia nas paredes das cavernas o seu cotidiano, lutas e conquistas, por meio de pinturas rupestres, que são “grafismos feitos na rocha” (ARNT, 2002, p. 8). Aproximadamente 4000 a.C, os Sumérios, utilizando-se de placas de argila, deram ao mundo a escrita cuneiforme, que consistia em “certos tipos de escrita feitos com auxílio de glifos em formato de cunha”[2]. Seguiram-se os Egípcios que, com sua escrita hieroglífica, ainda sob uma base de pedra, reproduziam mensagens ou contavam as histórias e crenças dos faraós.
No Egito antigo, às margens do Rio Nilo, cultuava-se uma planta, da família das Cyperaceas, de cuja haste adveio a matéria-prima do papiro. A ilustrar sua importância:
“Como papel ele foi adoptado pelos gregos, romanos, coptas, bizantinos, arameus e árabes. Grande parte da literatura grega e latina chegou até nós em papiros. Ele continuou a ser utilizado até a Idade Média, sendo que uma bula papal datada do ano 1022 da era cristã ainda foi escrita sobre aquele material”.[3]
Sucedendo o papiro, e largamente utilizado na Idade Média, o pergaminho (do latim pergamina ou pergamena), produzido a partir da pele de animal (cabra, cordeiro ou carneiro), após passar por processo de preparação, servia de base para monges copistas se dedicarem integralmente ao ofício de transcrever imensas obras para esse tipo suporte, como se vê adiante:
“A característica mais marcante da Idade Média é o surgimento dos monges copistas, homens dedicados em período integral a reproduzir as obras, herdeiros dos escribas egípcios ou dos libraii romanos. Nos monastérios era conservada a cultura da Antiguidade. Apareceram nessa época os textos didáticos, destinados à formação dos religiosos. Esses ambientes acabaram se tornando verdadeiras produções em massa de livros manuscritos.”[4]
O pergaminho mostrou-se mais resistente que o papiro, e, por conseguinte, apresentava maior vida útil. Também era mais fácil costurar o pergaminho em códices[5], uma vantagem não apresentada pelo papiro que se dissolvia rapidamente, e passou à escassez quando um cenário político de conflitos externos obstou sua importação.
Depois disso, há aproximadamente 2000 anos, surgiu o papel. Fabricado a partir do córtex das plantas, e largamente difundido na China, inspirou os Árabes, tempos mais tarde, a fundarem a primeira fábrica de papéis. O papel ganhou força com a invenção que mudaria completamente a história da escrita: aperfeiçoado pelo alemão Johann Gutenberg, no Século XV, o “tipógrafo” conferiu maior rapidez à transcrição de livros, atividade antes conferida aos monges copistas.
Importante esse breve discurso histórico para demonstrar a transformação dos diversos suportes utilizados para a transcrição textual, que passou da forma rudimentar a invenções de ponta que facilitam a vida da sociedade moderna, sem perder seu fundamento principal.
Muitos anos após o surgimento do papel, o advento do computador e de seus periféricos trouxe, principalmente para o Século XX, uma nova forma de imprimir textos – usou-se da tecnologia da informática para criar o disquete e o CD-ROM[6]. A evolução dessa tecnologia resultou em um dispositivo telemático (compilação de recursos da informática e da telecomunicação) que possibilita o armazenamento de inúmeros títulos literários, adquiridos por meio da internet[7]. Denominado leitor digital de livros, ou, simplesmente, e-reader, chegou ao Brasil em 2009, importado por uma empresa virtual norte-americana que comercializa livros digitais via internet, inflamando as discussões sobre diversas matérias, dentre as quais, a questão tributária.
Assim, os problemas trazidos com a utilização do disquete e, posteriormente, do CD-ROM na leitura de livros eletrônicos, cuja extensão da imunidade tributária pende de enfrentamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal, aumentaram consideravelmente, pois, diferentemente de seus antecessores eletrônicos, as funcionalidades do e-reader vão além de uma inocente e agradável tarde de leitura, já que prestigiado com inúmeros recursos, igual e licitamente adquiridos na internet.
3.1 A finalidade da imunidade conferida aos livros e ao seu papel de impressão
O art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, confere a livros, jornais e periódicos, bem como ao papel em que são impressos, proteção contra o Estado, no sentido de ver-lhes garantida a não-incidência de impostos.
Atentando ao livro, objeto do presente estudo, fixar entendimento acerca da sua finalidade é, sobremaneira, importante para, então, vincular seu suporte digital ao alcance, ou não, da norma imunizante inserta no artigo constitucional.
É por meio do livro que o homem atravessa as fronteiras do tempo e do espaço, do real e do fictício; é também por meio dele que todos os homens tornam-se iguais, porquanto não lhes é vedada a liberdade de sonhar. Ler é ser livre.
Ao tratar da sua imunidade tributária, Angela Maria da Motta Pacheco, (2003, p. 20) assim define o livro:
“O livro é aquilo que faz o homem pensar, o homem sentir, o homem existir. São os livros que ensinam a linguagem matemática, musical e a nossa linguagem das palavras. São os livros que contam histórias dos povos, falam sobre a vida de alguém, ou falam de histórias imaginárias, fantásticas e mágicas. São os livros que falam de como o homem pensa, de como percebe a natureza, de como pode nela interferir, destruindo-a ou reconstruindo-a.
É o livro que imortaliza o homem.
[…]
Livro é, pois, o conteúdo de um veículo que divulga informação, ciência, ficção, arte, idéias e cultura, no vasto domínio do conhecimento humano. A matéria, na qual o livro se impregna, se identifica, completa-o, mas não o define.”
Ricardo Lobo Torres (2003, p. 227), pendendo um pouco para as questões de direito autoral, aponta duas características, que tem como essenciais para a conceituação de livro que são “a base física constituída por impressão em papel e a finalidade espiritual de criação de bem cultural ou educativo”, entendendo ser seu conceito completo e ambíguo para efeitos de extensão da imunidade tributária.
Opostos os sentidos das considerações transcritas, pois, se de um lado, o livro é considerado, tão apenas, o conteúdo disposto em um veículo, e, denota-se não importar qual a base física desse veículo e, assim, não imprimir a necessidade de considerá-lo apenas o papel tradicional; de outro, importa a impressão em papel, ainda que a composição textual implique criação do espírito. A princípio, não resta claro se importa, ou não, como a mensagem será emitida; como será declarada, independentemente do que contém o seu espírito, ou de qual material será utilizado para suportá-la.
Editada em 2003, a Lei n° 1075[8], que instituiu a Política Nacional do Livro, em seu art. 2°, conceitua o livro como “uma publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento”. Contudo, seu parágrafo único o equipara aos atuais livros em meio digital, magnético e ótico, porém para o uso exclusivo de pessoas com deficiência visual, apenas.
Não à toa, o legislador constituinte assegurou ser livre a manifestação do pensamento, desde que vedado o anonimato, bem como a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5°, IV e IX, CF, respectivamente), nos quais traduz a necessidade, segundo José Afonso da Silva (2007, p. 89), de garantir as “coisas reais que se situam no nível da mente”, que consistem no pensamento, que pode ou não ser externado. A liberdade de pensamento, segundo o mesmo autor (2007, p. 89), consiste na “exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente”.
Mais a diante, o texto da Constituição, no seu art. 220, dispõe sobre a liberdade de expressão, impondo que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, desde que observadas demais disposições. A clara intenção do legislador é afastar qualquer embaraço que possa sofrer a manifestação do espírito humano, independentemente do conteúdo dessa expressão.
O Texto Constitucional, ainda que implicitamente, parecendo prever as futuras controvérsias implementadas pela tecnologia moderna, buscou tratar genericamente do assunto, assegurando que a disseminação da cultura e do conhecimento, bem como a expressão ideológica, fossem indiferentes ao veículo que os suportassem.
Ao vedar que o Estado exerça o seu poder de tributar sobre o livro, bem como sobre o papel em que é impresso, quis o constituinte originário manter intacta a necessidade do homem em expressar-se livremente. Do mesmo modo, visou torná-lo acessível a todos, sem discriminações.
Todavia, o suporte demonstrou sua mutabilidade, sendo aperfeiçoado conforme a mudança de hábito e as necessidades da sociedade. Na conjuntura moderna, a sociedade vive, basicamente, da informação, cujo formato altera-se longo do tempo. A informação transmutou-se para um espectro não físico e, com isso, adveio a simultaneidade das informações. A obtenção de um livro ou vários, um texto científico ou uma obra de domínio público, torna-se possível com o acesso em tempo real à internet. Mas, igualmente, acessa-se outros recursos multimídias – vídeos, jogos, e outros eventos não incluídos no contexto constitucional de livro, periódico ou jornal -, por meio do leitor digital, que difere dos demais livros eletrônicos, por seu suporte multifuncional, não se reservando, tão somente, ao livro em formato digital.
Dessa forma, a jurisprudência tem pela frente o desafio de interpretar se são os e-readers, ou não, abrangidos pela exoneração tributária do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, bem como tem a doutrina a incumbência de embasar os estudos de modo a orientar o ofício do profissional do direito e da própria sociedade.
4. A aplicação do princípio da imunidade tributária aos novos conceitos tecnológicos
4.1 As novas tecnologias: da internet à leitura digital
Com origem na expressão internetwork (interligação de redes com redes), a internet é o resultado de um projeto do Departamento de Defesa dos Estados Unidos que, em meados dos anos 60, no auge da Guerra Fria, criou um sistema telemático batizado de ARPANET[9], que interligava diversos computadores visando proteger informações governamentais sensíveis de eventuais ataques inimigos.
Os avanços tecnológicos presenciados pelas sociedades em todo o mundo exigem que medidas legislativas sejam tomadas. No Brasil, não são poucas as tentativas de adequar a legislação tradicional, já em vigor, aos novos hábitos da sociedade conectada, que incluem, dentre tantos, o comércio eletrônico[10], a virtualização dos relacionamentos humanos levada a efeito pelas redes sociais digitais, a necessidade de defender-se contra crimes praticados, agora, por meio do computador e da internet[11]. Também a Constituição Federal de 1988, promulgada quando a rede mundial ainda não era amplamente difundida no Brasil, assegura direitos, inclusive pétreos, contra as investidas dessa tecnologia. A bem disso, cite-se a proteção dos direitos à vida privada, honra e imagem e dos direitos sociais etc.
Não pôde, à época, contudo, o Texto Maior antever a aquisição de uma obra literária diretamente em um dispositivo digital, por meio de download na rede mundial de computadores. Não havia isso. Igualmente, não se podia imaginar que os tribunais pudessem discutir se papel eletrônico é, ou não, papel, pois sequer, no Brasil, o termo era conhecido no mundo jurídico.
Porém, deste a última década, muito tem-se feito para pacificar o entendimento acerca da aplicação da imunidade tributária ao chamado livro eletrônico, cujo suporte, até então, traduzia-se no uso do disquete (já obsoleto, em razão da avançada tecnologia dos computadores modernos) e do CD-ROM.
Em recente pronunciamento da lavra do Minitro Dias Toffoli, na ocasião do julgamento do RE n° 330817, o Supremo Tribunal Federal confirmou o seu entendimento contrário à extensão da norma imunizante a esses suportes eletrônicos (até então, disquete e CD-ROM). Na decisão monocrática, o Ministro-Relator posicionou-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que estendeu a imunidade tributária a banco de dados eletrônico cujo conteúdo consistia numa enciclopédia jurídica. Posteriormente, em sede de embargos de declaração no recurso citado, o Ministro-Relator sobrestou o feito em razão do reconhecimento de repercussão geral da matéria nos autos de outro recurso extraordinário – o RE n° 595676/RJ -, que ainda pende de apreciação quanto à ampliação da imunidade tributária aos livros eletrônicos.
Em contrapartida, a doutrina pátria, em sua maioria, vem opondo-se ao entendimento da Corte Suprema, ao defender a extensão da não-incidência subre tais situações. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo (2003, p. 103), fundamentam que
“a mesma história que foi transmitida por meio dos desenhos nas paredes de uma caverna hoje pode ser contada por meio de um CD-ROM e de um microcomputador, os quais, muito em breve, serão substituídos por um outro meio mais eficiente e prático”.
E deixam claro, os mesmos autores (2003, p. 120), que:
“da mesma forma como o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos é imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e periódicos eletrônicos (CDs, disquetes ou similares que sejam destinados a sua gravação)”.
Os autores referem-se ao dispositivo físico dos livros eletrônicos que, assim como o papel, dão suporte ao texto, ainda que digital. Via de regra, as informações que eles contêm não são apagadas posteriormente, assim como no papel, para substituição por outras informações.
4.2 O livro eletrônico e a imunidade tributária sobre suas espécies: Disquete, CD-ROM e Leitor Digital
O Supremo Tribunal Federal tende ao posicionamento contrário à extensão da imunidade tributária ao livro eletrônico, e, conquanto penda de uma definição, editou a Súmula n° 657, para a qual a imunidade prevista no art. 150, VI, “d“, da Constituição Federal, abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos apenas, não se estendendo aos livros do gênero eletrônico.
Note-se, contudo, que a esse entendimento precederam julgados publicados até o ano de 2001. Num desses casos, o Ministro Maurício Corrêa, relator para acórdão no recurso extraordinário n° 203859-8/SP, ao citar a emenda apresentada aos trabalhos da Constituinte de 1987, no sentido de fazer constar outros insumos no rol do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, assim justificou seu voto prestigiando a não inclusão da redação dessa emenda ao Texto Constitucional:
“Essa emenda, todavia, não resultou aprovada, o que significa dizer que a mens legislatoris, sem dúvida, entendeu que havia a imunidade tão-somente para o papel de impressão, tal qual ficou plasmado de forma definitiva no dispositivo constitucional (…), afastando-se, dessa forma, a sua extensão para outros tipos de insumo.” (grifos do original)
Porém a doutrina, exceto por algumas vozes, fixa-se no entendimento de que o livro eletrônico, até então abrangendo o CD-ROM e o disquete, é alcançado pela imunidade constitucional tributária.
Nesse sentido, Johnson Barbosa Nogueira (2003, p. 137), defende que “em nenhum momento dessume do Texto Constitucional que o livro há de ser impresso em papel (…). O livro informatizado ou eletrônico é também espécie do gênero livro, passível de abrigo na imunidade tributária”. Regina Helena Costa (2006, p.191), destaca as inovações tecnológicas e, por essa razão, aponta o livro como uma não exclusividade das impressões tipográficas, mas dividindo a tarefa de veicular o conhecimento com disquetes, CD-ROMs e outros meios eletrônicos, ensina que:
“Se a imunidade conferida aos livros tem por finalidade assegurar a liberdade de pensamento, de expressão, o acesso a informação e a própria difusão da cultura e da educação, o conceito de livro engloba todo o meio material pelo qual esse objetivo seja atingido. Outrossim, diante da evolução da tecnologia, o conceito de livro deve ter sua conotação modificada, para comportar conteúdos que não foram imaginados pelo legislador constituinte mas que são, indubitavelmente, fiéis à finalidade da norma constitucional.” (grifos do original)
Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, verifica-se a pena de Fábio Weber Nowaczyk (2010, p.121/125), que, com cautela, aguarda a apreciação da matéria, deixando ao sabor do legislador infraconstitucional a responsabilidade de eventual isenção tributária nas proporções adequadas os chamados livros eletrônicos, e conclui:
“A análise mais importante sobre o tema não está no alcance do vocábulo “livro”, mas em quais direitos fundamentais o Constituinte quis proteger. Nesse sentido, concordo com os autores que entendem que a não extensão da imunidade aos chamados “livros eletrônicos” não causará nenhum dano à liberdade de expressão, haja vista que, em que pese o incremento dessa forma de exteriorização do pensamento, o meio tendo o papel como instrumento ainda segue sendo o mais freqüente” (…).
No caso dos leitores digitais de livros, há de se ter, acertadamente, cautela. Utilizado, inicialmente, na leitura de manuais técnicos de hardware e, posteriormente, desenvolvido por empresas de softwares, esse dispositivo digital consiste em um equipamento telemático, composto de um display antirreflexo, que se utiliza da tecnologia de tinta eletrônica[12], conhecida como e-Ink, e que se reserva não somente à leitura digital, mas que, também, comporta inúmeras outras funcionalidades. Por meio do e-reader, que é um dispositivo físico, pode-se fazer o download de livros e jornais usando-se da tecnologia de internet.
Danilo Amoroso (2009) assim conceitua o dispositivo digital de leitura:
“A definição de leitor digital é simples: um dispositivo que exibe o conteúdo de livros digitais e que pode ser exclusivo para este tipo de leitura ou ter outras funções também. O que esses aparelhos buscam como melhoria em relação ao manuseio convencional de livros é, principalmente, a portabilidade. Vários livros podem ser “carregados” em um único dispositivo sem peso nenhum, por exemplo.”
O e-reader permite a portabilidade. Além disso, o usuário pode ajustar a fonte e seu tamanho de modo a tornar a leitura agradável, bem como promove a sustentabilidade ambiental. Outrossim, o dispositivo é capaz de comportar, aproximadamente, duzentos títulos literários (podendo ser extensível a números bem mais expressivos) e, ao gosto do usuário, pode ser ajustado para receber o exemplar eletrônico de seu jornal diário.
Se a função primordial do livro é difundir a expressão do conhecimento humano e assegurar a liberdade de expressão, o e-reader, enquanto suporte para livros, cumpre bem com a finalidade constitucional, ainda mais pelo baixo custo do título literário que esses dispositivos digitais disponibilizam para aquisição, o que contribui para que mais pessoas lhes tenham acesso. Até aqui, acompanhando o entendimento doutrinário, o leitor digital faz jus à imunidade constitucional tributária.
Ocorre, todavia, que o dispositivo, além dos benefícios já citados, traz um plus, ao permitir o armazenamento de elementos multimídia[13], como eventos musicais e imagens animadas, que, dependendo do fim a que se prestem, podem descaracterizá-lo como objeto de imunidade tributária, a não ser que o direito interprete tais elementos como novas formas de expressão e de cultura contemporânea.
Essa novidade faz emergir a problemática trazida pelas inovações tecnológicas e que, provavelmente, demandará imensos debates antes de se obter uma posição jurisprudencial ou uma medida legislativa adequada. Possivelmente, tender-se-á à interpretação jurídica da natureza desses ineditismos digitais, como, por exemplo, se jogo virtual, ou vídeos obtidos nos sites de compartilhamento autorizados, poderão, ou não, ser tutelados pela Constituição, no futuro, como elementos culturais etc.
Por agora, parece que pugnar pela desoneração tributária do e-reader, enquanto suporte para leitura digital, consiste em acampar situações não enumeradas pelo legislador constituinte. Ou seja, estaria o interprete, forçosamente, fazendo constar do rol de situações imunes um elemento que o constituinte originário afastou do debate.
Por outro lado, negar o benefício constitucional aos livros adquiridos exclusivamente por meio digital, mormente na internet, seria negar a própria Constituição Federal. Pois, diferentemente dos demais “livros eletrônicos”, nos quais um conteúdo se mantém plasmado ao suporte, dificultando sua modificação, o dispositivo digital permite a aquisição de obras literárias e jornais, sem que haja simultaneidade na aquisição do suporte e da obra, mas, ainda assim, veicula o livro na sua versão eletrônica.
Sobre o leitor digital, alguns passos já foram tomados, pois, recentemente a Justiça Federal em São Paulo foi chamada a decidir nos autos do mandado de segurança n° 0025856-62.2009.403.6100, no sentido de não se exigir pagamento de tributos por ocasião do desembaraço aduaneiro de dispositivo digital para leitura. O Juízo da 22ª Vara Federal, julgando parcialmente procedente a demanda, entendeu que o e-reader consiste em um “instrumento cuja finalidade é acessar os livros eletrônicos”, justificando seu entendimento no sentido de que “há de ser interpretada a norma constitucional para que nossa Carta Magna tenha vida longa, ou seja, que não precise ser emendada a cada evolução tecnológica que surja”.
Se, por um lado, o dispositivo digital amolda-se às transformações sofridas pelos demais suportes físicos, como o papiro e o papel, carecendo do benefício constitucional, que conferirá maior acessibilidade ao produto; por outro, o fato de facilitar a veiculação de outros interesses pode descaracterizá-lo como objeto de imunidade tributária, a tender, provavelmente, a uma definição parcial da sua finalidade, pois, se o e-reader, como suporte “físico” que é, não se dignifica a atrair a proteção da Constituição, pelo menos, o será o seu conteúdo: o livro.
Considerações finais
A evolução das diversas tecnologias é fato recorrente no cotidiano da sociedade. O direito passou do carro de boi e do cultivo da terra – molas propulsoras da sociedade agrícola -, pousando nas máquinas que executavam o trabalho humano da sociedade industrial, ao intelecto artificialmente produzido, ou quase isso, da sociedade da informação. O direito, modernamente, tem como desafio adequar-se às novas produções humanas, que creditam sua co-autoria às máquinas e sua “inteligência artificial”. Tarefa árdua, pois que legislar na velocidade da luz não é o ideal, uma vez deixaria de lado diversos enfrentamentos e discussões necessários à edição de um instrumento normativo.
Ressalte-se que a Constituição da República Federativa do Brasil constitui, ela própria, marco no que diz respeito à garantia dos direitos fundamentais em meio à parafernália digital, ainda que promulgada em uma época em que termos como papel eletrônico e livro eletrônico consistiam em tema de ficção científica.
No jaez das questões tributárias, surge a aplicação das imunidades a determinadas questões que, anteriormente, não eram previstas pelo legislador. A digitalização do intelecto humano é uma delas. No passado, era possível o acesso a enciclopédias inteiras adquirindo-as, uma a uma, em livros tradicionais, formando uma imensa biblioteca. Atualmente, esses mesmos exemplares são acessados remotamente por meio da internet, não necessariamente adentrando no espaço físico do seu leitor. Também se podem ter diversos títulos de obras literárias, de jornais ou de periódicos, bastando, apenas, alguns cliques e comandos que, imediatamente, colocam o leitor em contato com o livreiro para a aquisição desses bens em pequenos dispositivos não maiores que um exemplar físico. Livro é um bem de valor incomensurável. Ler é alcançar a liberdade e viajar por mundos e espaços muitas vezes inalcançáveis por alguns. Por isso, o legislador constituinte há muito desonerou de impostos os livros e o seu papel de suporte, objetivando seu acesso a todos, indistintamente.
Porém, hoje, o que se tem? A sociedade chegou ao ponto de levar consigo, para onde bem entender, toda a sua coleção de livros, sem acréscimo de volume, sendo necessário, apenas, adquirir um dispositivo digital que alia a aquisição da obra pela internet a sua leitura com comodidade. O livro deixou o papel tradicional de lado e amoldou-se à modernidade: livros, hoje, são plasmados em um dispositivo digital, no qual se fixam virtualmente.
Mas essa portabilidade tem seu revés, pois a Constituição não abrangeu a evolução da tecnologia, nem tampouco previu a “multifuncionalidade” dos e-readers; mas, diante de uma participação crescente no cotidiano da sociedade, essa característica, bem como outras inovações, merecerá discussões. Estar-se-ia, deste modo, ampliando a interpretação do que hoje é conhecido como liberdade de expressão, acesso à cultura e a educação e como proteção das criações do espírito, tendo em vista tais novos aparatos tecnológicos.
Assim, ainda que visualizado por meio de dispositivos virtuais, o livro digital não se afasta da sua função constitucional – difundir conhecimento e cultura como formas primordiais de liberdade de expressão. Seu objetivo fundamental resta preservado, bastando, tão somente, que a jurisprudência, a doutrina, o legislador e, principalmente, a sociedade o vejam como um suporte que se adéqua aos meios da presente época agregando valores e tecnologia. Também, assim, outros suportes virão conforme a evolução das necessidades da sociedade futura, pois, o homem, quando esculpia nas duras paredes das cavernas, fazia o que faz o leitor digital hoje: passar para a posteridade o conhecimento adquirido. O livro, hoje, ainda que impresso em papel digital e com tinta eletrônica, não deixou de ser livro, apenas passou a otimizar a vida da sociedade do Século XXI. Outrossim, o suporte físico do livro digital não se afasta do objetivo de seus ancestrais, garantir um direito reconhecidamente fundamental de igualdade e dignidade, ainda que agregando outras funcionalidades que, para o futuro, poderão estar abrangidas pela contemporaneidade a que se presta o Texto Constitucional.
Referências bibliográficas:
Informações Sobre o Autor
Rosane dos Santos Teixeira
Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Ananguera-Uniderp. Especialista em Direito da Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Advogada. Professora.