Da necessidade de adesão do Brasil à convenção da ONU sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias


Resumo: O objetivo deste trabalho evidencia, em primeiro plano, a legislação brasileira e sua relação com a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, estabelecida em Viena em 11 de abril de 1980, no âmbito da Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional, e em vigor desde 1988. Desse modo, é abordado o princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais, expondo os pontos negativos de sua não aplicação pela Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB). Por outro enfoque, analisa-se a importância e as particularidades da CISG, bem como a possibilidade de utilização da arbitragem para solucionar os conflitos derivados dos contratos internacionais. De igual modo, sustenta-se a necessidade de adesão pela República Federativa do Brasil ao texto da Convenção de Viena, e seus efeitos imediatos, tanto pela harmonização das normas brasileiras quanto pela aceitação da evolução normativa internacional para o fim de integração econômica e político previsto na Constituição Federal.


Palavras-chave: comércio internacional; harmonização legislativa; convenção de viena.


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Introdução


Este artigo jurídico tem por objetivo demonstrar a posição da legislação brasileira sobre contratos internacionais de comércio, diante da Convenção de Viena. Desse modo, buscou-se demonstrar de forma inequívoca, o atraso que o direito interno brasileiro, no que se refere à lei aplicável aos contratos internacionais, encontra-se diante dos textos internacionais.


Para finalizar este artigo foram feitas pesquisas bibliográficas, legislativas e, ao mesmo tempo, acessos a sites de organismos internacionais, como serão demonstradas no desenvolvimento deste estudo.


Tendo-se em conta os posicionamentos ao contrário, são evidentes as contribuições que o comércio internacional traz para o desenvolvimento da sociedade de forma global, principalmente em relação à geração de empregos, impulso econômico da nação e vários outros beneplácitos.


Entretanto, se tal desenvolvimento não é acompanhado de regras jurídicas eficientes e necessárias às políticas econômicas condizentes com nossa realidade, com uma participação governamental séria e integrada a uma visão internacionalista dessa relação entre comércio e desenvolvimento, certamente aumentará a desigualdade existente em todos os setores que compõem a sociedade civil.


Existe uma grande necessidade do ordenamento jurídico interno se adequar ao contexto internacional para melhorar a condição que o Brasil se encontra atualmente no tocante a sua participação no comércio mundial.


Em face do exposto, percebe-se a grande importância de se ter um sistema harmonizado de normas para se chegar à melhor forma de solução de eventuais controvérsias oriundas, principalmente, de contratos de compra e venda internacionais de natureza mercantil.


Diante do aumento das negociações internacionais, as quais impulsionam o crescimento econômico do Brasil, a Convenção de Viena é bem vinda ao contexto jurídico nacional, e será uma das responsáveis pelo fenômeno do crescimento.


Por essas razões, serão demonstrados através deste artigo os aspectos essenciais causados pela inadequação do ordenamento jurídico brasileiro à realidade internacional.


1. Processo de adesão do Brasil à Convenção de Viena de 1980


O texto da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias foi estabelecido em Viena, capital da Áustria, em 11 de abril de 1988, no âmbito da Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional, e está em vigor desde 1988.


A República Federativa do Brasil está em processo de adesão ao texto da Convenção de Viena desde 08 de dezembro de 2009, data em que foi expedida uma nota técnica pelos analistas de comércio exterior Amélia Mussi Gabriel e André Marcos Favero, que em seu conteúdo submeteram ao Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior os argumentos em favor da adesão.[1]


Ante a inexistência de tradução oficial do texto, uma versão considerada oficial foi elaborada pelo Professor Eduardo Grebler e aceita pelo Ministério das Relações Exteriores. Tal tradução foi mencionada no encaminhamento de projeto de mensagem nº 131/2010, da lavra do Ministro interino das Relações Exteriores Antônio de Aguiar Patriota ao Presidente da República em 30 de março de 2010.[2]


Na referida mensagem, Antônio Patriota menciona:


[…] 2. Na LXIX Reunião do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), realizada em 15 de dezembro de 2009, concordou-se que a Convenção, por padronizar regras aplicáveis aos contratos internacionais, contribui para a segurança jurídica e a estabilidade das relações comerciais entre as empresas estabelecidas em diferentes países.


Como se observa, o Brasil tem dado um passo importante no que se refere ao processo de adesão ao texto da Convenção de Viena, doravante CISG, como é conhecida no meio acadêmico[3], pois a tramitação no Congresso Nacional foi iniciada a partir da mensagem nº 636/2010, de 04 de novembro de 2010 do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.[4]


Tal documento reforça o interesse do povo, representado pelo líder maior da nação, em manter relações diplomáticas harmônicas com os estados estrangeiros, nos moldes do art. 84, inciso VIII da Constituição Federal. Atualmente o projeto de decreto legislativo para adesão ao texto da Convenção de Viena está em andamento na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e já conta com aprovação do parecer do relator Dep. Roberto Lucena (PV-SP), estando prestes a ser encaminhado ao plenário para votação.[5]


2. Importância da CISG


A importância da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias como lei substantiva é verificada através da harmonização e unificação das regras mercantis entre países.


Em breve defesa à CISG, Cácia Pimentel sustenta que “a segurança e a previsibilidade do mercado global são objetivos alcançados pela Convenção, como demonstra o seu sucesso mundial”.[6]


A Convenção de Viena já conta com 76 Estados Contratantes, e é considerado um êxito da UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional).


Nas palavras de Michael Stanton, “a UNCITRAL promove o alinhamento internacional de legislação comercial, e cria modelos de propostas de leis para eventual adoção em países membros”[7]


Amélia Mussi Gabriel e André Marcos Fávero, expondo motivos para adesão do Brasil à Convenção de Viena mencionam:


“[…] A CISG tem como objetivo promover a segurança jurídica e previsibilidade das relações comerciais entre os países do globo. Seu efeito imediato é a redução dos custos jurídicos envolvidos nas transações comerciais internacionais e o encorajamento das trocas, tendo em vista a padronização das regras que regerão os contratos internacionais em caso de algum litígio, eliminando a barreira do desconhecimento da legislação estrangeira.”[8]


A Convenção disciplina, por óbvio, os contratos mercantis na hipótese de, pelas regras de solução de conflito de leis nas relações privadas, serem aplicadas a lei de um Estado contratante. É o caso, por exemplo, de contrato de compra e venda constituído ou proposto por parte estabelecida em um país signatário tendo como contraparte uma empresa situada no Brasil.


Impende observar, que a Convenção de Viena consagra o princípio da autonomia da vontade das partes, conforme regra do art. 6º, enquanto que no Código Civil, este mesmo princípio se encontra relativizado pelo princípio da função social dos contratos.


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Ademais, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, denominada LINDB é silente quanto ao princípio da autonomia da vontade das partes, valendo, em regra, para determinar a lei aplicável ao contrato, a lei do local de sua constituição (lex loci contractus, art. 9º, caput, da LICC).


Tal fato ocorre porque ela estabelece que, “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem (…) § 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.


Isso significa que a regra de Direito Internacional Privado reconhecida pelo Brasil (princípio da territorialidade moderna) determinará, em casos tais, a aplicação da Convenção de Viena.


Nesse sentido, observa-se pela leitura sistemática dos artigos 6º, 26, 49 e 64 da CISG, uma inclinação nítida em favor dos métodos alternativos de resolução de conflitos entre contratantes em estados estrangeiros distintos. 


Pela regra contida no art. 6º, é lícito aos contratantes autonomamente acordar por excluir a aplicação da Convenção ou parte dela, sendo que os arts. 26, 49 e 64 disciplinam a modificação ou resolução do contrato pela vontade da partes.


Em brilhante fundamentação sobre o princípio da autonomia da vontade no âmbito dos contratos internacionais Angela Bittencourt leciona


“[…] É preciso destacar primordialmente que a autonomia da vontade no Direito Internacional Privado não tem as mesmas formas daquela vontade exteriorizada nos contratos de Direito Civil, em que a faculdade privada é a tônica do acordo, fazendo lei entre as partes. Para o DIPr (Direito Internacional Privado) o enfoque da teoria da vontade está ligado à faculdade de escolha entre os contratantes sob que lei vai imperar o contrato, se de um país ou de outro. Aí está a diferença entre este tipo de contrato e aquele firmado internamente, onde não se pode escolher qual o sistema jurídico indicado para dirimir as questões. No DIPr opta-se por um sistema jurídico e no Direito Privado o sistema é o ditado pelas normas legislativas, sejam civis puramente, comerciais ou mesmo trabalhistas. Este é o ponto que diferencia os contratos referidos acima. No Contrato Internacional, por este estar disponibilizado em vários sistemas jurídicos é preciso saber qual será a lei aplicável; se doutrina ou lei de origem interna ou internacional e jurisprudência, ou mesmo um terceiro gênero considerado neutro pelas partes e que se adapte mais às circunstâncias do contrato.” 8


Indubitavelmente, o princípio da autonomia da vontade das partes aqui mostrado evidencia um benefício aos interesses dos envolvidos na relação comercial internacional, tendo em vista a dinâmica destas relações.


Para se ter uma idéia, caso o Brasil faça a adesão à Convenção, como se espera, as partes poderiam passar a escolher a lei aplicável ao contrato internacional, sem o receio desta lei ser subitamente substituída por outra, tantas vezes desfavorável.


Sendo assim, é de se ressaltar que a CISG somente se aplica aos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias (bens corpóreos móveis), compreendidos como aqueles em que os contratantes estejam situados em países distintos, ou nos quais as obrigações devem ser cumpridas em jurisdição diversa daquela na qual o contrato foi assinado.


Por outro enfoque, são negócios jurídicos que têm ligação com mais de uma legislação, o que gera a necessidade de determinar qual a norma aplicável em cada um destes contratos. Todavia, em se tratando de contratos assinados no Brasil, em que as partes residem no país e a obrigação deve ser cumprida no local de assinatura do contrato não há dúvidas sobre qual a lei aplicável.


O texto da Convenção de Viena, nesse caso respeitou o princípio da soberania nacional em relação ao ordenamento pátrio, de modo que, uma vez realizada a adesão brasileira à CISG, manter-se-ia, aos contratos internos, a aplicação exclusiva da legislação civil brasileira.


3. Particularidades da Convenção de Viena de 1980


Quando se fala em comércio internacional, há muito tempo que o contrato de compra e venda é o mais freqüente dentre todas as modalidades de contratos celebrados. Por conta disso, a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL), celebrou, na data de 11 de Abril de 1980, a Convenção de Viena de 1980.


Com a intenção louvável de padronizar as normas sobre a compra e venda internacional de mercadorias, a Convenção definiu seu objeto de aplicação, qual seja, para os bens móveis corporais que se podem tocar, excluindo-se assim, aspectos vinculados a propriedade intelectual.


Uma particularidade relevante a mencionar é a não aplicação da Convenção de Viena para algumas vendas, tais como as vendas de mercadorias adquiridas para uso pessoal, ressalvada a hipótese do vendedor, antes ou no momento de conclusão do contrato, não souber, nem devesse saber, que as mercadorias seriam adquiridas para tal uso.


Vale lembrar ainda, que se enquadram nessa proibição as vendas em hasta pública e em execução judicial, e as vendas de valores mobiliários, títulos de crédito, moeda, navios, embarcações, aerobarcos, aeronaves e eletricidade.


Da leitura dessas particularidades temos a interpretação de que a Convenção excluiu de forma específica aquelas pessoas tidas como destinatários finais, isto é, os consumidores definidos no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro.


Em seu art. 5º a Convenção não regula questões sensíveis relacionadas à responsabilidade civil por morte ou lesões corporais causadas a quem quer que seja pelas mercadorias, deixando assim, a cargo da legislação doméstica de cada país.


Como importante regra, no art. 7º do texto da CISG surge uma menção ao princípio da boa fé para fins de interpretação dos contratos, tudo com o objetivo de uniformizar a legislação.


“[…] Artigo 7


(1) Na interpretação desta Convenção ter-se-ão em conta seu caráter internacional e a necessidade de promover a uniformidade de sua aplicação, bem como de assegurar o respeito à boa fé no comércio internacional.


(2) As questões referentes às matérias reguladas por esta Convenção que não forem por ela expressamente resolvidas serão dirimidas segundo os princípios gerais que a inspiram ou, à falta destes, de acordo com a lei aplicável segundo as regras de direito internacional privado.” 9


No mesmo contexto, o art. 14 se mostra alinhavado com a legislação brasileira ao dispor sobre a proposta de negócio. Enquanto no âmbito dos contratos internacionais a proposta é entendida como um mero convite, no art. 428 do Código Civil Brasileiro a proposta já é uma oferta vinculante.


“[…] Artigo 14


(1) Para que possa constituir uma proposta, a oferta de contrato feita a pessoa ou pessoas determinadas deve ser suficientemente precisa e indicar a intenção do proponente de obrigar-se em caso de aceitação. A oferta é considerada suficientemente precisa quando designa as mercadorias e, expressa ou implicitamente, fixa a quantidade e o preço, ou prevê meio para determiná-los.


(2) A oferta dirigida a pessoas indeterminadas será considerada apenas um convite para apresentação de propostas, salvo se o autor da oferta houver ndicado claramente o contrário.” 9


No art. 25 da Convenção de Viena é possível constatar outra particularidade, referente ao princípio da conservação do contrato, com significado de que nem mesmo o descumprimento de uma obrigação principal pode ensejar causa suficiente para a extinção do contrato, salvo se a outra parte contratante sofrer tal prejuízo que a torne substancialmente privada daquilo que lhe era legítimo esperar.


“[…] Artigo 25


A violação ao contrato por uma das partes é considerada como essencial se causar à outra parte prejuízo de tal monta que substancialmente a prive do resultado que poderia esperar do contrato, salvo se a parte infratora não tiver previsto e uma pessoa razoável da mesma condição e nas mesmas circunstâncias não pudesse prever tal resultado.” 9


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Em posição similar o Código Civil Brasileiro, prevê nos arts. 472 a 480 que é possível a extinção do contrato em quatro situações especiais, pelo cumprimento do contrato, por fatos anteriores ou posteriores à celebração do contrato, e por morte de algum dos contratantes.


Os arts. 30 a 53, especificam as obrigações do comprador e do vendedor, referente ao pagamento e transmissão das mercadorias. Já o art. 44 em concordância com o art. 50 da Convenção, prevê a redução do preço quando as mercadorias estiverem inadequadas ou com defeito.


“[…] Artigo 44


Sem prejuízo do disposto no parágrafo (1) do artigo 39 e no parágrafo (1) do artigo 43, o comprador poderá reduzir o preço, conforme o artigo 50, ou exigir a indenização das perdas e danos, excluídos os lucros cessantes, se puder apresentar justificativa razoável por não ter efetuado a necessária comunicação.


Artigo 50


Se as mercadorias não estiverem conformes ao contrato, já tendo ou não sido pago o preço, o comprador poderá reduzir o preço proporcionalmente à diferença existente entre o valor das mercadorias efetivamente entregues, no momento da entrega, e o valor que teriam nesse momento mercadorias conformes ao contrato. Todavia, se o vendedor sanar qualquer descumprimento de suas obrigações, de acordo com o artigo 37 ou com o artigo 48, ou se o comprador negar-se a aceitar o cumprimento pelo vendedor, de acordo com os mencionados artigos, o comprador não poderá reduzir o preço.”[9]


Por outro lado, o Código Civil Brasileiro nos arts. 441 e 442 só permite a redução do preço em caso de vícios ocultos, contudo, o texto da CISG não entra em confronto com a norma brasileira, posto que a Convenção só se aplica aos contratos internacionais de compra e venda de bens e não interfere nos contratos nacionais.


Outro ponto importante da Convenção é o que prevê a fixação do preço, a saber:


“[…] Artigo 53


O comprador obriga-se a pagar o preço e a aceitar a entrega das mercadorias, nas condições previstas no contrato e na presente Convenção.


Artigo 55


Se o contrato for validamente concluído sem que o preço das mercadorias vendidas tenha sido fixado no contrato, expressa ou implicitamente, ou sem que exista disposição que permita a sua determinação, considera-se que as partes, salvo indicação em contrário, se referiram tacitamente ao preço habitualmente praticado no momento da conclusão do contrato, para as mesmas mercadorias vendidas em circunstâncias comparáveis, no ramo comercial considerado.” 9


O que se observa da interpretação em conjunto dos arts. 53 e 55 da Convenção é que o preço deve ser definido no contrato, pois quando da ausência de definição do preço, vale a referência das práticas corriqueiras de mercado.


Por outro enfoque, a regra brasileira prevista no art. 488 do Código Civil permite a determinação do preço a partir de fatores diversos da vontade das partes, mesmo sem a expressa manifestação do comprador.


No contexto da Convenção de Viena ainda temos a interpretação do art. 72, que trata da quebra de contrato.


“[…] Artigo 72


1. Se, antes da data do cumprimento do contrato, for manifesto que uma parte cometerá uma violação fundamental do contrato, a outra parte pode declarar a resolução deste.


2. Se dispuser do tempo necessário, a parte que pretender declarar a resolução do contrato deve notificar a outra parte, em condições razoáveis, para permitir a esta dar garantias suficientes da boa execução das suas obrigações.


3. As disposições do parágrafo anterior não se aplicam se a outra parte declarou que não executaria as suas obrigações.” [10]


 


Tal regra, apesar de não ser utilizada diretamente no Brasil, em razão de sua não adesão, é costumeiramente aplicada em decisões jurisprudenciais de Tribunais brasileiros, tal como a apelação cível julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que embasa a argumentação no art. 72 da CISG. Vejamos:


“[…] hipótese de violação antecipada do contrato (Art. 72 da Convenção de Viena, entendimento doutrinário e julgado do STJ — Resp. n.º 309626), no qual o devedor, de forma expressa ou tácita, devidamente provada, por ação ou omissão, demonstra que não cumprirá a obrigação no termo ajustado, embora a prestação seja ineficaz.” (São Paulo, Tribunal de Justiça, Apelação Cível  n.º 379.981-4/0, 4ª Câmara de Direito Privado — Rel. Enio Zuliani. DJ de 21/05/2008)” 10


Noutro passo, temos a regra contida no art. 77 da CISG:


“[…] Artigo 77


A parte que invoca a violação do contrato deve tomar as medidas razoáveis, face às circunstâncias, para limitar a perda, aí compreendido o lucro cessante, resultante da violação contratual. Se não o fizer, a parte faltosa pode pedir uma redução da indenização por perdas e danos, no montante da perda que deveria ter sido evitada.” 9


Tal dispositivo elenca o dever de abrandar os prejuízos sofridos pelo próprio credor em contrato internacional.


Há, inclusive, o Enunciado nº 169, da III Jornada de Direito Civil, que reproduz o dispositivo da Convenção, ao dispor que o princípio da boa fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.[11]


4. Possibilidade de utilização da Arbitragem nos Contratos Internacionais


Conforme afirma a jurista Georgette Nacarato Nazo, professora emérita da Faculdade de Direito de Itu-SP:


“[…] A arbitragem em sentido amplo caracteriza-se todas as vezes que um conflito de interesses for solucionado através da decisão de um terceiro que não esteja investido das funções de magistrado. É a autonomia de vontade das partes, que podem escolher o direito material e processual aplicável à solução da controvérsia, assim como fazer decidir o litígio com base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes ou nas regras internacionais do comércio” [12]


A arbitragem no Brasil permaneceu dormente por décadas, e as condições a ela relativas estavam como letra morta. As dificuldades impostas por um modelo superado, jogaram-na num estado de perda de essência, sem que se tivesse qualquer esperança quanto à sua real utilidade.


No entanto, a promulgação e vigência, a partir de novembro de 1996, da Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996, fizeram como que num passe de mágica, a exemplo do que ocorreu no conto infantil, que a sociedade acordasse para a importância desse mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias e nele encontrasse um meio eficiente de busca da estabilidade social.


Com o advento da nova Lei produziu-se um fenômeno de renascimento do instituto no Brasil, desenhada que foi de acordo com as mais modernas teorias e fundamentos desenvolvidos em países que dela se servem há muito tempo.


A nova Lei colocou o Brasil na dianteira da modernidade, dotando-o de uma legislação afinada com as conquistas obtidas pela arbitragem ao longo dos anos em que esta, no Brasil, estava dormente.


Nesse sentido, a Lei de Arbitragem brasileira (Lei n.º 9307/96) consagra, no seu Art. 2º, § 1º, a autonomia da vontade das partes, ao conferir-lhes a  possibilidade de escolher livremente  as regras de Direito aplicáveis durante o procedimento arbitral, desde que não haja violação dos bons costumes e da ordem pública.[13]


É certo, pois, dizer que a arbitragem é forma de solução dos conflitos, na qual as partes envolvidas convergem as suas vontades no intuito de eleger uma ou mais pessoas, terceiro, distinto dos envolvidos, para que aprecie a demanda e profira uma decisão, que previamente, se comprometem a aceitar e cumprir.


Desse modo, o contratante brasileiro poderá decidir pela aplicação da Convenção de Viena ao submeter eventual disputa à arbitragem, ocasião em que um terceiro investido na função de árbitro julgará com base nos preceitos da CISG.


A escolha pela arbitragem é no nosso ordenamento jurídico, voluntária ou facultativa, a teor da maioria das legislações estrangeiras. Ela é instituída através de cláusula compromissória ou do compromisso arbitral, aquela expressa no contrato, e esta consistente numa convenção entre as partes que submetem litígio atual aos termos da arbitragem. Seu início se dá após a aceitação e nomeação do árbitro e termina com a sentença arbitral.


Para o ilustre jurista e advogado Carlos Alberto Carmona, os motivos que levam as partes a escolher a solução do conflito pela arbitragem são:


“[…] A ausência de formas solenes, a possibilidade de julgar por equidade ou escolher livremente a lei a ser aplicada e ainda a neutralidade dos árbitros na solução de litígios envolvendo partes de nacionalidade diferentes, além da especialização.” [14]


Assim, será primordial para definir a nacionalidade de uma arbitragem na resolução de um conflito internacional, o lugar onde o tribunal arbitral adotar a sua sede, a nacionalidade ou domicílio das partes envolvidas. Como regra geral, a lei que regular a arbitragem será, de fato, a lei dessa nacionalidade. A arbitragem é uma excelente opção a jurisdição estatal, mas será preferível que as partes tenham posição de igualdade jurídica dentro da lide.


Talvez por isso, tal juízo seja mais bem aplicado em relações jurídicas entre empresas, Estados e outras entidades que tenham igualdade na relação contratual, tal como ocorre no âmbito do direito internacional privado.


5. Da necessidade de adesão do Brasil à CISG


O fundamento para que o Brasil possa aderir ao texto da Convenção de Viena é esperado há muitos anos, como sendo em primeiro lugar a necessidade de harmonizar as regras contratuais de compra e venda de mercadorias.


A importância surge através do pensamento que se tem sobre a diminuição da insegurança jurídica com relação às normas vigentes, pois tal diminuição contribuirá ainda mais para o aumento das exportações, e dos negócios de compra e venda entre pessoas residentes e ou domiciliadas nos Estados signatários.


Todavia, não basta apenas a ratificação da Convenção de Viena, é preciso que os países signatários a apliquem efetivamente, principalmente no que se refere aos contratos de compra e venda internacionais de mercadorias.


Se o Brasil assim proceder, isto é, na busca da harmonização de suas normas e efetivamente aplicar os tratados, acordos e convenções multilaterais que ratificar, ele estará se aproximando do modelo europeu, ou seja, do bem sucedido modelo de integração utilizado pela Comunidade Européia.


A adesão do Brasil ao texto da Convenção de Viena pode, e muito, contribuir para a capitação de investimentos externos, aumentando assim seu poderio econômico para se consolidar no novo cenário dos gigantes.


Sobre a presença no comércio internacional já sustentavam os juristas Iulia Dolganova e Marcelo Boff Lorenzen:


“[…] Do ponto de vista econômico, são marcantes a presença do Brasil no comércio internacional e a sua concomitante ausência relativamente a uma Convenção que regula a compra e venda no mundo. Como já se demonstrou, dos 20 maiores parceiros comerciais do Brasil em importações ou exportações, a maioria já ratificou a Convenção de Viena ou a ela aderiu. Há, além disso, uma importância crescente e renovada do Brasil no âmbito do comércio internacional e uma tendência de o número de partes contratantes da Convenção de Viena aumentar nos próximos anos, como já vem ocorrendo. Hoje os Estados contratantes respondem por três quartos do comércio mundial, cifra que deverá aumentar ainda mais. Deve-se levar também em consideração o papel de liderança local que o Brasil exerce, tanto no âmbito do Mercosul quanto da América do Sul.” [15]


Como se observa, as normas brasileiras não estão alinhavadas com as regras sobre comércio internacional, existindo apenas uma expectativa de harmonização legislativa. A CISG é considerada um instrumento eficaz ao contribuir para a segurança jurídica, a estabilidade e a harmonização das relações comerciais entre empresas estabelecidas em países diferentes.


Os estados participantes respondem por mais de 90% do comércio mundial, incluindo relevantes parceiros comerciais do Brasil como EUA, China e os membros do Mercosul.


A adesão do Brasil ao texto da Convenção de Viena é tão necessária que dados citados por Mário Lúcio Quintão Soares e Mateus Soares de Oliveira revelam que em 2002 o Brasil tinha participação de 1% do comércio mundial, estando envolvido em 10% dos litígios no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, na maioria dos casos como reclamado.[16]


Sem sombra de dúvidas isso ocorre porque o Brasil não está em sintonia com o regramento jurídico internacional relacionado à matéria de contratos privados. É necessário, por óbvio, que o Brasil busque uma participação no comércio mundial condizente com a dimensão de sua economia, que já é crescente.


Para tanto seria preponderante adequar nossas leis às Convenções Internacionais, conforme ensina o advogado mineiro Quintão Soares:


“[…] A globalização internacional dos problemas, abrangendo o princípio da autodeterminação dos povos, o sistema de garantias dos direitos fundamentais, o princípio da subsidiariedade e dos mecanismos de proteção dos recursos e do meio ambiente, demonstra que a constituição jurídica do centro estatal, territorialmente delimitado, permanece como carta de identidade política e cultural e uma mediação normativa necessária de estruturas básicas de justiça de um Estado democrático de direito. Essa carta de identidade necessita, todavia, articular-se com outros direitos, gradativamente vinculantes e preceptivos hard law ou flexíveis soft law, progressivamente forjados por novas unidades políticas, tais como União Européia, o Mercosul, o Nafta, a unidade africana e outros blocos políticos e econômicos.” [17]


Por iguais razões, é preciso que a sociedade plural incentive a adesão do Brasil à Convenção de Viena, pois o desenvolvimento só virá se tivermos regras jurídicas eficientes às políticas econômicas condizentes com nossa realidade.


Há muito tempo o país carece de uma participação governamental séria e integrada a uma visão internacionalista dessa relação entre comércio e desenvolvimento, mas as expectativas de sucesso são esperadas.


Conclusão


Da análise dos argumentos citados, podemos concluir que tudo está caminhando para que o Brasil faça a adesão sem reservas à Convenção de Viena para contratos de compra e venda internacional de mercadorias.


Com base nisso, temos que a adoção seria uma ótima oportunidade de se atingir o desenvolvimento previsto no art. 3º, inciso II da CF/88. Vale lembrar que a vontade das partes prevaleceria em relação às normas aplicáveis aos contratos.


Em relação ao processo de adesão, é de se verificar pela nota técnica da Câmara de Comércio Exterior que não há incompatibilidades de ordem jurídica nacional que obstaculizem a adesão brasileira, sendo que a Lei de Arbitragem brasileira em vigor – Lei nº 9.307, de 1996, já legitima as partes contratantes a escolha das regras de direito que serão ali aplicadas.


Em tempos de globalização são evidentes as contribuições que o comércio internacional traz para o desenvolvimento da sociedade, principalmente em relação à geração de empregos, impulso econômico da nação e vários outros benefícios.


Outro fator relevante é que a adesão traz benefícios para as empresas brasileiras, que, ao diversificarem suas vendas, não mais precisariam arcar com o ônus de conhecer o direito internacional com profundidade, tendo em vista a padronização das regras pelos países.


De igual modo, os principais parceiros comerciais do Brasil e os integrantes do Bloco Mercosul já aderiram à mencionada Convenção de Viena, que em verdade trará segurança e previsibilidade nas relações comerciais internacionais.


Por tais considerações, sustentamos o desafio de vencer o atraso que o direito interno brasileiro tem fama há muitos anos, no que se refere à legislação aplicável aos contratos internacionais, diante da importância da CISG, destarte, pela harmonização das normas brasileiras para o fim de integração econômica e cooperação internacional para o progresso da humanidade.



Notas:

[1] Nota técnica nº 01/2009/CAMEX-SECEX. Disponível no site http://www.camara.gov.br/sileg/integras/815192.pdf Acesso em 06/06/2011

[2] Encaminhamento de Projeto de Mensagem nº 00131/2010. Disponível no site http://www.camara.gov.br/sileg/integras/815192.pdf Acesso em 06/06/2011.

[3] CISG, abreviatura inglesa de Convention on Contracts for the International Sale of Goods. Tradutor de Incoterms. Disponível em http://tradutor.babylon.com/ingles/Incoterms/ Acesso em 06/06/2011

[4] Mensagem nº 636/2010 da Presidência da República. Disponível no site http://www.camara.gov.br/sileg/integras/815192.pdf Acesso em 06/06/2011.

[5] Acompanhamento de matéria legislativa da MSC-636/2010. Disponível no site http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=485779 Acesso em 06/06/2011

[6] PIMENTEL, Cácia. A importância da Convenção de Viena como Lei Substantiva nas Arbitragens Mercantis Internacionais. Artigo jurídico. Acesso em 06/06/2011. Disponível em: http://www.camarb.com.br/areas/subareas_conteudo.aspx?subareano=417

[7] STANTON, Michael. Legislação para o comércio eletrônico. Artigo jurídico. Acesso em 07/06/2011. Disponível em: http://www.wirelessbrasil.org/wirelessbr/colaboradores/michael_stanton/artigos/10_jul_00.html

[8] BITTENCOURT, Angela. Contratos Internacionais Virtuais. Artigo jurídico. Revista de Derecho Informático. Acesso em 07/06/2011. Disponível em: http://www.alfa-redi.org/rdi-articulo.shtml?x=564

[9] Convenção de Viena sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias. Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=485779 Acesso em 09/06/2011

[10] DOLGANOVA, Iulia e LORENZEN, Marcelo Boff. O Brasil e a Adesão à Convenção de Viena de 1980 sobre Compra e Venda de Mercadorias. Artigo jurídico. Acesso em 13/06/2011. Página 10. Disponível em: http://www.cisg-brasil.net/doc/idolganova1.pdf

[11] Enunciados Aprovados – III Jornada de Direito Civil. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf Acesso em 13/06/2011. Página 5.

[12] NAZO, Georgette Nacarato. Arbitragem: um sigilo histórico. Revista do Advogado, Associação dos Advogados de São Paulo, 1997

[13] Lei nº 9.307/96. Lei da Arbitragem. Disponível no site www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9307.htm Acesso em 13/06/2011

[14] ARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo um comentário à Lei n/ 9.307/96: Malheiros Editores, 1998. Página 27

[15] DOLGANOVA, Iulia e LORENZEN, Marcelo Boff. O Brasil e a Adesão à Convenção de Viena de 1980 sobre Compra e Venda de Mercadorias. Artigo jurídico. Acesso em 13/06/2011. Pág. 21. Disponível em: http://www.cisg-brasil.net/doc/idolganova1.pdf

[16] QUINTÃO SOARES, Mário Lúcio e SOARES DE OLIVEIRA, Mateus. Artigo Jurídico. A relação das normas brasileiras com as convenções sobre contratos internacionais da OEA, ONU e UE. Acesso em 13/06/2011. Página 21. Disponível em: http://www.cisg-brasil.net/doc/mlqsoares1.htm

[17] QUINTÃO SOARES, Mário Lúcio. Constitucionalismo e Estado. In ALMEIDA FILHO, Agassiz e FILHO, Francisco Bilac M. P. Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2006, Pág. 53. 


Informações Sobre o Autor

Hebert Mendes de Araújo Schütz

Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás analista judiciário do Tribunal de Justiça de Goiás e professor da FAR – Faculdade Almeida Rodrigues em Rio Verde-GO


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