Resumo: A presente obra inicia-se com a intenção de perfazer o caminho que leva à imputação de responsabilidade objetiva a modalidades diversas de estacionamento: aquelas pagas, as gratuitas, as com muitas pessoas jurídicas envolvidas na sua atividade, dela dependentes ou beneficiárias. Faz-se profundo estudo da lei, considerações acerca da doutrina, e análise de jurisprudência, principalmente em relação à Constituição Federal, ao Código Civil e ao Código de Defesa do Consumidor, nas matérias de responsabilidade civil, forças cogentes, preceitos constitucionais, legitimidade processual e função social da propriedade privada, sobretudo no exercício de empresa. Termina por debater a natureza jurídica da vinculação que se estabelece em cada relação jurídica, deveres principais e acessórios, e decidindo quando haverá ou não, e de que forma se dará a responsabilidade in casu. Este artigo foi orientado pelo Professor Paulo Leonardo Vilela Cardoso.
Palavras chave: Estacionamento, Responsabilidade, Contrato, Consumidor, Civil.
Abstract: The present research begins with the intention to complete the path leading to the imposition of strict liability rules to various parking: those paid, free, with the many corporations involved in its activity, its dependents or beneficiaries. It makes a deep study of the law, considerations of the doctrine, and analysis of jurisprudence, especially in relation to the Federal Constitution, the Civil Code and the Code of Consumer Protection, in matters of civil liability, cogent constitutional power, legal standing and private property social function, especially in the company performance. It ends by discussing the legal nature of the linkage that is established in every legal relationship, main and accessories duties, and deciding whether or not, and how they give the responsibility in casu.
Keywords: Parking, Responsibility, Contract, Costumer, Civil
Sumário: 1. Introdução. 2. Do estacionamento. 3. Da responsabilidade objetiva. 4. Do caso fortuito ou força maior nos estacionamentos pagos. 5. Da responsabilidade de estacionamentos gratuitos. 5.1. A interpretação dada ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil. 5.2. O usuário como consumidor equiparado. 5.3. O usuário como consumidor final e a teoria do presente. 6. Da proibição de não segurança em estabelecimento gratuito e vedação à disposição contratual diversa: função social da propriedade. 7. Do contrato de depósito. 8. Da interpretação analógica às amostras grátis. 9. Imputabilidade dos correlacionados. 10. Considerações finais.
1. Introdução
Este trabalho visa a estudar a responsabilidade civil dos estacionamentos, assim chamado todo espaço destinado a dar espaço e guarda a veículos, sejam eles pagos ou não, enquanto os donos e condutores se ocupam de outras atividades. O estudo é necessário para dirimir determinadas dúvidas ocasionadas por má interpretação legislativa, que acabam, como é de se esperar, prejudicando a parte hipossuficiente na relação jurídica.
2. Dos estacionamentos
Como estabelecimentos comerciais, devidamente inseridos acessoriamente em incontáveis cadeias produtivas, os estacionamentos são lugares privados que dão ao seu beneficiário a oportunidade de poder guardar o carro (ou outro veículo) em algum lugar costumeiramente mais perto daqueles em que são exercidas as atividades principais do momento (trabalho, lazer, obrigações domésticas) pelos indivíduos, assegurando-lhes também maior segurança do que se deixassem o veículo em lugares públicos, gratuitos, porém sem a vigilância adequada para coibir furtos e danos.
Nesta modalidade de estabelecimento comercial, em que é a atividade principal de um ente empresarialmente personalizado, há a remuneração direta advinda do consumidor como contraprestação da devida guarda veicular (relação consumerista estrita), ensejando, claro, a responsabilidade por eventual falha na execução padrão de cuidado patrimonial, obrigando a pessoa fornecedora. Há discussão, entretanto, quanto à responsabilidade por danos causados por força maior ou caso fortuito, que será estudado
aqui. Também o há em relação à responsabilidade das pessoas que se beneficiam deste estacionamento pago, mesmo que não esteja a ele diretamente ligado, o que será devidamente debatido.
Há também a modalidade de estacionamentos como serviço acessório, ou seja, ele é um plus, um benefício extra do qual uma pessoa pode usufruir em determinadas situações, notadamente quando gera consumo ou expectativa do mesmo para a atividade tida como principal, como em clubes (em que a mensalidade está paga e o estacionamento é gratuito) ou shoppings (quando a vaga para estacionar o veículo é crucial para a vivacidade econômica dos estabelecimentos do lugar). É discutido, nesse ponto, se há a necessidade de responsabilização dos guardiões, já que aqui não há remuneração direta para com os mesmos.
3. Da responsabilidade objetiva
É a espécie de responsabilização por quem não deveria ser, por ato subjetivo, próprio, responsável pelo dano. A imputação aqui é puramente objetiva, vindo da lei (principalmente), doutrina e jurisprudência (destas na forma de alongamento de alcance pré-estabelecido). Institui o Código Civil, em relação ao que se estudará neste trabalho, mas não só, que:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (Código Civil).
Vê-se, então, que o parágrafo único do artigo 927 do CC, supracitado, estabelece a imputabilidade objetiva, que será, sobretudo, a quem exerce empresa (art. 966 do CC1). Isto porque por “natureza da atividade” pode-se entender muita coisa – qualquer risco normal que qualquer atividade traga ensejaria a responsabilização sem culpa, quando, na verdade, quis o diploma civil que apenas quem tem os lucros de algo, colocando serviços e/ou produtos no mercado, responda pelos mesmos sem culpa (quando esta não está em nenhuma das partes na relação). Desta forma, ilustra-a um exemplo de ônibus que leva concurseiros para sua prova e tem problemas durante o percurso, fazendo com que os mesmos não cheguem no horário, caso que ensejará indenização por perda chance[1].
Sério Cavalieri Filho menciona o risco-proveito (onde está o ganho, está o encargo) como modalidade de risco que possa engatilhar a responsabilidade objetiva:
“O suporte doutrinário dessa teoria, como se vê, é a idéia de que o dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo. Quem colhe os frutos da utilização de coisas ou atividades perigosas deve experimentar as consequências prejudiciais que dela decorrem. A sua grande dificuldade, todavia, está na conceituação do proveito (…). Se proveito tem sentido de lucro, vantagem econômica, a responsabilidade fundada no risco-proveito ficará restrita aos comerciantes e industriais, não sendo aplicável aos casos em que a coisa causadora do dano não é fonte de ganho. Ademais, a vítima teria o ônus de provar a obtenção desse proveito, o que importaria o retorno ao complexo problema da prova” (Cavalieri, 2004)
Faz-se mister aludir ao texto do renomado autor quando escreve sobre a fonte de ganho, não restringindo-a ao ganho direto, mas deixando espaço aberto para interpretar-se que a coisa pode sim prover ganhos indiretos à pessoa.
Necessário, porém, esclarecer quanto à possibilidade do caso fortuito ou força maior serem excludentes de responsabilidade, o que em linhas gerais causa a extinção da obrigação de indenizar.
Não de hoje a doutrina tenta estabelecer a distinção exata de caso fortuito e força maior. É admitida a tenacidade da linha que separa os dois, se são separados de fato. Tem-se que caso fortuito é aquele caracterizado primariamente pela imprevisibilidade, pelo “azar” que foi ele acontecer; e força maior é o acontecimento extraordinário que altera o status quo do que está sendo analisado de forma brusca e prepotente, tornando-o extremamente fraco. Menção necessária faz-se ao subjetivismo da força maior, que deve ser comparada ao que legitimamente pode ser esperado de força posta pelo o que foi prejudicado, subjetivamente: uma loja comum no centro da cidade, se roubada por um único criminoso armado, estará subjugada por força maior; um banco movimentado, porém, se roubado pela mesma pessoa, apesar de ter sido acometido de mal com força maior, não poderá alegá-la, vez que espera-se comumente que a segurança em instituições financeiras seja naturalmente reforçada. Sérgio Cavalieri Filho inclusive já fez menção própria aos estacionamentos, estabelecendo que não se espera dele segurança contra ataques armados, diferentemente do que se espera de bancos (Cavalieri, 2010). A própria força maior, em matéria de sujeito passivo, pode também ser considerada caso fortuito (interno, como se verá), como nos casos de danos causados por interrupção do fornecimento de energia elétrica, já que o risco disso acontecer por causa de tempestades e raios (geralmente casos de força maior) é logicamente esperado de quem desenvolve a prática em questão. É como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já reconheceu:
“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO
PÚBLICO. TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. ATIVIDADE DE ALTA
PERICULOSIDADE. TEORIA DO RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
CONSERVAÇÃO INADEQUADA DA REDE DE TRANSMISSÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA. CULPA DA EMPRESA RECONHECIDA PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM.
RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. A empresa que desempenha atividade de risco e, sobretudo, colhe
lucros desta, deve responder pelos danos que eventualmente ocasione
a terceiros, independentemente da comprovação de dolo ou culpa em
sua conduta.
2. Os riscos decorrentes da geração e transmissão de energiaelétrica, atividades realizadas em proveito da sociedade, devem,igualmente, ser repartidos por todos, ensejando, por conseguinte, aresponsabilização da coletividade, na figura do Estado e de suasconcessionárias, pelos danos ocasionados.3. Não obstante amparar-se na Teoria do Risco, invocando aresponsabilidade objetiva da concessionária, a instâncias ordináriastambém reconheceram existência de culpa em sua conduta: a queda defios de alta tensão era constante na região, mesmo assim a empresanão empreendeu as necessárias medidas de conservação da rede,expondo a população a risco desnecessário.
REsp 896568 / CE / RECURSO ESPECIAL / 2006/0219619-3 / Relator: Fernando Gonçalves / Relator para acórdão: Luis Felipe Salomão – Órgão Julgador: T4 – Quarta Turma”
Repara-se desde já que o que prima em um invariavelmente apresenta-se no outro, mas em grau menor. A confusa diferenciação não deveria ter lugar além do teórico, já que o próprio Código Civil, em seu art. 478, ao considerar acontecimentos conjuntamente extraordinários e imprevisíveis, não fez questão de fazê-la no que seria aplicado na prática:
“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. (Grifo nosso) (Código Civil).
Para os fins deste trabalho, entretanto, far-se-á a distinção destes fenômenos em primeiro momento, já que os autores do ramo tendem a classificar os casos fortuitos como sendo intrínsecos ou extrínsecos à natureza da atividade empenhada, aparentemente cuidando para não incluir a força maior em algo que deverá atribuir ou exonerar responsabilidade dos empresários.
É estabelecido que quando o fortuito for inerente à atividade (como um pneu, novo, que acaba furado na viagem hipotética), não há exclusão da responsabilidade pelo fato constatado. Isto se dá para fazer com que as atividades que naturalmente causem maior risco aos seus tomadores não os deixe desprotegidos, fazendo com que os prestadores tenham que responder, ao arrecadar os bônus, pelos ônus que sua atividade pode implicar – até porque se este não o fizer, aqueles o farão, o que é sensivelmente mais repreensível e injusto. Se o caso é fortuito mesmo para a pessoa habituada a determinado exercício, o que se dirá para aquele eventual tomador, ou quem simplesmente nunca teve lucros com aquilo. Quando alguém inicia uma atividade, deve estar disposta a arcar com todos os encargos da mesma: aqueles advindos da burocracia, os decorrentes da legislação trabalhista, e, entre outros, claro, os necessários para a devida segurança moral e material (esta, física e patrimonial) do consumidor.
Interessante ressaltar que neste ponto a própria doutrina consumerista pode induzir ao erro hermenêutico, pois em referenciais obras, ao tratar do assunto que cabe somente à doutrina e jurisprudência, já que não há disposição expressa no rol de excludentes do Código de Defesa do Consumidor, renomados autores posicionam-se pela validade do caso fortuito e força maior como inclusos nesses, sem fazer qualquer menção à mais que necessária distinção entre elementos naturais da empresa exercida e aqueles que realmente não podem ser esperados por ela[2].
Entretanto, em sede de fortuito exterior, haverá a proteção do fornecedor, excluindo sua responsabilidade. Suponhamos, por exemplo, que caia um avião bem em cima daquele primeiro ônibus citado, fazendo com que os concurseiros (falecidos, então), perdessem a prova. Claramente não se pode esperar que algo dessa magnitude aconteça numa atividade de transporte de pessoas por vias terrestres, fazendo com que o comerciante não seja mais responsabilizado.
Distinção oportuna também é aquela que se faz entre serviço de meio e serviço de fim. Este tem como objeto algo que encerra em si mesmo – a compra de algo, por exemplo. Aquele é o que se destina a tentar alcançar um fim, encerrando-se formalmente no iter de execução do serviço, sem exigir que o objetivo de fato seja alcançado para o serviço se ver livre de defeitos. Cavalieri Filho destaca que:
“Os serviços que geram obrigação de resultado, por exemplo, terão que ser prestados com tal segurança que o resultado alvejado seja efetivamente alcançado – o passageiro terá que ser levado são e salvo ao seu destino. Nos serviços que geram obrigação de meio não haverá que se falar em defeito do serviço, ainda que o resultado não tenha sido alcançado, desde que a atividade tenha sido desenvolvida com a segurança esperada.” (Cavalieri, 2004).
4. Do caso fortuito ou força maior nos estacionamentos pagos
Quando acontecer fato gerador de dano, seguirá então a regra da responsabilidade objetiva para os estacionamentos pagos, inclusive em eventuais casos fortuitos ou de força maior, se puder ser legitimamente inferido pelo consumidor que seu bem deverá estar protegido contra tais eventos, o que deverá ser aferido no caso concreto.
O problema principal aqui se dá quanto aos fenômenos naturais (temporais, chuvas de granizo, raios) e os criminosos (furtos).
Ora, é mais que claro que se o consumidor paga pelo estacionamento, ele não busca só um lugar para parar o carro, mas também o conforto de ter certeza de que seu patrimônio está seguro.
É de se esperar, legitimamente, que o veículo esteja inteiro quando a este retornar, mesmo após ocorrência de chuvas de granizo ou tempestades que derrubam árvores e fios elétricos. O bem está guardado, e fenômenos naturais devem ser esperados por quem o guarda, afinal, já há a preocupação natural das pessoas de, por exemplo, não parar embaixo de árvores de frutos grandes ou em localidades conhecidas por, em caso de enchente, serem menos seguras. Se paga o preço pela proteção integral do veículo, e, a não ser por algo com possibilidade de acontecer praticamente nula no lugar (um furacão, tsunami), o comerciante deverá, sim, pagar pelos danos que acontecerem. A mesma coisa em relação à segurança, já que, se muito visados os carros individuais em qualquer lugar pelos criminosos, natural é que uma coletividade seja ainda mais chamativa, fazendo com que a segurança necessária ao lugar seja naturalmente melhorada – considerando crimes sem violência, vez que quando esta existe há desproporcional força maior. Cabe, sempre, a análise do caso concreto pelo magistrado. No caso específico do estacionamento, conforme dito, a segurança se daria na forma de fiscalização intensiva de suas dependências (câmeras, vigilantes, cancelas), dificultando a ação de pessoas que não apelam ás armas mais perigosas.
Ousa-se também aplicar uma Teoria do Preço: todo consumidor tem os mesmos direitos que o outro se pagou o mesmo preço pelo bem, a não ser que tenha sido publicada ou ofertada nova proposta, de forma clara. A importância disso? Ora, se alguns veículos são danificados por estarem em parte sem cobertura em estacionamento, e outros estão protegidos pelo teto, há uma pequena discriminação em relação à vítima do dano patrimonial. E mesmo que os coordenadores do estacionamento alegassem que somente os primeiros veículos que chegassem estariam protegidos, isto provavelmente não seria verdade, tido que assim que um dos que ocupou um lugar coberto de lá saísse, teria sua vaga ocupada por um que chegou depois que começasse a ocupação das vagas descobertas.
O eminente professor Cavalieri Filho traz à tona o Enunciado n. 38 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal em 2002:
“A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista no art. 927 do Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade” (Cavalieri, 2004).
Tentando conceituar o que seria “atividade normalmente desenvolvida” e “implicar, por sua natureza, risco”, pode o confuso enunciado ter-nos dado uma pista da possibilidade de imputação de responsabilidade sem culpa ao estabelecimento que diferencia o cuidado para com um veículo em relação a outro na forma anteposta. Se “demais membros da coletividade” possa ser considerada alusão às pessoas com os mesmos encargos jurídicos (mesmo preço, forma de pagamento), a incidência da causa maior “chuva”, “granizo”, “raios”, entre outros, podem ser considerados fortuitos internos, vez que a cobertura já mostra preocupação com tais fenômenos naturais, devidamente afastados para parte da coletividade, melhor protegida que a outra, que arcará com ônus direto maior ao seu patrimônio.
5. Da responsabilidade de estacionamentos gratuitos
Como estudado anteriormente, a responsabilidade sem culpa, que invariavelmente é a necessária para de fato atribuir obrigações indenizatórias a pessoas jurídicas, afora alguns casos específicos (mencionados pelo parágrafo único do art. 927 e arrolados pelo art. 932 do CC[3]), depende da constatação da existência de atividade econômica por parte do responsabilizado.
Como o estacionamento gratuito, a princípio e aparentemente independe de remuneração, a responsabilidade só se daria por culpa (subjetiva), o que fatalmente inviabilizaria a mesma. Apresentam-se, entretanto, três hipóteses que afirmam a responsabilidade dos mesmos para com seus usuários.
5.1 A interpretação dada ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil
Tal texto, tão frequentemente utilizado para os fins deste trabalho, refere-se a riscos inerentes à natureza da atividade causando risco aos direitos de outrem. Embora a doutrina clássica suponha que essas atividades sejam econômicas, deve-se buscar entende-la como um todo: isto é, apesar de o estacionamento não ser remunerado, ele claramente está no contexto da atividade mais complexa que o abriga acessoriamente, como em um shopping por exemplo.
É nítido o apelo que a possibilidade de guardar seu veículo seguramente em um local perto de onde se está tem para fazer com que as pessoas escolham certo estabelecimento como o destino de seu afazer, seja ele prazeroso ou profissional. O estacionamento não influi diretamente no lucro dos comerciantes (nem dos individuais, nem dos donos do shopping), mas indiretamente é clara a relação que a existência de um tem para o bom funcionamento e crescimento do outro. A atividade econômica objeto da relação consumerista só se desenvolve como o faz por causa do seu acessório, muitas vezes sendo inviável se o mesmo não existisse. A remuneração exigida pela atividade econômica se dá de forma indireta, fazendo com que o consumidor que gasta nas lojas do conjunto pague, através dos produtos vendidos e do que será deles repassado aos próprios donos do estacionamento, este serviço prestado.
Outro ponto interessante é notar que não só controladores e donos dos estacionamentos podem ser responsabilizados, mas, teoricamente, também os fornecedores que usufruem da existência do estacionamento, visto que está inserido na atividade dele o oferecimento dessa vantagem acessória ao consumidor. Da mesma forma que até sem estipulação prévia em contrato um banco pode ser responsabilizado se não houver nenhuma guarda no mesmo no momento de um assalto, por esta guarda ser presumida como necessária entre os acessórios que o serviço bancário deve prover (art. 14, §1º do CDC[4]), o fornecedor que quer os bônus do oferecimento das vagas para estacionar, deve por elas se responsabilizar.
5.2 O usuário como consumidor equiparado
O consumidor na forma estrita é aquela pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, com os cuidados dessa aquisição acontecer de um fornecedor, como ensina a teoria finalista aprimorada[5], aceita como a adotada pelo sistema de defesa do consumidor no Brasil.
Entretanto, de forma acertada, nosso sistema decidiu por proteger todas as pessoas envolvidas nas relações de consumo. Isto se dá porque mesmo que elas não consumam diretamente o produto, poderão arcar com os riscos que eles causam em seu processo de fornecimento. Esta é a regra do parágrafo único do art. 2° do CDC: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.” (Código de Defesa do Consumidor).
Desta feita, vale lembrar que não raro estabelece-se relação de consumo entre o fornecedor imediato de produtos e serviços estabelecidos em um lugar (com a devida remuneração) e o fornecedor mediato de serviços e produtos, a pessoa que agrega as outras em um mesmo lugar para que elas exerçam sua atividade econômica (shoppings e galerias são exemplos claros). Dá-se clara relação de consumo entre ambos os entes. Considerando que o consumidor do produto imediato final interfere na relação de consumo, já que entre o que se oferece entre o agregador e o agregado está o estacionamento, ele deve, sim, ser protegido pelas normas de proteção do consumidor.O que se pode argumentar contra a ideia aqui é que os contratos de locação não se sujeitam ao CDC. José Geraldo Brito Filomeno é defensor desta ideia, que considera majoritária na jurisprudência, e assim defende a inaplicabilidade do CDC:
“por haver legislação própria a respeito, e que tem a mesma natureza que o Código de Defesa do Consumidor, no que concerne a conceitos de ordem pública e interesse social (tanto assim que, a disposto do teor do disposto pelo art. 45 da Lei 8245 de 18/10/91, fulminam-se de nulidade “as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente Lei, notadamente as que proíbem a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto”. (FILOMENO, 2007).
Vale aqui, entretanto, o diálogo das fontes e o caso concreto. Pelo princípio da especificidade, em se tratando de relação de consumo, o CDC deve ser utilizado, desde que não se contraponha à Lei de Locações. Além do mais, a proteção e importância Constitucional[6] dada ao consumidor são muito mais fortes do que as dispendidas pelo Estado quanto às locações, sendo devidamente controverso afastá-lo por inteiro tendo aspectos não abrangidos pela Lei 8245/91.
Mais uma vez destaca-se que todos que se aproveitam financeiramente (indiretamente) das vagas em estacionamento devem por elas se responsabilizar.
5.3 O usuário como consumidor final e a teoria do presente
Uma última teoria aplicável ao caso é a “teoria do presente”, apresentada por este trabalho. Na relação jurídica estudada, estão: um ente agregador de serviços em um mesmo local (shopping center), um ente usuário desta agregação e fornecedor de produtos imediatos ao consumidor, e um comprador. Na situação hipotética, o comprador de produtos adquire o bem para dar de presente a uma pessoa (uma camisa). Esta camisa, repassada para o consumidor final de fato, poderá ter seus vícios reclamados por este. Não obstante a comum falta de cadastro de consumidores[7], por que isto acontece se ele não era o consumidor? A primeira reposta é de fazê-lo ser o consumidor equiparado do qual já foi falado a respeito, o que encaixaria na tese apresentada no item anterior.
Entretanto, outra tese pode aparecer: a de que o consumidor final é o usuário de fato, que o é mediante remuneração empenhada por outra pessoa (o presenteador). Se pensarmos em outras situações podemos ver que ela já é consuetudinariamente aplicada no hodiernamente: se em uma residência há problemas com a conexão na internet, pode muito bem uma das pessoas da casa que não seja o titular da conta reclamar pelo vício (apesar de não figurar em algum dos polos judicialmente). Em exemplo mais sucinto, se um pai compra para o filho um carro novo, de primeira mão, e o coloca no nome do mais novo, este é dele, subsistindo todos os direitos advindos da relação de consumo para o filho, mesmo que este não tenha sub-rogado o pai no que tange às obrigações que ensejam a mesma.
Assim, não é difícil considerar que o usuário do estacionamento é um consumidor final do estabelecimento dono do mesmo, levando em conta que a remuneração prestada pelo serviço é a decorrente da relação entre agregador de empresas e agregado. A remuneração indireta viabiliza o vínculo direto.
6. Da proibição de não segurança em estabelecimento gratuito e vedação à disposição contratual diversa: função social da propriedade
Considerando o estacionamento gratuito como parte de um maior conglomerado, ele faz parte de um dever anexo ao principal (de utilização dos serviços do ente maior) na relação contratual em escopo.
Daí que todo exercício inerente à propriedade privada, seja ele acessório ou principal, só poderá ser exercido dentro da função social que dali se espera. É regra constitucional do art. 170, III da CF:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) III – função social da propriedade.” (Constituição Federal)
Termina por asseverar o próprio Código Civil, em seu art. 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato[8]”.
Estas normas tem caráter cogente, de interesse público, e não podem ser afastadas por atos privados. Além do mais, a função social é dever em todas as partes do contrato, conforme lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
“E nessa perspectiva temos que a relação contratual deverá compreender os deveres jurídicos gerais e de cunho patrimonial (de dar, fazer, ou não fazer), bem como deverão ser levados em conta os deveres anexos ou colaterais que derivam desse esforço socializante.
Com isso, obrigações até então esquecidas pelo individualismo cego da concepção clássica de contrato ressurgem gloriosamente, a exemplo dos deveres de informação, confidencialidade, assistência, lealdade, etc. E todo esse sistema é, sem sombra de dúvidas, informado pelo princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana.” (Gagliano e Pamplona, 2006).
Nesse ínterim, ainda que não se aceite a ideia de relação contratual entre o usuário do aglomerado e este (ato de mera liberalidade), ainda se constitui exercício de direito privado que deve, sim, atentar aos deveres públicos que tem. Alexandre de Moraes comenta que a “função social da propriedade é corolário da previsão no art. 5°, XXIII, e art. 186, da Constituição Federal[9]”, indicando ser a mesma direito individual do ser humano na ordem democrática brasileira (Moraes, 2006).
José Afonso da Silva afirma que o conceito vai além do que ele chama de ensinamento da Igreja de que “sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social” (da Silva, 2006). Lembra-se aqui que o proprietário de estacionamento gratuito assim o deixa por ser conveniente ao seu lucro, e que a simples aparência do mesmo existir desencadeia pensamento de maior segurança em relação à via pública, não obstante o fato de a promoção de segurança ser sim dever do que se propõe a de alguma forma guardar algo, dentro do que as regras ordinárias de experiência permitem dele exigir. Continua da Silva:
“Ele [o princípio da função social da propriedade privada] transforma a propriedade capitalista, sem socializá-la. Condiciona-a como um todo, não apenas o seu exercício, possibilitando ao legislador entender com os modos de aquisição em geral ou com certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e disposição.” (da Silva, 2006).
Aceitando-se porém a relação contratual, e, posterior a esta, a relação de consumo, há norma expressa no CDC que proíbe a falta de segurança em estacionamentos gratuitos. Considerando, como já feito, que a coletividade de veículos é deveras mais chamativa que um singular, a falta de segurança para os mesmos é ainda mais lesiva aos usuários. Desta feita, estaria proibido, pelo art. 10 do CDC, que esse serviço sequer fosse ofertado: ”O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança” (Código de Defesa do Consumidor).
A jurisprudência já consagrou alguns casos em que a omissão no cuidado a algo se torna fortuito interno causador de dano imputável à empresa, como quando um passageiro é atingido por objeto vindo de fora de ônibus por causa de defeito na porta que ficou entreaberta, ou quando nenhuma medida foi tomada quando a passagem de veículo em local de assaltos recorrentes, como providenciar segurança extra ou mudar a rota (Cavalieri Filho, 2004). Isto porque a culpa exclusiva de terceiro pode exonerar alguém da relação de alguma responsabilidade, mas no caso concreto pode ficar certo que o dever objetivo de cuidado perante a probabilidade sobressaltada de um infortúnio acontecer não foi respeitado.
Havendo lesão a uma das partes, poderá ser judicialmente intentada ação indenizatória para reparação, pela inobservância do dever objetivo de atendimento â função social específica da guarda aqui cuidada. Ilustra aqui o pensamento de Gagliano e Pomplona:
“Imagine-se, por exemplo, que se tenha pactuado um contrato de engineering (para a instalação de uma fábrica). Mesmo que negócio pactuado seja formalmente perfeito (agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei, etc.), se a legislação ambiental ou de segurança no trabalho, por exemplo, houver sido violada, tal avença não haverá respeitado a sua função social, não devendo ser chancelada pelo Poder Judiciário. Na mesma linha, se pretendeu instalar a indústria para fim de lavagem de dinheiro.
Claro está que, em caso de dano, poderá o prejudicado intentar ação indenizatória (…).” (Gagliano e Pomplona, 2006)
Os mesmo autores mais tarde classificam lesão como sendo o prejuízo resultante da desproporção de prestações de um determinado negócio jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes. Assim, considerando a necessidade de consumo que não raro se impõe ao cidadão, como observado pelas necessidades elencadas no art. 6° da Constituição[10] que frequentemente só são atingidas por meios particulares, e a leviandade oportuna do lesado que antes expectava a guarda bem feita de seu bem móvel, o negócio jurídico (não só se considerado como contrato[11]) discutido é sim causador de dano contra seu usuário.
Por conseguinte, não pode o empresário, de forma alguma, requerer legalidade de prática comumente observada, de declaração de exoneração de responsabilidade, como em “não nos responsabilizamos por objetos deixados dentro do carro”. Primeiro, a proteção dada ao veículo como objeto principal abrange os seus acessórios que, só poderão ser alcançados com violação do bem maior. Tal falta de segurança vai contra a função social da atividade. Obviamente, tal prática também é ilegal quando feita por pares não gratuitos.
Em sede de defesa do consumidor, estas práticas são devidamente rechaçadas pelo direito básico do consumidor de ter o dano reparado, consagrado pelo Art. 6°, VI (“São direitos básicos do consumidor: (…) a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”), e pela proteção contratual expressa pelo Art. 51, I do CDC, que tem a seguinte redação:
“Art. 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I – impossibilitem, exonerem ou alterem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”. (Código de Defesa do Consumidor)
7. Do contrato de depósito
Parte da doutrina já autoriza considerar formado um contrato de depósito entre quem deixa o veículo em estacionamento e quem aceita guardá-lo. Neste contrato, o depositante é o dono da coisa, que pode dela dispor; depositário é aquele que se compromete a guardar a coisa, protegendo-a como se sua fosse; um bem móvel é objeto do depósito; e a guarda é o dever do depositário de zelar pela coisa recebida em depósito, respondendo pela sua falta de cuidado.
As regras do Código Civil sobre esse contrato que se fazem importantes no caso são aqui arroladas:
“Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.
Art. 628. O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.
Parágrafo único. Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei, nem resultar de ajuste, será determinada pelos usos do lugar, e, na falta destes, por arbitramento.
Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.
Art. 631. Salvo disposição em contrário, a restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As despesas de restituição correm por conta do depositante.
Art. 642. O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los.
Art. 646. O depósito voluntário provar-se-á por escrito.” (Código Civil)
O detalhe ruim deste pensamento é o fato de que o depósito gratuito deveria ser provado por escrito, mas pelo fato da gratuidade, os estabelecimentos não se preocupam em registrar quem está lá – até porque isto só serviria como prova para atacá-los. Falta o meio de prova admitido legalmente para fazer com que a simples formação do contrato de depósito possa resolver os problemas. O contrato deve respeitar essa formalidade e fica afastada a sua incidência se não há escrito que identifique a relação.
8. Da interpretação analógica às amostras grátis
Em sede de desvinculação ao sistema de defesa do consumidor por falta de remuneração, somos remetidos à lembrança da tutela das amostras grátis, assim chamado o fornecimento de produto ou serviço não previamente solicitado, considerado assim pelo art. 39, parágrafo único do CDC (fazendo referência ao inciso III):
“Art. 39 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
(…)
Parágrafo único: Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostrar grátis, inexistindo obrigação de pagamento.” (Código de Defesa do Consumidor)
Antônio Herman Vasconcellos Benjamin ressalta que “não cabe qualquer pagamento ou ressarcimento ao fornecedor, nem mesmo os decorrentes de transporte. É ato cujo risco corre inteiramente por conta do fornecedor.” (Grifo nosso) (Benjamin, 2009).
O estacionamento gratuito não pode ser considerado amostra grátis a não ser que depois venha a ser pago, hipótese em que o primeiro período seria de apresentação do produto/serviço.
Mas cabe aqui a comparação: da mesma forma que a amostra grátis, é um ato vinculado a uma atividade comercial que deseja o lucro no fim da relação com o beneficiário. Não é ilusório dizer que essa ação deva correr por conta e risco puramente do fornecedor, que não oferece a gratuidade em algo por benevolência, mas sim para incrementar seu retorno financeiro. Nada mais justo que ele responda por isso.
9. Imputabilidade dos correlacionados
Como já deve ter sido possível aferir desta peça doutrinária, as pessoas que se relacionem com o estacionamento, aproveitando-se de alguma forma do proveito econômico que este possa potencializar, deverão responder também pelos fatos do serviço.
O problema encontra especial recorrência nos casos em que estacionamentos aparentemente vinculados a outro ente, como os promoters de festas, estão juridicamente deles separados. Na verdade, muitas das vezes vê-se verdadeira fraude do ente da atividade diversa, que busca o lucro cobrando pelo uso do estacionamento mas quer eximir-se de qualquer problema que possa dele ser advindo.
Em casos de fraude, como o exemplificado acima, a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser usada. A disregard doctrine se faz presente no art. 50 do CC:
“Art. 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (Código Civil).
E também no art. 28 do CDC:
“Art. 28 O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” (Código de Defesa do Consumidor).
A doutrina inserida pelo comercialista Rubens Requião no Brasil em conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná[12] deverá ser a resposta aos meios burocráticos fraudulentos causados por quem não deseja arcar com os ônus de sua atividade. Quando for considerado que uma empresa controla ou tem participação na outra, podem ser usadas também as regras de responsabilidade solidária e subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, do seu mesmo art. 28:
“§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” (Código de Defesa do Consumidor)
Mas esse não é o único remédio jurídico possível para sanar o problema. Como afirmado anteriormente, quem de qualquer forma consigna vantagem econômica de algo, deve responder pelos prejuízos que isto possa acarretar. Esta afirmação, conjugada com as regras de responsabilidade por fato do serviço nos ditames da literatura consumerista codificada no Brasil (e o art. 28, §5°, já mencionado, sinaliza isso), toda a cadeia de fornecedores deverá responder, uma vez que o produto, considerado em seus principais e acessórios, é de responsabilidade geral. Ainda é a regra da imputação objetiva civilista geral.
10. Considerações finais
Vê-se que a remuneração não é imprescindível ao vínculo entre usuário e guardião, e que a responsabilidade não pode ser afastada por disposições contratuais, especialmente quando se considera o caráter de proteção que a função social exerce em função do indivíduo quando do exercício da iniciativa privada no plano jurídico pátrio.
Informações Sobre o Autor
Luís Mário Leal Salvador Caetano
Advogado militante pós-graduando em Direito Civil pela Universidade Anhanguera bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba ex-economiário da Caixa Econmica Federal colaborador em diversas publicações especializadas