Estudo de caso: Princípios Constitucionais e coerência do ordenamento como soluções para impasses entre normas jurídicas


Resumo:O objetivo principal deste artigo é a realização de um estudo de caso à luz de duas das mais importantes teorias jurídicas modernas: a perspectiva principiológica de R. Dworkin e a perspectiva da coerência do ordenamento de N. Bobbio. Desse modo, procuraremos aqui analisar o sentido e o alcance da Resolução 7/2005 do CNJ, que veda o nepotismo no Poder Judiciário, verificando sua extensibilidade aos demais Poderes, tendo em vista o art. 37 da Constituição Federal de 1988, que postula os princípios da moralidade e impessoalidade em todos os Poderes, e verificar a necessidade de lei expressa coibindo a ilicitude do favorecimento subjetivo e impessoal nos cargos públicos. Objetivamos também responder ao questionamento-chave seguinte: como um princípio constitucional, com valores socialmente compartilhados, pode modificar o sentido e alcance de uma lei ordinária, estando essas normas em aparente discordância, a fim de manter a coerência do ordenamento. Este trabalho foi orientado pela Profª. Drª. Maria Sueli Rodrigues de Sousa.


Palavras-chave: Extensibilidade de lei – Princípios e Regras – Ordenamento jurídico – Dworkin – Bobbio.


Abstract: The aim of this paper is to conduct a case study in the light of two major modern theories of law: a principled view of R. Dworkin and the prospect of order coherence of N. Bobbio. Thus, efforts will be here to analyze the meaning and scope of Resolution 7 / 2005 CNJ, which prohibits nepotism in the judiciary, checking its extensibility to other Powers, in view of the art. 37 of the Constitution  of 1988, which posits the principles of morality and impartiality in all branches of government, and verify the need to express law curbing the illegality of the subjective and impersonal favoritism in public office. The objective is also to respond the key question: how a constitutional principle, with shared social values, can change the meaning and scope of an ordinary law, and these standards in apparent disagreement in order to maintain the coherence of the order.


Keywords: Extensibility of law – Principles and Rules – Legal order – Dworkin – Bobbio.


Sumário: 1. Introdução. 1.1. Visão geral do trabalho e problema principal. 1.2. Recorte teórico: perspectiva principiológica de R.Dworkin e perspectiva da coerência do ordenamento jurídico de N. Bobbio. 2. Estudo do caso. 2.1. Estudo dos fatos, normas e valores envolvidos no caso. 2.2. Apreciação crítica e levantamento de hipóteses. 3. A perspectiva principiológica de R. Dworkin 3.1. Distinção entre princípios e regras. 3.2. Interpretação conforme a Constituição. 4. A coerência do ordenamento em N. Bobbio. 4.1. Visão sistemática do ordenamento jurídico. 4.2. Extensibilidade do sentido e alcance de normas. 5. Conclusão.






1. Introdução


1.1. Visão geral e problema principal





O objetivo principal deste artigo é a realização de um estudo de caso à luz de duas das mais importantes teorias jurídicas modernas: a perspectiva principiológica de R. Dworkin (1931) e a perspectiva da coerência do ordenamento de N. Bobbio (1909). O caso em apreço, que chegou ajulgamento no Supremo Tribunal Federal, tem como problema principal a verificação da necessidade (ou não) da existência de lei expressa que regulamente a vedação do nepotismo nos Poderes Legislativo e Executivo, embora já exista artigo constitucional que preze pela moralidade e impessoalidade em todos os Poderes estatais. O litígio em estudo é emblemático na demonstração da interpretação conforme a constituição e da visão sistemática do ordenamento, adotadas hodiernamente na Suprema Corte.


Na Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça, determinou-se a proibição do exercício de cargos comissionados, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por parentes próximos, em prol da elevação dos valores da meritocracia e da eficiência na seleção para cargos públicos. O argumento do impetrado (que supostamente teria agido ilicitamente favorecendo entes próximos) é o de que os cargos comissionados (de Secretário Municipal de Saúde e motorista) eram administrativos, e não judiciais.


Procuraremos aqui analisar o sentido e o alcance da Resolução do CNJ que veda o nepotismo no Poder Judiciário, determinando se a mesma deve ser estendida aos demais poderes, tendo em vista o art. 37 da Constituição Federal de 1988 o qual postula os princípios da moralidade e impessoalidade em todos os Poderes, e, finalmente, verificar a necessidade de lei expressa coibindo a ilicitude do favorecimento subjetivo no funcionalismo público. Além disso, objetivamos também responder ao questionamento-chave seguinte: como um princípio constitucional, com valores socialmente compartilhados, pode modificar o sentido e alcance de uma lei ordinária, estando essas normas em aparente discordância, a fim de manter a coerência do ordenamento.


1.2. Recorte teórico: perspectiva principiológica de R. Dworkin e perspectiva da coerência do ordenamento jurídico de N. Bobbio:


Torna-se indispensável para a condução da análise aqui pretendida a seleção de uma linha de raciocínio. Para tal, foram contempladas duas correntes de pensamento elaboradas por autores de renome do direito moderno; são elas: a perspectiva principiológica de Ronald Dworkin e perspectiva da coerência do ordenamento jurídico de Norberto Bobbio.


Da perspectiva principiológica de Dworkin podemos abstrair a importância que têm os princípios na hermenêutica constitucional, a fim de se determinar com clareza o sentido e o alcance, por exemplo, de uma lei ordinária, hierarquicamente inferior. Os preceitos morais socialmente compartilhados, caso da exaltação dos valores da impessoalidade, moralidade e mérito no exercício de funções públicas nos Poderes investidos ao Estado, devem ser levados em consideração na atividade interpretativa.


Sob o prisma da visão do ordenamento como um todo coerente, coeso e hierarquicamente organizado, em conformidade com o a teoria de Bobbio,aferimos a relevância da visão sistemática das normas, sejam elas princípios constitucionais ou leis ordinárias. Nesse sentido, há que se entender as regras em harmonia e conexão com os princípios presentes na Magna Carta, como bem o fez, acertadamente, o Supremo Tribunal Federal em sua decisão.


2. Estudo de caso:


2.1. Estudo dos fatos, normas e valores envolvidos no caso:


Cabe agora uma explanação detalhada dos aspectos relevantes do caso, determinando seus conteúdos principais, as partes em litígio, a Corte julgadora, a sucessão de fatos, as normas envolvidas e os valores postos em prova.


O recurso extraordinário 579.951-4 Rio Grande do Norte, o qual chegou a julgamento no Supremo Tribunal Federal, conforme disposto no art. 102, III, “a” da CF/88, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, tem como recorrente o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte e como recorrido o Município de Água Nova, do Rio Grande do Norte. O teor principal, conforme consta na ementa do RE, diz respeito a: administração pública, vedação do nepotismo, necessidade de lei formal, inexigibilidade e proibição que decorre do art. 37, caput, da CF/88.


O Recurso, considerado de Repercussão Geral pelo Tribunal, envolve, principalmente, os arts. 37, II e V (“princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” na “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”)[1] e 102, III, “a”(legitimidade do Supremo Tribunal Federal para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo desta Constituição”)[2] da Constituição Federal de 1988 e a Resolução 7/2005 do CNJ (veda a “prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados”)[3].


Aclarados os aspectos básicos que fazem parte do Recurso, faz-se necessário aqui o exame dos requerimentos do impetrante, da argumentação das partes e da decisão do STF.


Conforme informado anteriormente, o litígio em estudo tem como conteúdos principais a interpretação extensiva sob o prisma da Constituição, a regulamentação sobre o nepotismo nos Poderes Executivo e Legislativo, a verificação da necessidade de lei em sentido formal e a vedação do nepotismo. Trata-se de um recurso extraordinário (RE 579.951-RG / RN) de autoria do Ministério Público do Rio Grande do Norte impetrado contra decisão passada. O acórdão, na referida decisão passada, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, decidiu que não há aplicabilidade, aos Poderes Executivo e Legislativo, da Resolução 7/2005 do CNJ.


O impetrante, Ministério Público, requer do recorrido, Município de Água Nova (RN), o conhecimento e provimento do recurso extraordinário exonerando dos cargos de Secretário Municipal de Saúde e de motorista os Srs. Elias Raimundo de Souza e Francisco Souza do Nascimento, irmãos, respectivamente, do vereador e do Vice-Prefeito.


O acórdão do TJ/RN firmou que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na nomeação para os cargos de motorista e Sec. Mun. de Saúde, posto que considere inaplicável a Resolução 7/2005 ao Executivo e ao Legislativo. Além disso, entende ser necessária lei formal e expressa editada com o fim específico da vedação do nepotismo nos Poderes Executivo e Legislativo.


O recurso extraordinário, por sua vez, funda-se no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, alegando que a decisão do TJ/RN contraria o art. 37 da mesma Carta. O Ministério Público entende que os incisos II e V do artigo devem ser interpretados em conjunto com a Magna Carta, ou seja, propõe uma interpretação extensiva do princípio da moralidade, impessoalidade e eficiência. Sustenta que a proibição do nepotismo nos demais poderes está claramente determinada no artigo e que se dispensa, portanto, edição de lei em sentido formal. Alega ainda que as funções de Sec. Mun. de Saúde e motorista não estariam dentro da abrangência das atribuições de direção, chefia e assessoramento para as quais é permitida indicação, por serem cargos de confiança. Acrescente-se a isso, o fato de que a indicação arbitrária desconsideraria o sistema de meritocracia para cargos públicos, consagrado mediante realização de concurso.


Finalmente, tem-se a jurisprudência como elemento favorável ao órgão impetrante. Os precedentes da Corte destacam a desnecessidade de lei expressa coibindo a contratação de parentes próximos para cargos públicos.


O STF entendeu que, embora restrita ao Judiciário a Resolução 7/2005 do CNJ, a prática do nepotismo é vedada, extensivamente, aos poderes Executivo e Legislativo e que a proibição do nepotismo, já prevista no art. 37 da Constituição da República, não prescinde de edição de lei formal para a coibição de tal ilicitude.


2.2. Apreciação crítica e levantamento de hipóteses:


Dois aspectos merecem destaque: o primeiro é o consenso de que o nepotismo é prática nefasta, que deve ser afastada da esfera pública devido a seu caráter antiético e impessoal; o segundo é o de que o valor do mérito vem antes de qualquer favorecimento por interesse, devendo ser adotado na seleção de funcionários para o serviço público.


Assim pontua Antonio de Pádua Oliveira Júnior:


“As relações de parentesco ou de afinidade são extremamente subjetivas. Não podem servir de critério para a nomeação ou não de pessoas para cargos de provimento em comissão no âmbito da Administração Pública. A adoção desses critérios privilegia apenas uns poucos que, salvo raras exceções, não estão preparados para exercer cargos públicos, fato que concorreu para a grave crise de eficiência que se verifica atualmente nas instituições públicas nacionais. Estas exigem cada vez mais recursos sem, contudo, prestar seus serviços com a qualidade esperada.[…]


Somente através da realização de concursos públicos, em que os candidatos sejam tratados de forma imparcial e impessoal, será possível selecionar aqueles mais preparados para o exercício de cargos públicos, obtendo-se, assim, resultados com máxima eficiência no serviço público.”(OLIVEIRA JÚNIOR, 2005).


O STF entendeu que, embora restrita ao Judiciário a Resolução 7/2005 do CNJ, a prática do nepotismo é vedada, extensivamente, aos poderes Executivo e Legislativo e que a proibição do nepotismo, já prevista no art. 37 da Constituição da República, não prescinde de edição de lei formal para a coibição de tal ilicitude.


Diante do que foi exposto, é visível que o posicionamento do Supremo foi acertado. Como ficou claro, a decisão coaduna-se com uma interpretação principiológica da constituição, conforme a teoria de Dworkin, haja vista que o princípio da moralidade no exercício das funções administrativas em todos os Poderes, por estar disposto na Constituição e ser socialmente valorizado, despreza a edição de lei formal; verificamos também a adoção de perspectiva do ordenamento como um conjunto coerente e hierárquico adotada pelo STF, tendo em tela o entendimento extensivo da Resolução 7/2005 do CNJ tomado em conjunto com os incisos II e V do art. 37 da CF/88.


Como o leitor já deve ter percebido, a solução para o problema (como um princípio pode modificar o sentido e alcance de uma regra?) encontra-se na verificação de que princípios são hierarquicamente superiores a regras e que estas devem ser interpretadas em conjunto com aqueles a fim de manter a coerência do ordenamento.Em sendo superiores, princípios vêm antes e acima das leis ordinárias, e estas devem ser anuladas, caso contrariem em algum sentido qualquer aspecto da Magna Carta, ou ter seu alcance ampliado, caso não regulamentem plenamente o assunto o qual dispõe.


Demonstrar a validade da hipótese levantada, de que o princípio constitucional (art. 37) e a visão de conjunto do ordenamento (extensão do alcance da Resolução do CNJ) são capazes de alterar o entendimento acerca da lei ordinária considerada neste estudo, é o que pretendemos nos tópicos subsequentes.


3. Perspectiva principiológica de R. Dworkin


3.1. Distinção entre princípios e regras


Ao observarmos a teoria normativa do americano Ronald Dworkin, nos deparamos com dois tipos de norma jurídica, distintos entre si e, no entanto, concatenados quando da aplicação do Direito. São eles os princípios e as regras.


 Os princípios são o alicerce do Código de leis. Durante o processo de legislação, os princípios são de importância essencial, não podendo ser desconsiderados no momento da composição normativa, por introduzirem uma gama de valores que devem ser contemplados tanto na feitura das leis quanto em sua aplicação, já que evocam os direitos fundamentais do homem e princípios de justiça. Dworkin define princípio como“[…] um padrão que deve ser observado […] porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” (DWORKIN, 2002, p. 36).


Quando a norma jurídica se baseia em princípios injustos, isso termina por gerar um Código também injusto e, portanto, inválido. As normas estabelecidas pelo Código dependem da fundamentação principiológica a elas atribuída. De formaanáloga, podemos perceber que a violação de um princípio se desdobra de forma mais grave do que a violação de uma norma em si, tendo em vista que representa um desrespeito a todo o lastro sob o qual se ergue o conjunto do ordenamento, sendo, enfim, uma violação ao Código com um todo.


As regras seriam, por sua vez, a solidificação dos princípios. Elas dão o caráter de concretude ao que se estabelece principiologicamente, colocando-se como versão positivada e tipificada dos mesmos. Ainda assim, as regras, quando em conflito com os princípios contemplados pelo ordenamento jurídico ao qual pertencem, são consideradas inferiores, prevalecendo as determinações estabelecidas pelo princípio conflitante.


3.2. Interpretação conforme a Constituição


Os princípios constitucionais manifestam-se distintamente em relação a preceitos legais, hierarquicamente inferiores, dentro do ordenamento. A determinação exata do sentido do princípio não é dada de modo pleno pela lei à qual se refere, através de um processo meramente dedutivo, senão que necessita considerar o ordenamento como um todo, um conjunto concatenado hierarquicamente, de forma coerente e pensada.Os princípios constitucionais atribuem um peso valorativo mais efetivo à interpretação constitucional, sendo fundamentais tanto pela matéria sobre a qual versam quanto pela preservação da linha interpretativa a qual terminam por definir.


Tomando por base essa força definidora exercida pelos princípios constitucionais, é que o Ministério Público confronta a decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. O Ministério alega que essa decisão contraria o art. 37 da Constituição Federal, que determina que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União deve obedecer aos princípios da moralidade e da impessoalidade.


Considerando a questão abordada pelo caso concreto, permitir a prática nepotista em qualquer um dos Poderes da União violaria diretamente o princípio da moralidade expresso no art. 37. Observamos uma tentativa de conexão do princípio em relação à abrangência da Resolução 7/2005, estendendo seu alcance.


Para que possam ser respeitados os princípios estabelecidos no artigo em questão, seria preciso que a Resolução 7/2005, que trata da proibição do nepotismo exclusivamente no âmbito do Judiciário, tivesse sua abrangência ampliada. A carga principiológica, atrelada a essa necessidade e justificada pela utilização de um preceito constitucional, de sentido valorativo socialmente compartilhado, como consignador de um caminho hermenêutico, permite que se expanda tanto o sentido quanto a abrangência da norma, ao invés de exigir uma norma formal que explicite a proibição do nepotismo nos Poderes Legislativo e Executivo.


4. A coerência do ordenamento em N. Bobbio:


4.1. Visão sistemática do ordenamento jurídico:


Para analisarmos o caso sobre a perspectiva normativa de Norberto Bobbio, é preciso que compreendamos a relação de hierarquia, sugerida por este teórico, que existe dentro do ordenamento. Essa teoria correlaciona-se de maneira muito íntima com a teoria normativa do austríaco Hans Kelsen ao afirmar que “[…] a norma inferior tem seu fundamento de validade na superior. Só será válida a norma inferior, se estiver em harmonia com a do escalão superior” (KELSEN, 2006, p.33).


Bobbio ratifica a visão de Kelsen e estabelece as normas constitucionais como as de hierarquia máxima dentro do ordenamento jurídico. Ainda buscando esclarecer as relações intrínsecas do código normativo, o teórico defende uma harmonia não só hierárquica entre as normas, mas também no que concerne ao conteúdo e fundamentação principiológica. Define: “Todo ordenamento jurídico, unitário e tendencialmente (se não efetivamente) sistemático, pretende também ser completo” (BOBBIO, 1995, p. 35).


O ordenamento jurídico, segundo Bobbio, deve apresentar coerência interna; suas normas não devem apresentar contradições, de modo que se obtenha estabilidade e solidez. Ainda assim, em havendo lacuna em seu corpo, é possível solucionar o problema exatamente pela organização principiológica e hierárquica bem elaborada.


4.2. Extensibilidade do sentido e alcance de normas


Conceber que seja possível que para o Poder Legislativo e o Executivo sejam permitidas ações administrativas que são terminantemente proibidas por normas de vasta responsabilidade moral para o Judiciário acarreta um ataque à coesão normativa tão necessária à manutenção do ordenamento como um todo.


O desrespeito à norma constitucional que exige uma igual sujeição dos três Poderes ao princípio da moralidade apresenta-se como uma desobediência normativa tanto da hierarquia superior das normas constitucionais quanto mais uma ruptura na unidade principiológica do ordenamento jurídico.


O argumento do impetrado, portanto, de que a Resolução 7/2005 não poderia ser aplicada aos Poderes que não o Judiciário,evidencia-se inválido. A necessidade de uma lei formal específica que aprecie a proibição do exercício de cargos comissionados por parentes próximos nos Poderes Legislativo e Executivo faz-se dispensável, observando que a Resolução pode ter sua abrangência revista e estendida, fazendo valer a interpretação do art.37 válida a todos os Poderes, não devendo, desse modo, serem tratados de formas divergentes.


5. Conclusão


A compreensão do caso concreto sob a luz das teorias normativas de Dworkin e Bobbio ratifica como acertada a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal. O enlace normativo entre princípios constitucionais e leis ordinárias faz parte do núcleo duro da composição normativa de um ordenamento. Em proveito dessa coesão, uma questão principiológica foi usada na mudança de abrangência de uma lei, fazendo-se desnecessária a criação de outra lei formal adequadamente direcionada aos Poderes Executivos e Legislativos, como alegava o impetrado.


A partir do caso em questão, verificamos o mérito e a influência dos princípios jurídicos e de uma perspectiva sistemática como preceitos basilares da hermenêutica atual. Os dois aspectos permitem um importante ponto de vista dentro do estudo jurídico e da análise legal, definindo saídas mais claras para lacunas e conflitos normativos, sendo capazes de alterar de forma enérgica a abrangência da lei e questionar sua extensibilidade.


 


Referências bibliográficas:

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UnB, 1995.

BOTELHO, Marcos César. A lei em Ronald Dworkin. Breves considerações sobre a integridade no Direito. Intertemas, São Paulo, vol. 13, 2008. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/INTERTEMAS/article/viewFile/2615/2404>. Acesso em: 29 jun. 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto:Editora Saraiva com colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 139 p.

BRASIL. Resolução nº 7, de 18 de outubro de 2005 do Conselho Nacional de Justiça. Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12121-resolu-no-7-de-18-de-outubro-de-2005->. Acesso em: 28 jun. 2011.

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Notas:


[1] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

[2] Art. 102.  Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:  III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição;

[3] Resolução n° 07, de 18 de outubro de 2005. Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências. Art. 1° É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.


Informações Sobre os Autores

Camila de Sousa Carvalho

Estudante de Direito.

Fernando Moura Rêgo Nogueira Leal


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