A responsabilidade civil do Estado e o terceiro não usuário do serviço público

Resumo:  O presente artigo tem como fito o estudo da Responsabilidade Civil do Estado e uma análise sobre a posição do Supremo Tribunal Federal sobre o terceiro não usuário do serviço público. É cristalina a importância da Responsabilidade Civil do Estado, visto que este diariamente comete erros, e causa danos aos particulares. Este artigo adota a pesquisa bibliográfica como metodologia, além de colacionar exemplos práticos de aplicação e julgados pátrios. Por derradeiro, é com o objetivo de esclarecer juridicamente a Responsabilidade Civil da Administração Pública, desde a evolução das teorias utilizadas pelos ordenamentos jurídicos e analisar de forma a clara e objetiva a mudança jurisprudencial de nossa Corte Constitucional, quanto ao terceiro não usuário do serviço público.


Palavras- chave: Responsabilidade Civil do Estado. Terceiro não usuário do serviço Público. Dano.


Resumen: El presente trabajo tiene su objetivo para estudiar La Responsabilidad Civil del Gobierno y un examen del tercero que no aprovecha el servício publico. Es demasiado visible la importancia da Responsabilidad Civil del Gobierno, pues a menudo practica desaciertos y provoca daños a terceros. Este artículo trabaja com la pesquisa bibliográfica como método, así como muestra  ejemplos practicos que acontecen todos los dias y sentencias de todo el país. Para concluir, es com objetivo de  aclarar los conocimientos de derecho sobre la Reponsabilidad Civil del Gobierno, desde su evolución y hacer um examen claro y objetivo de las modificaciones de las sentencias del Supremo Tribunal Federal, sobre o tercero que no aprovecha el servicio público.


Palabras llaves: Responsabilidad Civil del Gobierno. Tercero que no aprovecha el servicio público. Daño.


Sumário: 1. Conceito; 2. Evolução da responsabilidade civil da Administração Pública; 3. Responsabilidade objetiva do Estado; 4.Responsabilidade subjetiva do Estado; 5. Caso fortuito e Força maior; 6. Responsabilidade por atos do Poder Legislativo e Judiciário; 7. Responsabilidade Civil das Concessionárias e Permissionárias de serviço público e os danos causados ao terceiro não usuário do serviço: Um olhar sobre o posicionamento do Supremo Tribunal Federal; 8. Conclusão; 9. Referências bibliográficas.


1. Introdução


A responsabilidade civil na esfera do Direito Público é o ônus do Estado arcar com danos patrimoniais ou morais que seus agentes, seja decorrente de atos jurídicos, de atos ilícitos ou de omissão do Poder Público, atuando em seu nome, ou na qualidade de agentes públicos causem a bens dos particulares tutelados pelo Direito.


 Sendo assim, para que possa ocorrer tal responsabilidade da Fazenda Pública é necessário: A uma, pela atuação lesiva culposa (negligência, imperícia ou imprudência) ou dolosa (intenção do agente) do agente; a duas, na ocorrência de um dano patrimonial ou moral decorrente de um fato humano e a três o nexo causal existente entre o dano e a conduta do agente.


Impende destacar, que não se pode confundir a responsabilidade civil com as responsabilidades penal e administrativa. Senão veja-se: As três esferas são independentes entre si, com as quais podem coexistir sem, todavia, se confundir. A responsabilidade administrativa decorre de infrações, pelos agentes da Administração Pública ou mesmo por particulares que com ela possuam vinculação jurídica específica, sujeitos ao poder disciplinar do Estado; um exemplo prático é a penalidade de suspensão de um servidor público federal, decorrente de um processo administrativo, assegurada ampla defesa; em caso de reincidência das faltas punidas com advertência, bem como a suspensão do direito de licitar e contratar com o Estado.


Noutro cerne, a responsabilidade penal é decorrente de crimes e contravenções, na qual a conduta do agente está previamente tipificada no Código Penal, outro exemplo é o crime de prevaricação, na qual o servidor público retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, pena de detenção de três meses a um ano e multa, consoante art. 319 do Código Penal em vigor.


2. Evolução da responsabilidade civil da Administração Pública


Ao longo do tempo a responsabilidade civil do Estado sofreu alterações em sua incidência. Nos tempos do absolutismo, vigorava a teoria da irresponsabilidade do Estado, decorrente da idéia de soberania ou mesmo que o Estado atua para atender o interesse de todos porquanto o Estado, personificado na figura do rei, assim como os agentes públicos, representantes do próprio rei não eram responsabilizado por seus atos, ou ainda que o rei não cometia erros, origem da máxima “ the king can do wrong”. Ressalte-se que tal corrente, possui considerável valor histórico, todavia não é mais utilizada pelo ordenamento jurídico pátrio.


Outra teoria doutrinária foi a Responsabilidade com culpa civil comum do Estado, na qual colocava o Estado no mesmo plano do individuo, sendo aquele obrigado a reparar os danos causados aos particulares, todavia somente existia tal obrigação, com a comprovação de culpa ou dolo por parte do Estado, ficando o ônus de comprovação aos particulares.


A teoria da culpa administrativa, por sua vez, assenta que o estado deve ser responsabilizado pelo dano, somente se comprovado a omissão no serviço público, que pode ser divido em: inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço, todavia deve sempre o particular comprovar a culpa da Administração Pública para fazer jus a indenização. Nos Estados Unidos, em casos específicos, o particular pode acionar diretamente o funcionário, todavia, desde que haja culpa do mesmo.


Já a teoria do risco integral, aumenta o prisma de incidência da responsabilidade sobre a Administração Pública. Segundo esta teoria, apenas com a existência do evento danoso e do nexo causal é suficiente para que surja a obrigação de indenizar para a o Estado, mesmo que o dano decorra de culpa exclusiva do particular.


Pela teoria do Risco administrativo, teoria esta adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, consubstanciado pelo artigo 37,§ 6º da Constituição Federal em vigor, surge à obrigação econômica de reparar o dano sofrido injustamente pelo particular, independentemente da existência de falta do serviço e muito menos de culpa do agente público, assim sendo, ocorrendo o dano e existindo o nexo de causalidade, é presumida a culpa do Estado. Para a Administração Pública se eximir ou atenuar a obrigação de indenizar, é necessário comprovar se houve culpa exclusiva da vítima ou a inexistência do nexo de causalidade.


3. Responsabilidade objetiva do Estado


Chamada de teoria do risco administrativo, a responsabilidade objetiva da Administração, não invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da administração, o que se é perseguido para ser comprovado é o nexo de causalidade, portanto demonstrado o nexo causal, o Estado deve reparar o dano. É possível identificar princípios norteadores dentro da responsabilidade objetiva do Estado, como afirma Odete Medauar em sua obra Direito Administrativo moderno – Odete Medauar –  9. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, Página 430:


“Alguns princípios respaldam a concepção da responsabilidade objetiva do Estado. Em primeiro lugar, o próprio sentido de justiça( equidade), o neminem laedere, o alterum non laedere, que permeia o Direito e a própria vida, em virtude do qual o causador de prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano. No caso da Administração Pública, a multiplicidade e amplitude de suas atividades e as suas prerrogativas de poder, ensejam risco maior de danos a terceiros. Por outro lado, nem sempre é possível identificar o agente causador, nem sempre é possível demonstrar seu dolo ou culpa.Melhor se asseguram os direitos da vítima ante o tratamento objetivo da responsabilidade da Administração.


Em segundo lugar, o preceito da igualdade de todos ante o ônus e encargos da Administração, também denominado solidariedade social. Se em tese, todos se beneficiam das atividades da Administração, todos ( representados pelo Estado) devem compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam a alguns.”


As Constituições de 1824 e de 1891 não cuidaram da responsabilidade civil Estado. A Constituição Federal de 1946, foi um marco ao inserir o comando da responsabilidade objetiva do Estado em seu artigo 194: “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”.


A Constituição de 1967 também coloca o teor da norma da Constituição Federal de 1946, em seu artigo 105, acrescentando no parágrafo único, que a ação regressiva cabe em caso de culpa ou dolo.


Frise-se que nas duas normas acima, é utilizada a expessão “pessoas jurídicas de direito público interno”, que representa a União, Estados Membros, Distrito Federal, Municípios.


O Código Civil de 2002, no artigo 43, prevê a responsabilidade objetiva :


“As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros , ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”


Frise-se que o Código Civil de 2002 ao tratar do tema, não menciona a incidência da responsabilidade sobre as pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviço público, como por exemplo: Empresas de fornecimento de água, coleta de lixo, limpeza e iluminação de ruas, correios, telefonia, ao revés da Constituição Federal, senão veja-se:


Assim está cristalizado no art. 37 § 6º, da Carta Magna em vigor:


“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”


O artigo supracitado enuncia a responsabilidade objetiva do Estado, pelos danos causados por atuação de seus agentes causarem a terceiros. Frise-se que a expressão utilizada “pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público”, faz referencia a Administração direta seja autarquias, fundações públicas de direito público, também inclui as pessoas jurídicas de direito público prestadoras de serviço público, quais sejam empresas públicas e sociedades de economia mista, concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços públicos.


 Dessa forma, também é objetiva a responsabilidade do Estado, quando este tem está na posição de garante, ou seja, tem o dever legal de assegurar a integridade de pessoas ou coisas sob sua custódia, com base na teoria do risco administrativo. Forte exemplo é quando o Estado tem sob sua proteção um indiciado de ter praticado um crime doloso contra a vida e na incumbência de realizar um interrogatório que irá fazer parte de um inquérito policial, os policiais que deveriam garantir sua integridade física o causam lesões corporais.


Nas tintas do renomado jurista Hely Lopes Meirelles em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles – 33ª edição, Editora Malheiros, 2007, Página 656:


“A doutrina anterior fazia distinção entre atos de império e atos de gestão, para admitir a responsabilidade da Administração somente quando o dano resultasse destes últimos. Pela atual teoria da responsabilidade objetiva, não há mais fundamento para esta sibilina distinção. Todo ato ou omissão de agente administrativo, desde que lesivo e injusto, é reparável pela Fazenda Pública, sem se indagar se provém do jus imperii ou do jus gestionis, uma vez que ambos são formas da atuação administrativa.”


Impende explicar, que tal responsabilidade objetiva dos agentes públicos serão por ações comissivas de sua autoria, ou seja, atitudes positivas e não omissivas. A expressão agente abrange os agentes das pessoas jurídicas de direito público, empregados públicos, assim como agentes públicos que prestem serviço por caráter transitório ou efêmero,como cidadãos que trabalham como mesários na Justiça eleitoral em tempos de eleição, cidadãos que atuam na posição de jurados no Tribunal de Júri Popular.


4. Responsabilidade subjetiva do Estado


A Constituição Federal em vigor, não declina qualquer hipótese de responsabilidade subjetiva da Administração Pública, porém o entendimento de nossos tribunais é que é possível tal responsabilidade e ser auferida a culpa ou dolo por parte do Estado, nos casos de omissão.


Logo, o ônus da comprovação dos fatos, nexo de causalidade e do dano cabe ao particular. Em geral, o particular deve comprovar que se a Administração tivesse tido o zelo, agido com cautela e prestado adequadamente o serviço público, a inexistência do serviço público ou mau funcionamento ( faute du service) não teria ocorrido, conseqüentemente o dano, modalidade da teoria da culpa administrativa. Podemos citar como exemplo, os eventos naturais como tempestades e vendavais, na qual haverá responsabilidade da Administração Pública se o particular restar comprovado uma possível atitude omissiva do Estado, como a não manutenção do sistema de escoamento pluvial e esgotos.


TJRJ, 5ª C.Civil, rel. Des. Narciso Pinto, m.v, em .07 ( DJE 26 de março de 1987)


Morte por afogamento, em razão de enchente em via pública provocada por obstrução das galerias de águas pluviais – Responsabilidade do Município pelo mau funcionamento do serviço de limpeza das galerias. Comprovado o mau funcionamento do sistema de escoamento das águas e não demonstrada a ocorrência de culpa da vítima, impõe-se a condenação do Município na composição dos prejuízos.”


Na decisão acima, o Estado tinha o dever de manter um adequado e eficiente serviço de limpeza, de criar mecanismos para escoar a água das chuvas, e não o fez. Por isso a condenação de forma subjetiva pelo dano causado.


Impende destacar, que a constituição Federal, em seu artigo 21, XXIII, c, coloca como responsabilidade independente de culpa, ou seja, subjetiva, a responsabilidade por danos civis nucleares para atividades exploradoras de serviços e instalações nucleares de qualquer natureza.


5. Caso fortuito e força maior


Caso fortuito e força maior são conceituados na doutrina, como fatos jurídicos inevitáveis e imprevisíveis. Força maior pode ser caracterizada como um evento externo, tipo furacão, raio, terremoto ou mesmo uma guerra, noutro vertente, caso fortuito é um evento interno, decorrente de ato humano, de falha na administração, tecnicamente imprevisível, na medida em que mesmo a Administração Pública realizando todos os cuidados técnicos e as providencias necessárias para algum resultado, este inexplicavelmente não sairia como o previsto.


É de se afirmar, que no caso da força maior, tal evento rompe o nexo causal entre o dano e a atuação da Administração, por isso o dano ocorre pelo evento de força maior, sendo uma excludente de responsabilidade objetiva do Estado, prevista no art. 37 § 6º da CF. É o caso de um terremoto que faz ruir um telhado de um bem público especial, vindo pedaços desse telhado a causar danos numa casa de um particular.


Noutro pórtico, caso fortuito surge de um ato diretamente realizado pela Administração Pública através de seus agentes públicos, na qual esta tendo realizado todos os procedimentos técnicos de prevenção, mesmo assim o dano ocorre. Logo não podemos considerar excluída a responsabilidade objetiva da Administração Pública.


6. Responsabilidade por atos do Poder Legislativo e Judiciário


Conforme já transcrito art. 37 § 6º da CF, que enuncia a responsabilidade objetiva do Estado quanto aos agentes administrativos (servidores públicos), mas não aduz comandos aos agentes políticos (parlamentares, magistrados e membros do Ministério Público), tais agentes são responsáveis de maneira subjetiva, mediante comprovação de culpa.


Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro em sua obra Direito Administrativo – Maria Sylvia Zanella Di Pietro, – 17. Ed. – São Paulo: Atlas, 2004, Página 556: 


 “A responsabilidade por leis inconstitucionais depende, no entanto, da prévia declaração do vício pelo STF.


Note-se que a regra é a mesma para atos normativos editados pelo Poder Executivo (regulamentos, resoluções, portarias). Se reconhecida a sua inconstitucionalidade ou mesmo a sua legalidade, poderá ensejar a responsabilidade do Estado, porque o dano é causado por ato emitido contra a lei, portanto fora do exercício das competências constitucionais.


Com relação ás leis de efeitos concretos, que atingem pessoas determinadas, incide a responsabilidade do Estado, porque, como elas fogem as características da generalidade e abstração inerentes aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos demais membros da coletividade. A lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Legislativo, com obediência ao processo de elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este quando cause prejuízo ao administrado, independentemente de considerações sobre a sua constitucionalidade ou não.” 


 Com relação ao Poder Legislativo, não é tão freqüente casos na jurisprudência de danos aos particulares por ato legislativo de formação das leis, e se por ventura venha a ocorrer, a exemplo de uma edição de lei inconstitucional, é de difícil fundamentação jurídica, visto que os representantes do legislativo são escolhidos pelo próprio povo. Todavia, caso se verifique tal dano, a indenização só será cabível com a comprovação da culpa.


Neste espeque, são mais freqüentes os danos causados por atos judiciais, como por exemplo as próprias decisões ou sentenças judiciais, muitas vezes arraigadas de dolo, fraude, recusa, retardamento injustificado, que culminam em lesões aos particulares( excesso de tempo de prisão por equívoco, abuso de autoridade, prisão sem formalidades legais) que demandaram em juízo, consubstanciado no art. 5º, LXXV da CF, “ O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que fica preso além do tempo fixado na sentença.”, responsabilidade que é objetiva. Frise-se que tal dispositivo é restritivo para sentenças criminais, logo os erros proferidos numa sentença cíveis não estão abrangidos por este dispositivo constitucional.


A expressão utilizada no inciso destacado, “erro judiciário”, caracteriza os atos judiciais típicos, ou seja, o exercício pela judicatura da função jurisdicional no âmbito criminal. A verdade é que é inócua a idéia do exercício da função jurisdicional sem erros, não é a toa que são permitidos os recursos, para assim reformar as decisões errôneas ou injustas. Contudo, realizada prisão preventiva, mesmo que no processo o réu não venha a ser condenado, esta não pode ensejar responsabilidade do Estado por erro judiciário, quando consubstanciada nos pressupostos previstos no Código de Processo Penal que a autorizam.


Por outro lado, a atividade judiciária, que representa a celeuma de atos para a concretização da justiça, praticados pelos diversos auxiliares de justiça, se configurada falta do serviço judiciário, desídia dos serventuários, que provocam a morosidade no Poder Judiciário, estas também devem causar o ônus da responsabilidade ao Estado.


Ademais, nos debrucemos sobre a jurisprudência:


“TJRJ, AP Cível 23.325/2001 ( 2ª C., Rela. Desa. Elisabete Filizzola)


Responsabilidade civil do Estado – Atividade judicária  – Prisão indevida – Dano moral caracterizado – Indenização – Quantificação dotada de razoabilidade – Honorários advocatícios.


A prova do dano está no próprio fato que o ensejou, ou seja, a prisão do autor quando a autoridade judiciária já tinha determinado o recolhimento do mandado anteriormente expedido. É cabível a responsabilidade do Estado, com base no art. 37 § 6º, da constituição Federal, quando se tratar de danos causados pela atividade judiciária realizada pelo Poder Judiciário. A indenização foi fixada com razoabilidade, diante das circunstâncias do caso concreto, não representando uma vantagem pecuniária para o ofendido, nem caracterizando o enriquecimento sem causa. Tratando-se de ação de indenização cujo valor pleiteado é meramente estimativo, não ocorre a sucumbência parcial se a condenação fixada na sentença é inferior aquele montante. Recurso desprovido”.


O ordenamento pátrio prevê a responsabilidade pessoal do juiz, no artigo 133 do Código de Processo Civil:


“Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n.II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.”


7. Reparação do Dano causado


Uma vez causado o dano pelo Estado, basta que aquele que foi lesado, ajuíze ação de reparação contra o ente publico. Deve ser demonstrado o nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omissivo do Estado e o evento danoso. A reparação poderá ser material, moral e ainda por lucros cessantes, ou seja, o que a vítima deixou de ganhar em virtude do sinistro no referido período inerte.


O art. 37, § 6º da Carta Magna em vigor, assenta que cabe ação regressiva da Administração Pública em face do causador direto do dano, logo é preciso que o Estado já tenha sido condenado a reparar a vítima do dano causado e seja comprovada a culpa do agente público.


É pertinente o comentário de Hely Lopes Meirelles em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles – 33ª edição, Editora Malheiros, 2007, página 663:


“A lei Federal 4.898, de 9.12.65, passou a regular o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. Esse diploma legal criou, assim, um sistema especial de responsabilização dos servidores, facultando a vítima promover a ação civil antes mesmo da condenação da Fazenda Pública pelo dano causado por seu agente (art.9º). Não se trata, pois, de ação regressiva, mas de ação direta do ofendido contra a autoridade que o lesou, por abuso de poder.”


8. Responsabilidade Civil das Concessionárias e Permissionárias de serviço público e os danos causados ao terceiro não usuário do serviço: Um olhar sobre o posicionamento do Supremo Tribunal Federal


Como já comentado alhures, o artigo 37 § 6º da Constituição Federal em vigor, coloca a responsabilidade objetiva sobre empresas privadas prestadoras de serviço publico, seja concessionárias, permissionárias, empresas públicas e sociedades de economia mista.


O Supremo Tribunal Federal, decidiu em sede de Recurso Extraordinário nº 262651/SP (Ministro Relator Carlos Veloso; 16/11/2005), no sentido de que as Concessionárias e Permissionárias de serviço público seriam responsabilizadas de forma objetiva pelos danos causados aos usuários da prestação aquele serviço. Não obstante, se algum terceiro não-usuário daquele serviço público sofresse qualquer dano na qual o nexo causal levasse a alguma daquelas empresas privadas prestadoras de serviço público, tal responsabilidade seria subjetiva.


Neste espeque, o brilhante constitucionalista Alexandre de Moraes em sua obra Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional – Alexandre de Moraes – 2. Ed. – São Paulo : Atlas, 2003, página 181, aduz sábios posicionamentos sobre o Princípio da Isonomia:


A desigualdade na lei produz-se quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente, cuja exigência deve aplicar-se em relação a finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e as finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal, quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado.


Importante, igualmente, apontar a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade: limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular.


O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal.


O intérprete/ autoridade pública  não poderá aplicar as leis e os atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Em especial, o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária ás normas jurídicas. Nesse sentido a intenção do legislador constituinte ao prever o recurso extraordinário ao STF ( uniformização na interpretação da legislação federal). Além disso, sempre em respeito ao princípio da igualdade, a legislação processual deverá estabelecer mecanismos de uniformização de jurisprudência a todos os tribunais.


Finalmente, o particular não poderá pautar-se por condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislação em vigor.” 


 É de se afirmar, que tal entendimento é uma afronta ao Princípio Constitucional da Isonomia, na qual não se deve fazer qualquer distinção entre usuários e não usuários do serviço público, visto que qualquer um deles pode sofrer dano em virtude da atuação do Estado.


Contudo, o Supremo Tribunal Federal, modificou o entendimento jurisprudencial da matéria, pacificando que a responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviço público, no que se refere aos danos causados a terceiros, será de natureza objetiva, mesmo que o dano tenha prejudicado terceiro não usuário daquele serviço público oferecido, consoante informativo 557 do Supremo Tribunal Federal:


“Responsabilidade Civil Objetiva e Terceiro Não-Usuário do Serviço – 1


Enfatizando a mudança da jurisprudência sobre a matéria, o Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que concluíra pela responsabilidade civil objetiva de empresa privada prestadora de serviço público em relação a terceiro não-usuário do serviço. Na espécie, empresa de transporte coletivo fora condenada a indenizar danos decorrentes de acidente que envolvera ônibus de sua propriedade e ciclista, o qual falecera. Inicialmente, o Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, no sentido de assentar a necessidade de se ouvir o Procurador-Geral da República, em face do reconhecimento da repercussão geral e da possibilidade da fixação de novo entendimento sobre o tema, tendo o parquet se pronunciado, em seguida, oralmente.
RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874)


Responsabilidade Civil Objetiva e Terceiro Não-Usuário do Serviço – 2


No mérito, salientando não ter ficado evidenciado, nas instâncias ordinárias, que o acidente fatal que vitimara o ciclista ocorrera por culpa exclusiva deste ou em razão de força maior, reputou-se comprovado o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, e julgou-se tal condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”). Asseverou-se que não se poderia interpretar restritivamente o alcance do art. 37, § 6º, da CF, sobretudo porque a Constituição, interpretada à luz do princípio da isonomia, não permite que se faça qualquer distinção entre os chamados “terceiros”, ou seja, entre usuários e não-usuários do serviço público, haja vista que todos eles, de igual modo, podem sofrer dano em razão da ação administrativa do Estado, seja ela realizada diretamente, seja por meio de pessoa jurídica de direito privado. Observou-se, ainda, que o entendimento de que apenas os terceiros usuários do serviço gozariam de proteção constitucional decorrente da responsabilidade objetiva do Estado, por terem o direito subjetivo de receber um serviço adequado, contrapor-se-ia à própria natureza do serviço público, que, por definição, tem caráter geral, estendendo-se, indistintamente, a todos os cidadãos, beneficiários diretos ou indiretos da ação estatal. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso por não vislumbrar o nexo de causalidade entre a atividade administrativa e o dano em questão”. Precedentes citados: RE 262651/SP (DJU de 6.5.2005); RE 459749/PE (julgamento não concluído em virtude da superveniência de acordo entre as partes). RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874)


No caso discutido acima, foi objeto de exame do Supremo Tribunal Federal, qual seria a responsabilidade (objetiva ou subjetiva) de uma empresa de ônibus envolvida num acidente em que causa dano a um ciclista. O ciclista seria o terceiro não usuário do serviço público, uma vez que não era beneficiado pelo serviço oferecido pela empresa.


A mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal é perfeitamente adequada e ao princípio da isonomia, garantido constitucionalmente, na qual não restringe o alcance da norma constitucional, visto que ao artigo 37 § 6º da Constituição Federal, coloca que as pessoas jurídicas de direito privado responderão objetivamente em relação aos danos causados a terceiros, não poderia o interprete limitar a expressão constitucional do artigo 37 § 6º, as pessoas que estivessem na qualidade de terceiros usuários do serviço público oferecido.


9. Conclusão


Ao encerrar este artigo, feito os esclarecimentos e considerações jurídicas sobre o tema, é possível ter uma visão de como foi sendo vista a responsabilidade civil pelo Estado e pelos particulares: A forma, ônus de comprovação do dano, imputação de responsabilidade e reparação do dano.


Seria muito simples e injusto o Estado não ser imputado de seus erros. Assim como é uma afronta ao princípio constitucional da igualdade, o antigo posicionamento sobre o terceiro não usuário do Serviço Público pelo Supremo Tribunal Federal. O Estado causa danos, seja por mau funcionamento de seus serviços prestados, atitudes comissivas de agentes que desempenham tais serviços ou mesmo por não ausência de fiscalização. Podemos concluir que o ordenamento jurídico pátrio responsabiliza os danos causados pelo Estado aos particulares de forma objetiva, ou seja, sem comprovação de dolo ou culpa, com base no artigo 37,§ 6º da Constituição Federal.


Assim sendo, é acertada a mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal, que outrora admitia a responsabilidade subjetiva quanto ao terceiro não usuário do serviço Público. É uma realidade que o Estado causa danos a terceiros, e colocar a responsabilidade de forma subjetiva para os não usuários do Serviço Público, é uma afronta a isonomia. Por isso, é salutar a nova orientação jurisprudencial sobre o tema da nossa Corte Constitucional.


 


Referências Bibliográficas:

Direito Administrativo moderno – Odete Medauar –  9. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles – 33ª edição, Editora Malheiros, 2007.

Direito Administrativo – Maria Sylvia Zanella Di Pietro, – 17. Ed. – São Paulo: Atlas, 2004.

Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional – Alexandre de Moraes –  2. Ed. – São Paulo : Atlas, 2003, página 181.

Direito Administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 17, 17. Ed. Ver. , atual e ampl. – Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : Método, 2009.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

Lenza , Pedro. Direito Constitucional esquematizado – 12. Ed. Ver., atual. E ampl. São Paulo : Saraiva, 2008.

Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil- 7.ed. – São Paulo: Atlas, 2007.


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Sergio Augusto Barbosa da Rocha

Advogado


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