Preliminarmente, cabe distinguir que a doutrina faz, em relação ao precedente judicial e à jurisprudência dominante que são institutos peculiares ao sistema de common law e civil law, respectivamente.
Há de se diferenciar a questão quantitativa e a questão qualitativa. A diferença quantitativa seria ade que no sistema que se adota o precedente, fazendo-se alusão somente ao caso julgado anterior enquanto que nos sistemas que adotam a jurisprudência, referem-se às várias dezenas de decisões para que se prove que o entendimento jurisprudencial é assentado naquele sentido.
Já a questão qualitativa seria a de que o precedente seria mais bem trabalhado em relação aos fatos do que a decisão que serve como jurisprudência, pois nesta, apenas se julga através de frases que sintetizam os fatos, enquanto que naquele ir-se-ia demonstrar os fatos para que o juiz a julgar o mesmo caso num momento seguinte pudesse determinar com exatidão o caso que foi julgado para verificar se aplica ou não o determinado precedente.
Michelle Taruffo esboça uma teoria geral do precedente a qual define o que é precedente através da análise de quatro dimensões (a objetiva, a institucional, a estrutural e da eficácia).
O precedente chegou a ser tema importantíssimo no Brasil principalmente em razão da integração dos países não só no plano econômico para ser também jurídica, portanto, como resultado da globalização e, no âmbito político e do neoliberalismo.
Desse modo, a justiça deve responder aos problemas cotidianos e que não ocorrem isolaramente em determinado país, em determinidade sociedade, sendo comuns não só no aspecto da fundamentação jurídica como também no aspecto fático.
Daí a importação de soluções dadas em outros sistemas jurídicos, e em outros países, como por exemplo, os class actions norte-americanas, e o caso da tutela monitória no processo civil italiano, entre outros.
E nessa esteira, podemos ainda apontar os poderes instrutórios do juiz, os poderes do relator dos tribunais de justiça, o indeferimento liminar, a decretação de ofício da prescrição, a súmula impeditiva de recurso e, etc.
A constatação de que Poder Judiciário precisa ser mais eficiente já foi tema de debates calorosos no Banco Mundial através do documento 319( de junho de 1996) que realizou estudo sobre o Judiciário na América Latina e no Caribe, publicado em meados de 1996 nos Estados Unidos da América e que preceitua a aproximação dos ordenamentos jurídicos de países em desenvolvimento dos chamados países desenvolvidos.
O referido documento internacional ainda faz alusão a necessidade efetiva de alterações legislativas e de procedimentos administrativos bem como nos códigos de processo a fim de que o processamento das demandas seja mais célere e eficiente sem abrir mão da segurança e certeza jurídica.
Importante frisar que a inserção da súmula vinculante através da EC45/2004 traz à baila a relevância do precedente judicial reiterado pelo Supremo Tribunal Federal, confirmado devidamente por quorum qualificado.
A gradativa aproximação metodológica ocorrida entre o common law e o civillaw, ou seja, o sistema do precedente judiciário e o sistema da norma legal bem se encaixa no cenário contemporâneo onde temos a sociedade globalizada formando uma vasta aldeia onde desvanecem as antigas diferenças e muito se aproximam dos anseios e necessidades e soluções para os conflitos.
Fredie Didier Jr., expõe o conceito de precedente “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para julgamento posterior de caso análogos.”
Já Tucci afirma que “ o precedente então nasce como regra de um caso e, em seguida, terá ou não o destino de tornar-se a regra de uma série de casos análogos.”
Guido Soares esclarece que no common law um único julgado é considerado como precedente obrigatório pois declara a existência de uma norma jurídica para o fattispecie[1] sendo, portanto, a jurisprudência a fonte primeira formal do direito.
Michelle Taruffo já cogitou sobre a relação entre precedente e jurisprudência e, a diferença se daria primeiramente no plano quantitativo pois o precedente no plano quantitativo pois o precedente se refere a uma decisão relativa a uma caso particular, enquanto que a jurisprudência aponta para reiterados casos julgados.
A questão não é meramente semântica, e nem a facilidade de se encontrar o precedente por ser uma decisão apenas. Por outro lado, nos sistemas que adotam a jurisprudência, aponta-se para várias decisões relativas à interpretação de uma norma.
Já pelo aspecto qualitativo reside no fato de que os países adotantes da base no precedente juidicial, este é elaborado com o fim de proporcionar ao próximo julgador a capacidade de verificar quais fatos do primeiro caso para então verificar se estes se assemelham ou não ao caso que está prestes a ser julgado.
Assim, é o juiz do caso seguinte que definirá se o precedente é vinculante ou não com base na análise dos fatos e identificando as características comuns dos casos e a regra universalizável.
No sistema da jurisprudência o que há são proposições normativas que pouco delimitam os fatos de cada decisão e esta, não se baseia na analogia dos fatos, mas se funda na submissão do caso concreto sucessivo à regra geral.
A concepção contemporânea de jurisprudência[2] pode ser mesmo identificada através de três maneiras: a) no sentido comum ou vulgar, que seria a totalização do resultado final da função jurisprudencial do Estado; b) no sentido mais técnico que seria sequência ordenada de decisões sobre uma determinada matéria perante o mesmo Tribunal; c) seria o destaque da tese fixada na resolução de um determinado caso concreto projetando seus efeitos em face de outras demandas virtuais ou pendentes, assim projetando uma eficácia pan-processual.
Assim, em resumo a jurisprudência[3] representa uma tese afirmada em certo caso ou como sendo várias decisões judiciais no mesmo sentido que são dadas em uma determinada matéria.
É relevante perceber que o precedente se diferencia do processo bem como o próprio precedente se diferencia da norma que resta contida neste.
Mancuso define o precedente judicial como o instrumento mediante o qual o Poder Judiciário, como instituição e no exercício da jurisdição constitucional, edita normas jurídicas a serem aplicadas em decisões posteriores, atribuindo-lhes racionalidade na medida em que o julgador expressa as razões de decidir.
No common law, o precedente tem papel fundamental, sendo a base e a evolução do direito será feita pelo próprio juiz em suas decisões, correspondendo ao adágio “judge made law”, que em literal tradução representa que o juiz faz a lei.
Tal característica tem inspiração na fase pretoriana do Direito Romano, na qual o pretor[4] era quem decidia em seus editos, qual era a regra que serviria para o ano seguinte, sendo flexibilizada de acordo com as necessidades encontradas.
Por outro lado, o civil law ou sistema romano-germânico, teria como primaz fonte a lei (o direito codificado ou legislado) com pouca atenção ao precedente, com inspiração na fase justiniana do direito romano cuja maior característica incide no fato da lei ser praticamente a única fonte de direito.
Mas existem muitos pontos de contato ou interseção entre tais sistemas, traduzindo que algumas raízes desses dois sistemas sejam incrivelmente semelhantes.
De qualquer maneira, a decisão judicial está presente e a codificação, por si só, não pode explicar a distinção adequada entre o common law e o civil law.
Não se deve crer que o civil law é apenas peculiarizado pelos Códigos e pela tentativa de completude da lei, enquanto que o common law é exatamente o contrário.
Precisamos fugir à tentação simplista, posto que há também uma intensa produção legislativa e vários códigos no civil law. O que de fato diferencia, é o significado que se atribiu aos Códigos e à função que o juiz exerce considerá-los.
Lá no sistema da common law, os códigos não têm a pretensão de fechar os espaços salutares para que o juiz pense, pois jamais se acreditou que a mera existência da lei eliminasse a possibilidade de o juiz interpretar a lei. A distinção afinal reside no valor e na ideologia subjacente à idéia de código.
O direito contemporâneo vivencia um momento de descodificação, apesar de recentemente no Brasil termos adotado o Código Civil em 2002, o novo Código de Processo Civil Brasileiro, entre outros.
Estudar o precedente judicial é estudar a influência em seus variados ângulos e matizes (e entre outras características, como vinculante, paradigmática ou meramente persuasiva).
O common law é nascido no direito britânico[5] e é apegado à tradição, ao pragmatismo exacerbado com evidente desapego às abstrações.
O método de racioncínio usado pelo direito inglês (reasoning from case tocase) e tem sua origem e técnica do jurista romano da época clássica e possuía peculiar forma casuística e dinâmica.
Já o civil law diferentemente do common law na qual a vontade era de que o rei cumprisse a lei comum, em França houve a necessidade de se criar um “novo direito”, o qual não podia ser interpretado por juízes, fazendo que os julgadores apenas representassem “a boca da lei” (le bouche de la loi).
Na Inglaterra o desejo era que o direito inglês[6] foi respeitado pelo monarca. Luiz Guilherme Marinoni processualista brilhante e de rica lavra aponta com razão que o marco histórico do civil law é o Código de Napoleão que objetivava limitar ao máximo o poder judicial, sendo criada até uma Corte que fossem para anular as decisões judiciais que fossem contrárias ao sendito da lei.
Tal Corte acabou galgando o posto de tribunal de cúpula do sistema e passou exercer verdadeira função jurisdicional, e desta forma, também dava interpretação da própria lei.
Embora com a evolução da Corte de Cassação para tribunal, não houve a total libertação dos dogmas oriundos das origens desta Corte. De sorte que esta continuou a julgar casos e procedimentos que fossem contrários à lei, vindo expressar um grande apego ao texto legal.
Daí, o porquê que a cultura jurídica do civil law latreia-se no dogma de que a lei significa segurança e certeza jurídica, por isso, o juiz deve apenas aplicar a vontade contida na lei,
Para Marinoni, a diferença do common law para o stare decisis seria o que o primeiro é entendido como os constumes gerais que estabaleceriam o comportamento dos chamados Englishmen.
Enquanto que o segundo é o conjunto de regras que regulariam o uso dos precedentes, este um componentes recentemente criado no common law.[7]
Com razão afirma Edward Allan Farnworth que o uso do precedente é mais uma técnica do que uma ciência.
A técnica de revogação doprecedente ou overruling é mais ou menos recente principalmente ao sabermos que até 1966 a House of Lords não havia revogado qualquer de seus precedentes. E se justificava tal rígida manutenção pelo fato da raiz da teoria do stare decisis indicar que o precedente era imodificável.
Na Corte Suprema dos Estados Unidos tem-se a vinculação do próprio órgão ao seu precedente não é absoluta, podendo haver o overruling. Que implica na forte contestação aos fundamentos do sistema binding precedent, da teoria do stare decisis.
A técnica de revogação do precedente pode ser expresso ou implícita. Será implícita quando o tribunal decide diametralmente oposto ao que tinha julgado antes, ou ainda, ou quando sustentar que a decisão não pode ser mantida como regra pelo fato de haver uma decisão em sentido contrário de uma corte superior.
Mesmo sem haver formal declaração de revogação do precedente, tal técnica é responsável por importante oxigenação da ciência do Direito.
Outra técnica é o restrospective overruling ou alteração dos precedentes com efeitos retroativos.
Em prol da segurança jurídica ou diante da mudança de precedente, há técnicas que recomendam a modulação dos efeitos da alteração dos precedentes, prevendo o efeito ex tunc que abarcam situações anteriores à virada jurisprudencial.
Também existe o overruling com efeito prospectivo ou futuro. Com isso,preserva-se a segurança jurídica consistente na previsibilidade matnida daqueles casos que já aconteceram, bem como os que acontecerão fazendo com que o jurisdicionado não seja pego de surpesa por decisão não previsata.
Há quem identifique o prospective overruling com a técnica das Rotae italianas dos séculos XVI e XVIII e que encontrou adesão nos EUA onde é mais utilizada.
Quanto maior a argumentação jurídica do precedente judicial, maior será seu reconhecimento como fonte de direito e, ainda necessidade de seu modular seus efeitos em respeito ao compromisso com a evolução do direito e a proteção da segurança jurídica.
A técnica do distinguishing nos remete de volta aos fatos determinantes, ou seja, material facts, explicando que o caso os fatos fundamentais do precedente não coincidir com os fatos fundamentais do caso a se julgar, deve-se tê-los como distintos.
E, pode ser entendido como duas formas como comparação entre o caso em tela e o caso-paradigma; e para designar o que resulta dessa comparação, precisamente nos casos em que se conclui que há diferença significante entre os casos.
O poder de distinguir é inegável e crucial para flexibilidade do sistema e para fazer justiça no caso concreto. Permite o juiz diante do caso concreto perceber que se trata de hipótese diversa de aplicação do direito objetivo.
O magistrado não vem a discordar da posição do tribunal, mas identificar que se trata de casos distintos.
A partir das categorias ou dimensões definidas por taruffo para os precedentes judiciais, Patrícia Perrone Campos Mello traz interessante análise das decisões de controle de constitucionalidade brasileiro e em resumo elenca como:
a) Precedentes brasileiros com eficácia normativa:
a.1) Decisões proferidas pelos STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade de normas em face da Constituição Federal Brasileira através das ações diretas de constitucionalidade e das ações declaratórias de constitucionalidade e das arguições de descumprimento do preceito fundamental;
a.2) As súmulas vinculantes “como entendimento consolidado de uma sequencia de precedentes;
a.3) As decisões proferidas pelos Tribunais de justiça, em controle concentrado de constitucionalidade das normas municipais e estaduais em face da Constituição Federal Brasileira.
b) Precedentes brasileiros dotados de eficácia impositura intermediária:
b.1)Decisões proferidas incidentalmente pela pleno do STF e dos tribunais, no que respeita à inconstitucionalidade de uma norma, tendo em conta que ensejam a dispensa a reserva de plenário para a aplicação do entendimento aos casos idênticos (art. 481, parágrafo único do CPC).
b.2) Os entendimentos sobre questões constitucionais fixados em ações coletivas, em virtude dos limites subjetivos de suas conclusões;
b.3) A jurisprudência dominante ou simulada no STF, que pode ser o fundamento de recursos a que neguem seguimento pelos poderes do relator;
c) Precedentes brasileiros com eficácia persuasiva que são a rega no sistema de precedentes brasileiros, são proferidos em matéria não-constitucional e em matéria constitucional quando proferidas por magistrados de primeiro grau ou por órgãos fracionários dos tribunais que declaram compatibilidade das normas com a CF;
Aponta Fredie Didier Jr., que o precedente brasileiro poderá ser:
a) Vinculante ou obrigatório
a.1) A súmula vinculante em matéria constitucional;
a.2) Entendimento sumulado de cada um dos tribunais tem força vinculante em relação ao próprio Tribunal; em relação ao próprio Tribunal; os precendetes oriundos do pleno do STF em matéria de controle difuso de constitucionalidade, ainda que não submetidos ao procedimento de súmula vinculante, tem força vinculante em relação ao próprio STF e a todos demais órgãos jurisdicionais do país.
b) Precedente obstativo de revisão das decisões ( impedem recursos ou remessa necessária, sendo em última análise, um desdobramento do efeito vinculante de certos precedentes, por exemplo, os casos dos arts. 475, terceiro parágrafo, art. 518, primeiro parágrafo, 544, terceiro e quarto parágrafo e art. 557 todos do CPC.
c) Precedente persuasiva que não tem força vinculante, sendo apenas persuasivo embora importante para as decisões posteriores quando o próprio julgador conferir autoridade a este de precedente, como nos casos de julgamento liminar de improcedência do art. 285-A do CPC; quando se admite a interposição de incidente de uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts. 476 e 479 do CPC; ou quando se admite a interposição de recurso que visam uniformizar a jurisprudência com base em precedentes judiciais, tais como os embargos de divergência do art. 546 do CPC e o recurso especial fundado em divergência (art. 105, III, c da CF/1988).
Há uma crescente simpatia pelo common law o que pode ser taxado de commonlawlização do direito brasileiro principalmente a partir da constatação da importância que a jurisprudência, prestigiando a função criadora do juiz.
Também é crescente o fenômeno a que chamamos de “justiça negociada”, pois na maioria das vezes ocorre o acordo entre as partes,como meio de resolução do mérito, evitando-se enfim o julgamento do pedido.
Acreditamos que deve existir prudência ao encarar a chamada interação[8] entre os dois sistemas, respeitando-se as peculiaridades de cada país. Não basta as meras reformas legislativas e sucessivas, mas busca-se a autêntica mudança de ideologia, principalmente para conferir ao Poder Judiciário o poder de pacificação do convívio social, com a garantia de acesso à justiça e da cidadania resgatada.
Concluímos pois que juntamente com a judicialização dos conflitos há uma constante preocupação de se garantir os direitos fundamentais e só assim, um dia conseguiremos uma sociedade igualitária e mais justa.
Referências bibliográficas:
Informações Sobre os Autores
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
Denise Heuseler
Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)