A Lei 12.382/11 e as novidades sobre a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária


Em 28 de fevereiro de 2011, foi publicada a Lei ordinária federal n. 12.382 que dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua política de valorização de longo prazo, mas também disciplina a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do crédito tributário, alterando a Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.


O legislador federal, mais uma vez, instado pelo Poder Executivo, deliberou e aprovou a inclusão de regras tributárias no bojo de instrumento normativo que versa sobre outros temas. Neste caso, a Lei n. 12.382/11 tem como principal mote a fixação do salário mínimo federal de 2011, bem como dos critérios para o seu reajuste nos próximos anos.


Esse procedimento de inclusão de assuntos diversos no contexto da mesma norma legal, não me parece ser a melhor técnica de criação de fontes formais de Direito, contudo, é importante salientar que tal medida não encontra bloqueio no Ordenamento Jurídico, conforme inclusive se pode depreender da leitura da Lei Complementar n. 95/98.


Todos devem saber que além do salário mínimo, a Lei n. 12.382/11 traz em seu texto um dispositivo que certamente trará consequências para milhares de contribuintes que estão inadimplentes com o Fisco, seja este federal, estadual, distrital ou municipal, pois a regra é nacional.


Para deslinde da questão, se faz necessário transcrever o artigo 6º da Lei 12.382/11:


Art. 6o O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6o:


‘Art. 83….


§ 1o Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.


§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.


§ 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.


§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.


§ 5o O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.


§ 6o As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz’.”


Então, até 1º de março de 2011, o texto do artigo 83 da Lei 9.430/96, era o seguinte:


Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.


Parágrafo único. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.”


Diante do cotejo dos dispositivos legais supracitados, é possível perceber que as inovações constam nos parágrafos 1º ao 5º do novo artigo 83 da Lei 9.430/96. Vejamos, portanto, cada um deles.


No parágrafo primeiro, o legislador estabelece uma verdadeira garantia para o contribuinte que parcelou sua dívida com o Fisco. Agora, concedido o parcelamento do crédito tributário, o Fisco só poderá encaminhar a representação fiscal para fins penais para o Ministério Público, após a exclusão do contribuinte do parcelamento. É importante ressaltar que tal garantia já era reconhecida pelo Poder Judiciário, conforme comprova a Súmula Vinculante n. 24, publicada em 11.12.2009: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”


Entendo que essa garantia do contribuinte, deve ser aplicada imediatamente a todas as obrigações tributárias, mesmo que sejam decorrentes de fatos geradores anteriores a 1º de março de 2011. Ademais, já existia a Súmula Vinculante supracitada.


No parágrafo segundo, o legislador consignou um comando que altera sobremaneira a praxe atual dos Tribunais.  Agora, se o pedido de parcelamento for ultimado após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, o contribuinte, mesmo que esteja adimplente com as parcelas, será julgado e, possivelmente, condenado pelos crimes contra ordem tributária, pois não fará jus a extinção da punibilidade.


Vale lembrar que o texto do parágrafo segundo é um aperfeiçoamento do disposto no artigo 34 da Lei n. 9.249, de 27.12.1995: “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”


A diferença é que o artigo 34 da Lei n. 9.249/95 versa sobre a quitação total da dívida tributária antes do oferecimento da denúncia. Já o parágrafo segundo do artigo 83 da Lei 9.430/96, se refere ao parcelamento (inicio de pagamento). Em verdade os efeitos são complementares, pois, seguindo uma interpretação literal dos dispositivos, é fácil perceber que um contribuinte inadimplente, denunciado por crime contra a ordem tributária, não fará jus a hipótese de excludente de punibilidade. O contribuinte, portanto, deverá parcelar ou quitar integralmente a dívida, antes do recebimento da denúncia.


O parágrafo terceiro, não trouxe qualquer novidade, apenas estampou no texto legal a praxe dos Tribunais.  Neste sentido, se o contribuinte inadimplente, firmou parcelamento, antes da denúncia, não verá a prescrição criminal correr a seu favor. Enquanto durar o parcelamento, ficará suspenso o prazo prescricional.


O parágrafo quarto está diretamente ligado ao parágrafo segundo, pois determina que será extinta a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária desde que o contribuinte efetue o pagamento integral da dívida tributária objeto do parcelamento ultimado, antes do recebimento da denúncia.  Neste sentido, se um contribuinte fizer um parcelamento, após o recebimento da denúncia, quitando integralmente o seu débito, ainda assim poderá ser condenado pela prática de crime contra a ordem tributária.


O parágrafo quinto é redundante, pois afirma que os parágrafos 1º ao 4º do artigo 83, não podem ser aplicados nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.  Ora, se são hipóteses que o próprio legislador afastou o parcelamento, por obra do óbvio, não são aplicados os parágrafos anteriores.


Essas são as novidades inseridas na nova redação do artigo 83, da Lei n. 9.430/96, pela Lei n. 12.382/11, que passam a ter eficácia a partir de 1º de março de 2011.


Ocorre, contudo, que, salvo melhor juízo, a intenção de impedir que contribuintes inadimplentes parcelem suas dívidas após o recebimento da denúncia, restará infrutífera, já que existem em vigor outros dispositivos legais que versam sobre a possibilidade do contribuinte parcelar suas dívidas tributárias a qualquer momento, seja antes ou durante a ação penal, ou, até mesmo, após o trânsito em julgado de sentença condenatória.


Para comprovar a assertiva acima, é importante trazer ao conhecimento do leitor dois instrumentos legais em vigor. Vejamos.


O primeiro dispositivo é o artigo 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 (conhecida como lei do parcelamento especial PAES):


“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.


§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.


§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”


O segundo conjunto de regras que versa sobre o tema, está estampado nos artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009 (conhecida como lei do Refis da Crise):


Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.


Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.


Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.


Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.”


É importante observar que nos dispositivos supracitados não há referência ao marco temporal, isto é, o legislador não condicionou a suspensão ou a posterior extinção da punibilidade, ao recebimento ou não da denúncia. Neste sentido, a jurisprudência vinha aplicando tranquilamente o entendimento de que o parcelamento da dívida fiscal poderia ser ultimado em qualquer momento da persecução penal, inclusive após o trânsito em julgada da sentença condenatória. Vejamos um exemplo de decisão neste mesmo sentido:


“EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. LEI Nº 10.684/03. PAGAMENTO DOS DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. O pagamento integral dos débitos oriundos da falta de recolhimento de contribuição à Previdência Social descontada dos salários dos empregados, ainda que posteriormente à denúncia e incabível o parcelamento, extingue a punibilidade do crime tipificado no artigo 168-A do Código Penal (Lei nº 10.684/03, artigo 9º, parágrafo 2º). 2. Precedentes do STF e do STJ. 3. Ordem concedida.” (HC 36628/DF. Ministro HAMILTON CARVALHIDO. Julgamento: 15/02/2005. DJ 13.06.2005. Votação Unânime. Sexta Turma do STJ)


A intenção do legislador parece clara. Visa afastar a interpretação jurisprudencial aplicada aos dispositivos legais supracitados.  Ocorre, contudo, que a Lei n. 12.382/11 alterou o sentido do artigo 83 da Lei n. 9.430/96, mas não revogou os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009. 


Acredito que o fisco defenderá a tese de que o novel dispositivo revogou tacitamente os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009. Não concordo com este raciocínio, pois, acredito que, após a Lei Complementar n. 107, de 26.04.2001 que alterou o artigo 9º da Lei Complementar n. 95 de 26.02.1998, o legislador deve indicar com exatidão quais são as regras revogadas.


Ademais, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657, de 04.09.1942, com nova redação dada pela Lei n. 12.376, de 30 de 12.2010), em seu artigo 2º deixa evidenciado que a alteração do artigo 83 da Lei n. 9430/96, não é capaz de revogar tacitamente os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009, haja vista que não regula integralmente a matéria.


Diante de tal constatação, acredito que os magistrados manterão o entendimento de que, na pior das hipóteses, o novel dispositivo só será aplicável aos créditos tributários constituídos a partir de 1º de março de 2011.


Convém destacar aqui que a regra que trata de extinção de punibilidade dos crimes contra a ordem tributária é de direito material, e, por isso, deve ser observada a legislação vigente na data do fato, porquanto a aplicação da lei penal no tempo é regida pelos princípios do tempus delicti commissi regit actum – segundo o qual a lei penal incide sobre os fatos ocorridos durante a sua vigência – e o da irretroatividade da lei penal mais gravosa.


Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos de Habeas Corpus, já consolidou o entendimento de que é inconstitucional a aplicação da novatio legis in pejus, isto é, lei nova mais gravosa (lex gravior) não pode atingir atos praticados anteriores a sua vigência. Neste mesmo raciocínio, há de ser aplicada a ultratividade da lex mitior (lei mais benéfica) que possui força normativa residual, ao fato delituoso cometido no período de vigência temporal da lei revogada.  Essa é a eficácia ultrativa da lex mitior, por efeito do que impõe o artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal de 1988.


Em síntese, mesmo que se entenda que o disposto no novo artigo 83 da Lei n. 9.430/96 revogou tacitamente os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009, estes dispositivos terão eficácia ultrativa, pois são lex mitior e, portanto, regerão os atos praticados sob sua vigência pelos contribuintes.



Informações Sobre o Autor

Leonardo Ribeiro Pessoa

Advogado Especializado em Direito Tributário; Professor de Pós-Graduação em Direito Material e Processual Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário; Pós-Graduado em MBA de Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade; Pós-Graduado em Direito Tributário e Legislação de Impostos; Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior; Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT; Filiado à Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT; Sócio-Pleno da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF; Associado Máster da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET; Sócio-Professor do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT; Membro da International Fiscal Association – IFA


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A Lei 12.382/11 e as novidades sobre a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária


Em 28 de fevereiro de 2011, foi publicada a Lei ordinária federal n. 12.382 que dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua política de valorização de longo prazo, mas também disciplina a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do crédito tributário, alterando a Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.


O legislador federal, mais uma vez, instado pelo Poder Executivo, deliberou e aprovou a inclusão de regras tributárias no bojo de instrumento normativo que versa sobre outros temas. Neste caso, a Lei n. 12.382/11 tem como principal mote a fixação do salário mínimo federal de 2011, bem como dos critérios para o seu reajuste nos próximos anos.


Esse procedimento de inclusão de assuntos diversos no contexto da mesma norma legal, não me parece ser a melhor técnica de criação de fontes formais de Direito, contudo, é importante salientar que tal medida não encontra bloqueio no Ordenamento Jurídico, conforme inclusive se pode depreender da leitura da Lei Complementar n. 95/98.


Todos devem saber que além do salário mínimo, a Lei n. 12.382/11 traz em seu texto um dispositivo que certamente trará consequências para milhares de contribuintes que estão inadimplentes com o Fisco, seja este federal, estadual, distrital ou municipal, pois a regra é nacional.


Para deslinde da questão, se faz necessário transcrever o artigo 6º da Lei 12.382/11:


 “Art. 6o O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6o:


‘Art. 83. …


§ 1o Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.


§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.


§ 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.


§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.


§ 5o O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.


§ 6o As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz’.”


Então, até 1º de março de 2011, o texto do artigo 83 da Lei 9.430/96, era o seguinte:


 “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.


Parágrafo único. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.”


Diante do cotejo dos dispositivos legais supracitados, é possível perceber que as inovações constam nos parágrafos 1º ao 5º do novo artigo 83 da Lei 9.430/96. Vejamos, portanto, cada um deles.


No parágrafo primeiro, o legislador estabelece uma verdadeira garantia para o contribuinte que parcelou sua dívida com o Fisco. Agora, concedido o parcelamento do crédito tributário, o Fisco só poderá encaminhar a representação fiscal para fins penais para o Ministério Público, após a exclusão do contribuinte do parcelamento. É importante ressaltar que tal garantia já era reconhecida pelo Poder Judiciário, conforme comprova a Súmula Vinculante n. 24, publicada em 11.12.2009: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”


Entendo que essa garantia do contribuinte, deve ser aplicada imediatamente a todas as obrigações tributárias, mesmo que sejam decorrentes de fatos geradores anteriores a 1º de março de 2011. Ademais, já existia a Súmula Vinculante supracitada.


No parágrafo segundo, o legislador consignou um comando que altera sobremaneira a praxe atual dos Tribunais.  Agora, se o pedido de parcelamento for ultimado após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, o contribuinte, mesmo que esteja adimplente com as parcelas, será julgado e, possivelmente, condenado pelos crimes contra ordem tributária, pois não fará jus a extinção da punibilidade.


Vale lembrar que o texto do parágrafo segundo é um aperfeiçoamento do disposto no artigo 34 da Lei n. 9.249, de 27.12.1995: “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”


A diferença é que o artigo 34 da Lei n. 9.249/95 versa sobre a quitação total da dívida tributária antes do oferecimento da denúncia. Já o parágrafo segundo do artigo 83 da Lei 9.430/96, se refere ao parcelamento (inicio de pagamento). Em verdade os efeitos são complementares, pois, seguindo uma interpretação literal dos dispositivos, é fácil perceber que um contribuinte inadimplente, denunciado por crime contra a ordem tributária, não fará jus a hipótese de excludente de punibilidade. O contribuinte, portanto, deverá parcelar ou quitar integralmente a dívida, antes do recebimento da denúncia.


O parágrafo terceiro, não trouxe qualquer novidade, apenas estampou no texto legal a praxe dos Tribunais.  Neste sentido, se o contribuinte inadimplente, firmou parcelamento, antes da denúncia, não verá a prescrição criminal correr a seu favor. Enquanto durar o parcelamento, ficará suspenso o prazo prescricional.


O parágrafo quarto está diretamente ligado ao parágrafo segundo, pois determina que será extinta a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária desde que o contribuinte efetue o pagamento integral da dívida tributária objeto do parcelamento ultimado, antes do recebimento da denúncia.  Neste sentido, se um contribuinte fizer um parcelamento, após o recebimento da denúncia, quitando integralmente o seu débito, ainda assim poderá ser condenado pela prática de crime contra a ordem tributária.


O parágrafo quinto é redundante, pois afirma que os parágrafos 1º ao 4º do artigo 83, não podem ser aplicados nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.  Ora, se são hipóteses que o próprio legislador afastou o parcelamento, por obra do óbvio, não são aplicados os parágrafos anteriores.


Essas são as novidades inseridas na nova redação do artigo 83, da Lei n. 9.430/96, pela Lei n. 12.382/11, que passam a ter eficácia a partir de 1º de março de 2011.


Ocorre, contudo, que, salvo melhor juízo, a intenção de impedir que contribuintes inadimplentes parcelem suas dívidas após o recebimento da denúncia, restará infrutífera, já que existem em vigor outros dispositivos legais que versam sobre a possibilidade do contribuinte parcelar suas dívidas tributárias a qualquer momento, seja antes ou durante a ação penal, ou, até mesmo, após o trânsito em julgado de sentença condenatória.


Para comprovar a assertiva acima, é importante trazer ao conhecimento do leitor dois instrumentos legais em vigor. Vejamos.


O primeiro dispositivo é o artigo 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 (conhecida como lei do parcelamento especial PAES):


Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.


§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.


§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”


O segundo conjunto de regras que versa sobre o tema, está estampado nos artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009 (conhecida como lei do Refis da Crise):


Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.


Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.


Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.


Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.”


É importante observar que nos dispositivos supracitados não há referência ao marco temporal, isto é, o legislador não condicionou a suspensão ou a posterior extinção da punibilidade, ao recebimento ou não da denúncia. Neste sentido, a jurisprudência vinha aplicando tranquilamente o entendimento de que o parcelamento da dívida fiscal poderia ser ultimado em qualquer momento da persecução penal, inclusive após o trânsito em julgada da sentença condenatória. Vejamos um exemplo de decisão neste mesmo sentido:


“EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. LEI Nº 10.684/03. PAGAMENTO DOS DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. O pagamento integral dos débitos oriundos da falta de recolhimento de contribuição à Previdência Social descontada dos salários dos empregados, ainda que posteriormente à denúncia e incabível o parcelamento, extingue a punibilidade do crime tipificado no artigo 168-A do Código Penal (Lei nº 10.684/03, artigo 9º, parágrafo 2º). 2. Precedentes do STF e do STJ. 3. Ordem concedida.” (HC 36628/DF. Ministro HAMILTON CARVALHIDO. Julgamento: 15/02/2005. DJ 13.06.2005. Votação Unânime. Sexta Turma do STJ)


A intenção do legislador parece clara. Visa afastar a interpretação jurisprudencial aplicada aos dispositivos legais supracitados.  Ocorre, contudo, que a Lei n. 12.382/11 alterou o sentido do artigo 83 da Lei n. 9.430/96, mas não revogou os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009. 


Acredito que o fisco defenderá a tese de que o novel dispositivo revogou tacitamente os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009. Não concordo com este raciocínio, pois, acredito que, após a Lei Complementar n. 107, de 26.04.2001 que alterou o artigo 9º da Lei Complementar n. 95 de 26.02.1998, o legislador deve indicar com exatidão quais são as regras revogadas.


Ademais, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657, de 04.09.1942, com nova redação dada pela Lei n. 12.376, de 30 de 12.2010), em seu artigo 2º deixa evidenciado que a alteração do artigo 83 da Lei n. 9430/96, não é capaz de revogar tacitamente os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009, haja vista que não regula integralmente a matéria.


Diante de tal constatação, acredito que os magistrados manterão o entendimento de que, na pior das hipóteses, o novel dispositivo só será aplicável aos créditos tributários constituídos a partir de 1º de março de 2011.


Convém destacar aqui que a regra que trata de extinção de punibilidade dos crimes contra a ordem tributária é de direito material, e, por isso, deve ser observada a legislação vigente na data do fato, porquanto a aplicação da lei penal no tempo é regida pelos princípios do tempus delicti commissi regit actum – segundo o qual a lei penal incide sobre os fatos ocorridos durante a sua vigência – e o da irretroatividade da lei penal mais gravosa.


Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos de Habeas Corpus, já consolidou o entendimento de que é inconstitucional a aplicação da novatio legis in pejus, isto é, lei nova mais gravosa (lex gravior) não pode atingir atos praticados anteriores a sua vigência. Neste mesmo raciocínio, há de ser aplicada a ultratividade da lex mitior (lei mais benéfica) que possui força normativa residual, ao fato delituoso cometido no período de vigência temporal da lei revogada.  Essa é a eficácia ultrativa da lex mitior, por efeito do que impõe o artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal de 1988.


Em síntese, mesmo que se entenda que o disposto no novo artigo 83 da Lei n. 9.430/96 revogou tacitamente os artigos 9º da Lei n. 10.684, de 31 de maio de 2005 e os artigos 68 e 69, da Lei n. 11.941, de 28 de maio de 2009, estes dispositivos terão eficácia ultrativa, pois são lex mitior e, portanto, regerão os atos praticados sob sua vigência pelos contribuintes.



Informações Sobre o Autor

Leonardo Pessoa

Advogado; Professor de Direito Empresarial e Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário


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