Resumo: O presente trabalho propõe o estudo sobre a aplicação do princípio da imunidade tributária nos casos de cobrança de IPTU a concessionárias e permissionárias de serviços público. O tema ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal reflete a controvérsia ante a aparente repercussão geral aplicada ao tema.
Palavras-chave: IPTU. Imunidade tributária. Repercussão Geral.
Abstract: This paper proposes the study of the principle of tax immunity in cases of collection of property taxes to utilities and licensees of public services. The matter is pending trial in the Supreme Court reflects the controversy before the apparent impact applied to the general theme.
Keywords: Taxes. Tax immunity. General impact.
Sumário: 1 Introdução; 2 Apresentação da hipótese estudada; 3 Mandado de Segurança Preventivo; 3.1 Liminar em MS; 4. Repercussão geral na cobrança de IPTU; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe o estudo sobre a aplicação do princípio da imunidade tributária nos casos de cobrança de IPTU a concessionárias e permissionárias de serviços público. O tema ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal reflete a controvérsia ante a aparente repercussão geral aplicada ao tema.
Contudo, a regularidade da cobrança nos termos do caso levado a julgamento no STF, não é capaz de relativizar a coisa julgada quanto à primeira hipótese apresentada. Logo, a cobraça deve ser estirpada até pacificação do entendimento no STF.
2. APRESENTAÇÃO DA HIPÓTESE ESTUDADA
A Impetrante firmou “Contrato de Concessão de Obra Pública” com o Município, em junho de 1996, com a finalidade de construção e exploração do “Centro de Convenção e Eventos do Município”.
Através deste contrato ficou estipulado que após o término da construção do referido prédio caberia à contratada o direito de exploração comercial de todos os espaços e serviços por um prazo de 23 (vinte e três) anos, ocasião em que cessarão todos os direitos privilégios a ela concedidos.
Esses direitos, entretanto, se referem somente à execução e exploração da obra pública, sem nenhuma interferência sobre o domínio do imóvel, que continua pertencendo ao Município.
Muito embora seja a municipalidade real proprietária do terreno em comento, a Impetrante foi surpreendida com a cobrança indevida do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU.
Com o pleito constitutivo negativo, a Impetrante ajuizou Ação Anulatória de débito fiscal, a qual foi julgada procedente para anular o crédito tributário. Ascendidos os autos por força do reexame necessário e recursos voluntários interpostos por ambas as partes, foi mantida na íntegra a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição.
Assim, apesar da cobrança do crédito tributário ter sido anulada por decisão transitada em julgada, a Fazenda Estadual insiste em cobrar o imposto, emitindo boletos bancários para a sede da Impetrante; bem como nega-se a expedir certidão negativa de débito fiscal, em clara violação aos dispositivos do Código Tributário Nacional, da Constituição Federal e da Coisa Julgada.
3. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO
O Mandado de segurança é uma das garantias previstas na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXIX, que assegura aos indivíduos a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade.
In casu, o ato coator está na cobrança indevida de tributo. A ameaça de ter esta cobrança inscrita em dívida ativa autoriza, por si só, o manejo do presente remédio constitucional para proteger o direito líquido e certo, assegurado por decisão transitada em julgado, para que o Impetrante não seja responsabilizado pelo pagamento do IPTU.
Portanto, o objeto do Mandado de Segurança é exigir que a autoridade pública coatora, no exercício de atribuições do Poder Público, seja impedida de realizar as cobranças e de enviar boletos bancários para pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU.
A relevância jurídica aqui não está contida no receio do Impetrante, que varia conforme sua sensibilidade, ao contrário, encontra-se na ameaça, que é elemento objetivo. Ou seja, havendo indícios objetivos suficientes da existência de lesão iminente (cobrança indeveida de tributo), o que torna certa ou, bastante provável, a prática do ato impugnado (inscrição em dívida ativa).
Como é sabido, a ameaça deve ser séria, grave, não podendo ser analisada sob o prisma do seu efeito subjetivo. De acordo com Celso Agrícola Barbi:
“O receio deve ser considerado ‘justo’ quando a ‘ameaça’ de lesão revestir-se de ‘determinadas características’. E estas são justamente as constantes da Declaração do Congresso Internacional, isto é, a ‘ameaça’ deve ser ‘objetiva e atual’. Entendemos que a ‘ameaça’ será ‘objetiva’ quando real, traduzida por fatos e atos, e não por meras suposições; e será ‘atual’ se existir no momento, não bastando que tenha existido em outros tempos e haja desaparecido[1] (Do mandado de segurança. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 69)
A atividade administrativa é investida do princípio da presunção da legalidade, ou seja, presume-se que a administração tem obediência às leis, não praticando ato ilegal. Assim, a ameaça, da qual decorre o justo receio de lesão a direito, tem que ser comprovada.
Assim, ao recebe mensalmente a cobrança do IPTU, de fato, será levado à dívida ativa no Múnicípio, comprometendo a receita destinada às atividades do Impetrante.
O parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional estabelece que “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”. Todavia, a autoridade administrativa tendo o conhecimento da ocorrência de um fato que anula a cobrança de tributo, tem o dever de deixar de fazer o lançamento.
Assim, uma decisão que anula a cobrança de um tributo, transitada em julgado a mais de um ano, impossibilitando a sua cobrança, desde logo obrigada a autoridade pública deixar de exigir o tributo.
Diante da situação é cabível a impetração do Mandado de Segurança Preventivo, não sendo necessário que o contribuinte aguarde a inscrição em dívida ativa.
No entendimento de Hugo de Brito Machado também não precisa esperar a ocorrência de ameaça dessa cobrança, uma vez que, o justo receio, a ensejar a impetração, decorre do dever legal da autoridade administrativa de não lançar o tributo e de fazer a cobrança respectiva.[2]
Vale ressaltar que o prazo decadencial está previsto na Lei Federal 1.533 em seu artigo 18, o qual reza que “o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”.
No caso dos autos trata-se de Mandamus Preventivo e impugna-se uma ameaça a lesão de direito. E se ainda não ocorreu lesão a direito líquido e certo, não se pode cogitar a decadência.
Neste sentido, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ante a inexitência do prazo de decadência face o mandado de segurança preventivo:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IPTU. PROGRESSIVIDADE DAS ALÍQUOTAS. MANDADO DE SEGURANÇA. RECONHECIMENTO DO CARÁTER PREVENTIVO. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. EXERCÍCIOS PRETÉRITOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 07/STJ. EXERCÍCIO ATUAL. ASPECTO PREVENTIVO ADMITIDO. USO DO WRIT. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Impetrante de Mandado de Segurança que pretende a suspensão da cobrança judicial do IPTU exigido nos anos de 1997 a 2001, por inconstitucional. 2. Reconhecimento de decadência pelas instâncias ordinárias, extinguindo o feito sem julgamento do mérito. 3. Recurso especial visando ao reconhecimento do caráter preventivo do mandamus, uma vez que almeja impedir a cobrança judicial dos débitos e não o lançamento tributário. 4. Necessidade, em relação aos anos de 1997 a 2000, de análise de prova para a confirmação da inexistência de inscrição em dívida ativa ou de execução fiscal em andamento. Incidência da Súmula nº 07/STJ. 5. Manutenção do aspecto preventivo do writ em relação ao ano de 2001, não cabendo a exigência do prazo decadencial de 120 dias. Precedentes desta Corte. 6. Recurso parcialmente provido”. (STJ, 1a Turma. RESP 657218 / RS. Relator Ministro José Delgado. Julgado em: 3 de fevereiro de 2005. DJ 11.04.2005 p. 191.)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPTU. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ART. 18, DA LEI N.º 1.533/51. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Quando o mandado de segurança desafia tributo considerado indevido, antes de intentada a execução fiscal, a impetração caracteriza-se pela preventividade, não lhe sendo aplicável o prazo de 120 dias previsto no art. 18, da Lei n.º 1.533/51. Precedentes. 2. Na hipótese, houve inscrição do débito em Dívida Ativa, voltando-se a impetração contra a iminência do ajuizamento do executivo fiscal. Sendo a atividade da Administração Tributária vinculada e obrigatória, a execução posterior da CDA é inexorável. Não há dúvida, assim, de que a presente ação de segurança tem caráter preventivo. 3. Recurso provido”. (STJ, 2a Turma. RESP 557229 / RS. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em; 3 de junho de 2004. DJ 16.08.2004 p. 207.)
Com isso, os efeitos perversos da tributação permanecem em decorrência de atos abusivos e ilegais da autoridade tributária coatora. Assim, considerando assegurado direito líquido e certo da Impetrante, a autoridade coatora deve ser impedida, mais uma vez, e agora por força do presente remédio constitucional, de cobrar o IPTU.
3.1. Liminar em Mandado de Segurança Preventivo
O artigo 7º, inciso II, da Lei 1.533/51, que disciplina o Mandado de Segurança, dispõe que a liminar será concedida, suspendendo-se o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento do pedido e do ato impugnado e quando puder resultar a ineficácia da medida.
Ao passo que a relevância do fundamento, entendida como a plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris), resta demonstrada na notificação para pagar o débito tributário, bem como na decisão judicial que anula a cobrança do IPTU. O perigo da demora do provimento judicial (periculum in mora) faz-se presente diante da possibilidade de inscrição em dívida ativa de tributos não devidos pelo Impetrante.
Assim, estando presentes o “fumus boni iuris”, ante a ilegalidade manifesta na violação da coisa julgada, bem como o “periculum in mora”, aumenta a ameaça de ter o débito inscrito em dívida ativa, ato ilegal que dificulta ou macula as atividades empresariais do Consórcio, justificando o pleito liminar.
Ante o exposto, a autoridade coatora lesou direito líquido e certo do Impetrante ao permanecer exigindo o pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, e sob a ameaça de ter este débito inscrito em dívida ativa impõe-se o manejo do presente remédio constitucional.
4. REPERCUSSÃO GERAL NA COBRANÇA DE IPTU
Cumpre ressaltar o que a doutrina confere para designar ampla significação à questão do contribuinte do IPTU: “o vocábulo propriedade não foi utilizado pela Constituição em sentido técnico. O termo foi empregado em sua acepção corriqueira, comum, vulgar“[3].
Por outro lado, há quem defenda que “quando o Código Tributário Nacional fala em possuidor a qualquer título, entendemos que a expressão volta-se apenas para as situações em que há posse ad usucapionem, vale dizer, posse que pode conduzir à propriedade“.[4]
Nessa linha, exemplificativamente, deliberou o STJ que “o IPTU só pode ser cobrado do proprietário e não do locatário, cuja posse direta não exterioriza a propriedade“.[5]
Com efeito, verifica-se que no caso da própria municipalidade querer exigir IPTU sobre o imóvel que é de sua posse indireta, constitui uma confusão conceitual que é até difícil de afastar, pela tamanha a obviedade.
De todo modo, reitera-se posição do Superior Tribunal de Justiça:
“TRIBUTÁRIO. IPTU. COBRANÇA INDEVIDA. CONTRATO DE CESSÃO DE USO. INAPLICABILIDADE DO ART. 34 DO CTN. I. Na esteira dos precedentes deste eg. Tribunal, o IPTU deve ser cobrado do proprietário ou de quem detém o domínio útil ou a posse do imóvel, vinculando-se tal imposto a institutos de direito real. Assim sendo, tendo o contrato de concessão de uso de bem público natureza pessoal e não real, inexiste previsão legal para que o cessionário seja contribuinte do IPTU. II . Precedentes citados: Resp 692682/RJ, Segunda Turma, DJ de 29.11.2006 e Resp 681406/RJ, Primeira Turma, DJ de 28.02.2005. III. Nada obstante tenha sido esta a fundamentação da decisão agravada, qual seja, a aplicação da Súmula n. 83/STJ in casu, deixou a agravante de impugná-la, especificamente, motivo a obstaculizar o recurso de agravo, ora interposto, a Súmula n. 182/STJ. IV. Agravo regimental improvido”.[6]
Em que pese aparentemente não exsurgir controvérsia alguma, o assunto comporta discussão no Supremo Tribunal Federal, eis que a matéria recebeu status de repercussão geral.
Atualmente continua pendente de julgamento na Suprema Corte do país, a obrigatoriedade ou não de pagamento de IPTU de imóvel de propriedade da União cedido para empresa privada que explora atividade econômica, como ocorre na hipótese apresentada ao presente estudo.
O relator do Recurso Extraordinário n. 601720, ministro Ricardo Lewandowski, asseverou que “o tema apresenta relevância do ponto de vista jurídico” porque a definição sobre o alcance da imunidade tributária recíproca (prevista na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal) em relação a imóveis que pertencem a entes públicos, mas são utilizados por concessionários ou permissionários para exploração de atividade econômica com fins lucrativos, “norteará o julgamento de inúmeros processos similares que tramitam (no Supremo) e nos demais tribunais brasileiros”.
Segundo Lewandowski, é necessário avaliar a possibilidade de particulares integrarem a relação jurídico-tributária na qualidade de contribuintes de IPTU que eventualmente recaia sobre imóveis que pertençam a entes da Federação. Ele ressaltou, ainda, que a contenda tem repercussão econômica porque a dissolução do tema poderá acarretar “relevante impacto financeiro no orçamento de diversos municípios”.
O caso será discutido no julgamento do Recurso Extraordinário, de autoria do Município do Rio de Janeiro. No processo, o município afirma que a regra da imunidade recíproca — que veda aos entes da Federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) cobrar impostos uns dos outros — não se aplica a imóveis públicos cedidos a particulares que exploram atividade econômica, ou seja, quando o imóvel não tem destinação pública.
No caso em análise, um contrato de concessão de uso de imóvel foi firmado entre a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) e uma concessionária de veículos que, por meio de uma ação anulatória de débito-fiscal, teve reconhecida a imunidade tributária recíproca sobre a cobrança do IPTU, em razão de o imóvel ser de propriedade da União.
Contudo, o Município do Rio de Janeiro sustenta que consta no próprio contrato de concessão cláusula expressa no sentido de que a empresa concessionária deveria pagar os tributos fundiários municipais.
Ao acolher o pedido da concessionária, a Justiça do Rio de Janeiro entendeu pela impossibilidade de cobrança do IPTU de empresa que não detém nem o domínio nem a posse do bem, com base no artigo 34 do Código Tributário Nacional.
O Tribunal reconheceu a existência de Repercussão Geral da questão constitucional suscitada. Ficou vencido o ministro Ayres Britto. O status de Repercussão Geral de um Recurso Extraordinário somente pode ser negado com a manifestação de dois terços dos ministros do Supremo, ou seja, com oito votos.[7]
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A regularidade da cobrança de IPTU na hipótese de incidência sobre imóveis cedidos e explorados por concessionárias e permissionárias é tema controverso na jurisprudência pátria.
Ante todo o exposto, cumpre salientar que a autoridade coatora permanece lesando direito líquido e certo ao exigir o pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, e sob a ameaça de ter este débito inscrito em dívida ativa impõe-se o manejo do presente remédio constitucional.
A regularidade da cobrança nos termos do caso levado a julgamento no STF, não é capaz de relativizar a coisa julgada quanto à primeira hipótese apresentada. Logo, a cobraça deve ser estirpada até pacificação do entendimento no STF.
Informações Sobre o Autor
Gisele Amorim Sotero Pires
Advogada militante em Direito de Família, graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em convênio com a Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP) e Especialista em Direito Cível e Empresarial pela Universidade Anhanguera em convênio com o Grupo Luiz Flávio Gomes