Emenda Constitucional nº 66/2010: o dever do estado de não interferir no direito de felicidade das pessoas

Resumo:  É objeto de estudo do presente artigo demonstrar de maneira sucinta a importância da celeridade dada ao Divórcio, pois há muito tempo que essa questão tem causado sérios transtornos na vida das pessoas que se casam, são felizes, mas que depois de algum tempo, resolvem por fim no seu relacionamento por algum motivo, no entanto, por vontade da lei as pessoas não podiam se divorciar até que cumprisse um determinado lapso temporal de 2 anos. E que com o advento da Emenda Constitucional nº 66 de 2010, finalmente pôs o legislador fim a essa situação que era deveras insustentável, facilitando o divórcio de tal sorte que pode ele ser realizado em m Cartório, sendo ele realizado na presença de um Tabelião. 


Palavras-chave: Celeridade. Divórcio. Direito de Felicidade.


Abstract: It is an object of study of this paper to show briefly the importance of speed given to divorce, for a long time that this issue has caused serious trouble in the lives of people who marry, are happy, but after some time, solved by order in their relationship for some reason, however, by the will of the law people could not divorce until they meet a certain delay of two years. And with the advent of the Constitutional Amendment No. 66 of 2010 finally put the legislative end to this situation that was indeed unsustainable, making the divorce in such a way that can it be done in m Clerk, being conducted in the presence of a Notary.


Keywords: Celerity. Divorce. Right to Happiness.


Para que se possa traçar considerações iniciais acerca do divórcio necessário se faz, que se elabore uma “linha do tempo”, sobre a evolução do próprio conceito de família.


A idéia de família sempre esteve intimamente relacionada com o casamento. A autenticidade dessa informação pode ser obtida no o próprio Código Civil de 1916 que regulava acerca do casamento.


E que por sua vez tratava-se de um instituto que era tido como indissolúvel, de tal sorte que a única possibilidade que se podia vislumbrar a sua dissolução era dada por intermédio do instituto do desquite. É imperioso ressaltar que com o desquite o vínculo era rompido, no entanto, não era dissolvido, nesse diapasão Dias[1], consolida entendimento no seguinte sentido:


“Permanecia intacto o vinculo conjugal, a impedir novo casamento mas não novos vínculos afetivos, pois cessavam os deveres de fidelidade e de manutenção da vida em comum sob o mesmo teto. Remanescia, no entanto, a obrigação de mútua assistência, a justificar a permanência de encargo alimentar em favor do conjugue inocente e pobre.”


Ocorre, que o desquite sofreu mera alteração terminológica com o advento da Lei do Divórcio, cujo era a Lei nº 6.515/1977[2], uma vez que, o que o Código Civil chamava de desquite passou a ser conhecido como separação, o que na prática era mesma coisa: “rompia-se o vinculo, mas não o dissolvia”, daí o motivo pelo qual, diz que a alteração versou apenas em uma mudança meramente terminológica.


Mas resta claro e evidente que a Lei do Divórcio, não teve apenas a intenção de fazer uma alteração meramente terminológica, é claro que a lei veio acrescentar modalidades de rompimento do vinculo conjugal, quais sejam: a conversão da separação em divórcio, isto é, primeiro as pessoas precisavam se separar para que posteriormente houvesse a sua conversão, ou ainda, podiam realizar o divórcio direto, mas tal modalidade só poderia ser dada de modo excepcional, pois só era admitido para quem já estava separado de fato.


Mas para que se pudesse usufruir a facilidade do divórcio direto, não bastava apenas que o casal estivesse separado de fato, Dias[3] enumera ainda, outros requisitos que deveriam ser preenchidos:


“Era necessário o atendimento acumulativo de três pressupostos:


a) Estarem as partes separadas de fato há cinco anos;


b) Ter esse prazo sido implementado antes da alteração constitucional (28.06.1977);


c) Comprovar a causa da separação.”


Mas é claro que esse rol naturalmente foi sendo ampliado pela jurisprudência, fazendo deste modo com que a Constituição Federal de 1988, institucionalizasse como divórcio direto, fazendo com que fosse lançado por terra o seu caráter de excepcionalidade.


Fontanella[4], em palestra ministrada no auditório do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia muito bem traçou um breve contexto histórico acerca do divórcio e de fácil entendimento:


“- Até junho de 1977 – O Casamento era indissolúvel;


– Com a EC n. 9 de junho de 1977 – Criou-se o divórcio;


– Em dezembro de 1977 – Lei 6.515/77;


– Em outubro de 1988 – art. 226, par. 6º da CF/88: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.”;


– Em 1977, a separação judicial era requisito necessário e prévio para o pedido de divórcio, que tinha de aguardar a consumação do prazo de 3 anos daquela; não havia divórcio direto;


– Em 1988, a separação judicial deixou de ser requisito para o divórcio, passando a ter 2 finalidades:


1.ser convertida em divórcio;


2. permitir a reconciliação dos cônjuges.


– O Divórcio direto passou a depender de requisito temporal (2 anos).”


Muito embora, o divórcio tenha evoluído com o passar dos anos, uma coisa  com base no contexto histórico acima, ora analisado, vê-se que não mudou: o conservadorismo inútil, e um tanto quanto desnecessário, isto é, a pessoa não estava casada, mas em contrapartida também não poderia se casar. Era absolutamente um paradoxo, o casal sofria duas vezes, o primeiro sofrimento era se separar de fato, o segundo era a situação desconfortável do divórcio, além de se submeterem a situação constrangedora de ficar frente a frente e entre eles um conciliador tentando uma possível reconciliação.


É muita falta de bom senso do legislador: se um casal já está separado de fato há dois anos, por qual razão eles iriam querer reconciliar? E vou além, porque esse casal iria querer se reconciliar em uma audiência de divórcio? Eu entendo que se um casal já está separado de fato há 2 (dois) anos, fica evidente e cristalino que eles absolutamente não manifestam a vontade de manutenção de vida em comum? Resta dúvida para alguém? Diante dessa informação, indaga-se: Com que direito o Estado pensa (ou tem certeza) de que possui o dever de interferir no direito de felicidade das pessoas?


Ora, quando duas pessoas se casam o Estado não se importa há quanto tempo eles estão juntos, tudo porque tal indagação foge do seu interesse, logo, se não interessa para o Estado há quanto tempo um casal convive e quer oficializar a sua união, porque interessaria o tempo pelo qual o casal está separado para que possam se divorciar? Isso me parece um tanto quanto contraditório.


Afinal de contas, isso não é “atitude” que se espera de uma Constituição, que foi chamada pelo Dep. Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã-Constituição Coragem”, isso está mais para uma Constituição “Ditatorial”, que quer obrigar as pessoas a viverem “de aparências”. O que se espera de um Estado Democrático de Direito é que as pessoas sejam livres para fazerem as suas escolhas, e escolher ser feliz é um direito constitucional, e impor um lapso temporal, para que as pessoas possam se casar com quem quiserem, eu o chamo de “intervenção Estatal no direito de felicidade das pessoas”. 


Mas com o advento da Emenda Constitucional nº 66, ou EC do Divórcio, a separação judicial deixou de ser contemplada na CF/88, desaparecendo o requisito temporal, senão vejamos, in verbis: Nova redação do artigo 226 par. 6º, da CF[5]: “O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio.”


Mas paira uma dúvida no ar: Com o advento da EC nº 66, a separação continuaria existindo no ordenamento jurídico ou teria sido banida do sistema?


A resposta é muito simples, e muito bem esclarecida por Fontanella[6]:


“[…] tendo em conta as disposições sobre separação judicial no Código Civil, sustenta-se que a separação judicial ou extrajudicial, embora fadada a pouco uso em face das vantagens do divórcio facilitado, ainda encontra guarida em nosso sistema jurídico, sendo de uso facultativo aos que desejam apenas a dissolução da sociedade conjugal, e não a extinção do casamento pelo divórcio.”


O que merece ser compreendido perante esse entendimento é que o divórcio não é um mal, ao contrário, faz bem, para um casal que definitivamente não mais manifestam o interesse de conviver sob o mesmo teto.


Até mesmo em virtude de não fazer o menor sentido de que se mantenha um casamento que não mais possua o elemento fundamental para a sua existência, qual seja: o amor, o que deveras enseja inúmeras privações para ambos. Não é difícil perceber que a dificuldade do divórcio atingia o princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo com que a pessoa se sentisse degradada moral, psicologicamente, intelectualmente e até fisicamente abalada, a elaboração de tal emenda se deu, sob a forte necessidade de que houvesse um olhar mais humanizado pela Constituição acerca do divórcio, nas lições de Farias e Rosenvald[7]:


“Com as lentes garantistas da Constituição da República, é preciso sem dúvida, enxergar a dissolução do casamento (através da separação e do divórcio) com uma feição mais ética e humanizada, compreendendo mais institutos como instrumentos efetivos e eficazes de promoção da integridade e da dignidade da pessoa humana.


Separação e divórcio têm de ser institutos jurídicos adaptados a um novo tempo, em que a dignidade humana sobrepuja os formalismos legais.”  


O casamento é um projeto no qual as partes possuem uma tendência natural de que ele seja permanente, isso fica claro com a expressão “até que a morte os separe”. Qualquer pessoa que se case não cogita nem de leve na sua dissolução.


Mas é claro, o casamento precisa (e muito) ser compreendido constitucionalmente, entendo que é importante a manutenção do casamento, mas entendo também que não pode haver o sacrifico da felicidade dos conjugues, pois isso viola a dignidade, direitos e garantias fundamentais, pois do mesmo modo que a pessoa possui o direito de construir um núcleo familiar, ela pode também desfazê-lo, haja vista que não se pode comprometer a sua existência digna e feliz, tudo por força de um sacrifício emocional e pessoal, nitidamente fadado ao fracasso.


Felizmente, o Brasil, certamente se inspirou nos moldes germânicos de divórcio, conforme estudo do Direito Comparado, Cahali[8], faz uma análise do Direito Alemão:


“A lei Matrimonial de 1938 reconheceu com maior amplitude do que o BGB, a dissolução excepcional do matrimônio, introduzindo considerável números de causas de divórcio. Tal como BGB, partia de causas perturbadoras do matrimônio por infrações graves, acrescentando porém a enfermidade mental e a perturbação objetiva do casamento “por outros motivos”, o que serviu para justificar certos abusos da doutrina nacional-socialista vigorante.”


E ainda, Farias e Rosenvald[9] sedimentam o mesmo entendimento:


“Registre-se, em arremate, que este direito fundamental a não permanecer casado já foi acolhido pelo avançado direito alemão, consubstanciado no Código Civil daquele país (BGB, § 1.565, al.1), reconhecido assim, um direito material ao divórcio, tendo como única causa o fracasso da união conjugal, independente de lapso temporal e indagações sobre outras causas”.


E foi inspirado no modelo germânico de divórcio, que o ordenamento jurídico brasileiro aprovou a EC nº 66 que reconheceu o direito fundamental ao divórcio, sendo este o único mecanismo dissolutório do casamento, o que não mais permite a discussão da culpa, o que não mais permitirá que se atinja a privacidade dos conjugues, bem como não haverá a exigência de lapso temporal, o que faz com seja possível a dissolução realizada a qualquer tempo.


E por derradeiro: Viva a liberdade de poder casar! Viva a liberdade de não permanecer casado sob nenhuma hipótese, seja de ordem de lapso temporal, culpa ou qualquer outro motivo que seja! 


 

Referências bibliográficas:

BRASIL. Constituição. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Lei nº 6.515/1977 – Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências.

CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 10. ed. ver. e atual. de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 4. ed. ampl. atual. de acordo com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a Lei do Inventário, Partilha, Divórcio e Separação Extrajudiciais (Lei nº 11.441/2007). São Paulo: Revista dos Trinunais, 2007. p. 269

FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. ampl. atual. de acordo com a Lei nº 12.010/09 – Lei Nacional de Adoção; com a Lei 12.004/09 – nova Lei de Presunção de Paternidade, com a Lei nº 12.924/09 – Lei de Acréscimo de Sobrenome de Padrasto; com a Lei nº 11.804/08 – Lei dos Alimentos Gravídicos; e com a Lei nº 11.698/08 – Lei da Guarda Compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

FONTANELLA, Patrícia. A EC do Divórcio e suas Repercussões Jurídicas. Palestra ministrada pela Patrícia Fontanella promovida pela Escola da Magistratura de Rondônia em parceria com o Poder Judiciário do Estado de Rondônia. Porto Velho-RO, 2011.

 

Notas:

[1] DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 4. ed. ampl. atual. de acordo com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a Lei do Inventário, Partilha, Divórcio e Separação Extrajudiciais (Lei nº 11.441/2007). São Paulo: Revista dos Trinunais, 2007. p. 269

[2] BRASIL. Lei nº 6.515/1977 – Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências.

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 4. ed. ampl. atual. de acordo com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a Lei do Inventário, Partilha, Divórcio e Separação Extrajudiciais (Lei nº 11.441/2007). São Paulo: Revista dos Trinunais, 2007. p. 269

[4] FONTANELLA, Patrícia. A EC do Divórcio e suas Repercussões Jurídicas. Palestra ministrada pela Patrícia Fontanella promovida pela Escola da Magistratura de Rondônia em parceria com o Poder Judiciário do Estado de Rondônia. Porto Velho-RO, 2011.

[5]  BRASIL. Constituição. Brasília: Senado, 1988.

[6] FONTANELLA, Patrícia. A EC do Divórcio e suas Repercussões Jurídicas. Palestra ministrada pela Patrícia Fontanella promovida pela Escola da Magistratura de Rondônia em parceria com o Poder Judiciário do Estado de Rondônia. Porto Velho-RO, 2011.

[7] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. ampl. atual. de acordo com a Lei nº 12.010/09 – Lei Nacional de Adoção; com a Lei 12.004/09 – nova Lei de Presunção de Paternidade, com a Lei nº 12.924/09 – Lei de Acréscimo de Sobrenome de Padrasto; com a Lei nº 11.804/08 – Lei dos Alimentos Gravídicos; e com a Lei nº 11.698/08 – Lei da Guarda Compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.315.  

[8] CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 10. ed. ver. e atual. de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p. 29.

[9] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. ampl. atual. de acordo com a Lei nº 12.010/09 – Lei Nacional de Adoção; com a Lei 12.004/09 – nova Lei de Presunção de Paternidade, com a Lei nº 12.924/09 – Lei de Acréscimo de Sobrenome de Padrasto; com a Lei nº 11.804/08 – Lei dos Alimentos Gravídicos; e com a Lei nº 11.698/08 – Lei da Guarda Compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.317.  


Informações Sobre o Autor

Natália Lemos Mourão

Bacharel em Direito na Faculdade Interamericana de Porto Velho – UNIRON – 2010/2. Formada pela Escola da Magistratura de Rondnia – EMERON – 2011. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Católica de Rondnia – FCR – 2012/2013. Consultora de Metodologia de Pesquisa Científica e defesa de trabalhos de TCC. Autora de diversos Artigos Jurídicos. Professora visitante de Direito


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