Resumo: Tendo em vista a importância do meio ambiente para que o ser humano possa desfrutar de uma vida com dignidade, inclusive com entendimento na doutrina de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um verdadeiro direito individual fundamental (mesmo não tendo sua previsão no artigo 5º da Constituição Federal de 1988), necessário se faz a presença de instrumentos para tornarem efetivo esse direito concedido a todos; e uma dessas garantias, em nosso ordenamento jurídico, é do instituto da “Responsabilidade Civil ou Patrimonial”, inclusive com a possibilidade de ser utilizada em face de um dos defensores ambientais (por obrigação legal), qual seja, o próprio Ente Estatal.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil ou Patrimonial; Estado, Meio Ambiente, Reparação.
A responsabilidade civil (ou patrimonial) por dano ambiental, no Direito brasileiro, consiste em atribuir a uma pessoa, a obrigação de reparar e/ou indenizar o mal causado ao meio ambiente[1], seja por uma lesão de caráter material ou extrapatrimonial[2], tendo além de uma função repreensiva e educativa, também social, por se tratar de um direito difuso, pertencente a toda sociedade, e que possui previsão em sede constitucional, no artigo 225, § 3º, que determina que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (grifo nosso). Deverá resultar na volta às condições desfrutadas pelo meio ambiente antes da ocorrência da degradação[3], abrangendo a reparação da área atingida ou no equivalente pecuniário dos danos sofridos, sem prejuízo de outras determinações que se façam necessárias para a proteção ambiental.
No ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade civil ambiental é objetiva, ou seja, independente da comprovação do elemento subjetivo do agente da lesão e, cronologicamente, antecede até a própria Constituição Federal de 1988, pois, o sistema vigente no Brasil foi introduzido pela lei nacional n.º 6.938/81, que, em seu artigo 14, § 1º, afirma que: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (…)” (grifo nosso). Tal posicionamento legal não poderia ser diferente, pois, se adotássemos a responsabilização e conseqüente reparação sob o fundamento subjetivo, restaria um grande prejuízo ao meio ambiente e à sociedade (tendo em vista se tratar de um direito difuso), já que teríamos que, além de provar o dano, o nexo de causalidade e a conduta danosa do agente, também verificar o elemento culpa ou dolo do seu causador, restando, em inúmeras ocasiões, impossível a comprovação de que sua atitude fora a causa principal do dano verificado, porque a pessoa jurídica de direito privado ou de direito público estará exercendo uma atividade lícita, por exemplo, sob o pálio de uma autorização ambiental para o seu funcionamento, devidamente concedida pela Administração Pública competente.
Portanto, em matéria de dano ambiental, no direito brasileiro, é adotada a responsabilidade civil objetiva, sob a teoria do risco integral. Por ela, não há a ocorrência de excludentes que afastem a responsabilização, sendo essa baseada somente no fato de existir uma atividade da qual adveio o prejuízo, devendo o agente reparar de qualquer maneira, mesmo que o resultado danoso tenha origem em um fato que serviria para excluir a sua responsabilização, como por exemplo, o fato de terceiro, força maior, caso fortuito ou a licitude da atividade. Esse posicionamento é aceito pela parte majoritária da doutrina nacional (Édis Milaré, Sílvio de Salvo Venosa, Paulo Affonso Leme Machado, entre outros). Contudo, para uma pequena parcela de doutrinadores pátrios, a responsabilidade civil pelo dano ambiental seria com base na teoria do risco proveito, fruto esse do princípio do poluidor/pagador, presente no Direito Ambiental nacional, que se fundamenta no simples fato de que todo aquele que obtém lucro com uma atividade e com ela produz uma lesão ambiental, deverá arcar com os prejuízos produzidos, podendo, contudo, alegar motivos excludentes da obrigação de reparar o dano provocado, já que, alegam seus defensores, é impossível o desligamento total da responsabilidade civil por dano ambiental dos fatores subjetivos e que, se ainda assim fosse adotada, tornaria-se uma atividade de alto risco para o empresário, pois não poderia mais confiar em uma autorização ambiental devidamente concedida pela Administração Pública, pois continuaria responsável por qualquer dano ocorrido durante a sua atividade lícita e atuante de acordo com os limites impostos pelo próprio Poder Público.
Mesmo com essa discussão existente na doutrina brasileira (e até acreditando plausível o argumento utilizado pela corrente minoritária da doutrina nacional), devemos concordar que a teoria do risco integral é a correta para fundamentar a responsabilidade civil por dano ambiental no Direito brasileiro, tendo em vista a importância do bem que é protegido e que possui (a sua defesa) sede na Constituição Federal de 1988 (artigo 225, caput e § 3°). Portanto, todo aquele que durante a sua atividade, lícita ou não, direta ou indiretamente, causar uma lesão ao meio ambiente, comprovando-se o nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano verificado, deverá reparar integralmente o prejuízo, mesmo que haja qualquer motivo que possa excluir a sua responsabilização. E, ainda, se forem vários os causadores do dano ambiental, teremos a solidariedade entre os mesmos (de acordo com o preceituado no artigo 942 do Código Civil de 2002), podendo ser escolhido somente um dos responsáveis para a reparação – aquele que tiver a melhor condição financeira, ou seja, a adoção da “teoria do bolso profundo”, largamente utilizada nos Estados Unidos – restando ao que fora selecionado e pagou totalmente o dano, o direito de regresso contra os demais co-poluidores.
De acordo com o que preceitua o caput do já mencionado artigo 225 da Constituição Federal de 1988, é obrigação do Estado, em conjunto com a sociedade, a proteção do meio ambiente. Mas, em determinados momentos, verificamos que, ao invés de ser o guardião, o Poder Público se torna o maior degradador ambiental, quando, por exemplo, não faz o tratamento sanitário nas cidades, jogando toneladas de material poluente nos rios e mares, no decorrer de obras públicas, ou na omissão de seu dever fiscalizador de atividades passíveis de degradação ambiental. E é nesse ponto que emerge a dúvida por nós suscitada, pois, como se sabe a responsabilidade civil do Estado sofreu uma evolução no decorrer dos tempos, onde, no princípio, tínhamos a total irresponsabilidade estatal (no período absolutista, conhecido pela célebre frase de um monarca francês que afirmava que o “Estado sou eu”), chegando até a responsabilização independente do elemento subjetivo, prevista, atualmente, no Direito brasileiro, no artigo 37, § 6° da Lei Maior.
Da responsabilidade civil objetiva do Estado, como se sabe, temos três teorias utilizadas no Direito Administrativo brasileiro para a sua explicação, e que são: a) da culpa administrativa, onde o dever de reparar do Poder Público decorre de uma falta de serviço estatal, não provocada pelo agente público, devendo ser comprovado o dano sofrido e a ausência da prestação estatal para que haja a reparação pelo ente público; b) do risco administrativo, que aduz que toda e qualquer conduta do Ente Estatal que resultar em um dano, resultará em sua indenização, ou seja, entende-se que a atividade pública, por si só, é geradora de riscos para a sociedade; e, por fim c) o risco integral, considerada a manifestação ilimitada da responsabilidade civil do Estado, devendo suportar todo e qualquer dano provocado por uma conduta positiva ou negativa sua, até mesmo se decorrente de culpa exclusiva ou proveniente do dolo da vítima.
É utilizada, desde a Constituição Federal de 1946, no Direito brasileiro, a responsabilidade patrimonial do Estado pela teoria do risco administrativo, onde qualquer atividade proveniente do Ente Estatal que provoque danos a alguém deverá ser responsabilizada civilmente; e, ainda, com o Texto Maior de 1988 e o Código Civil de 2002, passou a ocorrer a previsão do direito de regresso do Poder Público em face do agente que, no decorrer de seu labor, procedeu de forma culposa – ou até mesmo de maneira dolosa – além de caracterizar, também, a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (como uma empresa pública, sociedade de economia mista ou permissionário). Desta forma, para que se concretize o dever de reparar do Ente Público, de acordo com a teoria adotada no ordenamento jurídico nacional, necessária se torna a observância do dano, do nexo de causalidade da atividade do Poder Público com a lesão verificada e a ausência de causa que possa excluir a responsabilidade estatal, como, por exemplo, o caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, etc.
E como mencionado anteriormente, o Estado, contrariamente ao seu papel constitucional (juntamente com a coletividade) de protetor ambiental, em diversos momentos, é um dos maiores degradadores do meio ambiente, através de uma ação – quando, por exemplo, um município não possui um adequado aterro sanitário, despejando todo o resíduo produzido por uma metrópole em áreas indevidas – ou por meio de uma omissão sua, como com a concessão de autorização ambiental a uma empresa, sem os necessários estudos de viabilidade, etc. – podendo se responsabilizar diretamente o Poder Público por sua conduta danosa à natureza e/ou de forma solidária com o particular. E a previsão legal de responsabilização objetiva da Administração Pública pelo dano ambiental, assim como do particular, encontra-se no artigo 2°, § 10 do decreto lei n.° 3.179/99 que preceitua que “independentemente de existência de culpa, é o infrator obrigado à reparação do dano causado ao meio ambiente afetado por sua atividade”, onde o objetivo do legislador ordinário, ao elaborar tal disposição, fora caracterizar objetivamente toda e qualquer pessoa que venha degradar o meio ambiente, sobretudo a Administração Pública – em minha concepção, a grande poluidora, pois nada se compara a atividade também poluidora (e criminosa!) de um indivíduo que põe fogo em seu terreno para proceder à limpeza (?) e a do Poder Público, que com a finalidade de produzir progresso em uma região, derruba uma grande área de floresta para em seu lugar construir uma estrada (haja vista, no regime ditatorial militar por que passou o Brasil, a construção da Transamazônica e que hoje se encontra abandonada, onde foram consumidos quilômetros da Amazônia e também uma vultosa quantia do erário público).
Caracterizada a responsabilidade patrimonial do Estado pelo dano ambiental produzido por sua conduta (positiva ou negativa), o problema que surge é se adotaremos a teoria dominante do risco administrativo (utilizada pelos estudiosos concentrados no Direito Administrativo) ou a teoria do risco integral (adotada pelo defensores com influência do Direito Ambiental), com as características que determinam cada uma delas e com a possibilidade de se valer, conforme visto anteriormente, de fatos excludentes da responsabilização (no caso da regra presente no ramo jurídico que estuda a Administração Pública).
Em meu modesto entendimento, analisando ambas as teorias e a legislação ambiental, verifica-se que não há diferenciação entre o praticante de uma atividade danosa ao meio ambiente ser um particular ou o Estado, portanto, devendo ser esse último responsabilizado, de forma objetiva, independente da caracterização do elemento subjetivo, adotando-se a teoria do risco integral, não havendo a possibilidade de se adotar fatos que excluiriam o dever de reparar o dano verificado ao meio ambiente, tendo em vista a sua importância – considerado por muitos um verdadeiro direito fundamental[4] – não podendo ficar mercê de que se alegasse alguma hipótese de exclusão de responsabilidade pelo Estado e restasse irreparado o meio ambiente por tal motivo, podendo o ente estatal figurar em ação de reparação civil pelo dano ambiental, ou outra medida judicial, seja pela caracterização da responsabilidade de forma direta (com a produção da lesão) ou indiretamente, por exemplo, quando concede autorização ambiental de maneira válida a um particular e no decorrer da atividade deste, se verifica o dano produzido, sendo nesse caso, de maneira solidária[5]. Como essa doutrina (do risco integral) adotada no Direito Ambiental não possibilita qualquer forma de exclusão de responsabilidade, o Ente Estatal deverá adotar todos os meios encontrados juridicamente para efetivar a proteção ambiental, assim como a sociedade deverá se tornar mais participativa, fiscalizando, se valendo de todos os instrumentos capazes de acionar o Poder Público diante de uma agressão estatal ambiental, pois, se formos analisar, quem na realidade responderá pela lesão ao meio ambiente será toda a coletividade, quando pagar os obrigatórios tributos.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Edson Camara de Drummond Alves Junior
Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Junior (FIVJ/MG) e Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Candido Mendes (UCAM/RJ). Advogado e Professor de Direito Civil da Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR/MG) e da Faculdade de São Lourenço (UNISEP)