Isenção tributária: a interpretação literal das isenções subjetivas e o princípio da dignidade da pessoa humana

Resumo: O presente trabalho tem por escopo discutir a aplicabilidade da regra do art.111 do CTN, segundo a qual as normas relativas a isenção devem ser interpretadas literalmente e, diante dessa previsão legal, muitas têm sido as situações em que o contribuinte tem ido ao poder judiciário questionar tal regra de hermenêuticas que, em alguns casos, notadamente nos casos de isenções subjetivas, têm gerado situações de flagrante inconstitucionalidade. O trabalho inicialmente aborda o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos para se afastar a aplicação literal do art 111, analisando o seu conceito, a sua abrangência e sua natureza jurídica de princípio-norma constitucional ao qual devem observância às demais normas infraconstitucionais, inclusive, as tributárias, para depois descer a análise do instituto da isenção com foco nas regras de interpretação tributárias previstas no Código Tributário Nacional. Através de pesquisa bibliográfica, analisou-se à luz da doutrina tributária, bem com da jurisprudência dos tribunais superiores, a aplicação do art.111, nos casos de isenção subjetiva para se admitir a possibilidade de interpretação extensiva das normas que concedem isenção subjetiva, como forma de se coadunar o referido dispositivo tributário à Constituição Federal de nosso país.


Palavras-chave: Isenção. Interpretação. Dignidade da pessoa humana. isonomia


Abstract: This works aims to discuss the applicability of art. 111 of CTN that the rules on the exemption should be interpreted literally and, before that forecast legal, many have been situations where the taxpayer has ido to the judiciary questioning the rule of hermeneutics that, in some cases, notably in cases of exemptions subjective, have generated situations of flagrant unconstitutionality. The initial work deals with the principle of human dignity as one of the reasons for departing the literal application of art 111, analyzing the concept, its scope and its legal principle of constitutional rule-which must respect the other standards infraconstitutional. Even the tax to fall after the analysis of the Office of the exemption with a focus on the interpretation of tax rules under National Tax Code. Through literature search, examined in the light of the doctrine tax, and with the jurisprudence of the higher courts, application of art.111, where a subjective exemption to admit the possibility of broad interpretation of the rules which grant exemption subjective, as way to bring the device to tax the Federal Constitution of our country.


Key words: Exemption. Interpretation. Dignity of the human person. isonomy


Sumário: Introdução; 1 O princípio da dignidade da pessoa humana: individualismo, transpersonalismo e personalismo; 1.1 A igualdade entre os homens; 1.2 A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana; 2 Hermenêutica moderna e princípios constitucionais; 3 A Hermenêutica Tributária: os critérios do CTN; 4 A Isenção Tributária e o art. 111 do CTN; 4.1 A Interpretação Literal da isenção Tributária; Conclusão; Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO  


O presente artigo tem por objetivo aprofundar o estudo do tema isenção tributária, abordando o método de interpretação tributária previsto no CTN para esse tipo de causa de exclusão do crédito tributário.


 O preceito contido no art. 111 do CTN apesar de parecer não comportar muitas discussões no âmbito da legislação tributária, se analisado à luz da Constituição Federal, notadamente dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, poderá revelar algumas possibilidades de relativização, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.


A interpretação conforme a Constituição se constitui, portanto, num mecanismo de controle, eis que sua principal função é assegurar um razoável grau de constitucionalidade das normas no exercício de interpretação das leis.


E, nesse caso, tem-se a lei em sentido amplo, situação em que podemos encaixar a legislação tributária como um todo.


O que se propõe discutir nesse trabalho é o grau de aplicabilidade do art.111 do CTN que determina que as isenções em matéria tributária devam ser interpretadas literalmente, ou seja, veda-se a possibilidade de concessão dessa causa de exclusão do crédito tributário por analogia ou interpretação extensiva.


Durante muito tempo, os nossos tribunais aplicaram esta regra de forma absoluta, não acatando pleitos judiciais em que se buscavam a extensão de determinadas isenções a casos semelhantes ou ainda que inteiramente iguais, do ponto de vista ontológico e, por vezes, até científicos, notadamente, nos casos em que a isenção era concedida a determinadas pessoas ou indivíduos portadores de necessidades especiais ou de determinadas moléstias graves ou doenças incuráveis, em virtude das quais se concediam isenções tributárias para a aquisição de determinados bens e serviços, a exemplo do IPVA e do ICMS quando da aquisição de um veículo automotor, que se analisadas à luz do princípio da isonomia constitucional ou da dignidade da pessoa humana, estariam a autorizar a extensão dos efeitos daquela isenção a um caso semelhante ou análogo, relativizando-se, portanto, a regra insculpida no art.111 do CTN em comento.


Entretanto, interpretar conforme a Constituição não significa alterar o conteúdo da lei. Até mesmo porque, se assim fosse, tratar-se-ia de uma intervenção extremamente drástica na esfera de competência do legislador – mais drástica do que a própria declaração de nulidade dessa mesma lei.


 Assim sendo, como e quais seriam os balizamentos para, à luz do caso concreto, estender-se uma isenção tributária em casos como o acima narrado, não se aplicando o art.111 do CTN, sob pena de se ferir de morte o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana, então aplicáveis a todo o ordenamento jurídico, inclusive o tributário.


É a isso que se propõe, portanto, o presente artigo, que parte da análise do conteúdo histórico do princípio da dignidade da pessoa humana para se debruçar sobre o estudo da interpretação das isenções tributárias, tudo à luz da nossa Constituição Federal.


1. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: INDIVIDUALISMO, TRANSPERSONALISMO E PERSONALISMO.


Assente é, na moderna doutrina constitucional, que a Constituição é uma norma jurídica e não uma norma qualquer, mas a primeira entre todas, lex superior, que, em virtude de sua supremacia, erige-se como parâmetro de validade e, por conseguinte, de eficácia, das demais normas jurídicas do sistema, inexistindo, portanto, como já asseverava Rui Barbosa, cláusulas ociosas, com mero valor de conselhos, avisos ou lições.


A Constituição Federal, portanto, é, antes de mais nada, uma norma, e como tal vincula e obriga a todos que estão abaixo dela, inclusive todo o ordenamento jurídico que lhe subjaz.


Nesse sentido, o princípio da dignidade humana, então previsto expressamente em nossa Constituição Federal, é por ela erigido a condição de princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art.1º, III, CF/88). Assim sendo, deve servir de base para a construção da sociedade brasileira e para a elaboração e interpretação das normas criadas para esse fim.


 Utilizando-se da terminologia empregada por Miguel Reale, constatamos, historicamente, a existência de, basicamente, três concepções da dignidade da pessoa humana: individualismo, transpersonalismo e personalismo.


 Caracteriza-se o individualismo pelo entendimento de que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo.


Tal juízo da dignidade da pessoa humana, por demais limitado, característico do liberalismo ou do “individualismo-burguês, compreende um modo de entender-se os direitos fundamentais.


Estes serão, antes de tudo, direitos inatos e anteriores ao Estado, e impostos como limites à atividade estatal, que deve, pois, se abster, o quanto possível, de se intrometer na vida social. São direitos contra o Estado. Denominam-se-lhes, por isso, direitos de autonomia e direitos de defesa.


Redunda, ainda, como advertem Reale e Canotilho, num balizamento da compreensão e interpretação do Direito e, a fortiori, da Constituição. Assim, interpretar-se-á a lei com o fim de salvaguardar a autonomia do indivíduo, preservando-o das interferências do Poder Público. Ademais, num conflito indivíduo versus Estado, privilegia-se aquele.


 Já com o transpersonalismo, temos o contrário: é realizando o bem coletivo, o bem do todo, que se salvaguardam os interesses individuais; inexistindo harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo, devem preponderar, sempre, os valores coletivos. Nega-se, portanto, a pessoa humana como valor supremo. Enfim, a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo.


 Consectárias desta corrente serão as concepções socialista ou coletivista, do qual a mais representativa será, sem dúvida, a marxista. Com efeito, para Marx, os direitos do homem apregoados pelo liberalismo não ultrapassam “o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade”. Distinguindo os direitos dos homens dos direitos do cidadão, aqueles nada mais são que os direitos do homem separado do homem e da comunidade.


Conseqüência lógica será uma tendência na interpretação do Direito que limita a liberdade em favor da igualdade, que tende a identificar os interesses individuais com os da sociedade, que privilegia estes em detrimento daqueles.


 A terceira corrente, que ora se denomina personalismo, rejeita quer a concepção individualista, quer a coletivista; nega seja a existência da harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade, resultando, como vimos, numa preponderância do indivíduo sobre a sociedade, seja a subordinação daquele aos interesses da coletividade.


Marcante nesta teoria, em que se busca, principalmente, a compatibilização, a interrelação entre os valores individuais e valores coletivos, é a distinção entre indivíduo e a pessoa. Se ali, exalta-se o individualismo, o homem abstrato, típico do liberalismo-burguês, aqui, destaca-se que ele não é apenas uma parte. Como uma pedra-de-edifício no todo, ele é, não obstante, uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo – o que uma unidade coletiva jamais pode ser.


Em conseqüência, não há que se falar, aprioristicamente, num predomínio do indivíduo ou no predomínio do todo. A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias; solução que pode ser a compatibilização entre os mencionados valores, fruto de uma ponderação na qual se avaliará o que toca ao indivíduo e o que cabe ao todo, mas que pode, igualmente, ser a preeminência de um ou de outro valor.


Porém, se se defende, como Lacambra, que “não há no mundo valor que supere ao da pessoa humana”, a primazia pelo valor coletivo não pode, nunca, sacrificar, ferir o valor da pessoa, seja no âmbito privatístico ou público, a exemplo do administrativo e do tributário. A pessoa é, assim, um minimun, ao qual o Estado, ou qualquer outra norma, valor ou instituição não pode ultrapassar.


Neste sentido, defende-se que a pessoa humana, enquanto valor, e o princípio correspondente, de que aqui se trata, é absoluto, e há de prevalecer, sempre, sobre qualquer outro valor ou princípio.


Parece evidente que esta última postura se revela tão perigosa quanto o transpersonalismo que sobrepõe o coletivo ao individual. Em verdade, não há coletivo sem individual e este individual deve ser respeitado pelas normas em vigor, tanto quanto o coletivo deve por estas mesmas normas ser protegido, porém, o grande balizamento para esse equilíbrio deverá ser a proporcionalidade e a ponderação dos interesses constitucionais.


Mesmo tratando o Direito Tributário do que é coletivo, não se pode olvidar em alguns casos a prevalência do indivíduo, sobretudo, nos casos em que se onera sobremaneira o indivíduo para garantir arrecadação em casos em que a atividade exacionista se sobrepõe à razoabilidade da aplicação das normas, por se perder entre normas frias que precisam ser interpretadas à luz da Constituição Federal e dos valores, portanto, que ela apregoa, a exemplo da dignidade da pessoa humana.


1.1 A igualdade entre os homens


A consagração da dignidade da pessoa humana, como visto, implica em considerar-se o homem, com exclusão dos demais seres, como o centro do universo jurídico. Esse reconhecimento, que não se dirige a determinados indivíduos, abrange todos os seres humanos e cada um destes individualmente considerados, de sorte que a projeção dos efeitos irradiados pela ordem jurídica não há de se manifestar, a princípio, de modo diverso ante a duas pessoas.


Daí seguem-se duas importantes conseqüências. De logo, a de que a igualdade entre os homens representa obrigação imposta aos poderes públicos, tanto no que concerne à elaboração da regra de direito (igualdade na lei) quanto em relação à sua aplicação (igualdade perante a lei). Necessária, porém, a advertência de que o reclamo de tratamento isonômico não exclui a possibilidade de discriminação, mas sim a de que esta se processe de maneira injustificada e desarrazoada. Assim bem explanou CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, em excelente monografia[1] corroborado pelos ensinamentos de CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA[2].


Em segundo lugar, emerge a consideração da pessoa humana como um conceito dotado de universalidade. Inviável, portanto, qualquer distinção de direitos entre os nacionais e estrangeiros, salvo quanto àqueles vinculados ao exercício da cidadania.


Assim é que deve ser entendido o caput do art. 5º da Lei Maior, de maneira que a titularidade dos direitos que enuncia se volte a todos aqueles que se encontrem vinculados à ordem jurídica brasileira, deles não se podendo privar o estrangeiro só pelo fato de não residir em solo pátrio. Seria, verbi gratia, inadmissível o não conhecimento pela jurisdição de habeas corpus, impetrado em favor de alienígena que esteja de passagem pelo território nacional, em virtude de neste não manter residência.


Sem razão JOSÉ AFONSO DA SILVA[3] quando propõe que a limitação dos destinatários dos direitos individuais pelo Constituinte de 1988, a exemplo das cláusulas constantes nas constituições pretéritas, há de acarretar conseqüências normativas. Melhor se nos afigura a postura assumida por PONTES DE MIRANDA,[4] ainda quando vigente o art. 153, caput, da Constituição de 1969, e, nos dias atuais, por CELSO RIBEIRO BASTOS[5] e NAGIB SLAIBI FILHO[6].


Mas essa universalidade não deve ser entendida apenas no seu aspecto subjetivo, ou seja, no tocante ao alcance de todos os indivíduos pela simples condição de serem seres humanos, mas também numa dimensão objetiva no sentido de que possam ser opostos também universalmente aos institutos normativos que, eventualmente, possam ser criados ou interpretados em descompasso com a garantia do respeito à dignidade da pessoa humana, a exemplo, inclusive, de algumas normas e regras de interpretação da norma tributária, como a prevista no art.111 do CTN que preceitua a interpretação literal das normas de isenção, o que, à luz do caso concreto, sobretudo, em se tratando de uma isenção subjetiva, poderá revelar uma situação de tratamento não isonômico e, portanto, em descompasso com a dignidade da pessoa humana. Num privilégio excessivo da norma em face de um valor maior que é a própria pessoa, melhor dizendo, a sua dignidade enquanto pessoa humana.


1.2 A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana


No plano jurídico, a valorização da noção da dignidade humana está intimamente ligada aos movimentos constitucionalistas modernos, sobretudo, ao constitucionalismo francês e ao americano.


Embora ao longo da história sejam encontradas algumas manifestações axiológico-constitucionais destinadas à finalidade de organização da estrutura do poder e algumas até de defesa da liberdade individual, o constitucionalismo somente se avulta significativamente com o advento das Cartas da segunda metade do século XVIII, sob influência das Revoluções Burguesas, do Contratualismo e do Iluminismo .


A constituição moderna, de caráter nitidamente liberal, surgiu com a finalidade de declarar direitos, de fundamentar a organização do governo e de limitar o poder político, limitação essa que era o maior anseio dos mentores burgueses setecentistas.


Parece evidente, nesse sentido, que na grande maioria dos países em que o movimento constitucionalista eclodiu como uma forma de proteção dos direitos e garantias fundamentais, o tema tributação sempre foi um dos motes mais fortes dentro das revoluções constituicionais.


Nessa senda protetiva, o valor moral da dignidade da pessoa humana foi consagrado como valor constitucional na Declaração de Direitos de Virgínia, que precedeu a Constituição americana de 1787, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que resultou da Revolução Francesa. Neste aspecto, ambos os documentos se fundamentavam nas doutrinas de LOCKE, MONTESQUIEU e ROUSSEAU influenciadas pela noção humanista de reserva da integridade e da potencialidade do indivíduo .


Com o passar do tempo, a figura da Constituição, nas suas principais aparições, preservou o provimento à dignidade humana e englobou gradativamente outros valores e outros desideratos mais amplos do que aqueles iniciais, assumindo a função de garantia dos interesses sociais e de limitação do poder econômico até adquirir, nos tempos atuais, um caráter programático e democrático voltado para a concretização dos valores por ela enunciados.


Apesar de ser possível sua dedução dos textos constitucionais mais antigos que tutelavam as liberdades fundamentais, a expressa positivação do ideal da dignidade da pessoa humana é bastante recente. Com algumas exceções, somente após sua consagração na Declaração Universal da ONU de 1948 é que o princípio foi expressamente reconhecido na maioria das Constituições .


Ressalte-se que, embora inegável a importância do reconhecimento expresso do princípio para a afirmação do ideal, esse recente movimento de sua positivação na ordem constitucional não é pioneiro na criação da obrigatoriedade da proteção da dignidade, já que essa necessidade já era patente, mesmo que implicitamente, nos movimentos anteriores, notadamente a partir daquele constitucionalismo do século XVIII.


No Brasil, país cuja trajetória constitucional foi bastante conturbada e cuja realidade política esteve sempre sob o jugo de períodos ditatoriais poucas vezes atenuados, o ideal de proteção da dignidade da pessoa humana somente foi reconhecido formalmente na ordem positiva com a promulgação da Constituição de 1988.


O advento da nossa Constituição foi louvável tanto em razão de seus nobres objetivos quanto por sua natureza compromissória e sincrética de inspiração democrática. O texto constitucional consagrou o valor da dignidade da pessoa humana como princípio máximo e o elevou, de maneira inconteste, à uma categoria superlativa em nosso ordenamento, na qualidade de norma jurídica fundamental.


2. HERMENÊUTICA MODERNA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS


Em Robert Alexy (2007), a teoria dos princípios — e a distinção entre princípios e regras — constitui o marco de uma teoria normativa-material dos direitos fundamentais e, com ela, o ponto de partida para responder à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito destes direitos. E será, por conseguinte, a base da fundamentação jusfundamental e a chave para a solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais.


Assim, sem uma perfeita compreensão desta distinção, própria da estrutura das normas de direito fundamental, é impossível formular-se uma teoria adequada dos limites dos direitos fundamentais, quanto à colisão entre estes e uma teoria suficiente acerta do papel que eles desempenham no sistema jurídico.


Para Robert Alexy (op.cit; 2007) , o ponto decisivo para distinção entre regras e princípios é que estes são mandados de otimização, isto é, são normas que ordenam algo que deve ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento depende não somente das possibilidades reais mas também das jurídicas.


Por sua vez, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então, há de fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Elas contêm, pois, determinações, no âmbito do fática e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa, e não apenas de grau.


Onde, porém, a distinção entre regras e princípios se mostra mais claramente se dá nas colisões de princípios e no conflitos de regras. Embora apresentem um aspecto em comum — o fato de duas normas, aplicadas independentemente, conduzem a resultados incompatíveis — diferenciam-se, fundamentalmente, na forma como se soluciona o conflito.


Assim, os conflitos de regras se resolvem na dimensão de validez. Ou seja, somente podem ser solucionados introduzindo-se uma regra de exceção, debilitando o seu caráter definitivo, ou declarando-se inválida, pelo menos, uma das regras. Com efeito, uma norma vale ou não vale juridicamente. E se ela vale e é aplicável a um caso, significa que vale também sua conseqüência jurídica.


Daí que o conflito entre duas regras há de ser solucionado por outras regras, como “lex posterior derogat legi priori” e “lex specialis derogat legi generali”.


De sua banda, a colisão de princípios se resolve na dimensão de peso, tal como o expressa Ronald Dworkin (2006). Quando dois princípios entram em colisão — por exemplo, se um diz que algo é proibido e outro, que é permitido —, um dos dois tem que ceder frente ao outro, porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro. O que não implica que o princípio desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se dá apenas entre princípios válidos.


Quanto à sua natureza, as normas jurídicas possuem as características de coercitividade e de imperatividade, características essas que as diferenciam das normas não-jurídicas (como as normas de ordem moral – meramente sugestivas).


Os princípios de direito, e notadamente os princípios constitucionais, são equiparados a normas jurídicas no tocante a essas características de coercitividade e de imperatividade. Por isso, não são meros ditames de obediência contingente ou facultativa, mas sim normas jurídicas de aspecto principiológico e dotadas de poder vinculante.


As normas constitucionais (regras e princípios) compartilham desse poder vinculante e dessa característica de imperatividade de que são dotadas as normas jurídicas “latu sensu” .


E mais; em âmbito constitucional, essa coercitividade se expressa num grau ainda mais contundente do que nas outras normas jurídicas, já que as regras e os princípios constitucionais, mais que meras normas jurídicas, são normas jurídicas de hierarquia superlativa, submetendo todo o conjunto normativo inferior às suas disposições expressas e aos desígnios dos valores consagrados em seu bojo, mesmo que implícitos.


Ademais, essa submissão perante às normas constitucionais, mesmo que programáticas, não vincula somente o ordenamento normativo enquanto sistema teórico, mas – mais que isso – vincula todos seus efeitos práticos , na medida do alcance dos efeitos do Direito na realidade, e como esse alcance deve ser máximo, os efeitos das normas constitucionais tornam-se, necessariamente, bastante amplos.


Encontra-se aqui a base teórica para a construção do raciocínio de que mesmo as normas tributárias que estão relacionadas à coletividade, pela arrecadação tributária e sua reversão para as demandas públicas fundamentais de saúde, educação, segurança et alli, estão amplamente subordinadas aos consectários constitucionais fundamentais, a exemplo da dignidade da pessoa humana, não podendo uma norma tributária, sob o argumento de garantir a arrecadação, infringir tal preceito seja na sua criação ou na sua interpretação e conseguinte aplicação.


Logo, a partir dessa constatação, é possível se verificar a necessária abrangência dos efeitos das regras e princípios constitucionais que se projetam em toda realidade, inclusive além dos âmbitos estritamente normativos ou jurídicos, como, por exemplo, na atividade econômica e na atividade política “latu sensu” (processo legislativo, atividades de governo, efetivação de políticas públicas etc).


E é nos casos práticos que a afirmação do caráter dirigente da Constituição revela sua importância e seu significado mais salientes, na medida que todo o desenvolvimento da sociedade passa a ser submetido aos valores de ordem constitucional.


Assim, uma das conseqüências práticas desse reconhecimento é que diretrizes como, por exemplo, a proteção da dignidade humana deixam de ser meras sugestões filosófico-axiológicas para se tornarem imperativos fáticos em toda amplitude do Direito projetado na sociedade.


Se, no âmbito dos princípios os problemas de aparente incompatibilidade podem ser resolvidos pela razoabilidade, o que se pode dizer quando ocorrer um conflito entre uma norma e um princípio constitucional. Notadamente, entre uma norma-princípio criadora e norteadora doutras normas como o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a legislação tributária, notadamente o CTN, o seu art.111, parece que a solução deverá ser de interpretar a referida legislação conforme a constituição adequando, no caso concreto, o rigor da norma tributária aos ditames constitucionais.


3. A HERMENÊUTICA TRIBUTÁRIA: OS CRITÉRIOS DO CTN


O CTN consagra o Capítulo IV do Título I de seu Livro Segundo ao assunto “Interpretação e Integração da Legislação Tributária”. Seus dispositivos, todavia, não esgotam nem pretendem esgotar (o que seria impossível) o assunto. Em verdade, conquanto o art. 107 do Código afirme que “a legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo”, o CTN inteiro somente traz umas poucas regras específicas de interpretação, tratando de forma completa apenas da denominada “integração da legislação tributária”.


A interpretação jurídica é um dos objetos da ciência conhecida como hermenêutica. Podemos definir hermenêutica jurídica como a ciência que tem por objeto o estudo da sistematização dos processos lógicos de interpretação, integração e aplicação do Direito.


Busca, portanto, apurar o verdadeiro sentido e o alcance dos textos legais a fim de possibilitar sua correta aplicação.


Todas as leis, sem exceção alguma, necessitam de interpretação. É considerada absolutamente ultrapassada a idéia medieval de que somente as normas jurídicas obscuras ou duvidosas poderiam ser objeto de interpretação. Consubstanciava-se essa tese no brocardo “in claris cessat interpretatio”, que pode ser traduzido como “disposições claras não comportam interpretação”, repita-se, há muito superada.


Estamos no patamar da interpretação infraconstitucional. A diferença entre interpretação e integração, está em que na interpretação o intérprete visa estabelecer premissas para o processo de aplicação da norma com recursos na argumentação retórica dentro do sentido possível do texto. Na integração o operador do direito se vale de argumento de ordem lógica, como a analogia o argumento a contrário, bem como os previstos no art. 108 do CTN, sob uma perspectiva que está fora da possibilidade expressiva do texto da norma.


Para Ricardo Lobo Torres( 2006) a própria afirmativa da existência de lacuna ou do espaço ajurídico e da possibilidade do emprego da analogia ou do argumento a contrário constitui um problema de interpretação. Para ele o CTN trouxe mais problemas do que soluções ao tentar distinguir a interpretação da integração.


Nem toda ausência de disposição expressa justifica a aplicação dos métodos de integração previstos no art. 108, se a questão for irrelevante, a carência de regulamentação será mero espaço ajurídico, insuscetível de preenchimento, porém, se a lacuna caracterizar-se como uma incompletude insatisfatória do direito, uma vez que contrária a relevantes valores jurídicos, aí assim serão aplicados os métodos de integração previstos no art. 108 do CTN. A saber:


Art. 108- I – ANALOGIA – Aplica-se ao caso emergente, para o qual não existe previsão legal, a norma estabelecida para hipótese semelhante.


Art. 108, IV – EQÜIDADE – Aristóteles tratou da eqüidade como correção em sua Ética a Nicômaco. O eqüitativo e o justo têm a mesma natureza. A diferença está em que o eqüitativo é o justo que extrapola ao justo legal, visa a colmatação dos casos singulares não previstos em lei cuja falta ou ausência decorre da própria natureza das coisas. Para Ricardo Lobo Torres (2006) a remissão prevista no art. 172, IV do CTN deveria estar vinculada à integração por eqüidade prevista no inciso IV do art. 108 do CTN.


Art. 108, § 1º – PROIBIÇÃO DE ANALOGIA GRAVOSA – A proibição da analogia gravosa é decorrência direta do princípio da legalidade tributária, art. 150, I da CF. Muito já se disse que esta proibição de analogia guarda similitude com o Direito Penal (nullum crimen sine lege), porém enquanto o Direito Penal procura inibir certas condutas, o Direito Tributário se interessa pela realização do fato gerador.


Analogia e normas antielisivas – O exagero na investigação do abuso de forma jurídica e na declaração de ilicitude da elisão podem mascarar o raciocínio analógico. Ate mesmo a interpretação teleológica e a pesquisa do conteúdo econômico dos fatos podem escamotear o emprego de analogia. Ver. art. 116, parágrafo único CTN, que na verdade não consagra o uso de analogia, porquanto tem como referencial o fato gerador ocorrido e previsto em lei, não podendo ser aplicado por extensão analógica a outro fato não previsto em lei.


Art. 108, § 2º – PROIBIÇÃO DE EQÜIDADE – O parágrafo em questão há que dialogar (revela uma antinomia) com o art. 172, IV que prevê a remissão de crédito tributário por consideração de eqüidade, caso típico segundo Ricardo Lobo Torres, de correção por eqüidade.


Art. 109 CTN – A questão da autonomia do Direito Tributário é ponto decisivo dos debates em torno deste artigo. Porém, o direito é uno, nenhum ramo do direito é inteiramente autônomo, podendo apenas assumir certas peculiaridades próprias das relações jurídicas de cada ramo.


Para Sacha Calmon Navarro Coêlho (2006) este artigo visa reprimir o abuso de formas, permitindo ao legislador (somente ao legislador!), por exemplo, equiparar a contrato de locação, para fins de imposto de renda (em que o aluguel é tributado), um contrato de comodato (cessão de uso gratuita), salvo se entre parentes. O artigo quer evitar os chamados “negócios jurídicos indiretos”, para que o particular não evite a tributação dizendo “comodato” onde existe na verdade uma locação. O legislador fiscal não deforma o conteúdo e o alcance dos institutos conceitos e formas de direito privado, apenas que lhes atribui efeitos fiscais.


Sacha Calmon (2006) defende que mesmo nos dispositivos contra-elisivos (art. 116, parágrafo único) ou contra-evasivos (art. 149, VII e 150, § 4º), deve-se permitir ao contribuinte a defesa para que possa provar que os seus objetivos são legais e fidedignos. Ex: segundo ele não pode haver uma presunção de que o comodato é um contrato inoponível à receita federal pois que visa ocultar a percepção de alugueres (renda tributável).


O direito tributário importa o instituto com a conformação que lhe dá o direito privado, sucessão causa mortis, compra e venda, locação, fusão de sociedades são conceitos postos no direito privado, porém, por exemplo no direito privado o contrato faz lei entre as partes e já no direito tributário as convenções particulares são inoponíveis ao fisco (art. 123 CTN), ou seja, os efeitos tributários do instituto de direito privado (contrato) são distintos de acordo com o ramo do direito a ser aplicado.


Para Luciano Amaro, o silêncio da lei tributária significa que o instituto foi importado pelo direito tributário sem qualquer ressalva. Se o direito tributário quiser determinar alguma modificação nos efeitos tributários há que ser feita de modo expresso.


Art. 110 CTN – Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho, o artigo veda que o legislador infraconstitucional possa alterar conceitos e institutos de direito privado, com o fito de expandir a sua competência tributária prevista no Texto Constitucional. O objetivo é preservar a rigidez do sistema na repartição das competências tributárias aos entes da federação.


Segundo Luciano Amaro (2007) é preceito dirigido ao legislador e não ao intérprete jurídico. É matéria tipicamente de definição de competência tributária. Explicita que o legislador não pode expandir o campo de competência tributária que lhe foi atribuído, mediante o artifício de ampliar a definição, o conteúdo ou o alcance de institutos de direito privado.


Art. 112 CTN – Para Sacha Calmon Navarro Coêlho (2006) este artigo possui uma redação de inspiração juspenalista porquanto consagra o in dubio pro contribuinte (interpretação benigna) na aplicação das matérias atinentes à infrações e penalidades. Ele defende a tese de que este artigo não é antinômico com o art. 136 que trata da objetividade do ilícito tributário, é que lá cuida-se da capitulação do ilícito, e aqui da sua interpretação no julgamento pelos órgãos administrativos e judiciais, onde fica patente a necessidade da pesquisa do elemento subjetivo.


Eis o panorama da interpretação tributária no Brasil.


4. A ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E O ART.111 DO CTN


Com escopo de situar no tempo a temática da isenção e da imunidade tributárias, vamos identificar uma doutrina tradicional – que chamaremos de doutrina clássica –, a qual parece ter influenciado de maneira decisiva a feitura do Código Tributário Nacional – CTN (lei 5.172/66). Possivelmente, o seu maior nome é o saudoso professor Rubens Gomes de Souza.


Definia o referido professor (2000; p.180) a incidência tributária como sendo “a situação em que o tributo é devido por ter ocorrido o fato gerador” . Noutro giro, entendia a não-incidência como justamente o oposto da incidência, vale dizer, ausência do surgimento da relação jurídico-tributária em face da não ocorrência do respectivo fato gerador. Para ele, isenção significa o favor fiscal, instituído em lei, consistente na dispensa do pagamento do tributo devido. Portanto, na sua percepção, a dinâmica do fenômeno isentivo seria: ocorrência do fato gerador, incidência tributária, nascimento da obrigação e dispensa do pagamento do tributo devido. Está-se a ver que, numa linha de pensamento dessa natureza, a isenção é tida como instituto totalmente diverso da não-incidência tributária.


Assim é que aludido pensamento fez escola, a ponto de o legislador do CTN adotar como epígrafe do “capítulo V” a expressão “exclusão do crédito tributário” e proclamar no seu art. 175 que a isenção exclui, ao lado da anistia, o crédito tributário.


Rubens Gomes de Souza (2000) divide as isenções em subjetivas (aquelas que levam em linha de conta a pessoa do sujeito passivo) e objetivas (deferidas em atenção à natureza do ato, fato ou negócio sujeito ao tributo). Sendo tal distinção de grande importância para a discussão do tema proposto, pois é com base nessa diferença que se estabelecerá um dos parâmetros para se fugir a gramática do art.111 do CTN que prevê a interpretação literal das normas sobre concessão de isenção tributária.


Com a publicação do livro “Isenções Tributárias”, de autoria do Professor Souto Maior Borges que a teoria tradicional sofrerá o abalo definitivo. A primeira grande contribuição de Souto é a tentativa de conceituação correta da isenção e da imunidade. Afastando a idéia de que tais institutos consistem em limitação da competência tributária, esclarece que “a competência tributária consiste, pois, numa autorização e limitação constitucional para o exercício do poder tributário.”. “A imunidade é um princípio constitucional de exclusão da competência tributária”


Segundo leciona, a isenção deve ser percebida na sua feição mais geral de não-incidência. Assim, busca evidenciar duas espécies de não-incidência: a pura e simples (“a que se refere a fatos inteiramente estranhos à regra jurídica de tributação, a circunstâncias que se colocam fora da competência do ente tributante” e a qualificada (“divida em duas subespécies: a) não-incidência por determinação constitucional ou imunidade tributária; b) não-incidência decorrente de lei ordinária – a regra jurídica de isenção” ).


Partindo da constatação de que a ausência da menção de fatos ou conjuntos de fatos na tessitura da hipótese de incidência da regra tributária impede o nascimento da obrigação tributária, rechaça a tese tradicional da isenção como dispensa legal do pagamento do tributo devido. Noutro giro, também opõe sérias objeções a tal doutrina, afirmando que, a tese da dispensa legal do pagamento, supõe um a posteriori lógico e cronológico do incidir da norma isentiva, o que configura evidente contra-senso, pois se a norma exonerativa estivesse em contradição com a tributante, a solução plausível seria a exclusão de ambas do mundo jurídico, em virtude do princípio jurídico da contradição, vale dizer, normas conflitantes se excluem mutuamente.


Por derradeiro, vejamos o pensamento de Sacha Calmon (2006) acerca do tema. De logo, avulta ressaltar que o douto professor acolhe as críticas que são desferidas contra a doutrina clássica. A distância que o separa das formulações de Souto Borges e Paulo de Barros Carvalho residente precisamente na circunstância de que o mesmo nega a existência de uma norma jurídica isencional.


Sacha Calmon (op.cit.) observa, inicialmente, que, na composição da hipótese de incidência de qualquer norma jurídica, entram várias leis ou artigos de leis. Aduzindo, em seguida, que “a norma jurídica surge da proposição da ciência que descreve o direito, sob a forma de juízo hipotético (…) desvendando a lei que é a “fórmula legislativa literal” através da qual, por um ato de vontade, o direito é posto, vige e vale.”


Fundado nesses pressupostos, conclui que os casos de isenção, tanto quanto os de imunidades, não constituem norma jurídica autônoma, mas tão-só integram o desenho da hipótese de incidência tributária, ou seja, delimitam o âmbito de incidência da norma, gizando os lindes dos fatos que sofrerão a incidência da norma tributante.


Assim sendo, a competência tributária deve ser compreendida como o conjunto de faculdades legislativas e proibições atribuídas constitucionalmente ao ente tributante, donde constitui equívoco pretender que a imunidade erige-se em limitação daquela competência, é limitação do poder de tributar, não da competência tributária, esta é apenas parcela de poder tributante que o ente possui e que decorre das limitações introduzidas a nível constitucional.


Haja vista que as isenções heterônomas são medidas excepcionais no sistema da Constituição vigente, a isenção, de regra, poderá ser concebida como autolimitação da competência tributária.


A não-incidência pura e simples representa o conjunto de fatos que são, por natureza, totalmente incompatíveis com o fato gerador do tributo, enquanto as situações de não-incidência qualificada (imunidade e isenção) abarcam fatos que, não fosse previsão normativa expressa na Constituição ou na lei, conforme o caso, integrariam o suporte fático da norma tributante, vale dizer, a isenção e a imunidade colhem fatos que estariam naturalmente abrangido pela tributação, em face da compatibilidade que guardam com os fatos tributáveis.


Sendo caso de não-incidência, a isenção obsta o surgimento do liame obrigacional, razão pela não se opera qualquer exclusão do crédito do crédito tributário, assim é de se catologar à conta de impropriedade vocabular do legislador o insculpido no art. 175 do CTN. Arremata, nesse sentido, o Prof. Leandro Paulsen (2007:1229) “A isenção exclui o crédito tributário, nos termos do art.175, caput. Ou seja, surge a obrigação, mas o respectivo crédito não será exigível; logo, o cumprimento da obrigação resta dispensado.”


O notável professor Paulsen (2007:1130) complementa aduzindo que:


“A isenção decorre, sempre, de lei que regule exclusivamente a matéria ou o correspondente tributo, conforme exigência expressa do art. 150, §6º, da Constituição Federal. A não-incidência, por sua vez, decorre da simples ausência de subsunção do fato em análise à norma tributária impositiva e, por isso, independe de previsão legal, o que, aliás, seria impertinente.”


Entendemos, portanto, que a formulação mais completa é a do professor Sacha Calmon, pois a isenção e a imunidade entendem com a delimitação do campo de incidência da norma tributária. Demais, o sobredito mestre, fundamenta sua construção teórica em estrita consonância com as categorias colhidas ao nível da Teoria Geral do Direito. Aliás, tanto o modelo proposto por Souto Borges quanto por Paulo de Barros Carvalho têm por conseqüência limitar o âmbito de incidência da regra jurídica tributante.


4.1 A interpretação literal da isenção tributária


Assim preceitua o art. 111 do CTN, abaixo transcrito:


Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – outorga de isenção;
III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias
.” (grifos nossos)


Para Sacha Calmon Navarro Coêlho (2006) interpretação literal não é interpretação mesquinha ou meramente gramatical, mas, sim, interpretação estrita sem utilização de interpretação extensiva. As exceções devem ser compreendidas com extrema rigidez.


O elemento literal é absolutamente insuficiente, já o afirmamos. A regra do art. 111 há de ser entendida, consoante ensina Hugo de Brito Machado (2008) , no sentido de que as normas reguladoras das matérias ali mencionadas não comportam interpretação ampliativa nem integração por eqüidade. Sendo possível mais de uma interpretação, razoáveis e ajustadas aos elementos sistemático e teleológico, deve prevalecer aquela que mais se aproximar do elemento literal.


Para Ricardo Lobo Torres (2007) a interpretação literal é um limite para atividade do intérprete, ou seja, tendo por início o texto do direito positivo o intérprete encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão lingüísitica. Ir além do sentido possível das palavras da lei, é adentrar o intérprete no campo da integração e da complementação do direito.


O que o CTN está no art. 111, é impedindo o uso de analogia e eqüidade ao prescrever a interpretação literal para as isenções, homenageando assim o princípio da legalidade. Ricardo Lobo Torres, porém, admite que a interpretação literal é vista pela doutrina com o sentido de uma interpretação restritiva.


Nos termos do CTN, a interpretação da legislação tributária – interpretação em sentido estrito – pressupõe existência de norma aplicável ao caso. Parece ridícula essa afirmativa, mas enfatiza-se que, se a hipótese com que se depare o aplicador do Direito for de constatação de uma lacuna, ou seja, de situações que realmente não foram previstas (explícita ou implicitamente) pelo legislador, não podendo ser abrangidas por simples interpretação extensiva, o caso há de ser solucionado por meio da “integração da legislação tributária”, tratada no art. 108 do CTN, conforme já visto no Capítulo 3 do presente trabalho monográfico.


O Capítulo IV do Título I do Livro Segundo do CTN somente faz alusão a duas regras específicas de interpretação. O art. 118 do Código, não integrante deste trabalho, alude a uma outra (o princípio “pecunia non olet”). Logo, em todos os demais casos, não disciplinados no CTN, a interpretação da legislação tributária é feita pela utilização dos métodos ordinários de interpretação (sistemático, teleológico, histórico etc.), conforme se mostrem adequados à situação concreta, como é feita a interpretação de qualquer outra norma jurídica.


Em resumo, salvo disposição específica do CTN, todos os critérios de interpretação aplicáveis a quaisquer outros ramos do Direito são válidos para o Direito Tributário, na medida em que possam esclarecer o alcance e o conteúdo da lei.


Há muito abandonou-se a idéia de que a legislação tributária seria especial ou excepcional, pacificando-se a posição segundo a qual é ela Direito comum, como qualquer outro conjunto de normas jurídicas. Com isso, foram abandonadas presunções e posições apriorísticas defendidas no passado, como a que entendia odiosa a legislação tributária, pregando o brocardo “in dubio contra fiscum”, ou a posição oposta, que, por entender a legislação tributária como essencial aos interesses maiores da coletividade, apregoava a aplicação da interpretação “in dubio pro fiscum”. Todas essas posições são incompatíveis com o Estado de Direito, no qual a interpretação das normas jurídicas deve ser simplesmente “ex lege”, expressão última da vontade geral.


4.2 O princípio da dignidade da pessoa humana e a relativização da regra do art. 111 do CTN


Uma coisa é interpretar as outorgar de isenções de forma literal outra coisa é interpretar literalmente o próprio art.111 do CTN que traz essa regra. Como coadunar o referido artigo, portanto, como o princípio da dignidade da pessoa humana nos casos de isenções subjetivas.


A indagação exsurge dos diversos casos em que a norma que estatui a isenção subjetiva não consegue prever todas as situações em que se poderia entender como aplicável aquela isenção e, de repente, um indivíduo com uma doença incurável ou uma moléstia grave apercebe que não se enquadra na hipótese legal de isenção expressamente prevista, embora sua doença seja igual ou pior do que a do isento expressamente na norma tributária.


Assim sendo, como se deve interpretar as isenções tributárias de forma literal nos termos do referido art.111, se indivíduo deve ter a dignidade de sua pessoa humana preservada, sob pena de flagrante ofensa a uma norma constitucional, conforme preleciona Robert Alexy.


Determina esse dispositivo ainda que seja interpretada literalmente (método gramatical) a legislação tributária que disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário ou dispensa de obrigações acessórias (o inciso II menciona isenção somente para não permitir dúvidas que poderiam ser levantadas por aqueles que entendem, contrariamente ao texto do Código, não ser a isenção forma de exclusão do crédito tributário).


Esse artigo é bastante criticado pela doutrina por motivos óbvios. O método literal, incontroversamente, é de todo inadequado para, isoladamente, ser utilizado para uma completa interpretação jurídica. A proibição de utilização de outros métodos de interpretação, se tomada à risca, acarretaria, por exemplo, o absurdo de sequer poder o intérprete pesquisar a inserção da norma no ordenamento como um todo (método sistemático).


Assim, para levarmos o exemplo ao extremo, nem mesmo a constitucionalidade de uma lei que estabelecesse uma isenção poderia ser questionada, uma vez que o método gramatical aprisiona o intérprete ao mero significado das expressões constantes do corpo do instrumento normativo, isolado do restante do sistema.


Segundo um princípio geral de Direito, aplicável à hermenêutica, a interpretação de uma norma não pode levar a resultados notoriamente absurdos. Portanto, o que se deve entender desse art. 111, é que ele traz uma vedação à utilização da interpretação extensiva (e também da restritiva) para a legislação que excepciona as regras tributárias comuns. O surgimento da obrigação é a regra e sua dispensa ou postergação, a exceção. As normas exceptivas, por dispensarem, em algumas situações, obrigações que, não fossem elas, seriam exigíveis (como é o caso da anistia, da isenção, da moratória, da dispensa de obrigações acessórias), não comportam extensão a casos não expressamente previstos.


Ora, isso é, de fato, o que se deve entender da regra desse art. 111 do CTN: ela proíbe a interpretação extensiva e, também, embora esse aspecto seja menos explorado, a restritiva da legislação tributária que disponha acerca das matérias nele relacionadas. Nada mais.


Não se há de entender que a utilização de outros métodos de interpretação está proibida – mormente do método sistemático –, sob pena de conduzir o intérprete à adoção freqüente de soluções absurdas. Em poucas palavras, o art. 111 do CTN não pode ser interpretado literalmente. Sobretudo, em se tratando das famigeradas outorgas de isenções subjetivas, quando se tem por beneficiada uma pessoa física, cuja situação, embora não expressamente prevista na norma isencional, em nada se diferencia das situações descritas na norma tributária de isenção. É o caso clássico, por exemplo das doenças graves ou incuráveis.


Na jurisprudência do STJ encontram-se vários julgados nesses sentido, exempli gratia:


“ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. MOLÉSTIA GRAVE. CARDIOPATIA. ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 111, INCISO II, DO CTN. LEI N.4.506/64 (ART. 17, INCISO III). DECRETO N. 85.450/80. PRECEDENTES. 1. O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal da norma, não pode levar o aplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico, os quais integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas. 2. O STJ firmou o entendimento de que a cardiopatia grave, nos termos do art. 17, inciso III, da Lei n. 4.506/64, importa na exclusão dos proventos de aposentadoria da tributação pelo Imposto de Renda, mesmo que a moléstia tenha sido contraída depois do ato de aposentadoria por tempo de serviço. 3. Recurso especial conhecido e não-provido. (REsp 192.531/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17.02.2005, DJ 16.05.2005 p. 275)


E mais,


“RECURSO ESPECIAL – ALÍNEA “A” – MANDADO DE SEGURANÇA – IPI – AQUISIÇÃO DE VEÍCULO POR PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA – ISENÇÃO – EXEGESE DO ARTIGO 1º, IV, DA LEI N. 8.989/95. A redação original do artigo 1º, IV, da Lei n. 8.989/95 estabelecia que estariam isentos do pagamento do IPI na aquisição de carros de passeio as “pessoas, que, em razão de serem portadoras de deficiência, não podem dirigir automóveis comuns”. Com base nesse dispositivo, ao argumento de que deve ser feita a interpretação literal da lei tributária, conforme prevê o artigo 111 do CTN, não se conforma a Fazenda Nacional com a concessão do benefício ao recorrido, portador de atrofia muscular progressiva com diminuição acentuada de força nos membros inferiores e superiores, o que lhe torna incapacitado para a condução de veículo comum ou adaptado. A peculiaridade de que o veículo seja conduzido por terceira pessoa, que não o portador de deficiência física, não constitui óbice razoável ao gozo da isenção preconizada pela Lei n. n. 8.989/95, e, logicamente, não foi o intuito da lei. É de elementar inferência que a aprovação do mencionado ato normativo visa à inclusão social dos portadores de necessidades especiais, ou seja, facilitar-lhes a aquisição de veículo para sua locomoção. A fim de sanar qualquer dúvida quanto à feição humanitária do favor fiscal, foi editada a Lei nº 10.690, de 10 de junho de 2003, que deu nova redação ao artigo 1º, IV, da Lei n. 8.989/95: “ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional” (…) “adquiridos por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal”. Recurso especial improvido.” (REsp 523.971/MG, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 26.10.2004, DJ 28.03.2005 p. 239)


Bastante emblemática é a que se segue:


“DEFICIENTE FÍSICO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. AÇÃO AFIRMATIVA. LEI 8.989/95 ALTERADA PELA LEI Nº 10.754/2003. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEX MITIOR. 1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indicia que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do pagamento do IPI. Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas, como esta que se pretende empreender. 2. Consectário de um país que ostenta uma Carta Constitucional cujo preâmbulo promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promessas alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, é o de que não se pode admitir sejam os direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, relegados a um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais. 3. Essa investida legislativa no âmbito das desigualdades físicas corporifica uma das mais expressivas técnicas consubstanciadoras das denominadas ” ações afirmativas”. 4. Como de sabença, as ações afirmativas, fundadas em princípios legitimadores dos interesses humanos reabre o diálogo pós-positivista entre o direito e a ética, tornando efetivos os princípios constitucionais da isonomia e da proteção da dignidade da pessoa humana, cânones que remontam às mais antigas declarações Universais dos Direitos do Homem. Enfim, é a proteção da própria humanidade, centro que hoje ilumina o universo jurídico, após a tão decantada e aplaudida mudança de paradigmas do sistema jurídico, que abandonando a igualização dos direitos optou, axiologicamente, pela busca da justiça e pela pessoalização das situações consagradas na ordem jurídica. 5. Deveras, negar à pessoa portadora de deficiência física a política fiscal que consubstancia verdadeira positive action significa legitimar violenta afronta aos princípios da isonomia e da defesa da dignidade da pessoa humana. 6. O Estado soberano assegura por si ou por seus delegatários cumprir o postulado do acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. 7. Incumbe à legislação ordinária propiciar meios que atenuem a natural carência de oportunidades dos deficientes físicos. 8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos deficientes, ante os desfavores sociais de que tais pessoas são vítimas. A fortiori, a problemática da integração social dos deficientes deve ser examinada prioritariamente, maxime porque os interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos significantes. 9. Imperioso destacar que a Lei nº 8.989/95, com a nova redação dada pela Lei nº 10.754/2003, é mais abrangente e beneficia aquelas pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legala pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003), vedando-se, conferir-lhes na solução de seus pleitos, interpretação deveras literal que conflite com as normas gerais, obstando a salutar retroatividade da lei mais benéfica. (Lex Mitior). 10. O CTN, por ter status de Lei Complementar, não distingue os casos de aplicabilidade da lei mais benéfica ao contribuinte, o que afasta a interpretação literal do art. 1º, § 1º, da Lei 8.989/95, incidindo a isenção de IPI com as alterações introduzidas pela novel Lei 10.754, de 31.10.2003, aos fatos futuros e pretéritos por força do princípio da retroatividade da lex mitior consagrado no art. 106 do CTN. 11. Deveras, o ordenamento jurídico, principalmente na era do pós-positivismo, assenta como técnica de aplicação do direito à luz do contexto social que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. (Art. 5º LICC) 12. Recurso especial provido para conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.989/95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de 31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por outrem”. (REsp 567.873/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10.02.2004, DJ 25.02.2004 p. 120)


Observando o conteúdo dos julgados acima colacionados, percebe-se a tendência de se interpretar extensivamente e não literalmente a outorga de isenção, como prevê o art.111 do CTN, adequando a legislação tributária aos consectários constitucionais maiores, como o princípio da dignidade da pessoa humana.


Assim sendo, não se interpreta exatamante o inciso II, do art.111, literalmente, pois a previsão de literalidade nele trazida é para as normas que concedam isenções tributárias e não para ele mesmo.


Desse modo, deve-se privilegiar princípios maiores nessa interpretação. Nesse sentido, inclusive, é a lição do Mestre Luciano Amaro (2007:222):


“Não obstante se preceitue a interpretação literal nas matérias assinaladas, não pode o intérprete abandonar a preocupação com a exegese lógica, teleológica, histórica e sistemática dos preceitos legais que versem as matérias em causa.”


Agora, cumpre observar que o posicionamento jurisprudencial acima destacado é relativo apenas as isenções subjetivas, ou seja, aquelas afetas a qualidades ou condições especiais do sujeito e, além disso, somente nos casos em que a interpretação literal pudesse ofender o respeito a dignidade da pessoa humana, não se admitindo essa interpretação extensiva no caso das outorgas de isenções objetivas, posição com a qual se coaduna o presente trabalho, pois a isenção implica em renúncia de receita e, por conseguinte, menos arrecadação para a realização dos fins maiores do estado.


Nesse sentido preceitua o Prof. Almeida Júnior (2002:74):


“Deve-se entender, por exemplo, o disposto no art.111 do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que se interpretará “literalmente” a legislação tributária que disponha sobre “outorga de isenção”. Dele resulta somente uma proibição à analogia, e não uma impossibilidade de interpretação mais ampla”.


Esse é, portanto, o melhor caminho interpretativo.


CONCLUSÃO


Diante de todo o exposto, pode-se asseverar que a regra do art.111 do CTN que prevê a interpretação literal dos casos de isenção, não pode ser considerada como uma regra absoluta de hermenêutica tributária.


Em se tratando de uma isenção subjetiva, ou seja, aquela relativa às condições pessoais de uma pessoa, especificamente uma pessoa física, deve-se averiguar a possibilidade de interpretação extensiva da norma tributária de isenção em face de adequação da norma tributária aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia.


Assim sendo, é plenamente justificável e merecedor de análise pelo Poder Judiciário pretensões relativas à extensão de normas tributárias de isenção a casos análogos aos previstos expressamente na norma tributária. É o caso, p.ex., de listas de doenças graves ou moléstias incuráveis previstas em lei de isenção tributária que não abrangem doenças ou moléstias outras de igual ou maior gravidade, também justificadoras da referida isenção. Nesses casos, negar isenção a esses outros casos sob o argumento de que as normas de isenção interpretam-se literalmente é ferir de morte o princípio da dignidade da pessoa humana.


No tocante às isenções objetivas, a interpretação deve seguir in totum o disposto no art.111 do CTN, haja vista a segurança jurídica que inspira tal regra de hermenêutica, mas, em se tratando de isenção subjetiva, o princípio da segurança jurídica pode e deve ser relativizado em face dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, utilizando da ponderação de interesses constitucionais para tanto.


Isso, conforme demonstrado, é o que vem bem entendendo o STJ, em diversos julgados em que a concessão da isenção é relativa às isenções subjetivas relativas a pessoas naturais, em casos de doenças incuráveis ou moléstias graves, interpretando a norma tributária, antes de tudo, à luz da própria Constituição Federal, notadamente do princípio da dignidade da pessoa humana, pelo que se pode asseverar que a norma do art.111 do CTN deve ser aplicada com reservas nesses casos, relativizando-se, ademais, a própria idéia de que as receitas públicas não devem e não podem ser renunciadas. Afinal, não há Estado Humanitário de Direito sem respeito à dignidade da pessoa humana.


 


Referências

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_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 567.873/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10.02.2004, DJ 25.02.2004 p. 120

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__________. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

 

Notas:

[1] O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo,  p. 49, 1984.

[2] O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Editora Lêr  S/A, 1990. p. 39-40.

[3] Curso de direito constitucional positivo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 177.

[4] Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo, Tomo IV, p. 696. 1974.

[5] Comentários à Constituição do Brasil.  São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2, p. 4.

[6] Anotações à constituição de 1988; aspectos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 198.


Informações Sobre o Autor

Daniel Ferreira de Lira

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante


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