Resumo: Analisando a exegese da res judicata inconstitucional, procura-se redimensionar as acepções da doutrina processualista, notadamente, quanto ao axioma sintético da natureza jurídica da coisa julgada, ainda defendida por muitos teóricos como absoluta e, por conseguinte, inquebrantável. Contudo, ressentindo-se do ideal de impermeabilidade do dispositivo sentencial acobertado pela coisa julgada inconstitucional, sob o fundamento de violação da supremacia da Carta Magna, exsurge a teoria da flexibilização da coisa julgada, em especial, quando esta apresentar-se sob a forma inconstitucional. A coisa julgada inconstitucional, por seu turno, consiste no fenômeno jurídico ocorrido em dispositivos judiciais de mérito transitados em julgado, que estejam sob a autoridade de lei ou ato normativo, posteriormente, declarados – em sede de controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal – como violadores de preceitos constitucionais. Todavia, tendo a sacralidade da coisa julgada fulcro no princípio da segurança jurídica, previsto pelo artigo 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal, aporta como crucial a análise de princípios outros, de mesmo quilate constitucional que o da certeza jurídica, cite-se: o princípio da justiça das decisões judiciais e o princípio da constitucionalidade. Ante este panorama, proceder-se-á a análise do fenômeno da coisa julgada inconstitucional, a partir de uma vertente jurídico dogmática, dando-se preponderância ao sopesamento de preceitos constitucionais norteadores da prestação jurisdicional, ante inequívoca supremacia da Lei Maior, com acolhimento do ideal de relativização do dogma da intocabilidade das decisões judiciais. Verificar-se-á, ainda, os aspectos negativos da institucionalização da res judicata inconstitucional e do dogma da imperturbabilidade das decisões judiciais, assim como, identificar-se-á os mecanismos processuais hábeis a rescindibilidade de dispositivo sentencial maculado pela coisa julgada inconstitucional. Por fim, tendo este aporte científico a finalidade precípua de adoção da relativização da coisa julgada inconstitucional, orientar-se-á, essencialmente, pela linha metodológica bibliográfica, alicerçada em modelo de raciocínio hipotético dedutivo, investigação jurídico-interpretativa e pesquisa documental.
Palavras chave: coisa julgada inconstitucional. Relativização. Admissibilidade.
Abstract: Analyzing the exegesis of res judicata unconstitutional, it tries to resize the meanings of the doctrine proceduralist, notably synthetic axiom regarding the legal nature of res judicata, still held by many theorists as absolute and therefore unbreakable. However, resenting the ideal system watertight sentence covered up by something deemed unconstitutional on the grounds of violation of the supremacy of the Constitution, flexibility of the theory of res judicata, especially when it presents itself as unconstitutional . The thing deemed unconstitutional, in turn, consists of the legal phenomenon occurred in devices retained in substantive legal judgment, which are under the authority of law or normative act subsequently declared – in place of judicial review exercised by the Supreme Court – in violation of constitutional provisions. However, since the sanctity of res judicata in the core principle of legal certainty provided by Article 5, paragraph XXXVI of the Constitution, and brings critical analysis of principles others of the same caliber as the constitutional legal certainty, we may cite: the principle of fairness of judicial decisions and the principle of constitutionality. Against this background, it will make the analysis of the phenomenon of something deemed unconstitutional, from a juridical dogmatic, giving preponderance to balance of guiding the constitutional adjudication, compared unequivocal supremacy of the highest law, with the host ideal of the dogma of the relativity of judgments untouchability. Check will be also the negative aspects of institutionalization of res judicata unconstitutional and the dogma of the imperturbability of judicial decisions, as well as identify the mechanisms will be able to procedural device res judicata sentence tainted by unconstitutional. Finally, with this scientific knowledge primarily for the purpose of adopting the relativization of deemed unconstitutional, guide will be essentially the line methodological literature, based on hypothetical deductive model of reasoning, legal research, interpretive and documentary research.
Keywords: anything deemed unconstitutional. Relativization. Admissibility.
Sumário: Introdução; 1 A Coisa Julgada;1.1 Contexto histórico; 1.2 Acepção conceitual; 1.3 Finalidade institucional; 1.4 Agasalho constitucional e regramento infraconstitucional; 1.5 Limites da coisa julgada; 1.5.1 Aspectos Gerais; 1.5.2 Limites objetivos; 1.5.3 Limites Subjetivos; 2 Os princípios constitucionais e a coisa julgada; 2.1 Dos princípios em geral; 2.1.1 Princípio da segurança jurídica; 2.1.2 Princípio da constitucionalidade; 2.1.2.1 Das ações de controle de constitucionalidade concentrado; 2.1.2.1.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade; 2.1.2.1.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; 2.1.2.1.3 Ação de Direta Inconstitucionalidade interventiva; 2.1.2.1.4 Ação Declaratória de Constitucionalidade; 2.1.2.1.5 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; 2.1.2.2 Efeitos da declaração de (In)constitucionalidade; 2.1.3 Princípio da justiça das decisões judiciais; 2.2 Equacionamento principiológico; 3 Da coisa julgada inconstitucional; 3.1 Conceito e pressupostos; 3.2 A imutabilidade das decisões judiciais e a supremacia constitucional; 3.4 Efeitos da institucionalização da res judicata inconstitucional; 3.4 Da teoria da relativização da coisa julgada; 3.4.1 Noções preliminares; 3.4.2 Admissibilidade, reflexos e limites; 4 Dos instrumentos de desfazimento da coisa julgada inconstitucional; 4.1 Aspectos gerais; 4.2 A ação rescisória; 4.3 A actio querela nullitati insanabilis; 4.4 Impugnação; 4.5 Embargos à execução; 4.6 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; 4.7 Mandado de Segurança; 4.8 Posicionamento dos Tribunais Superiores; Considerações Finais
Introdução
A construção do welfare state – ou Estado de Bem-estar social – está estruturada em conceitos sócio-democráticos que têm por objetivo primordial atender às demandas sociais.
No dizer de Fábio Zambitte Ibrahim (2008), com o advento e adoção de acepções mais intervencionistas, e, atendimento das demandas da sociedade, para além das elementares, o Estado Mínimo cedeu lugar ao Estado de tamanho certo.
O Estado Democrático de Direito brasileiro surge com a Carta Constitucional de 1988, sendo esta a responsável pela estruturação deste ideal de bem comum coletivo, de modo que, às ações estatais tendentes a garantir o atendimento das necessidades básicas da população passaram a ser obrigação estatal.
O Estado, ante este panorama, exterioriza suas ações governamentais e administrativas mediante o gerenciamento e exercício de três poderes, essencialmente: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário.
Conforme se depreende do artigo 2º da Constituição Federal de 1988, estes poderes são independentes e harmônicos entre si, tendo cada qual enfoques típicos e atípicos. Dentre estes poderes, destaque-se o Poder Judiciário, relevando-se o caráter de substitutividade e definitividade que permeia a atividade jurisdicional.
A atividade judicante, por seu turno, vem na tentativa de dirimir conflitos de interesses resistidos, entregando às partes a tutela jurídica pretendida. Sendo poder-dever estatal, a função jurisdicional é, por conseguinte, norteada e desenvolvida a partir de preceitos supralegais consagrados constitucionalmente, dentre os quais pode-se citar: o Princípio da Segurança Jurídica. Este princípio visa garantir a segurança e a certeza nas relações jurídicas, de forma a consubstanciar a estabilidade das decisões judiciais, sendo instituto intimamente afeiçoado ao fenômeno da coisa julgada.
O conceito de coisa julgada é trazido no artigo 467 do Código de Processo Civil, ficando concebido que é a qualidade que resulta na imutabilidade das decisões judiciais, não mais sujeitas a quaisquer espécies recursais.
Ante a importância da problemática, faz-se necessário distinguir a coisa julgada formal da coisa julgada material. A coisa julgada formal – ou preclusão máxima – é a qualidade que traz imutabilidade a decisão dentro do processo, por faltar-lhe meios de impugnação possíveis. Ou seja, no dizer de Vicente Greco Filho (2000), é a imutabilidade como ato processual de encerramento da relação processual. De outro norte, a coisa julgada material é a intangibilidade do dispositivo sentencial e seus efeitos, o que torna impossível a rediscussão da lide.
Considerando que a coisa julgada material é instituto de Direito Processual que se sedimenta na estabilidade das decisões judiciais, é sob ela que irão repousar os questionamentos afetos à institucionalização da coisa julgada inconstitucional.
O fenômeno da res judicata inconstitucional, por sua vez, consiste no fenômeno jurídico presente em dispositivo magistral de mérito não mais impugnável, e fundamentado em lei, posteriormente, declarada pelo Pretório Excelso como violadora de preceitos encartados pela Lei Maior. Esta institucionalização encontra amparo nos princípios da Segurança Jurídica e o da Estabilidade das decisões judiciais, trazendo consigo tormentosos questionamentos acadêmicos.
Os adeptos do ideal da não sacralidade da coisa julgada, ressentindo-se do caráter absoluto que tem-se a ela emprestado, encartam que a consagração da res judicata inconstitucional, é exemplo de afronta a supremacia constitucional por não coadunar o ideal de segurança jurídica aos preceitos de Constitucionalidade e de Justiça das decisões judiciais. Conforme postula parte da doutrina nacional, a intangibilidade absoluta das decisões judiciais exterioriza, ainda, a ausência de instrumentos de controle dos dispositivos sentenciais, aportando como preocupante convalidação absoluta destes atos jurídicos estatais.
É fato, a intocabilidade da coisa julgada, sob o argumento de consagração da segurança jurídica, não tem o condão de afastar os efeitos negativos – jurídicos e sociais – advindos da institucionalização da res judicata inconstitucional. Os contornos sacros que tem-se conferido à coisa julgada inconstitucional, indubitavelmente, tem convalidado o desrespeito à Constituição da República, o afastamento do princípio constitucional da justiça das decisões judiciais e o descrédito do Direito – como fenômeno jurídico – no meio social.
Neste diapasão, inconteste a importância da adoção da teoria de tangibilidade de decisórios judiciais e quebrantamento da coisa julgada quando, por exemplo, for esta inconstitucional.
Dada a relevância da temática, pois, é que este aporte científico se orientou essencialmente pela linha metodológica doutrinária, propondo-se a compreensão, dentro da dialética e hermenêutica estabelecida entre os efeitos jurídicos do fenômeno da coisa soberanamente julgada inconstitucional e a realidade social, das soluções cientificamente mais acertadas e viáveis à flexibilização da intocabilidade dos dispositivos sentenciais.
Alicerçado entre os limites da norma constitucional e processual, e, da apuração da efetividade de tais normas, com vistas a equacioná-las em favor dos jurisdicionados, partindo-se da análise dos vetores desta temática, com o fim de convalidação concomitante da segurança jurídica e da justiça das decisões judiciais, a vertente metodológica que se impõe ao caso é a jurídico-dogmática.
O modelo de raciocínio utilizado, prioritariamente, é o hipotético-dedutivo, sendo imprescindível o questionamento de julgados relacionados à problemática da coisa soberanamente julgada inconstitucional, objetivando realizar uma análise documental, a partir da coleta de julgados dos Tribunais superiores do nosso país, e a partir destes, enfatizar o posicionamento da doutrina constitucional e processual civil mais abalizada.
Neste diapasão, entoando o conceito de pesquisa documental dispõe Antônio Carlos Gil (2009, p. 45), que “a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”.
O tipo de investigação pretendida é a jurídico-interpretativa, buscando-se, ainda – mediante consultas a artigos jurídicos, ensaios e materiais relacionados – instrumentos convalidadores da efetividade dos preceitos traçados pela proporcionalidade, quando da discussão da temática da res judicata inconstitucional.
No primeiro capítulo, em específico, far-se-á uma breve análise acerca do instituto da coisa julgada, com esboço de sua origem, conceito, finalidade, previsão legal, regramento institucional e limites jurídicos.
No capítulo segundo, por sua vez, proceder-se-á ao estudo acurado dos princípios constitucionais afetos ao instituto da res judicata, tais como: o da segurança jurídica, o da constitucionalidade e o da justiça das decisões judiciais. Além da análise pormenorizada destes preceitos supralegais, há menção superficial dos instrumentos hábeis ao controle de constitucionalidade, assim como também, da questão de equacionamento principiológico no exercício da atividade judicante.
No terceiro capítulo, sob os aspectos conceituais e seus pressupostos, será valorado o instituto da coisa julgada inconstitucional, o dogma da imutabilidade das decisões judiciais e a supremacia constitucional. Serão avaliados, ainda, os efeitos da institucionalização da res judicata inconstitucional.
Por fim, no quarto capítulo proceder-se-á a análise da teoria da relativização da coisa julgada, avaliando-se sua admissibilidade, reflexos e limites, assim como também, far-se-á uma análise detida dos instrumentos hábeis ao desfazimento da coisa julgada inconstitucional e dos posicionamentos dos Tribunais superiores neste sentido.
1 A Coisa Julgada
1.1 Contexto histórico
A Revolução Francesa – marco inicial da idade contemporânea – teve como reflexo principal a limitação do poder político do Estado, com a consubstanciação da tripartição dos poderes estatais e a afirmação dos direitos fundamentais dos cidadãos.
A tripartição dos poderes desconcentrou o exercício dos poderes, outrora facultados aos governantes absolutistas, dando vazão à criação de órgãos independentes e harmônicos entre si: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Neste sentido, a Constituição Federal brasileira de 1988 em seu artigo 2°: “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Para tornar efetiva a interdependência e harmoniosidade dos poderes estatais, então, adotou-se a teoria dos freios e contrapesos (Checks and balances), de modo que a cada poder sejam atribuídas funções típicas e atípicas.
Ao Poder Judiciário, em específico, compete a prestação da tutela jurídica, tendo a atribuição primordial de apaziguar os conflitos sociais com caráter de definitividade e substitutividade.
Ensina Giuseppe Chiovenda (1998, p.08):
“Jurisdição é a função do Estado que tem como escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio de substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares e de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente, efetiva.”
Sendo a prestação jurisdicional atividade de insígne expressividade para a consubstanciação da paz social, fez-se necessário estipular mecanismos processuais garantidores de sua finalidade precípua, dentre os quais destaca-se o instituto da coisa julgada.
Intimamente afeiçoada aos postulados do princípio da segurança jurídica, a coisa julgada exsurge como ferramenta processual capaz de evitar a eternização de contendas jurídicas, visto que a prestação jurisdicional não se presta à promoção da satisfação pessoal das partes em litígio, mas a consagração do bem estar social. Neste sentido, estatui Miguel Teixeira de Souza apud Leonardo de Faria Beraldo, 2004, p.91:
“O caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ela é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica.”
Embora a criação do instituto da coisa julgada, remonte às primeiras codificações, inclusive, com assento no Código de Hamurabi, é sob os auspícios da doutrina do jurista italiano Enrico Tullio Liebman que foram sedimentadas as acepções processuais acadêmicas e legislativas nacionais mais abalizadas acerca da coisa julgada, exceto, no que tange ao conceito legal de coisa julgada material encartado pelo artigo 467, do Código de Processo Civil de 1973. Com este entendimento, pontifica Nelson Nery Júnior (2006, p.594):
“O conceito legal de coisa julgada do art. 467, do CPC, não adotou a doutrina Liebmaniana, tendo ficado consignado no texto legal que denomina-se coisa julgada material a eficácia, e não a qualidade, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”
Sob este mesmo fundamento, preleciona Ada Pelegrini Grinover, 2006, p.11 apud Flávio Roberto Ferreira de Lima, 2008, p.63-64:
“O anteprojeto do CPC de 1973 conceituava a coisa julgada como “a qualidade, que torna imutável e indiscutível os efeitos da sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. O legislador brasileiro definiu a coisa julgada formal ao invés da coisa julgada material.”
Ante este panorama, embora haja indícios de que as civilizações antigas já faziam menção ao instituto da res judicata – o instituto tem suas bases teóricas secundadas no Direito Canônico –, sob os moldes que atualmente se apresenta, a natureza da coisa julgada mais se aproxima das feições carreadas a tal instituto entre o período de disseminação dos ideais iluministas e o momento pós-revolucionário ocorrido no final da idade moderna e início da idade contemporânea, sendo, o Código de Processo Civil Brasileiro de 1973, espelho da influência do pensamento Liebmaniano.
1.2 Acepção conceitual
A coisa julgada é a qualidade que resulta na indiscutibilidade e imutabilidade das decisões judiciais não mais impugnáveis, conferindo estabilidade às relações jurídicas. Para tanto, o comando normativo esposado pelo art. 467 do Código de Processo Civil brasileiro expõe: “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Sob a mesma ótica, expõe o art. 6º, §3º da Lei de Introdução ao Código Civil: “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que não caiba mais recurso”.
Arrimado nos preceitos informadores do princípio da segurança jurídica, sob o prisma processual, o instituto da res judicata pode ser classificado como formal ou material. Neste sentido, pontifica Rodrigo Murad do Prado (2005, p.01):
“O fenômeno da coisa julgada é a abstração para o mundo dos fatos do salutar Princípio da Segurança Jurídica, que com tamanha importância para a organização e pacificação da sociedade, foi consagrado no art. 5°, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, que assim giza: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A coisa julgada formal – ou preclusão máxima – é fenômeno ocorrido dentro da relação processual, extinta com ou sem resolução do mérito, que resulta na indiscutibilidade/imutabilidade da decisão dentro do processo, por faltar-lhe meios de impugnação possíveis. Para o caso de extinção do processo sem resolução do mérito, a coisa julgada formal não é óbice para a propositura de nova demanda que tenha o mesmo objeto que a primitiva, posto que somente operada a indiscutibilidade. A coisa julgada formal é, repise-se, fenômeno existente em todos os decisórios judiciais, sejam extintos com ou sem resolução do mérito, aportando como pressuposto à coisa julgada material.
De outra banda, a coisa julgada material é a qualidade que alcança a parte dispositiva do decisório magistral, conferindo-lhe intangibilidade, e, por conseguinte, inviabilizando a rediscussão da lide. Opera efeitos, portanto, em sentenças definitivas de mérito. No que diz respeito à imutabilidade da sentença acobertada pelo manto da coisa julgada material, há que se considerar seus dois momentos processuais: o relativo e o absoluto.
À título ilustrativo, transcreve-se o entendimento de Moacyr Amaral Santos (1989, p.43):
“Exauridos e resolvidos os recursos manifestados contra sentença, ou não sendo manifestado nenhum, a sentença transita em julgado. Com tal ocorrência, operam-se dois fenômenos simultâneos. O primeiro é o advento da coisa julgada formal, isto é, a sentença, como ato processual, torna-se imutável dentro da relação processual. Este fenômeno só se fez presente dentro do processo. O segundo fenômeno é a formação da coisa julgada material ou substancial. Esta que tem como pressuposto lógico a coisa julgada formal, caracteriza-se pela imutabilidade dos atos declaratórios, condenatórios ou constitutivos da sentença de mérito, chamados “principais”, como imutáveis também se mostram os efeitos secundários da sentença. Tais efeitos – principais e secundários – adquirem uma qualidade que é a imutabilidade. Fala-se assim em “autoridade da coisa julgada”.
A imutabilidade tem caráter relativo enquanto for possível às partes impugnar o dispositivo sentencial, via recurso ordinário ou extraordinário, ou até que, sendo hipótese do art. 485 do Código de Processo Civil, expire o prazo de 02(dois) anos sem a propositura de ação rescisória. Findo tal prazo decadencial, a imutabilidade ganha contornos de absolutividade. Neste aspecto, porém, é dissonante a doutrina processualista, posto que há doutrinadores a considerar a inalterabilidade sentencial de modo absoluto, exceto, para o caso de ocorrência de vícios transrescisórios, e outros estudiosos, a conceber hipóteses outras de relativização da coisa julgada, tais como: o fenômeno da res judicata inconstitucional e o da coisa julgada injusta.
1.3 Finalidade institucional
O instituto processual da coisa julgada tem o fito de garantir a estabilidade das relações judiciais, de modo a coibir a perpetuidade de discussão de litígios e a concretizar os ditames do princípio da segurança jurídica. Neste sentido, pontifica Paulo Otero (1993, p.37-38):
“Em nome da tutela da segurança jurídica, verifica-se que assume especial relevo a certeza do direito definido pelos tribunais e destinado direta ou indiretamente, a regular litígios resultantes de situações concretas e individualizadas. Em conseqüência, não seria normal as decisões judiciais dos tribunais se encontrassem sujeitas a um princípio de livre revogabilidade ou modificabilidade, tanto mais que aqui, ao invés das decisões administrativas, se visa primordialmente a prossecução de um fim que, por definição tendencial, se tem como imutável: a justiça, entendida esta como “paz jurídica”.”
De fato, o poder jurisdicional exercitado pelo Estado não se presta a promover a satisfação pessoal dos litigantes, de outra sorte, cumpre o papel de entregar a tutela jurisdicional às partes através de decisão definitiva, substituindo-lhes a vontade e permitindo a consecução da paz social.
1.4 Agasalho constitucional e regramento infraconstitucional
O artigo 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, expõe que a lei não poderá vir em prejuízo do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Ante este dispositivo normativo, percebe-se que o instituto processual da coisa julgada encontra amparo constitucional, todavia, é o Código de Processo Civil – Diploma Infraconstitucional – que esmiúça detidamente o regramento desta ferramenta processual nos artigos 467 a 475.
No que pertine à proteção constitucional é nítido que o legislador visou resguardar o Instituto da coisa julgada do fenômeno da retroatividade normativa, de modo que uma situação processual desenvolvida e acabada sob a égide de uma lei em específico não seja alterada por outra lei nova, o que flagrantemente feriria postulados resguardados pela Carta Constitucional.
Atente-se, não há que se utilizar de interpretação extensiva quando da análise do art. 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, pois não tem sustentáculo o entendimento de que o legislador disse menos do que desejava no dispositivo em comento.
Sobre o enfrentamento da coisa julgada ante a Carta Constitucional, preleciona Humberto Theodoro Júnior (2003, p.94):
“Como se observa, a preocupação do legislador constituinte foi apenas a de pôr a coisa julgada a salvo dos efeitos de lei nova que contemplasse regra diversa de normatização da relação jurídica objeto da decisão judicial não mais sujeita a recurso, como uma garantia dos jurisdicionados. Trata-se, pois, de tema de direito intertemporal em que se consagra o princípio da irretroatividade da lei nova. Com efeito, a regra do art. 5°, XXXVI, CF, se dirige apenas ao legislador ordinário, cuidando-se de sobre-direito, na medida em que disciplina a própria edição de outras regras jurídicas pelo legislador, ou seja, ao legislar é interdito ao Poder Legiferante prejudicar a coisa julgada. É essa a única regra sobre coisa julgada que adquiriu foro constitucional. Tudo o mais é matéria objeto de legislação ordinária”.
No enfretamento desta mesma problemática, assevera Leonardo de Farias Beraldo (2004, p.147):
“Somos filiados á corrente que entende que o legislador, ao tratar da coisa julgada na CF/88, apenas quis colocá-la a salvo da lei nova, ou seja, em decisão passada em julgado não poderia ser desfeita se uma lei posterior desse tratamento jurídico diferente àquele dispositivo utilizado pelo juiz em seu pronunciamento. É o princípio da irretroatividade da lei.”
Ante o exposto, outra alternativa não há ao intérprete, senão, conceber o instituto da coisa julgada como de natureza eminentemente infraconstitucional, com proteção constitucional tão só quanto aos auspícios da ocorrência da retroatividade da lei.
1.5 Limites da coisa julgada
1.5.1 Aspectos Gerais
O Poder Jurisdicional torna-se concreto mediante a prática dos atos judiciais externados pelo magistrado, representante/substituto do Estado juiz. Dispõe o artigo 162 do Código de Processo Civil:
“Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.
§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.
§ 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.
§ 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.
§ 4o Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários.”
Do dispositivo em análise, merece destaque o parágrafo primeiro, por ser a sentença a expressão máxima do ato de julgar. No dizer de Júlio Pinheiro Faro Homem de Siqueira (2007, p.01): “sentença é o ato do juiz que implica na extinção do procedimento cognitivo em primeiro grau de jurisdição, a partir de um pronunciamento do juiz acerca da existência, ou não, do mérito que é alegado na demanda”.
À título ilustrativo, transcreve-se o exposto pelos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil:
“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:
I – quando o juiz indeferir a petição inicial;
Il – quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;
III – quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;
IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;
Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
Vll – pela convenção de arbitragem;
Vlll – quando o autor desistir da ação;
IX – quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;
X – quando ocorrer confusão entre autor e réu;
XI – nos demais casos prescritos neste Código.
§ 1o O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.
§ 2o No caso do parágrafo anterior, quanto ao no II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28).
§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.
§ 4o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.
Art. 269. Haverá resolução de mérito:
I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;
II – quando o réu reconhecer a procedência do pedido;
III – quando as partes transigirem;
IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.”
Sendo, portanto, a sentença ato jurisdicional por excelência, deve preencher requisitos formais, estabelecendo o Código de Processo Civil, no artigo 458, seus elementos estruturais essenciais, sejam eles: o relatório, a motivação e o dispositivo sentencial.
Do relatório sentencial devem constar as informações de todo o andamento processual, tais como: a qualificação das partes, os pedidos e os requerimentos das partes, a suma da resposta, etti alli. Enfim, o relatório é a parte da sentença em que estão explícitas as principais ocorrências processuais.
Na motivação, por sua vez, restará consubstanciado os fundamentos de fato e de direito que nortearam o julgador na formação de sua convicção, de seu posicionamento, ou seja, é a parte da sentença em que o magistrado, após análise acurada dos autos, exterioriza os motivos determinantes de sua decisão final.
Por fim, o dispositivo sentencial é a parte da decisão magistral em que se resolvem as questões postas à submissão do julgador, em outros termos, seria a conclusão a que chegou o magistrado acerca da demanda judicial – procedência total, parcial ou improcedência da ação.
Há, ainda, que se expor, embora o Códex Processual não arrole como elemento essencial, que as sentenças judiciais também trazem em seu corpo textual uma parte denominada ementa. A ementa é um resumo do decisório judicial, localizada no início da sentença, que tem o fito de traçar um roteiro básico do que se consolidou na sentença como um todo.
Embora três sejam os elementos apontados pela lei como essenciais, a parte dispositiva é a mais importante da sentença, porque exprime a manifestação do poder de império estatal, sendo a única parte do decisório que transita em julgado. Ou seja, a parte dispositiva da sentença é o único elemento do decisório judicial acobertado pelo manto da coisa julgada.
Neste diapasão, preleciona Júlio Pinheiro Faro Homem de Siqueira (2007, p.03):
“É na parte dispositiva da sentença que se encontrará o conteúdo decisório do magistrado, é sobre este conteúdo que incide a autoridade da coisa julgada; em outros termos: é o dispositivo da sentença que gera coisa julgada.”
A conclusão pelo trânsito em julgado da parte dispositiva é melhor visualizada quando da definição dos limites – objetivos e subjetivos – da coisa julgada, para tanto, passa-se à sua análise pormenorizada, antecipando-se tão-só a questão mais óbvia pertinente ao assunto, que é: os limites objetivos dizem respeito à limitação da res judicata quanto ao objeto da relação processual, e os limites subjetivos, à limitação quanto aos sujeitos da relação jurídica litigiosa.
1.5.2 Limites objetivos
O artigo 468 do Código de Processo Civil brasileiro de 1973 dispõe que: “a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
Da leitura do comando normativo em comento, depreende-se que o dispositivo sentencial tem força de lei dentro dos limites das questões analisadas e decididas, sendo, portanto, indissociavelmente vinculada ao pedido formulado pelas partes.
Assevera Alexandre Freitas Câmara (2006, p.490-491):
“A sentença faz coisa julgada nos limites do objeto do processo, o que significa dizer, nos limites do pedido. O que não tiver sido objeto do pedido, por não integrar o objeto do processo, não será alcançado pelo manto da coisa julgada. Apenas aquilo que foi deduzido no processo e, por conseguinte, objeto de cognição judicial, é alcançado pela autoridade de coisa julgada.”
Neste mesmo sentido, pontifica Luiz Fux (2004, p.828):
“Não obstante o legislador ter explicitado os limites objetivos da coisa julgada, adstringindo-os ao pedido com sua correspondente causa de pedir posto que a causa petendi com outro pedido ou o mesmo pedido com outra causa de pedir diferencie as ações, ainda visou esclarecer ao alcance da mesma, no artigo 469 do CPC, ao “retirar do âmbito da coisa julgada” os motivos (não a motivação integral da sentença onde se encarta a causa de pedir) importantes e determinantes da parte dispositiva da sentença, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e a apreciação da questão prejudicial decidida incidentemente no processo”.
Prescreve, ainda, o artigo 469 do Código de Processo Civil de 1973:
“Art. 469. Não fazem coisa julgada:
I– os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
II– a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III– a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.”
A análise acurada dos incisos do artigo 469 do Códex processual corrobora o entendimento de que somente a parte dispositiva das sentenças judiciais transita em julgado, haja vista que os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, não fazem coisa julgada. Neste sentido a lição de Alexandre Câmara (2004, p.491):
“O sistema dos limites objetivos da coisa julgada se completa com os artigos 469 e 470, de forma que com base nestes dispositivos se pode afirmar que apenas o dispositivo da sentença transita em julgado. O relatório, que obviamente não contém qualquer elemento decisório, não transita em julgado. Quanto à motivação da sentença, esta não é alcançada pela coisa julgada, como se verifica pela leitura do art. 469 do CPC.”
De outra sorte, o artigo 470 do Código de Processo Civil brasileiro excetua a regra geral esposada pelo inciso III, artigo 469 deste mesmo Códex, dispondo que: “faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer, o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide”.
Corroborando a relatividade do inciso III do artigo 469 do Código de Processo Civil, dispõe o artigo 5° deste mesmo diploma legal: “se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença”. E, ainda, com este mesmo entendimento o artigo 325 do Código Processual civilista:
“Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide.”
Por conseguinte, a regra acerca dos limites objetivos da coisa julgada dispõe que somente a parte dispositiva da sentença transita em julgada, alcançando a motivação, todavia, em caso de questão prejudicial suscitada via ação declaratória incidental, quando preenchidos três requisitos expressos no artigo 325 do Código de Processo Civil, sejam eles: a parte deve requerer, ou seja, ajuizar a ação declaratória incidental; o juiz da demanda anteriormente ajuizada deve ser competente para julgar a matéria da ação declaratória incidental; e a questão deve se constituir como pressuposto necessário para o julgamento da lide originária.
Ainda quanto aos limites objetivos da res judicata, expõe o artigo 471 do Código Processual civilista:
“Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:
I – se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
II – nos demais casos prescritos em lei.”
Compreenda-se por relação jurídica continuativa àquela que pode ter modificada suas dimensões fáticas ou de direito por circunstância superveniente à prolação da sentença magistral, sem contudo ferir os postulados da coisa julgada. Sob este prisma, preleciona Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda apud Sérgio Bermudez, 2008, p.1933:
“Com efeito, se posto em causa direito que tem por suporte relação jurídica continuativa, ou seja, aquela que se adapta ao decurso do tempo, possível, pois, a redecisão, haja vista que se trata de relação cujos efeitos se projetam no tempo. São exemplos clássicos da disciplina imposta pelo preceito em exame as prestações periódicas, tais como as decorrentes de obrigações alimentares. locatícias ou tributárias. Dessa forma, por exemplo, reconhecida a obrigação de prestar alimentos, enquanto esta não for extinta, possível a adequação dos valores a serem pagos à nova situação de riqueza e/ou pobreza das partes, ou, na linguagem da lei, em face da modificação do estado de fato promove-se um ajuste da regulação anterior ou uma revisão do estatuído pela sentença, haja vista a possibilidade estabelecida pela presença da chamada cláusula rebus sic stantibus. A possibilidade de modificação da dimensão dos efeitos da sentença não decorre apenas da modificação dos fatos, mas também poderá decorrer da modificação do estado de direito, como, por exemplo, quando, por circunstância superveniente, extingue-se o direito que suportara a pretensão originária. Assim, se alguém vem recolhendo tributo em razão de disposição jurisdicional e, por qualquer motivo, extingue-se o fato gerador ou o próprio tributo, a toda evidência, em face da mudança da situação jurídica, impõe-se a adequação correspondente. Muito embora as possibilidades de modificações supervenientes àquilo que foi normado pela sentença, em momento algum deve ser cogitada a inexistência ou atenuação da autoridade da coisa julgada, mas sim o fenômeno deve ser compreendido pelo ângulo de que o juízo apreciou determinados fatos, sob o império de determinada circunstância jurídica. Havendo mudança de um ou de outro, há nova situação que reclama nova decisão, sem que se possa, por essa razão, imaginar qualquer ofensa à coisa julgada anterior Com efeito, o juiz se pronuncia sobre fatos passados e não sobre fatos ou situações futuras. Daí a perfeita aplicabilidade da cláusula rebus sic stantibus, eis que esta permite exatamente a manutenção da situação originária, se mantidas as condições idênticas ao tempo da avença, alteradas aquelas, passível de alteração a situação anteriormente anulada”.
1.5.3 Limites subjetivos
Prevê o artigo 472 do Código de Processo Civil brasileiro:
“Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.”
Conforme depreende-se da análise do artigo em comento, a autoridade da coisa julgada alcança, como regra, as partes da relação processual litigiosa. Todavia, nas causas relativas ao estado de pessoas, havendo litisconsórcio necessário, a sentença também terá autoridade em relação a terceiros. No litisconsórcio facultativo, entretanto, se o interessado não integrou no processo, não pode ser prejudicado ou beneficiado pelos efeitos da coisa julgada, haja vista que a lei só faz menção ao litisconsórcio necessário.
No que diz respeito ao instituto da assistência, estatui Antonio Carlos de Araújo Cintra (2003, p.354): “o assistente fica em posição especial no tocante à coisa julgada formada no processo em que interveio. Embora seja parte nesse processo, ainda que secundária, a sentença não faz coisa julgada com relação ao assistente”.
Alguns casos de submissão de terceiros à autoridade da coisa julgada são citados por Luiz Fux (2004): o caso dos sucessores e dos herdeiros da parte, desde que o direito sob litígio seja transmissível; e o caso do substituído na substituição processual, com base na argumentação de que a legitimação extraordinária tem por escopo melhor tutelar sua situação não podendo provocar prejuízos à parte contrária.
Preleciona, ainda, Luiz Fux, 2004, p.835 apud Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira, 2007, p.06:
“Atual e elegante questão põe-se no âmbito dos direitos ‘supra-individuais’, assim considerados os difusos, os interesses coletivos e os individuais homogêneos. De acordo com a doutrina da “coisa julgada secundum eventum litis”, a res iudicata atingiria a todos quantos se encartassem na esfera do interesse difuso, julgando-se procedente ou improcedente o pedido, superando-se o risco de eventuais conluios entre o autor da ação e o réu.”
Ainda no que tange aos limites subjetivos da coisa julgada, dispõe o artigo 473 do Código de Processo Civil: é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão. Ou seja, em sendo consumada a preclusão, a parte perde a faculdade de exercer algum ato processual, fato este que não tem o condão de alcançar o magistrado. Neste sentido, pontifica Antonio Carlos de Araújo Cintra, 2003, p.322 apud Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira, 2007, p.07:
“O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não for proferida a sentença de mérito, das matérias referidas pelos incisos IV, V e VI do artigo 267 do Código de Processo Civil (Código de Processo Civil, artigo 267, parágrafo terceiro), do que resulta que, quanto a essas matérias, a preclusão não opera com relação ao juiz. Em conseqüência, quanto a essas matérias, apesar de não haver recurso da parte, o juiz está autorizado a rever suas decisões proferidas no curso do processo, redecidindo questões.”
Com fins de arremate, sob os auspícios da teoria da res judicata secundum eventum litis, destaca-se que na seara dos direitos transindividuais, julgada procedente ou improcedente a ação, os efeitos da coisa julgada atinge a todos que se encontrem na esfera do direito difuso, coletivo ou individuais homogêneos.
2 Os princípios constitucionais e a coisa julgada
2.1 Dos princípios em geral
Os princípios constitucionais são preceitos supralegais que fundamentam e legitimam o ordenamento jurídico. Preleciona Luis Roberto Barroso, 1998, p.141 apud George Marmelstein Lima, 2008, p.08:
“A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.”
Relevante é, ainda, a lição de Carmém Rocha apud Ruy Samuel Espínola (1999, p. 77):
“O complexo principiológico que fundamenta o sistema constitucional estabelece a gênese das regulações específicas e concretas, mas não as determina em si mesmas, senão dirigindo o seu conteúdo (que virá em outras normas) e excluindo qualquer ditame jurídico que lhe contrarie a diretriz. São, pois, gerais, para serem geradores de outros princípios e das regras constitucionais. A generalidade destes princípios possibilita que a Constituição cumpra o seu papel de lei maior concreta e fundamental do Estado, sem amarrar a sociedade a modelos inflexíveis e definitivos, que a vida não permitiria algemar-se em travas de lei. A generalidade dos princípios permite, pois, que sendo a sociedade plural e criativa, tenha seu sistema de Direito sempre atual, sem se perder ou mascarar modelos contrários aos que na Lei magna se contêm como opção constituinte da sociedade política.”
Em verdade, os princípios são “multifuncionais”, agregando em si pelo menos 02(duas) funções: a fundamentadora e a orientadora da interpretação. Neste aspecto, estatui Celso Antônio Bandeira de Melo, 1980, p.230 apud Paulo Bonavides, 1998, p.230:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”
No dizer de Celso Antônio Bandeira de Melo (1980), os princípios atuam emprestando validade e legitimidade à ordem jurídica, sendo, portanto, o cerne fundamental da Constituição imperativa e dirigente. É sob este aspecto que se concretiza a função fundamentadora dos princípios.
A função orientadora, por sua vez, revela o caráter orientador dos princípios em relação ao sistema jurídico. Ou seja, os preceitos supralegais servem de bússola, guia e orientação na busca do sentido e alcance das normas e regras.
Reconhecendo funções outras dos princípios, preleciona Joaquim de Albuquerque Rocha (1999, p.47):
“Os princípios têm por função qualificar, juridicamente, a própria realidade a que se referem, indicando qual a posição que os agentes jurídicos devem tomar em relação a ela, ou seja, apontado o rumo que deve seguir a regulamentação da realidade, de modo a não contravir aos valores contidos no princípio e, tratando-se de princípio inserido na Constituição, a de revogar as normas anteriores e invalidar as posteriores que lhes sejam irredutivelmente incompatíveis.”
Por conseguinte, são os princípios as “pedras de toque” do ordenamento jurídico, posto que fontes assecuratórias da validade e legitimidade das normas jurídicas previstas.
2.1.1 Princípio da segurança jurídica
O princípio da segurança jurídica está intimamente afeiçoado aos ideais agasalhados pelo Estado Democrático de Direito, tendo por finalidade garantir estabilidade às relações jurídicas, tornando efetiva a promoção do bem estar social.
Urge ressaltar que a segurança jurídica possui ligação direta com Direitos fundamentais, além de conexão com princípios que dão funcionalidade ao ordenamento jurídico, tais como: a irretroatividade da lei, o devido processo legal, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, etti alli. Sob este prisma, obtempera Eliezer Pereira Martins apud Paulo Eduardo de Figueiredo Chacon (2003, p.02):
“Acerca dos elementos que dão efetividade ao princípio, temos que a segurança jurídica é assegurada pelos princípios seguintes: irretroatividade da lei, coisa julgada, respeito aos direitos adquiridos, respeito ao ato jurídico perfeito, outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral, ficção do conhecimento obrigatório da lei, prévia lei para a configuração de crimes e transgressões e cominação de penas, declarações de direitos e garantias individuais, justiça social, devido processo legal, independência do Poder Judiciário, vedação de tribunais de exceção, vedação de julgamentos parciais, etc.”
No que diz respeito, em específico, ao instituto da coisa julgada, indubitavelmente, a segurança jurídica é princípio de particular relevância. Neste sentido, aponta Paulo Roberto de Oliveira Lima (1997, p.13-14):
“O instituto da coisa julgada é obrigatório em qualquer sistema jurídico. Submeter matérias á apreciação do Judiciário pressupõe que haja uma resposta final. E não se deve esperar que a definitividade da resposta decorra da satisfação dos litigantes, convencidos da excelência do julgado. A realidade tem demonstrado que, salvo poucas exceções, ninguém se convence dos acertos das decisões desfavoráveis obtidas em juízo. No mais das vezes a derrota é atribuída a erro do juiz, quando não a eventual desonestidade. Em outros casos, culpa-se o advogado, certamente inepto, ou a ineficiência de provas. Fosse possível ás partes litigarem indefinidamente, e elas o fariam, exigindo nova apreciação do assunto, a cada derrota. Não se acham com facilidade os homens exemplos do analista desapaixonado que, lendo uma sentença prolatada contra seus interesses, exclame: É verdade, eu não tinha direito! Excelente sentença!”
Irrefutavelmente, o salutar princípio da segurança jurídica é o fundamento teórico mais consistente do instituto processual da coisa julgada, visto que consolida a não perpetuidade de contendas jurídicas – entregando às partes a tutela jurídica pretendida através de sentença judicial –, e viabiliza a intocabilidade das decisões judiciais amparadas pelo manto da res judicata soberanamente julgada.
Por fim, à título meramente ilustrativo, transcreve-se o artigo 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal brasileira de 1988 – comando constitucional revelador do princípio da segurança jurídica como pilar do Estado Democrático de Direito e de sua afeição com os postulados da coisa julgada: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
2.1.2 Princípio da constitucionalidade
O escalonamento normativo procedido pelo positivista autríaco Hans Kelsen, em suma, tem a finalidade de promover a sustentação hierárquica de normas infraconstitucionais em relação às normas constitucionais. Ou seja, para este jurista positivista a verticalização jurídica deve ser analisada sob o prisma jurídico-positivo e o lógico-jurídico.
No que diz respeito ao sentido jurídico-positivo, o escalonamento piramidal cumpre a função de emprestar validade e legitimidade às normas inferiores do ordenamento jurídico. Tal validade/legitimidade adviria da expressão política máxima do Estado: a Constituição.
De outro norte, o sentido lógico-jurídico da verticalização escalonária exprime a necessidade de justificação da própria Constituição positivada em relação aos preceitos supralegais agasalhados pela sociedade. É o que denominou Hans Kelsen de legitimação em relação à norma hipotética fundamental.
Ante este panorama, sendo a Constituição Federal brasileira de 1988 classificada, quanto à alterabilidade, como rígida, aporta como indispensável a análise do princípio da constitucionalidade.
O princípio da constitucionalidade – ou da supremacia constitucional – revela-se prático e efetivo a partir da concretização do controle de constitucionalidade dos atos normativos, tendo por fim, a verificação da compatibilidade de espécies normativas com a Carta Magna. Oportuna, outrossim, é a distinção entre a inconstitucionalidade formal e a material, e o controle preventivo e repressivo de inconstitucionalidade.
A inconstitucionalidade é formal quando a espécie normativa foi elaborada com inobservância ou negligência do processo legislativo. A inconstitucionalidade material, por sua vez, ocorre quando determinado ato normativo afronta o conteúdo da Carta Constitucional.
No que se refere aos momentos de exercício do controle de constitucionalidade, repise-se, há duas categorias de limitação: o controle preventivo e o controle repressivo.
O controle preventivo ocorre antes do término do processo legislativo da espécie normativa, quando esta ainda está sob a forma de projeto. Tal controle pode ser procedido pelas Comissões de Constituição e Justiça, pela votação dos parlamentares – com o não atingimento do quórum –, pelo veto do Presidente da República e pelo poder judiciário – se um deputado/senador impetrar mandado de segurança para garantir o devido processo legal.
Sob outro paradigma, o controle repressivo de constitucionalidade ocorre quando, inovado o ordenamento jurídico, a espécie normativa violar preceito constitucional.
No Brasil, via de regra, o controle repressivo de constitucionalidade é jurisdicional misto – procedido pelo Poder Judiciário. Somente haverá controle repressivo político nas hipóteses do artigo 49, inciso V e artigo 62, ambos da Constituição Federal. À título ilustrativo transcreve-se os artigos constitucionais que excepcionam a regra de controle repressivo de constitucionalidade pelo Poder Judiciário:
“Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I à IV- Omissis;
V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
Art. 62 – Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.”
O controle de constitucionalidade repressivo jurisdicional, sob a modalidade mista, apresenta-se como difuso e concentrado.
O controle difuso de constitucionalidade, também denominado via de exceção ou defesa, é de competência de qualquer juiz ou Tribunal, ocorrendo quando em uma lide processual quaisquer das partes do processo ou o juiz, de ofício, arguir a inconstitucionalidade de determinado ato normativo. Antes de julgar a demanda judicial, preliminarmente, o magistrado decide sobre a inconstitucionalidade.
Quanto à declaração de inconstitucionalidade exercitado pelos Tribunais, expõe o artigo 97 da Constituição Federal de 1988:
“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”
No controle concentrado, ao contrário do difuso, não há partes litigando. De outra sorte, o objeto da ação de inconstitucionalidade é o questionamento acerca da incompatibilidade do ato normativo abstrato e geral em relação à Constituição Federal. A competência para o exercício do controle concentrado dependerá, todavia, da natureza original da espécie normativa viciada. Para tanto, esclarece o quadro esquemático:
No que se refere, em particular, ao instituto da Coisa Julgada inconstitucional, importa essencialmente compreender o controle concentrado de constitucionalidade, posto que a relativização da res judicata somente será possível quando reconhecida a inconstitucionalidade de espécie normativa pelo Supremo Tribunal Federal. Dada a relevância e pertinência da discussão, passa-se a abordagem mais detalhada, embora superficial, das ações instrumentalizadoras do controle concentrado de (in)constitucionalidade.
2.1.2.1 Das ações de controle de constitucionalidade concentrado
As ações que instrumentalizam o controle concentrado de inconstitucionalidade são: a Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, a Ação Direta de Inconstitucionalidade interventiva, a Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Importante, sob este prisma, é determinar os legitimados à propositura das ações em comento. É o artigo 103 da Carta Maior que trata a matéria, expondo:
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
Vale expor que, via de regra, os efeitos oriundos das decisões magistrais que decidem às ações de controle de constitucionalidade concentrado são: de natureza ambivalente, de extensão erga omnes, alcance ex tunc e vinculante.
A ambivalência significa a natureza dúplice de algumas das ações de controle de constitucionalidade concentrado de constitucionalidade, de modo que, a depender da procedência, procedência parcial ou improcedência da ação o efeito experimentado seja adverso ou não. Ou seja, no manejo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, por exemplo, o resultado pretendido é a obtenção da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Todavia, se entender o Órgão colegiado pela improcedência da ação o resultado será adverso à pretensão, produzindo a ação efeito diverso do pleiteado.
A extensão erga omnes quer dizer, por sua vez, que a decisão colegiada que põe termo a quaisquer das ações de controle de constitucionalidade produzirá efeitos para além das partes de um processo judicial, sendo extensível a toda a coletividade. Esta é a regra, entretanto, pode-se restringir os efeitos a pessoas determinadas por razões de interesse público.
Quanto à prolação da decisão colegiada, ainda, há que se dispor sobre seu alcance, em regra, ex tunc. Ao decidir o mérito de ação de controle concentrado de constitucionalidade o órgão colegiado determina se os efeitos da decisão serão retroativos (ex tunc), se surtirá efeitos a partir da decisão (ex nunc), ou se, dado o interesse público, produzirá efeitos pro futuro. Sendo ex tunc, a determinação judicial alcançará situações jurídicas consolidadas sob a égide da lei ou ato normativo antes da prolação do novo entendimento.
O caráter vinculante, por fim, expõe que as decisões colegiadas, em sede de ação de controle concentrado de constitucionalidade, determinam novos entendimentos acerca de lei ou ato normativo, não podendo nenhum magistrado se furtar de sua aplicabilidade.
2.1.2.1.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade
A Ação Direta de Inconstitucionalidade, com previsão no artigo constitucional n° 102, inciso I, “a”, é forma de controle concentrado de constitucionalidade, exercido por quaisquer dos legitimados elencados no artigo 103, incisos I a X da Carta Constitucional brasileira, e interposta perante o Supremo Tribunal Federal.
O procedimento da ação em comento é esmiuçado pelo artigo 103, §§1° a 3° da Constituição Federal, que assim giza:
“Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
§ 1º – O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal;
§ 2º – Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias;
§ 3º – Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.”
A finalidade deste instrumento de controle de constitucionalidade é declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo contrários à Constituição Federal, tendo caráter jurídico, portanto.
Os efeitos produzidos pela decisão do Pretório Excelso são, em regra: de natureza ambivalente, de extensão erga omnes, ex tunc e vinculante.
2.1.2.1.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
A Ação de Inconstitucionalidade por omissão visa combater a denominada “síndrome da ineficácia das leis”, compelindo os poderes ou órgãos responsáveis pela criação de leis a proceder à criação de atos normativos que tragam aplicabilidade às normas de eficácia limitada. Com este apontamento, expõe Alexandre de Moraes (2005, p.690):
“As hipóteses de ajuizamento da ação de inconstitucionalidade por omissão não decorrem de qualquer espécie de omissão do Poder Público, mas em relação às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo, em que a Constituição investe o Legislador na obrigação de expedir comandos normativos.”
Os legitimados a propor este tipo de ação são os mesmos previstos pelo artigo 103 da Carta Magna para a Ação de Direta de Inconstitucionalidade genérica. A competência para julgar a ação é do Pretório Excelso.
Quanto ao procedimento, o único diferencial em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica é quanto a não participação do Advogado Geral da União, posto que não existe, no caso, lei a ser defendida por esta autoridade.
Vale ressaltar que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, após decisão pela inconstitucionalidade omissiva, o Tribunal supremo irá declarar em mora o poder ou órgão da administração responsável pela elaboração da lei regulamentadora da norma constitucional de eficácia limitada. No caso de reconhecimento da omissão de órgão administrativo, dá-se um prazo de 30(trinta) dias para que a inovação normativa ocorra, sob pena de responsabilização. Se a omissão for do poder legislativo, porém, não há estipulação de prazo para sanar a omissão, mas há estipulação de responsabilização por perdas e danos, na qualidade de pessoa de direito público da União Federal, se ocorrer qualquer prejuízo.
A natureza da decisão judicial de procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, portanto, tem natureza mandamental ou obrigatória.
Neste tipo de ação também operam-se os efeitos ex tunc e de extensão erga omnes.
2.1.2.1.3 Ação de Direta Inconstitucionalidade interventiva
A ação direta de inconstitucionalidade interventiva é forma de controle concentrado de constitucionalidade, prevista no artigo 34, inciso VII da Constituição da República, que tem por objeto lei ou ato normativo estadual contrário à quaisquer dos princípios sensíveis da Carta Maior.
No que diz respeito ao procedimento da ação em discussão, preleciona Alexandre de Moraes (2005, p.689):
“A chamada intervenção normativa dependerá de provimento do Supremo Tribunal Federal, da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, proposta pelo Procurador-Geral da República, que detém legitimação exclusiva. O Procurador-Geral, no exercício de suas atribuições e com base na independência funcional do Ministério Público, não está obrigado nem poderá ser compelido a ajuizar, perante o Supremo Tribunal Federal, a citada ação, tornando-se, como lembra Celso Antônio Bandeira de Mello, “perfeitamente lícito ao PGR determinar o arquivamento de qualquer representação que lhe tenha sido dirigida. O PGR atua discricionariamente.”
Quanto à finalidade da ação, encarta Alexandre de Moraes (2005), que esta tem natureza dúplice, com reflexos jurídicos e políticos. Em sendo julgada procedente a ação interventiva, portanto, deve-se decretar a intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal.
2.1.2.1.4 Ação Declaratória de Constitucionalidade
A Ação Declaratória de Constitucionalidade, nos termos do artigo 102, inciso I, “a” da Carta Magna de 1988, visa declarar a constitucionalidade da lei ou ato normativo federal.
A ação em comento – introduzida pela Emenda Constitucional n° 3 -, exsurge como ferramenta necessária ao afastamento da insegurança jurídica estabelecida quando determinada lei federal provoca interpretações diversas nos Tribunais do Brasil. Sob este prisma, pontifica Alexandre de Moraes (2005, p.693):
“A ação declaratória de constitucionalidade, que consiste em típico processo objetivo a afastar a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal, busca preservar a ordem jurídica constitucional.”
Os legitimados a propor ação declaratória de constitucionalidade estão elencados no artigo 103 da Constituição Federal brasileira, por conseguinte, são os mesmos co-legitimados à ação direta de inconstitucionalidade.
O procedimento é bastante similar ao da Ação Direta de inconstitucionalidade por omissão, sendo que, neste particular, é pressuposto para ajuizamento da demanda a demonstração cabal da controvérsia judicial.
Por fim, no que tange aos efeitos da decisão judicial, vale dispor que são: ambivalência, erga omnes, ex tunc e vinculante.
2.1.2.1.5 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é ação de caráter subsidiário, regulamentada pela lei n° 9.882/1999, que possibilita o enfrentamento de atos/leis de qualquer esfera – federal, estadual, municipal – com a Constituição Federal, quando houver agressão a preceito fundamental da Constituição. Neste sentido, pontifica Alexandre de Moraes (2005, p. 702):
“A lei possibilita a argüição de descumprimento fundamental em três hipóteses – para evitar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; para reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público e quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.”
Não há, contudo, definição exata para o que seja preceito fundamental, mas a doutrina majoritária e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal apontam como exemplos de preceitos fundamentais, os comandos normativos previstos no título I da Constituição da República, o disposto pelo artigo 5°, e, o artigo 60, § 4° – cláusulas pétreas –, todos do Texto Constitucional.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tem por objeto, por conseguinte, o controle concentrado de atos/leis de natureza federal, estadual e municipal, inclusive anteriores a atual Constituição, que afrontem preceito fundamental encartado pela Carta Maior do sistema constitucional vigente.
2.1.2.2 Efeitos da declaração de (In)constitucionalidade
Os efeitos produzidos pelo controle de constitucionalidade são distintos, dependendo do tipo de controle e de ação manejados. O controle difuso de constitucionalidade gera efeitos inter partes e ex tunc, em regra.
A decisão no sistema difuso só vincula as partes do processo em que fora suscitada a inconstitucionalidade. Excepcionalmente, para os casos em que incidentalmente decide sobre a inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal pode estender os efeitos da decisão de inconstitucionalidade à terceiro, devendo comunicar o Senado sobre sua decisão, comunicação esta que deve estar acompanhada de parecer do Procurador Geral da República. O Senado, por sua vez, lê em plenário a comunicação e a encaminha a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania para, sendo o caso, suspender, total ou parcialmente, a lei declarada inconstitucional mediante resolução. Neste sentido, expõe o artigo 52, inciso X da Constituição Federal:
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”
Quanto aos efeitos retroativos, em regra, a decisão proferida em sede de controle difuso deve retroagir ex tunc, provocando a nulidade do ato normativo e de suas respectivas consequências jurídicas. Todavia, no caso de ocorrência de grave repercussão social, pode o Pretório Excelso declarar a lei inconstitucional com efeitos ex nunc, ou até mesmo, indicar uma data a partir da qual será esta espécie normativa declarada inconstitucional.
De outra sorte, em sede controle concentrado, os efeitos outrora debatidos se classificam em: erga omnes, ex tunc – ou ex nunc –, e vinculante.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica, na Ação Declaratória de Constitucionalidade, na Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal alcançam a todos indistintamente, com efeito vinculante e, em regra, com efeitos ex tunc.
2.1.3 Princípio da justiça das decisões judiciais
Ao Estado compete o exercício do poder jurisdicional, desde os tempos em que fora abolida a justiça privada. A jurisdição, contudo, não é indistintamente exercida e executada, pautando-se por princípios e normas indicativas do melhor Direito a ser aplicado. Dentre estes preceitos informadores da atividade judicante pode-se citar o princípio da justiça das decisões judiciais.
O princípio da justiça das decisões judiciais tem por finalidade primeira a concretização dos postulados de justiça, de modo a assegurar concreção à promessa constitucional de acesso coletivo a uma ordem jurídica justa, e, à pacificação social com justiça. Neste sentido, pontifica Cândido Rangel Dinamarco, 2001 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.08:
“A coisa julgada material, a forma e as preclusões em geral incluem-se entre os institutos com que o sistema processual busca a estabilidade das decisões e, através dela, a segurança nas relações jurídicas. Escuso-me pelo tom didático com que expus certos conceitos elementares referentes a esses institutos; assim fiz com a intenção de apresentar a base sistemática dos raciocínios que virão, onde porei em destaque e criticarei alguns tradicionais exageros responsáveis por uma exacerbação de valor da coisa julgada e das preclusões, a dano do indispensável equilíbrio com que devem ser tratadas as duas exigências contrastantes do processo. O objetivo do estudo é demonstrar que o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema, nem o é, portanto, a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciais, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça” (Constituição Federal, art. 5°, inciso XXXV).
Não bastaria ao poder jurisdicional, por óbvio, garantir tão só a segurança jurídica e a imparcialidade do julgador, mas também a promoção dos ideais de justiça à coletividade.
É certo que o conceito de justiça é por demais subjetivo, entretanto, a justiça que se debate não é a do senso comum, mas àquela que guarda relação estreita com os ditames da legalidade, e garante a concreção dos valores agasalhados pelo Estado Democrático de Direito. O que empresta legitimidade ao Estado, quando do exercício do poder jurisdicional, não é apenas a certeza da finitude dos conflitos processuais, mas também, a busca pela pacificação com justiça.
Ante este panorama, inarredavelmente, a justiça das decisões judiciais cumpre função social relevante: a resolução justa dos conflitos judiciais. Não quer-se com este entendimento defender a frágil concepção de que Direito e justiça cumprem o mesmo papel, do contrário, quer-se defender a acepção de que institutos distintos, cumpridores de funções distintas, tenham o mesmo fundamento: o justo.
A aplicação de justiça em decisões judiciais não é realidade distante, tampouco impossível, é atividade real de juristas “pensantes”, que não aceitam a mera qualidade de aplicadores do Direito, passando a atuar como estudiosos, entendedores do fenômeno jurídico. É o que se infere de inúmeros julgados dos Tribunais Superiores e do ideal de acesso livre à justiça, encartado no artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988.
2.2 Equacionamento principiológico
É irrefutável o valor soberano dos princípios em relação às normas constitucionais e infraconstitucionais, sendo-lhes ínsito o caráter fundamentador e orientador do sistema jurídico.
Inobstante a natureza soberana dos princípios, cada qual resguarda bens jurídicos valiosos e distintos, de modo que não há nenhum deles que seja absoluto ou preponderante. Com este entendimento, preleciona Cândido Rangel Dinamarco 2002 apud Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, 2004, p.19:
“Nenhum princípio ético ou político tem valor absoluto no universo dos valores e atividades de uma nação ou da própria Humanidade, nem valor suficiente para impor-se invariavelmente sobre outros princípios e sobre todas as legítimas necessidades de uma convivência bem organizada. O culto exagerado a determinado princípio ou idéia fundamental resolve-se em fetichismo e presta-se a aniquilar outros princípios ou idéias fundamentais de igual ou até maior relevância científica ou social, a dano de valores que clamam por zelo e preservação.”
Ainda, sob este mote, pontifica Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes (2004, p. 16):
“Sendo da essência dos princípios que eles entrem freqüentemente em conflito entre si, cumpre ao intérprete “encontrar um compromisso, pelo qual se destine, a cada princípio, um determinado âmbito de aplicação”. Diante do conflito entre princípios, não se deve de modo algum tentar eliminar algum deles. A missão do intérprete é buscar uma solução conciliadora, definir a área de atuação de cada um dos princípios.”
Indiscutivelmente, o equacionamento principiológico aporta como ferramenta de consagração dos preceitos informadores do Estado Democrático de Direito, visto que permite a interpretação das normas constitucionais conforme a Constituição, a ponderação de valores, preceitos e bens jurídicos relevantes, extraindo da situação fática posta, a concreção legal mais próxima dos ideais de justiça e de Direito.
Outrossim, a efetividade do sopesamento principiológico é de expressividade insígne para os ideais de justiça social, sendo exemplo desta elementar atividade interpretativa, o acolhimento do ideal de relativização da coisa julgada.
A consubstanciação da teoria da não absolutividade da coisa julgada exige a ponderação de princípios constitucionais – o princípio da segurança jurídica, o princípio da constitucionalidade e o princípio da justiça das decisões judiciais -, admitindo, em casos restritos e específicos, a afastabilidade do dogma da imutabilidade de decisões judiciais amparadas pelo manto da coisa soberanamente julgada.
É fato, a sacralidade que tem-se emprestado ao instituto da res judicata tem permitido a violação de preceitos supralegais de mesma grandeza, na medida em que permite a sobreposição da segurança jurídica em relação aos demais princípios informadores do ordenamento jurídico.
Neste diapasão, por conceber que justiça e Direito devem ter a mesma dinâmica diretiva, e que os princípios tem o mesmo valor perante a Constituição, defende-se o entendimento pela consubstanciação da teoria do aquilatamento dos princípios constitucionais, e, por conseqüência, do abrandamento do instituto da coisa julgada material inconstitucional
3 Da coisa julgada inconstitucional
3.1 Conceito e pressupostos
A coisa julgada inconstitucional consiste no fenômeno jurídico gestado em decisório magistral não mais impugnável, fundamentado em lei, posteriormente, declarada pelo Supremo Tribunal Federal como violadora de preceitos encartados pela Carta Magna.
Neste diapasão, vislumbra-se a ocorrência da res judicata inconstitucional, mais frequentemente, em três hipóteses, sejam elas: aplicabilidade de norma eivada pelo vício da inconstitucionalidade; não aplicabilidade de norma constitucional, sob o argumento de ser esta inconstitucional; e aplicabilidade de interpretação normativa em desconformidade com a Constituição Federal. Atente-se, todas estas hipóteses de coisa julgada inconstitucional tem como pressuposto a superveniência de decisão da Corte Suprema entendendo pela inconstitucionalidade, constitucionalidade ou desconformidade interpretativo-legal de norma positivada, respectivamente. Com este entendimento, o escólio de Walter de Agra Júnior (2007, p.49):
“Em nosso entendimento deve ser aplicado o parágrafo único do art. 741 do CPC em todos os casos em que decisão em que se baseia a execução estiver sido fundada em norma confrontante com a Constituição – seja por ter considerado-a constitucional (quando não o era, sob a visão do STF) seja por ter considerado-a inconstitucional” (quando o STF, posteriormente, entende pela inconstitucionalidade).
A declaração do Pretório Excelso pela desconformidade interpretativo-constitucional, constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei motivadora de sentença definitiva transitada em julgado – em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, de Ação Declaratória de Constitucionalidade ou em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – é que aufere a coisa julgada o status de inconstitucional, portanto. Sob este prisma, assevera Luiz Henrique Diniz Araújo (2007, p.125-126):
“É importante salientar, neste passo, que a coisa julgada pode ser classificada de inconstitucional, unicamente, em momento superveniente à sua formação. Decidindo o STF pela inconstitucionalidade ou constitucionalidade de determinada norma jurídica (em controle abstrato) enquanto o processo judicial está em curso, o juízo, obrigatoriamente, terá de acatar a decisão, eis que vinculante. Por sua vez, liminar concedida em ação direta de inconstitucionalidade, por não ser definitiva e ter efeitos, em regra, ex nunc, não tem o condão de legitimar a desconstituição dos efeitos da coisa julgada. O mesmo pode ocorrer nas decisões definitivas do STF em controle abstrato. O art. 27 da lei 9868/99 permite que o STF confira efeitos ex nunc aos julgados em controle abstrato de constitucionalidade, fazendo com que os direitos que foram adquiridos no período em que a norma inconstitucional produziu efeitos permaneçam intocados. Neste caso, os atos jurídicos e as sentenças inconstitucionais transitadas em julgado estarão preservados. A decisão julgada inconstitucional permanecerá incólume. A mesma coisa acontecerá se o STF fixar uma determinada data para que seu julgamento tenha eficácia. O ato normativo inconstitucional somente será extirpado do ordenamento jurídico daquele momento em diante. Assim, todas as coisas julgadas inconstitucionais que nele se basearam anteriores àquela data, subsistirão. Vale observar que o controle abstrato realizado pelo STF pode se dá tanto em ação direta de inconstitucionalidade quanto em ação declaratória de constitucionalidade. (…) Dentro do controle abstrato de constitucionalidade há, ainda, que se mencionar a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), consoante o art. 102, §1º da CF c/c Lei 9868/99. Aqui, também, há a possibilidade, diante do julgamento superveniente do STF declarando a inconstitucionalidade de determinado ato normativo federal, estadual ou municipal, do surgimento da coisa julgada inconstitucional.”
Ante este panorama, aportam como pressupostos necessários à ocorrência do instituto da res judicata inconstitucional: sentença definitiva de mérito transitada em julgado e decisório magistral fundado e motivado em lei, posteriormente, declarada como confrontante com a Constituição da República pelo Supremo Tribunal Federal – seja no exercício do controle de constitucionalidade difuso, seja no exercício do controle de constitucionalidade concentrado.
Oportuna e necessária, também, é a exposição dos efeitos jurídicos gerados a partir do reconhecimento pelo Tribunal Supremo de afronta constitucional de ato normativo, visto que a depender do tipo de controle de constitucionalidade, via de regra, os efeitos são distintos.
Quando a Suprema Corte, no exercício do controle de constitucionalidade, prolata a inconstitucionalidade, constitucionalidade ou desconformidade de Lei através do controle concentrado, o efeito jurídico principal tem extensão, em regra, erga omnes, portanto, com caráter vinculante.
De outra sorte, quando a ferramenta de controle de constitucionalidade utilizada pelo Supremo Tribunal Federal for à via de exceção, reza a doutrina majoritária, que o efeito jurídico principal tem extensão, em regra, inter partes. Excepcionalmente, sendo à Lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal suspensa pelo Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal brasileira de 1988, o efeito jurídico principal, via controle difuso, terá alcance erga omnes. Neste sentido, contudo, é dissonante a jurisprudência, expondo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes na Reclamação 4335-5/AC:
“Parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa”.
Neste diapasão, embora não haja consenso doutrinário e jurisprudencial quanto ao caráter não vinculante da decisão prolatada pela Corte Constitucional, via controle difuso de constitucionalidade, o entendimento majoritário é pela sua extensão, em regra, inter partes, e, por conseguinte, excepcionalmente, vinculante.
3.2 A imutabilidade das decisões judiciais e a supremacia constitucional
O dogma da imutabilidade das decisões judiciais busca validade no ideal de intangibilidade da coisa julgada material, tendo fulcro em interpretação do art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988 que giza pelo status constitucional da res judicata.
Outro sustentáculo emprestado à teoria da impermeabilidade das decisões magistrais é o entendimento pela taxatividade do art. 485 do Código de Processo Civil, e, por conseguinte, do exaurimento das hipóteses legais a permitir a relativização da coisa julgada.
Outrossim, o princípio da segurança jurídica aporta como preceito fundamental à legitimação da não eternização de contendas judiciais, e, em conseqüência, à valoração da inalterabilidade de dispositivos sentenciais acobertados pelo manto da coisa soberanamente julgada.
Contudo, não se pode olvidar que a consagração da imperturbabilidade de dispositivo sentencial amparado por coisa julgada inconstitucional fere, sobremaneira, a supremacia constitucional, posto que afronta princípios constitucionais de mesmo valor que o da segurança jurídica, sejam eles: o princípio da constitucionalidade e o da justiça das decisões judiciais.
Não há que se permitir a preponderância de um preceito supralegal em relação a outros se, perante a Constituição, eles têm o mesmo valor jurídico. Princípios que, no escalonamento jurídico, ocupam o mesmo nível de importância devem ser equacionados, aquilatados. É o que se infere do ideal de supremacia constitucional e verticalização normativa. Neste sentido, obtempera Cândido Rangel Dinamarco, 2002 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.08-09:
“Não há uma garantia sequer, nem mesmo o da coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor da segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade da pessoa humana e intangibilidade do corpo etc. É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica, mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável. Nesta perspectiva metodológica e levando em conta as impossibilidades jurídico-constitucionais acima consideradas, conclui-se que é inconstitucional a leitura clássica da garantia da coisa julgada, ou seja, sua leitura com a crença de que ela fosse algo absoluto e, como era hábito dizer, capaz de fazer do preto branco e do quadrado redondo. A irrecorribilidade daqueles resultados substanciais política ou socialmente ilegítimos, que a Constituição repudia. Daí a propriedade e a legitimidade sistemática da locução, aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional.”
Vale ressaltar, ainda, que a natureza da coisa julgada é infraconstitucional, com respaldo constitucional apenas quanto aos efeitos do fenômeno da retroatividade de leis que inovam o ordenamento jurídico. Sob este mote, preleciona Luiz Henrique Diniz Araújo (2007, p.124):
“Uma vez afirmado que nosso entendimento é pela possibilidade da desconstituição da coisa julgada inconstitucional, cabe enfrentar um aparente obstáculo. E tal falso obstáculo é o art. 5º, XXXVI, da CF, com a seguinte dicção: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Desse dispositivo decorre a pergunta: o princípio da res judicata foi constitucionalizado no Direito brasileiro? Mesmo havendo quem pense o contrário, nossa posição é no sentido de que o art. 5º, XXXVI, da CF, se trata de regra de direito intertemporal, protegendo a coisa julgada contra nova lei.
Assim, tal dispositivo constitucional não serviria para preservar a coisa julgada quanto prolatada em confronto com a própria Constituição Federal. Verifica-se, pois, que a intangibilidade da coisa julgada tem exclusivamente proteção infraconstitucional, razão por que, assim como os atos legislativos e administrativos, os atos judiciários, inclusive a sentença sob o pálio da coisa julgada, não podem estar a salvo do controle de constitucionalidade.”
Ante este panorama, pondere-se: assim como não há um princípio de livre revogabilidade dos decisórios judiciais, também não pode haver consagração da absolutividade da coisa julgada inconstitucional, posto que seria o mesmo que refutar a supremacia constitucional.
3.4 Efeitos da institucionalização da res judicata inconstitucional
A intocabilidade da coisa julgada, sob o argumento de consagração da segurança jurídica, não tem o condão de afastar os efeitos negativos – jurídicos e sociais – advindos da institucionalização da res judicata inconstitucional. Sob esta ótica, assevera Humberto Theodoro Júnior (2006, p.126):
Com efeito, institucionalizou-se o mito da impermeabilidade das decisões judiciais, isto è, de sua imunidade a ataques, ainda que agasalhassem inconstitucionalidade, especialmente, após operada a coisa julgada e ultrapassado nos variados ordenamentos, o prazo para a sua impugnação. A coisa julgada, neste cenário, transformou-se na expressão máxima a consagrar os valores de certeza e segurança perseguidos no ideal Estado de Direito. Consagra-se, assim, o princípio da intangibilidade da coisa julgada, visto, durante anos, como dotado de caráter absoluto. Tal é o resultado da idéia, data vênia equivocada e largamente difundida, de que o Poder Judiciário se limita a executar a lei, sendo, desta, defensor máximo dos direitos e garantias assegurados na própria Constituição. É em face do prestígio alcançado pelo postulado retro que conforme assinala Vieira de Andrade, “embora os tribunais formem um dos poderes do Estado, não há em princípio preocupação de instituir garantias contra suas decisões”.
Com este mesmo apontamento, preceitua Paulo Otero, 1993 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.04:
“As questões da validade constitucional dos atos do poder judicial forma objeto de esquecimento quase total, apenas justificando a persistência do mito liberal que configura o juiz como “a boca que pronuncia as palavras da lei” e o poder judicial como “invisível e nulo”.”
Os contornos absolutistas que tem-se emprestado à coisa julgada, portanto, tem convalidado o desrespeito à Constituição da República, o afastamento do princípio constitucional da justiça das decisões judiciais e o descrédito do Direito – como fenômeno jurídico – no meio social. Não bastassem estes reflexos, a institucionalização da coisa julgada inconstitucional ainda quer dizer que os juízes são meros aplicadores do Direito positivado, e não intérpretes do fenômeno jurídico.
3.4 Da teoria da relativização da coisa julgada
3.4.1 Noções preliminares
A doutrina processualista nacional majoritária defende a absolutividade da coisa julgada, exceto, quanto às expressas hipóteses de abrandamento da res judicata, previstas pelo artigo 485 do Código de Processo Civil, tendo por fundamento o princípio da segurança jurídica.
Em contrapartida a esta maioria, no entanto, surgem novos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, no sentido de refutar a intangibilidade absoluta das decisões judiciais quando da ocorrência da coisa julgada inconstitucional, por exemplo. Neste sentido, pontifica Cândido Rangel Dinamarco, 2002 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.06:
“A doutrina e os tribunais começam a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, na consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas.”
Sob esta mesma perspectiva, assevera Carlos Valder do Nascimento, 2002 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.06:
“Sendo certo que as decisões jurisdicionais configuram atos jurídicos estatais posto reproduzir a manifestação da vontade do Estado, sua validade pressupõe estejam elas em consonância com os ditames constitucionais. Por esse motivo, não se pode convalidar sua inconstitucionalidade, visto ser improvável abrir mão de mecanismos susceptíveis de permitir a efetivação de modificações imprescindíveis ao seu ajustamento aos cânones do direito constitucional.”
Ante este panorama, observa-se que o ideal de relativização da coisa julgada tem fulcro nos postulados de equacionamento principiológico, de Supremacia Constitucional e não soberania dos atos judiciais.
Sob o argumento de não soberania dos atos judiciais, preconiza Carlos Valder Nascimento 2002 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.06:
“Sendo certo que as decisões jurisdicionais configuram atos jurídicos estatais posto reproduzir a manifestação da vontade do Estado, sua validade pressupõe estejam elas em consonância com os ditames constitucionais. Por esse motivo, não se pode convalidar sua inconstitucionalidade, visto ser improvável abrir mão de mecanismos susceptíveis de permitir a efetivação de modificações imprescindíveis ao seu ajustamento aos cânones do direito constitucional.”
Neste diapasão, inarredável a importância da adoção da teoria de permeabilidade de decisórios judiciais e quebrantamento da coisa julgada quando, por exemplo, for esta inconstitucional.
3.4.2 Admissibilidade, reflexos e limites
Ressentindo-se dos contornos absolutistas que tem-se emprestado à coisa julgada inconstitucional, alguns doutrinadores processualistas passaram à elaboração da teoria do abrandamento da res judicata inconstitucional.
Segundo os estudiosos, a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional defende a oportunização de tangibilidade do dispositivo sentencial, transitado em julgado, e fundado em lei declarada pelo Pretório Excelso como violadora da Constituição Federal. Dita acepção teórica tem por pressupostos: a natureza infraconstitucional da coisa julgada, o aquilatamento constitucional de princípios de mesma grandeza e à consagração da supremacia constitucional.
A defesa pela natureza infraconstitucional da coisa julgada, em suma, tem fulcro no fato de o regramento institucional da res judicata constar no Código de Processo Civil – diploma infraconstitucional –, com respaldo constitucional apenas quanto ao fenômeno da retroatividade normativa. Sob esta ótica, preconiza Walter de Agra Júnior (2007, p.49):
“O instituto da coisa julgada só possui proteção constitucional contra novas normas, seria uma temeridade, sobre o pretexto de manter a segurança jurídica, conceder aos magistrados o Poder Constituinte originário para reformar preceitos constitucionais. Assim como acontece com todos os demais atos emanados dos demais poderes, os atos emanados dos demais poderes, os atos provenientes dos membros do Poder Judiciário também têm que observar os limites dos ditames contidos na nossa Constituição.”
De fato, a coisa julgada possui natureza infraconstitucional, sendo oportuno recordar, ainda, que seus contornos não são absolutos. É o que se infere, por exemplo, das hipóteses de manejo de ação rescisória e de interposição de embargos à execução.
À título ilustrativo, transcreve-se o disposto pelos artigos 485 e 741, ambos do Código de Processo Civil:
“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV – ofender a coisa julgada;
V – violar literal disposição de lei;
Vl – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória;
Vll – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII – houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2o É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II – inexigibilidade do título;
III – ilegitimidade das partes;
IV – cumulação indevida de execuções;
V – excesso de execução;
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença
Vll – incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”
O equacionamento principiológico, por sua vez, aporta como ferramenta, propriamente dita, a permitir à relativização da coisa julgada inconstitucional, posto que permite ao Poder Judiciário proceder a consecução ponderada dos princípios da segurança jurídica, da constitucionalidade e justiça das decisões judiciais. Com esta dicção, pontifica Carlos Valder do Nascimento, 2002 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.07:
“Havendo simetria entre a segurança e a justiça na perspectiva lógica da aplicação do direito, o conflito que se procura estabelecer é de mera aparência. De fato, inadmissível a segurança servir de plano de fundo para impedir a impugnação da coisa julgada, imutável, imodificável e absoluta, na percepção dos processualistas mais conservadora. Mas torna-se necessário enfrentar tais resistências, desmistificando a idéia de superação do Estado de Direito pelo Poder Judiciário”.
No que diz respeito à supremacia constitucional entende-se, doutrinariamente, que figura como pressuposto basilar à consagração da relativização da coisa julgada inconstitucional, visto que é o escalonamento jurídico que consagra à Constituição como referencial a todo ordenamento jurídico e à atividade do Poder Judiciário.
Ante este panorama, valorado os ideais do Estado Democrático de Direito, não se pode olvidar a necessidade de admissão dos postulados de relativização da res judicata inconstitucional. Todavia, a permeabilidade de decisório magistral deve se limitar a hipóteses restritas, devendo o Supremo Tribunal Federal – quando do exercício do controle de constitucionalidade –, avaliar as razões de segurança jurídica e o interesse social, e, por fim, prolatar decisão com efeitos ex tunc, ex nunc ou pro futuro. Neste sentido, o exposto pelo artigo 27 da Lei n° 9.868/99:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
Ainda sob esta perspectiva, o apontamento do doutrinador Luiz Henrique Diniz Araújo (2007, p.126):
“O art. 27 da lei 9868/99 permite que o STF confira efeitos ex nunc aos julgados em controle abstrato de constitucionalidade, fazendo com que os direitos que foram adquiridos no período em que a norma inconstitucional produziu efeitos permaneçam intocados. Neste caso, os atos jurídicos e as sentenças inconstitucionais transitadas em julgado estarão preservados. A decisão julgada inconstitucional permanecerá incólume. A mesma coisa acontecerá se o STF fixar uma determinada data para que seu julgamento tenha eficácia. O ato normativo inconstitucional somente será extirpado do ordenamento jurídico daquele momento em diante. Assim, todas as coisas julgadas inconstitucionais que nele se basearam anteriores àquela data, subsistirão.”
Neste diapasão, não se agasalha o entendimento de que a res judicata só pode ser relativizada nas hipóteses taxativas expressas em Lei.
Por fim, no que pertine aos reflexos da adoção da teoria de relativização da coisa julgada inconstitucional, pode-se classificá-los em duas ordens: os sociais e os jurídicos.
Dentre os reflexos sociais, destaque-se a maior legitimidade que alcança o Direito perante a sociedade. Mais que para garantir certezas e estabilidade, ao provocar o Poder Judiciário, a sociedade busca a consubstanciação da justiça.
Quanto aos reflexos jurídicos, inexoravelmente, o mais importante de todos aporta na compreensão do Direito como ciência humana que exige uma atividade pensante de seus intérpretes. Magistrados que não são meros reprodutores da lei consagram, em seus atos judiciais, a supremacia constitucional, a efetividade do direito e a consagração da justiça.
4 Dos instrumentos de desfazimento da coisa julgada inconstitucional
4.1 Aspectos gerais
A teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional parte de três pressupostos, sejam eles: a natureza infraconstitucional e relativa da coisa julgada, o sopesamento dos princípios da justiça das decisões judiciais e o princípio da segurança jurídica e a consagração da supremacia constitucional. O controle dos dispositivos sentenciais é a finalidade do ideal de desfazimento da res judicata inconstitucional, portanto. Sob este aspecto, preconiza Carlos Valder Nascimento, 2002, p. 05 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.06:
“Sendo certo que as decisões jurisdicionais configuram atos jurídicos estatais posto reproduzir a manifestação da vontade do Estado, sua validade pressupõe estejam elas em consonância com os ditames constitucionais. Por esse motivo, não se pode convalidar sua inconstitucionalidade, visto ser improvável abrir mão de mecanismos susceptíveis de permitir a efetivação de modificações imprescindíveis ao seu ajustamento aos cânones do direito constitucional. (…) O poder judiciário não detém a soberania e, como tal, não pode se justificar o mito da intangibilidade da função jurisdicional, enquanto manifestação do exercício da atividade estatal.”
Salutar, também, a exposição de que a adoção da teoria da tangibilidade da coisa julgada inconstitucional encontra adeptos no seio do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Preconiza o Ministro do STJ José Augusto Delgado, 2005, p.207 apud Walter de Agra Júnior, 2007, p.42:
“Não posso aceitar, em sã consciência, que, em nome da segurança jurídica, a sentença viole a Constituição Federal, seja veículo de injustiça, desmorone ilegalmente patrimônios, obrigue o Estado a pagar indenizações indevidas, finalmente, que desconheça que branco é branco, e que a vida não pode ser considerada morte, e vice-versa.”
Sob a mesma perspectiva, assevera o Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes (2001, p. 102):
“Vê-se, pois, com a adoção do novo modelo normativo, ampliou-se a possibilidade de impugnação dos atos concretos inconstitucionais, especialmente das sentenças ou decisões judiciais fundadas em leis inconstitucionais ou em interpretação tida incompatível com a Constituição. É que tais sentenças transitadas em julgado poderão ter sua inexigibilidade reconhecida em sede de embargos à execução nas ações contra a Fazenda Pública ou mediante impugnação proposta nas demais formas de execução judicial. Abriu-se, assim, uma nova perspectiva dogmática para o debate em torno da superação da ‘coisa julgada inconstitucional’ no âmbito do próprio processo de execução judicial. Cuida-se de solução que, respeitando a separação de plano de validade da lei e do ato concreto, concebe fórmula adequada de impugnação, no âmbito do procedimento de execução, da sentença judicial proferida com base em lei inconstitucional ou adotada com lastro e interpretação não compatível com a Constituição.”
Ante este panorama, dada a pertinência da matéria, passa-se a análise pormenorizada de cada um dos instrumentos mencionados pela doutrina e jurisprudência como aptos a desfazer a cosa julgada inconstitucional.
4.2 A ação rescisória
A ação rescisória consiste em ação autônoma cujo fito é desmantelar decisões judiciais transitadas em julgado, nas hipóteses arroladas no artigo 485 do Código de Processo Civil, de modo a rescindi-las.
À título ilustrativo, transcreve-se o artigo 485 do Código de Processo Civil:
“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV – ofender a coisa julgada;
V – violar literal disposição de lei;
Vl – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII – houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2o É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.”
Atente-se, a ação rescisória não é recurso, devendo-se observar, conforme disposto pelo artigo 495 do Código de Processo Civil, o prazo decadencial de 02(dois) anos para sua propositura.
No que diz respeito, em específico, a possibilidade de propor ação rescisória face à ocorrência da coisa julgada inconstitucional, ressalve-se, a doutrina e a jurisprudência não apresentam entendimento uníssono.
Os adeptos da corrente pela não possibilidade de manejo de ação rescisória face à coisa julgada inconstitucional defendem a taxatividade do artigo 485 do Códex Processual Civil, não agasalhando o entendimento de que a coisa julgada inconstitucional se enquadre no conceito de violação à lei – hipótese elencada pelo inciso V do artigo em comento. Argumentam, ainda, a impossibilidade de desconstituição de sentença definitiva de mérito através de ação rescisória por disposição expressa da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, que assim giza: “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Sob esta perspectiva, preleciona Luiz Guilherme Marinoni (2005, p.240):
“Isso quer dizer que ou a Súmula n. 343 não vale nada – nem mesmo para as leis infraconstitucionais – ou ela deve ser aplicada também à matéria constitucional. Mas, pensar na eliminação da Súmula 343 significa dar extensão desmedida ao art. 485, V do CPC, equivalente não à necessidade de uma exceção à coisa julgada material, mas sim à negação da sua própria essência. A tentativa de eliminar a cosa julgada diante de uma nova interpretação constitucional não só retira o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário – que é a estabilização da vida após o encerramento do processo que definiu o litígio-, como também parece ser uma tese fundada na idéia de impor um controle sobre as situações pretéritas.”
De outra banda, há doutrinadores processualistas a defender à possibilidade de manejo de ação rescisória quando da ocorrência da res judicata inconstitucional, subdivididos estes em: aqueles que entendem pela propositura da ação rescisória a qualquer tempo e aqueles que consideram o prazo decadencial de 02(dois) anos para sua propositura.
Sob o prisma da inobservância do prazo bienal para desconstituir a coisa julgada inconstitucional via ação rescisória, assevera Ivo Dantas, 2006, p.261 apud Walter de Agra Júnior, 2007, p.67:
“Admitida, portanto, a propositura de Ação Rescisória em que a norma frontalmente ferida seja dispositivo constitucional, falta-nos apenas vencer a questão do prazo decadencial, ou seja, apenas advogamos uma maior abertura para o uso da Ação Rescisória contra decisões inconstitucionais, isto porque, na hipótese, e apesar de a Constituição ser a Lei das Leis, não nos satisfaz nem impressiona a simples interpretação controvertida nos tribunais, mas sim (e a repetição é proposital) a declaração de inconstitucionalidade da lei, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; Em consequência, não aceitamos, nos casos de inconstitucionalidade, o prazo, e como dissemos acima, em se tratando de coisa julgada inconstitucional, o atentado à Constituição poderá ser invocado a qualquer momento e em qualquer instância ou Tribunal, pois se trata de decisão inexistente, por estar calcada em lei inconstitucional.”
Em sentido contrário, assevera Walter de Agra Júnior (2007, p.67):
“Não se pode deixar de lado o pressuposto de que a ação rescisória só pode ser utilizada até 02(dois) anos após o trânsito em julgado por força de limitação legal. É bem verdade que seria muito conveniente e adequado a majoração desse prazo para os casos de coisa julgada inconstitucional ou, até mesmo, a ausência de limitação temporal para esse caso. Todavia, mister se faz uma modificação normativa. Da forma como hoje se apresenta, não vejo como suplantar este obstáculo decadencial”.
Destaque-se, os entendedores da permissividade de ação rescisória ante a res judicata inconstitucional, compreendem que a violação à lei referida no inciso V do artigo 485 do Código de Processo Civil ocorre, também, na hipótese de ocorrência de caso julgado inconstitucional.
Os teóricos processualistas adeptos da corrente da plausibilidade de desfazimento da coisa julgada inconstitucional através de ação rescisória, portanto, partem do pressuposto de que a sentença judicial, acobertada pelo manto da res judicata inconstitucional, é existente, sendo plenamente válida até a desconstituição do dispositivo sentencial eivado pelo vício da afronta à Constituição Federal.
Oportuno, entretanto, expor que a doutrina e a jurisprudência majoritária não se posicionam pela utilização da ação rescisória como sendo o instrumento pertinente ao desfazimento da res judicata inconstitucional, tendo-se admitido seu manejo por questões de respeito ao princípio da economia processual. Argumentam estes estudiosos que a sentença acobertada padece do vício da nulidade absoluta, reconhecível de ofício pelo magistrado e impugnável a qualquer tempo, prescindindo, portanto, da necessidade de rescisão e observância de limitação temporal.
4.3 A actio querela nullitati insanabilis
A actio querela nullitati insanabilis é ação autônoma cuja finalidade é garantir a tangibilidade de decisório magistral acobertado por coisa julgada, sob o argumento, de achar-se contaminado pelo vício da nulidade absoluta.
Acerca do instituto da actio querela nullitati insanabilis, pontifica Carlos Valder Nascimento, 2002, p.07 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.11:
“A querela nullitatis foi concebida com o escopo de atacar a imutabilidade da sentença convertida em res iudicata, sob o fundamento, consoante Moacyr Amaral Santos, de achar-se contaminada de vícios que a inquinasse de nulidade, visando a um indicium rescinders. Este, uma vez obtido, ficava o querelante na situação de poder colher uma nova decisão sobre o mérito da causa. A decisão judicial impugnada de injustiça desse modo, posta contra expressa disposição constitucional, não pode prevalecer. Neste caso, configurando o julgado nulo de pleno direito, tem cabimento de ação própria no sentido de promover sua modificação, com vistas a restaurar o direito ofendido. Contradiz a lógica do ordenamento jurídico a sentença que, indo de encontro a Constituição, prejudica uma das partes da relação jurídico-processual. São por conseguintes, passíveis de serem desconstituídas as sentenças que põem termo ao processo, por ter decidido o mérito da demanda, enquadrando-se também, na hipótese, os acórdãos dos tribunais. Isso se persegue mediante ação autônoma que engendra uma prestação jurisdicional resolutória da sentença hostilizava, cujos efeitos objetiva desconstituir. Nisso é que reside sua razão fundamental: anulação de sentença de mérito que fez coisa julgada inconstitucional”
Neste mesmo sentido, prelecionam Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro 2002, p.126 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.13:
“A decisão judicial transitada em julgado desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo”.
Defendendo, por sua vez, a inexistência de sentença que é fundada em lei ou ato normativo inconstitucional, asseveram Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, 2003, p.38-39 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.12:
“Portanto, segundo o que nos parece, seria rigorosamente desnecessária a propositura da ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação seria unicamente inexistente, pois que baseada em ‘lei’ que não é lei (‘lei’ inexistente). Portanto, em nosso entender a parte interessada deveria, sem necessidade de se submeter ao prazo do art. 495 do CPC, intentar ação de natureza declaratória, com o único objetivo de gerar maior grau de segurança jurídica à sua situação. O interesse de agir, em casos como esse, nasceria não da necessidade, mas da utilidade da obtenção de uma decisão neste sentido, que tornaria indiscutível o assunto, sobre o qual passaria a pesar a autoridade de coisa julgada.O fundamento para a ação declaratória de inexistência seria a ausência de uma das condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido. Para nós, a possibilidade de impugnação de sentenças de mérito proferidas apesar de ausentes as condições da ação não fica adstrita ao prazo do artigo 495 do CPC.
Discordando do posicionamento doutrinário que se queda pela inexistência da sentença judicial protegida pela res judicata inconstitucional, Humberto Theodoro Júnior (2003) defende que o decisório magistral acobertado pelo manto da coisa julgada inconstitucional é nulo de pleno direito sem, contudo, atacar-lhe o plano da existência. Parece esta ser a posição doutrinária mais razoável, visto que a sentença judicial fora prolatada com base em lei à época vigente. Repise-se, a declaração da Corte Suprema pela constitucionalidade, inconstitucionalidade ou desconformidade da lei ou ato normativo ocorre em momento superveniente à prolação da sentença, tendo esta cumprido os requisitos exigidos pelo artigo 458 do Código de Processo Civil no momento de sua formação.
Ante este panorama, tem-se como cabível o manejo de ação declaratória de inexistência de coisa julgada, sob o fundamento de que, com a declaração de inconstitucionalidade, constitucionalidade ou desconformidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, a sentença deixa de preencher os requisitos essenciais esposados pelo artigo 458 do Código de Processo Civil, impondo-se, por conseguinte, sua nulidade absoluta.
Por fim, destaque-se, o manejo da actio querela nullitati insanabilis pode ocorrer a qualquer tempo e grau de jurisdição, pois não há nenhuma imposição legal no que diz respeito à limitação de prazo. É o que se infere do entendimento esposado pela doutrina e jurisprudência majoritária.
4.4 Impugnação
Dispõe o artigo 475-L do Código de Processo Civil brasileiro:
“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II – inexigibilidade do título;
III – penhora incorreta ou avaliação errônea;
IV – ilegitimidade das partes
V – excesso de execução;
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.
§ 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
§ 2o Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.”
Conforme esposado pelo §1° do artigo em comento, a impugnação pode ter por objeto a inexigibilidade de título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados pela Corte Suprema como violadores da Constituição da República.
Neste diapasão, a impugnação é ferramenta apta a desconstituir sentença amparada por coisa julgada inconstitucional, diferenciando-se dos embargos à execução apenas por dois fatores, sejam eles: o momento para apresentação de impugnação é o da fase de liquidação da sentença judicial; e, não há necessidade de que o pólo passivo seja ocupado pela Fazenda Pública para seu manejo. Neste sentido, assevera Walter de Agra Júnior (2007, p.70):
“A inovação legislativa abriu a possibilidade às partes de enfrentarem a sentença passada em julgado, desde que as mesmas tenham se pautado em norma tida como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em dois momentos: na impugnação quando da fase de liquidação da sentença e nos embargos à execução.”
Por fim, vale expor que a impugnação não encontra nenhum óbice de natureza temporal, podendo ser utilizado a qualquer tempo, desde que dentro da fase de liquidação de sentença. É o que se extrai dos entendimentos doutrinários mais abalizados.
4.5 Embargos à execução
A desconstituição de dispositivo sentencial maculado pelo vício da inconstitucionalidade pode ocorrer mediante a apresentação de embargos à execução, desde que a declaração do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade aconteça em momento posterior à prolação da sentença judicial e que o pólo passivo da execução seja ocupado pela Fazenda Pública – Federal, Estadual ou Municipal. Neste sentido, dispõe o artigo 741 do Código de Processo Civil:
“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II – inexigibilidade do título;
III – ilegitimidade das partes;
IV – cumulação indevida de execuções;
V – excesso de execução;
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;
Vll – incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”
Obtempera Humberto Theodoro Júnior, 2003, p.126 apud Rodrigo Murad Prado, 2005, p.13:
“A decisão judicial transitada em julgado desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte pode “a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução” (STJ, Resp 7.556/RO, 3 T., Re. Ministro Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/439)”.
Neste mesmo sentido, preleciona o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes, 2001, p.102-108 apud Walter de Agra Júnior, 2007, p.71:
“Vê-se, pois, que, com a adoção do novo modelo normativo, ampliou-se a possibilidade de impugnação dos atos concretos inconstitucionais, especialmente das sentenças ou decisões judiciais fundadas em leis inconstitucionais ou em interpretação tida como incompatível com a Constituição. É que tais sentenças transitadas em julgado poderão ter a sua inexigibilidade reconhecida em sede de embargos à execução nas ações contra a Fazenda Pública ou mediante impugnação proposta nas demais formas de execução judicial. Abriu-se, assim, uma nova perspectiva dogmática para o debate em torno da superação da ‘coisa julgada inconstitucional’ no âmbito do próprio processo de execução judicial. Cuida-se de solução que, respeitando a separação de plano de validade da lei e do ato concreto, concebe fórmula adequada de impugnação, no âmbito do procedimento de execução, da sentença judicial proferida com base em lei inconstitucional ou adotada com lastro em interpretação não compatível com a Constituição.”
Quanto ao alcance normativo do artigo 741 do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça, através do Ministro Teori Albino Zavascki, 2007 apud Walter de Agra Júnior, 2007, p. 71-73, assentou:
“Realmente, o novo instrumento rescisório não tem a força e nem o desiderato de solucionar, por inteiro, todos os possíveis conflitos entre os princípios da supremacia da Constituição e da coisa julgada. É que a sentença pode operar ofensa à Constituição em variadas situações, que vão além das que resultam do controle de constitucionalidade das normas. A sentença é inconstitucional não apenas (a) quando aplica norma inconstitucional (ou com um sentido ou a uma situação tidos por inconstitucionais), mas também quando, por exemplo, (b) deixa de aplicar norma declarada constitucional, ou (c) aplica norma constitucional considerada não auto-aplicável, ou (d) deixa de aplicar dispositivo da Constituição auto-aplicável, e assim por diante. Em suma, a inconstitucionalidade de sentença ocorre me qualquer caso de ofensa à supremacia da Constituição, e o controle dessa supremacia, pelo Supremo, é exercido em toda a amplitude da jutisdição constitucional, da qual a fiscalização da constitucionalidade das leis é parte importante, mas é apenas parte. A solução oferecida pelo parágrafo único do art. 741 do CPC, repita-se, não é aplicável a todos os possíveis casos de sentença inconstitucional. Trata-se de solução para situações especiais, e consequentemente, não afasta a necessidade de, eventualmente, trilhar outros caminhos (ordinários ou especiais) quando houver sentença com vícios de inconstitucionalidade não especificados naquele dispositivo. Não se esgota, portanto, o debate, hoje corrente sob o rótulo da “relativização da cosa julgada”, com posições ardorosas em sentidos diferentes, uns admitindo a “relativização” (v.g.: José Augusto Delgado, “Efeitos da coisa julgada e princípios constitucionais”, in “Cosa Julgada Inconstitucional” – Coord. Carlos Valder do Nascimento, RJ, América Jurídica, 2002; Humberto Theodoro Jr. e Juliana Cordeiro de Faria, “A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle”, in “Coisa Julgada Inconstitucional” – Coord. Carlos Valder Nascimento, cit., p. 83; Cândido Dinamarco, “A nova era do Processo Civil”, Malheiros, 2003, p.220-266; Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, “O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização”, RT, 2003), e outros negando-a peremptoriamente (v.g.: Ovídio A. Batista da Silva, “Coisa Julga relativa?”, RDDP 13:102-112; José Carlos Barbosa Moreira, “Considerações sobre a chamada ‘relativização’ da cosa julgada material, Revista Dialética de Direito Processual – RDDP, n. 22, p.91-111; Luiz Guilherme Marinoni, “O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização da coisa julgada material)”, Gênesis – Revista de Direito Processual Civil 31;142-162). Admitindo-se, em casos graves em que isso seja inevitável, a necessidade de fazer prevalecer, sobre a coisa julgada, o princípio ofendido pela sentença, não se descarta a adoção, para tanto, do procedimento do art. 741, parágrafo único, do CPC, mesmo que a hipótese extrapole dos limites nele estabelecido. É que, para essas situações excepcionais, não há procedimento previsto em lei, devendo ser adotado – por imposição do princípio da instrumentalidade – o que melhor atende ao fim almejado, de defender a Constituição. Porém, não é essa a utilização a que, ordinariamente, se destina o referido mecanismo. A força rescisória dos embargos à execução restringe-se, conforme expressa o texto normativo, a “(…) título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição”. São apenas três, portanto, os vícios de inconstitucionalidade que permitem a utilização do novo mecanismo: (a) a aplicação de lei inconstitucional; ou (b) a aplicação da lei a situação considerada inconstitucional; ou, ainda (c) a aplicação da lei com um sentido (= uma interpretação) tido por inconstitucional. Há um elemento comum às três hipóteses: o da inconstitucionalidade da norma aplicada pela sentença. O que as diferencia é, apenas, a técnica utilizada para o reconhecimento dessa inconstitucionalidade. No primeiro caso (aplicação de lei inconstitucional) supõe-se a declaração de inconstitucionalidade com redução de texto. No segundo (aplicação da lei em situação tida por inconstitucional), supõe-se a técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. E no terceiro (aplicação de lei com um sentido inconstitucional), supõe-se a técnica da interpretação conforme a Constituição. “
Neste diapasão, observa-se que o fundamento para a interposição de embargos á execução encontra respaldo no ideal de inexigibilidade de título executivo judicial, encartando a nulidade de pleno direito de decisório magistral baseado em lei que afronte a Constituição da República. Não há limite temporal para a interposição de embargos à execução, desde que ocorre dentro da fase executiva ou na execução de título judicial. É o que se infere dos posicionamentos doutrinários mais arrazoados.
Ante este panorama, percebe-se que ao inovar o ordenamento jurídico, a partir da inclusão do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, o Poder Legiferante previu a possibilidade de quebrantamento da coisa julgada inconstitucional, de fato.
4.6 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental está prevista no artigo 102, §1° da Constituição Federal brasileira de 1988, sendo regulamentada pela Lei n° 9.882/99, também denominada “Lei de Arguição”.
Conforme exposto pelo artigo 1°, inciso I da Lei de Arguição, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é instrumento hábil a proteger os preceitos encartados na Carta Maior, quando o fundamento da controvérsia constitucional for relevante e versar sobre ato normativo ou lei federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.
Sob a possibilidade de manejo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental face à coisa julgada inconstitucional, preceitua Walter de Agra Júnior (2007, p.77-78):
“Dúvidas não restam que a sentença é um resultante do poder público, haja vista que é função exclusiva do Poder Judiciário – que é um poder público – prestar a tutela judicial. E a sentença, em sendo uma forma de prestação judicial, é um ato resultante do Poder Público. Logo, a sentença (sobretudo quando passada em julgado) abre a via estreitíssima da ADPF quando lesionar preceito fundamental. Nesse sentido é o posicionamento de Fausto de França Júnior que expõe que “o que defendemos é que exigir que a ADPF seja usada apenas em face de atos normativos esvazia totalmente o seu conteúdo, equiparando-a a uma ADIN, e tornado o seu uso medida inócua, o que evidentemente não é o objetivo do constituinte”. É bem verdade que embora seja um instrumento hábil para proteger e defender a Carta Magna, este instrumento tem o seu bem limitado seja pleos seus diminutos casos de cabimento (só pode atacar ato do pder público e quando houver controvérsia entre a Carta Magna e norma infraconstitucional, anterior a Constituição) seja pela grande limitação de partes legitimadas para propor a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental. Todavia, não há que se olvidar que a ADPF pode, também, ser utilizada como instrumento para desconstituir a coisa julgada inconstitucional.”
Os defensores do ideal de utilização da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental como instrumento apto a desfazer dispositivo judicial acobertado pelo manto da coisa julgada inconstitucional, partem do pressuposto de que a sentença é ato resultante do Poder Público, o que viabiliza sua utilização em casos de lesão a preceito de natureza fundamental.
Neste diapasão, reforce-se, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental só é ferramenta hábil a desmantelar decisório magistral maculado pela
res judicata inconstitucional quando buscar atacar sentença judicial que, em desrespeito a Carta Constitucional, deu aplicabilidade a norma de nível infraconstitucional, e desde que manejada pelos legitimados a sua proposição, ou seja, os mesmo co-legitimados elencados pelo outrora mencionado artigo 103 da Constituição Federal.
4.7 Mandado de Segurança
Expõe o artigo 1° da Lei n°12.016/2009:
“Art. 1°. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”
Segundo entendimento esposado por Luiz Henrique Diniz Araújo (2007) é possível interpor mandado de segurança em desfavor da sentença acobertada pelo manto da coisa julgada inconstitucional, desde que se faça no prazo de 120 dias da declaração do Supremo Tribunal Federal pela Inconstitucionalidade, constitucionalidade ou desconformidade da lei ou ato normativo que viole a Constituição. Leciona Luiz Henrique Diniz Araújo (2007, p. 130-131):
“O mandado de segurança é remédio constitucional adequado a extirpar a ilegalidade ou abuso de poder que afronta o direito individual ou coletivo. A coisa julgada inconstitucional traz em seu corpo uma ilegalidade que atinge normas constitucionais: a inconstitucionalidade.”
Há, de outra banda, os que defendem o manejo do remédio constitucional a qualquer tempo e grau de jurisdição, de modo que o vício que macula o decisório magistral seja expurgado e a nulidade absoluta seja reconhecida. Sob este prisma preceitua Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de Siqueira, 2006, p.186 apud Luiz Henrique Diniz Araújo, 2007, p.131:
“Em nossa opinião, é inconstitucional o prazo da Lei n° 1.533/51. A legislação infraconstitucional extingue o direito subjetivo ao manejo do writ. A lei ordinária fulmina uma garantia conferida pela Constituição. Além disto, ao nosso ver, a regra exposta no artigo 5º, LXIX, da CF, contém todos os elementos necessários a sua incidência imediata, não pedindo ou necessitando de um complemento legal para o seu exercício.”
Os teóricos adeptos da possibilidade de manejo de mandado de segurança, no caso de ocorrência do fenômeno da res judicata inconstitucional, portanto, partem do pressuposto de que aquele que está diante de coisa julgada inconstitucional tem o direito líquido e certo de contra ela se insurgir.
Por fim, vale salientar que o manejo de mandado de segurança face à coisa julgada inconstitucional é posição apontada por poucos doutrinadores e sequer comentada pelos Tribunais.
4.8 Posicionamento dos Tribunais Superiores
Não há na doutrina, tampouco na jurisprudência, entendimentos sedimentados e concisos acerca do fenômeno da res judicata inconstitucional. De fato, a relativização da coisa julgada inconstitucional, em específico, é matéria ainda pouco debatida, talvez pelo grau alto de sacralidade que tem-se emprestado a coisa julgada. Neste diapasão, passa-se a ilustração dos posicionamentos jurisprudenciais mais recentes e arrazoados acerca da temática.
“PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA (CPC, ART. 485, V). MATÉRIA CONSTITUCIONAL INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343/STF. EXISTÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO DO STF, EM CONTROLE DIFUSO, EM SENTIDO CONTRÁRIO AO DA SENTENÇA RESCINDENDA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESCISÃO. 1. Na interpretação do art. 485, V, do Código de Processo Civil, que prevê a rescisão de sentença que violar literal disposição de lei, a jurisprudência do STJ e do STF sempre foi no sentido de que não é toda e qualquer violação à lei que pode comprometer a coisa julgada, dando ensejo à ação rescisória, mas apenas aquela especialmente qualificada. 2. Na esteira desse entendimento, editou-se a Súmula 343/STF, segundo a qual “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. 3. Ocorre, porém, que a Lei constitucional não é uma lei qualquer, mas a lei fundamental do sistema, na qual todas as demais assentam suas bases de validade e de legitimidade, e cuja guarda é a missão primeira do órgão máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102}. 4. Por essa razão, a jurisprudência do STF emprega tratamento diferenciado à violação da lei comum em relação à da norma constitucional, deixando de aplicar, relativamente a esta, o enunciado de sua Súmula 343, à consideração de que, em matéria constitucional, não há que se cogitar de interpretação apenas razoável, mas sim de interpretação juridicamente correta. 5. Essa, portanto, a orientação a ser seguida nos casos de ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC: em se tratando de norma infraconstitucional, não se considera existente ´´violação a literal disposição de lei´´, e, portanto, não se admite ação rescisória, quando “a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” (Súmula 343). Todavia, esse enunciado não se aplica quando se trata de “texto” constitucional. 6. A orientação revela duas preocupações fundamentais da Corte Suprema: a primeira, a de preservar, em qualquer circunstância, a supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; a segunda, a de preservar a sua autoridade de guardião da Constituição. Esses os valores dos quais deve se lançar mão para solucionar os problemas atinentes à rescisão de julgados em matéria constitucional. 7. Assim sendo, concorre decisivamente para um tratamento diferenciado do que seja literal violação a existência de precedente do STF, guardião da Constituição. Ele é que justifica, nas ações rescisórias, a substituição do parâmetro negativo da Súmula 343 por um parâmetro positivo, segundo o qual há violação à Constituição na sentença que, em matéria constitucional é contrária a pronunciamento do STF. 8. Recurso especial provido.” (STJ. Resp 479909 – 1ª Turma. Relator: Min. Teori Albino Zavascki. DJ, 23 ago. 2004).
Conforme menciona o Ministro Teori Albino Zavascki no julgamento do Recurso Especial em análise, admite-se o manejo de ação rescisória, com fulcro no inciso V do Artigo 485, quando, para preservar a Supremacia Constitucional e resguardar a posição da Corte Suprema como sua guardiã, houver violação literal a lei constitucional. Destaque-se, a não aplicabilidade da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal se justifica pelo fato de o objeto de rescisão sentencial, no caso de ocorrência de coisa julgada inconstitucional, ser norma constitucional. Neste sentido, citando julgado do TRF da 5ª Região, leciona: Ilana Flávia Cavalcanti Silva (2005, p. 10):
“Cabe colocar, aqui, a questão da aplicabilidade da Súmula 343 do STF à ação rescisória em matéria constitucional. Esta súmula dispõe que “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto de interpretação controvertida nos tribunais”. O sentido da súmula é impedir o cabimento de ação rescisória quando houver aplicação razoável do dispositivo legal, uma vez que a existência de divergência nos tribunais quando à interpretação de determinada disposição implica na existência de mais de uma interpretação razoável. Contudo, o entendimento predominante nos tribunais tem sido o da não observância desta súmula quando a rescisória estiver fundada em violação literal a dispositivo constitucional. É que, dada a supremacia da Constituição, sua aplicação não pode ficar sujeita a dúvidas ou perplexidade. Neste sentido, manifestou-se o TRF 5ª Região: (Ação Rescisória N. 000228/PE, Relator : JUIZ JOSE DELGADO, Turma: PL, Julgamento: 22/06/1994 Publicação: 12/08/1994 Fonte: DJ Pag:043447 ), cuja ementa teve o seguinte teor: CONSTITUCIONAL E TRIBUTARIO. AÇÃO RESCISORIA. LEI 7689/88. CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. PRIMEIRO A SETIMO DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE, TÃO-SO, DO ART. OITAVO. INAPLICABILIDADE DA SUMULA 343-STF. DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDÃO ARESTADO. RESCISORIA PROVIDA. 1 – O Colendo Supremo Tribunal Federal, em várias decisões, tem se pronunciado pela constitucionalidade dos art. primeiro a sétimo, da lei 7689, de 15/11/88. A respeito, aponta, apenas, como inconstitucional, o art. oitavo, da mesma lei. 2 – Sendo da competência do Colendo Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ocorre literal violação a dispositivo legal quando órgão judiciário inferior prover pedido de parte interessada, sob o fundamento de ser inconstitucional lei que o tribunal maior, mesmo em decisão posterior, entende diferentemente. Cabendo à excelsa Corte Suprema guardar a atuação do ordenamento jurídico de acordo com a Constituição, somente e ele é que cabe, dizer com força de imperatividade, se a lei é inconstitucional ou não. 3 – A Súmula 343-STF, há de ser entendida com a mensagem que ela própria contém. Ela se destina a prestigiar a interpretação controvertida de texto legal pelos tribunais. Não se expande, consequentemente, a prestigiar divergência sobre inconstitucionalidade de lei entre tribunais inferiores e o Colendo Supremo Tribunal Federal. 4 – A função do Direito é ordenar. Atuar de modo sistemático e obedecendo a uma hierarquia de valores que se expressam, também, no campo das competências. A unidade de sua força se encontra na horizontalidade de suas decisões e no estado harmônico como se apresenta o ordenamento jurídico. Este, em determinados momentos, deve submeter-se ao processo de verticalização que lhe foi imposto pela Constituição Federal, pelo que, em tema de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, há de, sempre, homenagear a corte que tem competência para a respeito decidir. 5 – Ação rescisória provida, para desconstituir, em parte, assim, a douta decisão atacada, a fim de que prevaleça, tão somente, a inconstitucionalidade do art. oitavo da lei 7689/88. Honorários advocatícios pela parte vencida, na base e 10% (dez por cento).”
Outro instrumento de quebrantamento da coisa julgada inconstitucional, mencionado pela jurisprudência pátria, são os embargos à execução. Há, entretanto dois entendimentos acerca da aceitabilidade do manejo dos embargos, sejam eles: parte da doutrina entende que o manejo dos embargos à execução é possível em todos os casos julgados inconstitucionais, ainda que anteriores a previsão do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil; outra parcela da doutrina entende que a inexigibilidade de título executivo só ocorre nos casos julgados inconstitucionais ocorridos após a previsão legal do parágrafo único do artigo 741 do Códex Processual. Contudo, dos julgados encontrados e analisados, observou-se uma tendência jurisprudencial apontando pelo alcance dos embargos à execução nos casos julgados ocorridos durante a égide da inovação legislativa, afastado o manejo para os casos anteriores a previsão taxativa do parágrafo único do artigo em comento. Exemplificando a acolhida do Superior Tribunal de Justiça pela teoria da flexibilização da coisa julgada inconstitucional mediante a utilização dos embargos á execução, cita-se a ementa da decisão do Ministro Félix Fischer nos embargos Declaratórios em Recurso Especial 795.710/RS:
“Embargos Declaratórios. Recurso Especial. Art. 741, parágrafo único do CPC. Aplicação somente às Decisões que transitaram em Julgado após a sua Entrada em Vigor. I – Embora tenha o e. Tribunal a quo entendido que com o trânsito em julgado da decisão não mais poderia ser modificado o título executivo, o v. acórdão embargado, adotando entendimento diverso, firmou a compreensão de que o parágrafo único do art. 741 do CPC autoriza a desconstituição da coisa julgada, se esta foi baseada em lei inconstitucional. II – Se o parágrafo único do art. 741 do CPC já estava em vigor à época do trânsito em julgado da decisão que condenou a União a incorporar no contracheque dos embargantes o percentual de 11,98%, não há que se falar em aplicação retroativa desta lei. Embargos declaratórios rejeitados.” (STJ, EDcl no REsp 795.710/RS, Quinta Turma, Min. Felix Fischer, j. em 12.12.2006).
Corroborando a admissibilidade de utilização de embargos à execução ante a coisa julgada inconstitucional, há, também, no Tribunal de Justiça da Paraíba entendimentos indicando a adoção da natureza relativa da coisa julgada, em especial, quando sob a forma inconstitucional. Tenciona-se, inclusive, pela possibilidade de análise da coisa julgada inconstitucional de ofício pelo magistrado e em qualquer grau de jurisdição. Neste sentido a ementa de decisório do Desembargador Abraham Lincoln da Cunha Ramos na apelação civil 200.2006.030.336-5/0001:
“PROCESSUAL CIVIL – Apelação cível -Embargos à execução – Rejeição liminar -Art. 739-A, § 5°, do CPC – Irresignação – Inexigibilidade de título executivo judicial -Coisa julgada inconstitucional – Possibilidade de análise de ofício – Ausência de inovação recursal – Excesso de execução – Art. 1°-F da Lei n° 9.494/97 – Acórdão – Observância do comando legal – Trânsito em julgado – Juros de mora – Taxa – Fazenda Pública – Seis por cento ao ano – Termo a quo – Citação válida – Desprovimento. – Dispõe o art. 739-A, § 5°, do CPC que, nos embargos à execução, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entender correto, sob pena de rejeição liminar dos embargos. – A proteção à coisa julgada é direito individual garantido pela Constituição Federal. Assim, é pacífico na jurisprudência pátria que a questão de ofensa à coisa julgada pode ser suscitada a qualquer tempo e grau de jurisdição, podendo dela o juiz analisar, até mesmo, de ofício. – Dispõe o art. 1°-F da Lei n° 9.494/97 Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano Artigo acrescentado na Lei 9.494/97, pela Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.08.2001, DOU 27.08.2001, em vigor conforme o art. 2° da EC n° 32/2001”. (TJPB, Apel. Cível 200.2006.030.336-5 / 001 – Comarca da Capital RELATOR : Dr. Alexandre Targino Gomes Falcão, juiz convocado para substituir o Exmo. Des. Abraham Lincoln da Cunha Ramos, DJ 07.08.2008).
Ante este panorama, embora não seja uníssono, os entendimentos dos órgãos colegiados demonstram a adoção, de alguns, por uma postura mais flexível e menos vanguardista no que diz respeito ao dogma da (i)mutabilidade de decisórios magistrais, sendo os embargos à execução o instrumento mais bem aceito entre os juristas.
Neste diapasão, queda-se pelo entendimento de flexibilização da coisa julgada inconstitucional, a partir do ideal de equacionamento dos princípios da segurança jurídica e da justiça das decisões judiciais, sob o fundamento da supremacia constitucional, utilizando-se, a depender da oportunidade de manejo: a actio querela nullitati insanabilis, os embargos à execução, a impugnação e, excepcionalmente, a ação rescisória.
Considerações Finais
No desenvolvimento deste aporte científico, chegou-se à conclusão de que, segundo a jurisprudência e a doutrina processualista mais abalizada, a coisa julgada inconstitucional consiste no fenômeno jurídico gestado em sentença judicial de mérito não mais impugnável, e fundamentada em lei, posteriormente, declarada pelo Supremo Tribunal Federal como violadora de preceitos encartados pela Carta Constitucional.
O dogma da irrescindibilidade da sentença judicial salvaguardada pelo manto da coisa soberanamente julgada, por seu turno, encontra amparo no ideal de estabilidade das relações jurídicas, ou seja, tem fulcro no princípio da segurança jurídica. Contudo, a consagração da intangibilidade do decisório magistral protegido pela res judicata inconstitucional, em específico, tem convalidado o desrespeito a supremacia constitucional e aos princípios da constitucionalidade e da justiça das decisões judiciais.
Ressentindo-se, todavia, dos contornos absolutistas que tem-se emprestado à coisa julgada, alguns doutrinadores processualistas passaram à elaboração da teoria do abrandamento da res judicata, especialmente, quando sob a forma inconstitucional. Neste diapasão, a teoria da permeabilidade das decisões judiciais, vem no sentido de obtemperar princípios constitucionais de mesma grandeza e apontar mecanismos de dissolução das decisões judiciais protegidas pelo manto da coisa julgada inconstitucional.
Conforme entendimento assentado por teóricos e juristas, a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional defende a oportunização de tangibilidade do dispositivo sentencial, transitado em julgado, e fundado em lei declarada pelo Pretório Excelso como violadora da Constituição Federal. Dita acepção institucional tem por pressupostos: a natureza infraconstitucional da res judicata, o equacionamento constitucional de princípios de mesma grandeza e à consagração da supremacia constitucional.
Outrossim, a defesa pela natureza infraconstitucional da coisa julgada, em síntese, tem fulcro no fato de o regramento institucional da res judicata constar no Código de Processo Civil – diploma infraconstitucional –, com respaldo constitucional apenas quanto ao fenômeno da retroatividade normativa.
O aquilatamento principiológico, por sua vez, aporta como ferramenta apta a permitir à relativização da coisa julgada inconstitucional, posto que permite ao Poder Jurisdicional proceder a consecução ponderada dos princípios da segurança jurídica, da constitucionalidade e da justiça das decisões judiciais.
No que tange à supremacia constitucional entende-se, teoricamente, que figura como pressuposto basilar à consagração da permeabilidade dos dispositivos sentenciais, visto que é o escalonamento jurídico que consagra à Constituição como referencial a todo ordenamento jurídico e à atividade do Poder Judiciário.
Ante este panorama, valorado os ideais do Estado de bem estar Social, não se pode olvidar a necessidade de admissão dos postulados de relativização da res judicata quando, por exemplo, for ela inconstitucional. Todavia, a permeabilidade de decisório magistral deve se limitar a hipóteses restritas, devendo a Corte Suprema – quando do exercício do controle de constitucionalidade –, avaliar as razões de segurança jurídica e interesse social, para, por fim, prolatar decisão com efeitos ex tunc, ex nunc ou pro futuro.
Quanto às ferramentas processuais hábeis a desmantelar o dispositivo sentencial sob os auspícios da coisa julgada inconstitucional observou-se, em particular, que os idealistas da relativização da coisa julgada inconstitucional apontam entendimentos diversificados acerca dos instrumentos passíveis de desconstituir a imutabilidade absoluta da res judicata inconstitucional, sendo os mais citados: a ação rescisória, a ação declaratória de inexistência de coisa julgada, a impugnação, os embargos à execução, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e o mandado de segurança.
Os doutrinadores adeptos da teoria de cabimento da ação rescisória face à coisa soberanamente julgada inconstitucional, alicerçam o entendimento no disposto pelo artigo 475, V do Código de Processo Civil, destacando alguns destes adeptos que, para o caso da res judicata inconstitucional, não haveria a necessidade de observância do prazo biênio-decadencial reclamado pelo artigo 495 deste mesmo diploma legal.
A ação declaratória de inexistência de coisa julgada, por sua vez, tem fulcro no entendimento de que sentença prolatada com base em lei, posteriormente, declarada como violadora da Carta Constitucional é nula de pleno direito, visto que a lei em que se fundou fora retirada do ordenamento jurídico, devendo esta declaração de constitucionalidade, inconstitucionalidade ou desconformidade produzir efeitos ex tunc. Esta ação autônoma seria cabível quando da impossibilidade de propositura de ação rescisória, embargos à execução ou impugnação. Também prescindiria da observância de prazos prescricionais ou decadenciais, posto que estar-se-ia diante de nulidade absoluta do dispositivo sentencial.
A impugnação, por seu turno, é tida como ferramenta apta a desconstituir sentença amparada por coisa julgada inconstitucional, sob o fundamento da inexigibilidade do título judicial, diferenciando-se dos embargos à execução apenas por dois fatores, sejam eles: o momento para apresentação de impugnação é o da fase de liquidação da sentença judicial; e, não há necessidade de que o pólo passivo seja ocupado pela Fazenda Pública para seu manejo.
Por sua vez, a hipótese de desconstituição através de embargos à execução se convalidou a partir da interpretação dada ao disposto pelo parágrafo único do artigo 741 do CPC, sendo esposada a tese de que a res judicata inconstitucional é nula, porque o legislador, expressamente, declarou a inexigibilidade do título judicial fundado em coisa julgada inconstitucional. Observa-se, ainda, que o fundamento para a interposição de embargos á execução encontra respaldo no ideal de inexigibilidade de título executivo judicial, encartando a nulidade absoluta de decisório magistral baseado em lei que afronte a Carta Magna. Não há limitação de prazo para a interposição de embargos à execução, desde que ocorre dentro da fase executiva ou na execução de título judicial.
De outra sorte, a possibilidade de utilização do meio de controle da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, é defesa de alguns juristas, entendendo estes que, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental seria instrumento hábil a desconstituir a res judicata inconstitucional, nos expressos termos do art. 1º, I da Lei nº 9.882/99.
Finalmente, tem-se o parecer dos teóricos adeptos da possibilidade de manejo de mandado de segurança, no caso de ocorrência do fenômeno da res judicata inconstitucional, partindo eles do pressuposto de que aquele que está diante de coisa julgada inconstitucional tem o direito líquido e certo de contra ela se insurgir.
Embora sejam diferentes os posicionamentos dos doutrinadores acerca das alternativas aptas a afastar a intangibilidade absoluta das decisões judiciais acobertadas pelo manto da coisa julgada inconstitucional, é uníssono entre estes juristas o apontamento da necessidade de relativização da coisa julgada e ponderação de preceitos constitucionais de mesmo quilate. É sob os critérios de justiça, soberania constitucional e proporcionalidade, por conseguinte, que se sedimenta o ideal de flexibilização das decisões judiciais.
Neste ponto, todavia, a discussão é bastante limitada doutrinariamente, porquanto não existe acervo bibliográfico especializado no assunto, e os poucos autores de artigos na internet não promovem um estudo amplo e esmiuçado da temática.
De igual modo, inexiste uma análise pormenorizada, dentro de critérios constitucionais, que considere a possibilidade de flexibilização das decisões judiciais acobertadas pela coisa soberanamente julgada inconstitucional, o compromisso do aparato judicial com o sopesamento de preceitos constitucionais de mesmo quilate, ou qualquer outra linha de pensamento que enfoque o desenvolvimento e ampliação dos instrumentos utilizados pelo Poder Judiciário para dar efetividade concomitante à segurança jurídica e à justiça.
Em suma, como neste ponto a ciência do Direito não alcançou resposta sedimentada, alça-se como imprescindível acolher a problemática ora discutida, a partir das acepções da doutrina processualista civil e constitucionalista mais abalizada, para em conseqüência, adequar-se à base principiológica e doutrinária que permita o desenvolvimento da ciência jurídica, sendo, ainda, oportunizados novos rumos consubstanciadores da proporcionalidade e razoabilidade jurídico-legal.
Informações Sobre os Autores
Daniel Ferreira de Lira
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante
Ana Flavia Diogo Carneiro
Bacharel em Direito pela UNESC