Como é do conhecimento de todos, as diversas taxas municipais vêm sendo lançadas conjuntamente com o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.
Muitas dessas taxas, como as de recolhimento de lixo domiciliar, de limpeza pública, de recapeamento de vias públicas foram declaradas inconstitucionais. Outras várias instituídas por diferentes Municípios estão, ainda, sendo questionadas na Justiça.
Quando em um único documento – Notificação de Lançamento –englobam-se os impostos corretamente apurados e as taxas formal ou materialmente inconstitucionais, ou contendo erros materiais, impõe-se a anulação do lançamento em razão de sua incindibilidade.
De fato, não há como pagar o imposto e deixar de pagar as taxas indevidas se tanto a prestação única, como as prestações mensais englobam os valores de tributos diversos.
Ainda que pudesse, mediante operação aritmética, proceder ao expurgo dos valores das taxas indevidas, embutidas nos valores das prestações mensais, não haveria como o agente receptor (caixa do banco ou servidor público do erário) incorporar esse demonstrativo na Notificação de Lançamento que é ato privativo da autoridade administrativa competente.
Tanto assim é que ninguém consegue pagar o IPTU sem o pagamento das taxas consignadas no mesmo documento exteriorizador do lançamento tributário, conhecido como “carnê do IPTU”.
Entretanto, essa tese não é aceita pelo STJ que sustenta a possibilidade de, mediante cálculo aritmético, excluir o valor das taxas inconstitucionais, mantendo-se a validade do IPTU, conforme ementa abaixo:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. LEGALIDADE DO IPTU. INEXIGIBILIDADE DAS TAXAS. LANÇAMENTO. VALIDADE.
1. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que declarou a inexigibilidade da Taxa de Limpeza Pública e Conservação de Vias e Logradouros Públicos e da taxa de combate a sinistros e a validade do lançamento do IPTU.
2. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O reconhecimento da inexigibilidade da Taxa de Limpeza Pública e Conservação de Vias e Logradouros Públicos e da taxa de combate a sinistros não implica na realização de novo lançamento, uma vez que não houve qualquer ilegalidade no lançamento do IPTU. Até porque, o fato das taxas serem ilegais não torna nulo o IPTU.
4. Ademais, a retirada da importância devida em razão das taxas tidas por ilegais não subtrai da Certidão de Dívida Ativa – CDA a sua liquidez e certeza, na medida em que o quantum a ser efetivamente excutido pode ser encontrado mediante a realização de simples cálculos aritméticos.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido” (REsp 1202136/SP, Rel. Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, julgado em 07-06-2011, DJe 14-06-2011).
Nos casos da espécie, em que o contribuinte quer pagar o IPTU devido, mas não consegue porque está condicionado ao pagamento simultâneo das taxas indevidas, o remédio processual é o de aparelhar a ação de consignação em pagamento do IPTU devido, com fundamento no art. 164, I do CTN, nos seguintes termos:
“Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:
I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;”
Por meio dessa ação consignatória extingue-se o crédito tributário em relação ao IPTU. Paralelamente deve-se ajuizar a ação declaratória de inexigibilidade das taxas inconstitucionais ou ação anulatória do lançamento.
Por conta do indevido condicionamento feito pela Fazenda, o contribuinte deverá tomar as duas providências acima ao teor da jurisprudência do STJ que não admite a anulação do lançamento, porque a ilegalidade da taxa não implica a nulidade do IPTU.
A questão, porém, não é essa. A questão é saber como pagar o IPTU que é indiscutivelmente devido, sem ter que pagar as taxas indevidas. Os cálculos aritméticos para separar o valor das taxas do valor do IPTU somente são viáveis em fase de execução fiscal. Aliás, nessa fase, nem é preciso fazer operações aritméticas, pois na CDA estão discriminados os valores de cada tributo.
O certo é a anulação do lançamento para que outro seja feito de forma a possibilitar ao contribuinte pagar o que é devido sem ter que ingressar com ação consignatória. De outra forma, seria o mesmo que permitir que se exerça uma coação indireta para que o contribuinte, ao pagar o IPTU regular pague, também, as taxas instituídas ao arrepio das normas legais e constitucionais pertinentes.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.