Resumo: O presente artigo aborda de forma objetiva a ofensa aos princípios constitucionais tributários, destoando o efeito confiscatório utilizado na aplicação errônea do percentual das alíquotas do IPVA atinentes aos veículos automotores de carga.
Palavras-chave: Tributário. IPVA. Veículos Automotores de Carga. Alíquota. Princípio Constitucional-Tributário. Efeito de Confisco.
Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução histórica das alíquotas do IPVA; 3. Ofensa aos Princípios Constitucionais Tributários; 4. Conclusão.
1. Introdução
Cumpre, a priori, salientar que, far-se-á estudo aprofundado sobre a evolução histórica da alíquota do IPVA direcionada aos veículos automotores de carga, haja vista a ofensa aos princípios constitucionais tributários. Acerca da metodologia de pesquisa empregada na execução deste mister, objetivou-se pesquisa observatória, bibliográfica, consulta de acórdãos, decisões judiciais, e doutrinas. No presente trabalho, procurou-se explicitar informações concernentes ao tema, observando-se, sempre, a verossimilhança com sua respectiva presteza para o alcance do objetivo deste artigo acadêmico, contribuindo assim com o acervo jurídico pátrio.
2. Evolução histórica das alíquotas do IPVA
Preliminarmente, antes de ingressar no estudo da evolução histórica das alíquotas do IPVA, faz-se inerente explicitar, sucintamente, a definição e o fito do tributo previsto no art. 16, do CTN, qual seja: imposto, consoante se examina abaixo.
Aliomar Baleeiro, (2010, p. 197), expõe a definição do imposto[1], in versis:
“A definição do art. 16 encerra conceito puramente jurídico, mas que coincide com a noção teórica. Por esta, a nosso ver, imposto é a prestação de dinheiro que, para fins de interesse coletivo, uma pessoa jurídica de Direito Público, por lei, exige coativamente de quantos lhe estão sujeitos e têm capacidade contributiva, sem que lhes assegure qualquer vantagem ou serviço específico em retribuição desse pagamento.”
Tendo em vista a definição do imposto, depreende-se que os impostos são instituídos com o fito de ponderar a capacidade econômica do sujeito passivo, entendendo-se este como contribuinte e responsável, nos termos do art. 121, parágrafo único, do CTN.
Tanto que não é contra prestado qualquer serviço ao sujeito passivo em virtude do pagamento do citado tributo, razão pela qual é vedada a vinculação da receita auferida pelo Ente Tributante[2], com amparo no art. 167, IV, da CRFB.
Desta feita, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) encontra sua regra matriz de imposição tributária no artigo 155, III, da CRFB. Ressalta-se que, não se encontram no corpo do CTN normas versando sobre o IPVA, visto que o Codex Tributário fora criado em 1966 por meio da Lei n. 5.172, sendo este recepcionado como Lei Complementar em matéria tributária pela Carta Magna de 1988, todavia ante a inexistência de Lei Complementar dispondo sobre o IPVA os Estados detêm competência legislativa plena, nos exatos termos do art. 24, I, § 3º, 146, III, da CRFB; art. 18, § 1º, da CF/anterior; art. 34, § 3º, ADCT.
Seguindo o estudo pretendido, faz-se necessário aduzir acerca do surgimento histórico do IPVA em nosso ordenamento jurídico pátrio em 1985, por meio da EC n. 27, (à época da CF/67), substituindo a antiga TRU (Taxa Rodoviária Única), prevista no Decreto-Lei n. 999/1969, cobrada anualmente, tendo como aspecto temporal o licenciamento dos veículos automotores.
No Estado de São Paulo, especificamente, o IPVA surgiu com o advento da Lei n. 4.955/1985, que em seus arts. 1º[3] e 3º[4], estabelecem o fato gerador, bem como a composição da base de cálculo. Insta mencionar que, a Lei n. 4.955/1985, vigeu por curto interstício, tendo em vista que fora ab-rogada em 1989, pela Lei n. 6.606, que trouxe em seu bojo o aperfeiçoamento do fato gerador do IPVA no artigo 1º[5], qual seja, apenas sobre veículos automotores.
Aos 19.12.2003, surgiu a Emenda Constitucional n. 42 que acrescentou o § 6º ao artigo 155, da Carta Política, facultando aos Estados e DF que o IPVA tivesse alíquotas distintas em razão do tipo e uso do veículo automotor, todavia o Legislador Estadual sempre usou, tão-somente, o critério de definição do percentual da alíquota em função do tipo do veículo automotor, ferindo, assim, o Texto Maior, haja vista que toda a legislação pátria deve ser interpretada à luz da Carta Política.
Tamanha é a veracidade do alegado que o inciso V, do art. 7º[6], da Lei n. 6.606/1989, dispôs alíquota de 1,5% para os veículos de carga. Frisasse que a Lei n. 6.606/1989 foi ab-rogada pela Lei n. 13.296/2008 que em seu art. 9º, I[7], manteve a alíquota no percentual de 1,5% para os veículos de carga, “tipo caminhão”.
Esta inobservância do art. 155, § 6º, II, da CRFB, enseja na inconstitucionalidade dos artigos acima mencionados, ante a ofensa de princípios constitucionais tributários, conforme se verificará avante.
3. Ofensa aos Princípios Constitucionais Tributários
Inicialmente, deve-se noticiar que a tributação deve ser efetuada de forma isonômica, (arts. 5º, caput c.c. 150, II, da CRFB) em atendimento ao princípio do Estado Social[8] (art. 3º, I, CRFB), que objetiva a observância da justiça fiscal, sob pena de ser instaurada uma desarmonia no Sistema Tributário Nacional. Salienta-se que o princípio da isonomia é decorrência do princípio republicano, conforme preleciona Antônio Roque Carrazza, (2004, p. 73-74), in versis:
“[…] Assim, é fácil concluirmos que o princípio republicano leva ao princípio da generalidade da tributação, pelo qual a carga tributária, ponto de ser imposta sem qualquer critério, alcança a todos com isonomia e justiça. Por outro raio semântico, o sacrifício econômico que o contribuinte deve suportar precisa ser igual para todos os que se acham na mesma situação jurídica. […] Em suma, o princípio republicano exige que todos os que realizam o fato imponível tributário venham a ser tributados com igualdade. Do exposto, é intuitiva a interferência de que o princípio republicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se.”
Nesta toada, há clara ofensa ao princípio da vedação de tributo com efeito de confisco previsto no art. 150, IV, da CRFB, visto que ao majorar a alíquota de 1% prevista na Lei n. 4.955/85 para 1,5% estabelecida na Lei n. 6.606/89, extrai-se aumento real de 50% da alíquota em relação a anterior, posto que o STF entende como majoração de alíquota limite o percentual de 20% à 30%[9], além disto a Corte Suprema Argentina entende como limite o percentual de 33%[10]. “Como a propriedade também serve ao bem da coletividade de outros modos além dos tributos, a carga tributária deveria ficar abaixo de 50%.” (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 47)
Desta feita, resta evidente a ofensa ao princípio da isonomia, vez que o efeito confiscatório da alíquota do IPVA expunge qualquer chance de se vislumbrar uma justiça fiscal por meio de tributação equânime.
Salienta-se que, esta majoração exacerbada esbarra no princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade[11], denotando o intuito arrecadatório do Estado, haja vista que objetiva, tão-somente, auferir mais receita aos cofres públicos, vilipendiando os direitos fundamentais do contribuinte, pois cinge o mínimo vital. Klaus Tipke e Douglas Yamashita, (2002, p. 34), aduzem que o “[…] princípio da capacidade contributiva protege o mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial não há capacidade contributiva.”
Ao majorar excessivamente a alíquota do IPVA houve ofensa ao princípio da capacidade contributiva[12], (art. 145, § 1º, CRFB), posto que com o interregno haverá a transferência fiscal do bem para o Estado, acometendo, dessarte, o mínimo vital do Contribuinte que é assegurado por meio dos princípios da dignidade da pessoa humana, livre iniciativa, justiça fiscal[13], solidariedade, prescritos nos arts. 1º, III, IV, 3º, I, 5º, XIII, XXII, XXIV, 170, caput, II, III, IV, todos da CRFB.
“A melhor forma de mensurar a capacidade contributiva é com base nos rendimentos efetivos (lucros). A forma jurídica de uma empresa nada expressa sobre sua capacidade contributiva.”, (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 35)
Urge transcrever jurisprudência do STF que segue esta linha, senão vejamos:
"Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’ (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado." (HC 82.788, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-4-2005, Segunda Turma, DJ de 2-6-2006.)
Assim sendo, somente por meio da orientação dos princípios constitucionais-tributários haverá obtenção da justiça material, visto que com a redução da alíquota do IPVA para 1% estar-se-á mantida a harmonia do Sistema Tributário Nacional atingindo, por conseguinte, o telos do princípio do Estado Social de Direito, bem como sua justiça fiscal.
4. Conclusão
Após exaustivo estudo sobre a majoração da alíquota do IPVA de 1% destinada aos veículos automotores de carga previsto na Lei n. 4.955/85, para 1,5% na Lei n. 6.606/89, percentual mantido na atual Lei n. 13.296/2008, percebeu-se que o aumento de 50% do percentual resultou numa desarmonia em todo o Sistema Tributário Nacional, haja vista a ofensa ao princípio do Estado Social de Direito, bem como a justiça fiscal tão almejada.
A desarmonia latente é proveniente do efeito confiscatório que foi atribuída à alíquota, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Corte Suprema Argentina, entendem como limite de majoração o percentual entre 20% à 30% ou 33%.
Todavia, permitindo-se a aplicabilidade deste percentual de alíquota estar-se-á vilipendiando os direitos fundamentais do contribuinte, tais como: o mínimo vital, o que desagua numa ofensa direta ao princípio do republicano, da isonomia, bem como da capacidade contributiva, posto que todos os sujeitos a imposição tributária devem sofrê-la de forma menos gravosa, em atenção ao fito do imposto, qual seja, apurar o tamanho da riqueza do contribuinte.
Assim sendo, torna-se imperiosa a redução da alíquota do IPVA para 1%, visto que ao inobservar a capacidade contributiva do sujeito passivo ofende, por consequência, o princípio da isonomia, pois todos devem ser tributados de acordo com o seu rendimento efetivo (lucros), observadas as igualdades e desigualdades correspectivas, como forma de atenção à justiça fiscal face uma tributação justa e adequada.
Referências
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BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2010. 11ª ed., p. 197-205;
CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2004. 20ª ed. p. 73-74;
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991. 3ª ed., p. 200-220;
DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 2003. p. 76/77;
FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. 2ª ed., p. 134-135;
JUNIOR, Nelson Trombini. As Espécies Tributárias na Constituição Federal de 1988, São Paulo: MP Editora, 2006. 186 p.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado: edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Saraiva, 2011. 12ª ed. p. 150-151;
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional, São Paulo: Saraiva, 2011. 6ª ed., vols. 1 e 2, p. 213-226;
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, Porto Alegre/RS: Livraria do Advogado/ESMAFE, 2011., 13ª ed., p. 16-54, 184-194, 207-220;
TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva, São Paulo: Malheiros, 2002. 127 p.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Daniel Oliveira Matos
Advogado proprietário do escritório de advocacia Matos Advocacia www.matos-advocacia.adv.br especialista em direito tributário e bancário articulista em direito tributário bancário e ex-docente do Senac/SP