Resumo: Pretende-se com este artigo analisar o planejamento tributário fiscal – elisão fiscal, forma lícita colocada à disposição dos contribuintes para a obtenção de uma carga tributária menos onerosa, apresentando os limites legais e principiológicos pelos quais a prática seria admitida em nosso ordenamento jurídico, contrapondo-a às práticas ilícitas e ilegítimas que, sob uma falsa aparência de licitude, almejam fraudar o Fisco. Sobre o tema, a doutrina não é unânime, sendo um assunto de relevante importância. A grande problemática em torno do planejamento tributário diz respeito a seus limites. Até quando seria lícito o planejamento das atividades almejando-se a diminuição do encargo tributário? Poderia o contribuinte efetuar um planejamento que contradiga os princípios tributários, em especial, o da capacidade contributiva? Para responder o presente artigo baseado em leitura de artigos em revistas especializadas e doutrinas diversas, dentre outras coisas, apresentará as distinções existentes entre os institutos da elisão e o da evasão fiscal, a definição e características do planejamento tributário e os princípios constitucionais aplicáveis a tal planejamento, o que permitirá aferir se uma determinada conduta praticada pelo contribuinte, tendo por fim a submissão a uma carga tributária menos onerosa, se mostra lícita ou ilícita.
Palavras chave: Planejamento tributário. Elisão fiscal. Evasão Fiscal. Princípios Constitucionais. Princípio da Capacidade Contributiva.
Resumen: La intención de este artículo es analizar la planificación fiscal tributario – Evasión fiscal, puesto legalmente a disposición del contribuyente para obtener una presión fiscal menos oneroso, la presentación de los límites legales y principiológicos por el cual se acepta la práctica en nuestro ordenamiento jurídico, oponiéndose es ilegítimo y prácticas ilegales que, bajo una falsa apariencia de legitimidad, pretende defraudar al gobierno. Al respecto, la doctrina no es unánime, siendo un tema de gran importancia. La gran cuestión en torno a la planificación fiscal se refiere a sus límites. ¿Aun cuando sería lícito para la planificación de las actividades realizadas para la disminución de la presión fiscal? ¿El contribuyente puede hacer un plan que contradice los principios tributarios, especialmente la capacidad de pago? Para responder a este artículo basado en la lectura de artículos en revistas y doctrinas diversas, entre otras cosas, hacer distinciones entre los institutos de la evasión y el fraude fiscal, la definición y características de la planificación fiscal y los principios constitucionales aplicables a la planificación de tales, la cual evaluará si una determinada conducta practicada por el contribuyente, y finalmente someterse a una presión fiscal menos onerosa, ya sea legales o ilegales muestra.
Palabras-clave: Planificación fiscal. Evasión fiscal. Elisión fiscal. Principios Constitucionales. Principio de la capacidad contributiva.
Sumário: Introdução. 1. Tributos. 2. O estado, o poder de tributar e seus limites. 3. Distinção entre os institutos da elisão e da evasão fiscal. 3.1 Simulação. 3.2 Fraude. 3.3 Abuso de direito. 4. Planejamento tributário. 5. Princípios constitucionais aplicados ao planejamento tributário. 5.1 Princípio da liberdade fiscal. 5.2 Princípio constitucional da capacidade contributiva. Conclusão. Referências bibligráficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende analisar o planejamento tributário fiscal – elisão fiscal, forma lícita colocada à disposição dos contribuintes para a obtenção de uma carga tributária menos onerosa, apresentando os limites legais e principiológicos-dentre os quais destaca-se o princípio da capacidade contributiva – pelos quais a prática seria admitida em nosso ordenamento jurídico, contrapondo-a às práticas ilícitas e ilegítimas que, sob uma falsa aparência de licitude, almejam fraudar o Fisco.
O planejamento tributário fiscal, no dizer de Marcelo Magalhães Peixoto (2004), consiste na técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos. Nesse sentido, amparado pelo entendimento doutrinário e jurisprudencial, serão apresentados os limites da elisão fiscal, bem como seus pressupostos, em face do Poder Estatal de tributar.
Para uma melhor compreensão do trabalho, é preciso ter em mente o conceito de tributo, disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional.
O Tributo não é contribuição voluntária e sim compulsória, sua obrigatoriedade independe da vontade do contribuinte. Por outro lado, fazendo uso de uma política fiscal e de seu poder-dever, cabe ao Estado ofertar aos cidadãos diversos serviços públicos, considerados essenciais para que seja dado um efetivo cumprimento aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constante no artigo 3º da Carta Republicana.
Sacha Calmon leciona acerca do Estado e da atividade tributária: “O poder de tributar é exercido pelo Estado por delegação do povo. O Estado, ente constitucional, é produto da Assembleia Constituinte, expressão básica e fundamental da vontade coletiva. […]
O poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto pra utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos. Assim, se por um lado o poder de tributar apresenta-se vital para o Estado, beneficiário da potestade, por outro a sua disciplinação e contenção são essenciais à sociedade civil ou, noutras palavras, à comunidade dos contribuintes.”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p. 37)
Nesse contexto, o Estado Democrático de Direito concede ao contribuinte o direito de planejar suas atividades e optar pelo encargo tributário que lhe seja menos oneroso. Onofre Alves Batista Júnior (2002), em obra dedicada ao planejamento tributário, explica bem essa mudança de mentalidade: “Se, durante anos, o tributo foi estruturado a partir de uma relação de autoridade, ou seja, era devido porque assim quis o rei, ou pior, para atender às necessidades da Corte, torna-se necessário, hoje, despir-nos dessa visão preconceituosa, e procurar traçar uma abordagem mais contemporânea ao modelo de Estado traçado para o Brasil pela Constituição Federal de 1988.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 18)
O mesmo autor esclarece que, de acordo com o princípio da legalidade, insculpido na Carta Constitucional de 1988 (art. 5º, II), “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, tendo em vista que é da natureza humana a busca por uma situação que lhe seja mais favorável, o contribuinte é livre para escolher um procedimento tributário menos oneroso, quando a lei para isso lhe der margem.
Por certo, o Planejamento Tributário é uma importante ferramenta para o desenvolvimento das atividades produtivas, entretanto, só deve ser aceito pelo Estado quando não representar fraudes ou atitudes ilícitas em face do Fisco.
Marco Aurélio Greco (2008) também destaca que o planejamento tributário é de extrema relevância para o contribuinte. No entanto, aprofundando seu raciocínio, adverte que a prática de um planejamento tributário ilegítimo poderia onerar os demais contribuintes: “Limito-me a mencionar dois dados para mostrar que foram veiculados pela imprensa e que são suficientes para mostrar o significado do planejamento tributário. Um dado é brasileiro e outro estrangeiro. O dado brasileiro corresponde a uma consideração feita diversas vezes em 1999 pelo então Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em seus pronunciamentos no sentido de que, das quinhentas maiores empresas do Brasil, cerca de metade não pagava imposto sobre a renda há vários anos e, apesar disso, não ia à insolvência. A partir deste dado objetivo, lançava-se uma perplexidade: como era possível uma pessoa jurídica não apresentar imposto de renda a pagar e continuar sólida, crescendo etc. A resposta é, obviamente, por que o fato de não apresentar imposto sobre a renda a pagar era o resultado de uma sequencia de planejamento de tributários feitos. Na edição de 19 de julho de 2.008 do The Economist, consta a notícia de que um relatório de um subcomitê do Congresso Americano aponta perdas do Tesouro de US$ 100 bilhões por ano em razão de “offshore tax abuses.[…]
Porém, em termos de política tributária, do papel da tributação no contexto social e econômico, tendo em vista a função do tributo, temos uma alteração séria no rumo do direcionamento da carga tributária. Ou seja, mediante planejamento tributários, as empresas americanas deixaram de suportar uma carga tributária a que deveriam estar submetidas, o que fez com que se deslocasse tal carga para as pessoas físicas.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.14)
O planejamento tributário deve ser efetuado respeitando-se a legislação em vigor e os princípios tributários, como o da capacidade contributiva. Caso tal planejamento represente um aumento da carga tributária imposto aos demais contribuintes, Marco Aurélio Greco apresenta os seguintes questionamentos: “Isto coloca algumas perguntas cruciais que devem ser feitas: o aumento da carga tributária imposta às pessoas físicas é a diretriz mais adequada a ser seguida? Na medida em que, num país como Brasil, os dividendos não são tributados pelo imposto sobre a renda, que tipo de rendimento está suportando a diferença de carga tributária: seriam os rendimentos do trabalho? Etc. Etc.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.14)
A grande problemática em torno do planejamento tributário diz respeito a seus limites. Até quando seria lícito o planejamento das atividades almejando-se a diminuição do encargo tributário? Poderia o contribuinte efetuar um planejamento que contradiga os princípios tributários?
Para responder a tais questionamentos, o presente artigo, no capítulo intitulado “Tributos”, apresentará a definição do termo, bem como a finalidade de sua instituição pelo Estado, que necessita obter receita para arcar com os gastos públicos e exercer controle sobre a economia. Na sequência, em “O Estado o poder de tributar e seus limites”, serão apresentadas as características e funções do Estado, indicando as razões pelas quais institui tributos e quais limites lhe seriam aplicáveis. Adentrando no cerne do artigo, nos demais capítulos, serão apresentadas as distinções existentes entre os institutos da elisão e o da evasão fiscal, a definição e características do planejamento tributário e, por fim, os princípios constitucionais aplicáveis a tal planejamento, o que permitirá aferir se a conduta praticada pelo contribuinte, tendo por fim a submissão a uma carga tributária menos onerosa, se mostra lícita ou ilícita.
1 TRIBUTOS
Inicialmente, cumpre-nos ressaltar que os tributos servem como fonte de receita para os cofres públicos, bem como, para interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. É o caso, por exemplo, da previdência social, do sistema financeiro da habitação, da organização sindical, do programa de integração social, dentre outros.
Nessa esteira, afirma Hugo de Brito Machado (1992), que o Direito Tributário é o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie.
Quanto ao objetivo dos tributos, leciona Hugo de Brito Machado: “Assim, quanto a seu objetivo, o tributo é: a) Fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado. b) Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros. c) Parafiscal, quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas.”. (MACHADO, Hugo de Brito, 2004 p. 75),
De acordo com Hugo Machado (2004), em se tratando de receitas de entidades de direito público, não há dúvida de que essas contribuições seriam consideradas tributos. Contudo, para ele, o problema residiria nas contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, na medida em que tais entidades são transformadas em pessoas jurídicas de direito privado, que, apenas por delegação, exercem atividade estatal. “O custeio dessas entidades se faz mediante contribuições fixadas pelos próprios integrantes da categoria respectiva, em assembleia geral. Neste caso não são tributos e, por isto mesmo, não se submetem ao princípio da legalidade.”. (MACHADO, Hugo de Brito, 2004, p.75).
No entanto, Hugo Machado (2004) afirma que existiram, ainda, outros tipos de tributo, que não se enquadrariam nos conceitos já mencionados, como, por exemplo, o denominado tributo oculto ou disfarçado. “Chega-se a esse conceito por exclusão. A prestação pecuniária compulsória que não constitui sanção de ato ilícito e que é instituída e cobrada sem obediência aos padrões que o ordenamento jurídico estabelece para a instituição e cobrança dos tributos pode ser considerada um tributo oculto.”. (MACHADO, Hugo de Brito, 2004, p.75)
Tributo disfarçado ou oculto, então, é aquela prestação pecuniária que, não obstante possuir todos os elementos essenciais do conceito de tributo na teoria geral do Direito é exigida pelo Estado sem obediência às normas e princípios que compõem o regime jurídico do tributo. “Para instituir e cobrar tributo oculto ou disfarçado o Estado se vale de sua soberania, impõe a prestação fazendo-a compulsória por via oblíqua.” (MACHADO, Hugo de Brito, 2004, p.75).
2 O ESTADO, O PODER DE TRIBUTAR E SEUS LIMITES
De acordo como Luciano Amaro (2007), para que exista uma sociedade organizada é indispensável a existência da figura do Estado. O Estado surge como uma figura que busca o bem estar coletivo, por isso, é atribuído a ele o dever de administrar a receita arrecadada de acordo com o interesse social. Assim, o Estado retira recursos da esfera privada patrimonial e transfere para a esfera pública de forma compulsória, com o fim de investir a verba arrecada em serviços para a população.
Várias são as concepções acerca do conceito de Estado. Em síntese, como ponto em comum, entendem que se refere à forma de organização de um povo, que pertence a um determinado território, sendo que esta organização se dá através da manifestação de um pode político e soberano.
As funções do Estado irão depender da concepção adotada, que poderá ter um enfoque individualista, socialista, baseada no bem estar social ou neoliberal.
Mas, independente da concepção e da função que o Estado adotar, desenvolverá ele uma atividade financeira, que servirá de instrumento para alcançar seus objetivos institucionais.
Como o Estado necessita obter receitas para fazer frente às despesas públicas, mostra-se relevante a atividade tributária por ele desempenhada.
Então, a atividade tributária, em um primeiro momento, se justifica pela soberania que confere poder ao Estado, autorizando-o a exigir dos cidadãos, de forma coercitiva, determinadas somas em dinheiro, que têm por objetivo custear os gastos públicos. Mas, essa soberania liga-se ao fato de o Estado zelar pelo interesse público, valendo lembrar que o parágrafo único do artigo 1º da Constituição assegura que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Ao lado do poder de tributar do Estado, encontra-se o poder do povo, que o fundamenta e o delimita. Em um Estado Democrático de Direito, em que prevalece o princípio da legalidade, tanto o Estado quanto o cidadão devem respeitar o ordenamento jurídico vigente.
Ressalta daí o princípio da solidariedade social que, no âmbito tributário, informa que é dever de todos os cidadãos que compõem uma sociedade contribuírem para o financiamento das despesas públicas, de acordo com suas manifestações de capacidade econômica.
Ao dissertar acerca da relação fisco-contribuinte, o Professor Sacha Calmon apresenta o objeto do Direito Tributário, bem como seus limites: “O de regular o relacionamento entre Estado e contribuinte, tendo em vista o pagamento e o recebimento do tributo.[…]
Em verdade, o Direito Tributário regula e restringe o poder do Estado de exigir tributos e regula os deveres e direitos dos contribuintes, isonomicamente. Seu objeto é a relação jurídica travada entre o Estado e o contribuinte.”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p.33)
Dessarte, para cumprir suas funções, possui o Estado o poder de tributar, quer seja fundamentado na soberania política, quer seja no principio da solidariedade social. Contudo, esse não é um poder ilimitado. Diversas limitações estão previstas em nossa Constituição que, ao mesmo tempo em que concede o poder de tributar, o limita e o condiciona.
Lecionando sobre tributos, Luciano Amaro (2007) afirma que tributar (de tributere, dividir por tribos, repartir, distribuir, atribuir) mantém ainda hoje o sentido designativo da ação estatal. O tributo (tributum) seria o resultado dessa ação estatal, indicando o ônus distribuído entre os súditos.
Por sua vez, Kiyoshi Harada (2006) defende que o Direito Tributário é, por assim dizer, o direito que disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, da parcela de riqueza de seus súditos, mediante a observância dos princípios reveladores do Estado de Direito.
De acordo com o art. 3º do Código Tributário Nacional, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda, ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Luciano Amaro (2007) critica o conceito legal de tributo, alegando pleonasmo. Para ele, prestações pecuniárias sempre se expressariam em moeda e, portanto, o seu valor seria uma expressão monetária. Porém, a interpretação que tem prevalecido do artigo 3º do CTN afirma que o pagamento do tributo pode ser efetuado em moeda ou em bens cujo valor possa ser medido em unidades monetárias.
Pela expressão “prestação compulsória”, entende-se que o nascimento da obrigação independe da vontade do devedor, desde que realizada uma determinada atividade. Luciano Amaro (2007) conclui que tributo é toda prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público.
Amaro (2007) defende que não seria necessária a referência à compulsoriedade tributária, já que, ao se afirmar que a prestação tributária é instituída em lei, logicamente, não teria por base a vontade dos sujeitos da relação jurídica. Para ele, essa atividade (que se desdobraria no ato de lançamento e nas demais providências do sujeito ativo para tornar efetivo o recebimento do tributo) é acidental. Isso porque a grande maioria dos tributos (que são os que o CTN sujeitou ao chamado lançamento por homologação) é recolhida sem prévio exame do sujeito ativo e também sem posterior exame (que seria eventual).
Por fim, Luciano Amaro (2007) pontifica que o Estado ou outras entidades não estatais, que persigam fins de interesse público, seriam os credores da obrigação tributária.
Dentro desse contexto, em que, tendo por fim zelar pelo bem estar coletivo, possui o Estado o poder-dever de instituir e arrecadar tributos, paralelamente, se manifesta a liberdade individual do contribuinte, que almeja se submeter a uma carga tributária menos onerosa, o que somente se admitirá caso a norma jurídica lhe conceda margem de escolha.
Ora, a busca por uma carga tributária menos onerosa não é recente na sociedade. A ideia de uso da liberdade individual como elemento suficiente para caracterizar o planejamento tributário apareceu tempos atrás. Marco Aurélio Greco faz o seguinte relato histórico: “Cabe aqui mencionar um caso interessante que está documentado por ter sido relatado por um glosador da idade média que é Bártolo de Sassoferrato, que viveu entre 1320 e 1360 aproximadamente. Note-se que estamos falando de algo que ocorreu há 650 anos. Bártolo relata em seu consilium 135 que determinada Comuna (que, na Idade Média, era formada fundamentalmente pela praça do mercado e pelas casas à sua volta, passou a cobrar uma taxa de todos os mercadores que iam para o local negociar seus produtos. Algo como um tributo pelo uso do solo municipal; não se discutia naquela época se era taxa ou imposto, não existia este refinamento conceitual. Então surgiu a seguinte situação concreta: uns caçadores que iam para o mercado vender peles de animais, quando chegavam na praça, ao invés de colocá-las no chão, carregavam-nas nos braços e diziam: “como não coloquei a pele no chão, não devo pagar a taxa, pois não usei o solo”. Em termos atuais seria algo como “não pratiquei o fato gerador, assim não tenho que pagar a taxa”. Trata-se de fato ocorrido no século XIV e que hoje seria visto como um nítido modelo de “planejamento tributário” na visão clássica da figura, porque é lícito carregar a pele nos braços ao invés de colocá-la no chão, conduta que é realizada antes do fato gerador (porque a pele não encostou no chão) e sem nenhum tipo de engano, fraude ou simulação.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.120/121)
E conclui afirmando que o planejamento tributário como algo lícito, não simulado e antes do fato gerador existe há mais de seiscentos anos na história do mundo ocidental.
Greco apresenta entendimentos divergentes realizados em face do mesmo fato, demonstrando o quão controvertido é o tema aqui tratado: “Para o formalista, se pele não encostou no chão, não há fato gerador; para o realista, se a finalidade da sua presença na praça era comercializar, então a taxa era devida. Esta tensão entre formalismo e realismo aparece em grande parte dos debates que envolver planejamento tributário. […] A pergunta crucial é: qual das perspectivas predomina? O caçador sustentava ser o uso porque não encostou no chão e a Comuna sustentava ser a finalidade porque ele estava ali para comercializar. Esta dualidade “fato gerador + finalidade” vai nos acompanhar o tempo todo. O desafio é fazer a ponderação: mais pra cá ou mais pra lá?”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.122)
Para o autor (2008), existiria uma faixa de comportamentos que envolvem o exercício da liberdade individual, hábil a embasar uma redução da carga tributária. Porém, em razão de entendimentos divergentes acerca de um mesmo fato, almejando a paz social, ganha importância a função do Estado, que deve impedir práticas ilícitas em face do Fisco e, ao mesmo tempo, zelar para que procedimentos lícitos, amparados por princípios tributários, possam ser utilizados pelo contribuinte como uma forma legítima de diminuição do encargo tributário. Um desses princípios é o da capacidade contributiva.
Em obra dedicada ao planejamento tributário, Marco Aurélio (2008) afirma que o princípio da capacidade contributiva teria se consagrado no Brasil pela Constituição de 1946 (artigo 202) e, na Itália, pela Constituição de 1947 (artigo 53). Apesar de se firmar nos dois países na mesma época, com embasamento teórico comum, seguiram caminhos diversos. Cita Greco que: “Até o início da década de 60, o tema não apresentava maiores repercussões no campo prático, tendo permanecido como objeto de estudos doutrinários, mas raras foram as manifestações jurisprudenciais a respeito, tanto aqui, como na Itália. A partir desse período, Brasil e Itália passaram a viver experiências distintas. No Brasil, ao ensejo da reforma introduzida ao sistema constitucional tributário e por força do artigo 25 da Emenda nº 18/65, o artigo 202 foi expressamente revogado, o que abriu espaço a vários debates a respeito da permanência, ou não, do princípio no novo sistema tributário; alguns sustentando que teria sido suprimida, outros afirmando que ela permanecia como desdobramento de isonomia. Depois de cerca de vinte anos de poucos debates a respeito da capacidade contributiva, o Brasil decidiu suprimir da Constituição o dispositivo, enquanto a Itália passou a buscar sua aplicabilidade.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.313)
O princípio só foi reintroduzido no ordenamento jurídico brasileiro na Assembleia Constituinte que ensejou o Texto de 1988.
Assevera Greco (2008) que, no ordenamento italiano, a capacidade contributiva não é um contraponto ao da proteção ao patrimônio. Sua função principal não seria, apenas, definir uma meta individual pela tributação, mas estar associada à participação política, efetiva, do cidadão na vida do Estado.
Já no Brasil não se construiu o conceito dessa forma. Aqui, a capacidade seria desdobramento do princípio da solidariedade social. Elemento essencial na busca de uma sociedade justa.
Aliado à capacidade contributiva, para uma melhor compreensão do planejamento tributário, é preciso discorrer sobre a competência tributária. Isso porque, como o planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos e realizando-se mediante uma interpretação mais favorável ao contribuinte das hipóteses de incidência, dos sujeitos da obrigação, da base de cálculo ou da alíquota devida, para a devida compreensão do presente trabalho, impõe-se, ainda que de modo sintético, uma breve análise da competência tributária, que é o poder atribuído pela Constituição da República de instituir (definindo o fato gerador, a base de cálculo, alíquota, etc.), cobrar e fiscalizar tributos. “A pessoa política que detém a competência tributária para instituir o tributo também é competente, por meio de lei, para aumentar a carga tributária, diminuí-la ou mesmo conceder isenções, observados os limites constitucionais (p. ex., art. 155, §2º, XII, “g”, da CF, que, a fim de evitar a chamada “guerra fiscal”, exige deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal para que sejam concedidos benefícios fiscais relacionados ao ICMS.”. (CHIMENTI, Ricardo Cunha, PIERRI, André de Toledo, 2005, p.01)
Luciano Amaro, dissertando sobre o tema, afirma: “Numa Federação, especialmente na brasileira, em que mesmo os Municípios têm sua esfera própria de atribuições exercidas com autonomia, a Constituição preocupa-se com prover os vários entes políticos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – a fim de que cada qual possa atender aos seus respectivos dispêndios.”. (AMARO, Luciano, 2007, p 93)
Assim, o poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tenha competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera de que lhe foi assinalada pela Constituição. Ao criar tributos, o Estado estabelece normas, que deverão ser obedecidas pelo contribuinte e também pelo próprio Estado, evitando a arbitrariedade e a ocorrência de insegurança jurídica. É nesse contexto que o planejamento tributário deverá ser efetuado, dentro dos limites legais e de acordo com os princípios que regem o direito tributário. Ao criar ou alterar tributos, o Estado permite um juízo de interpretação de suas normas por parte do contribuinte. Caso a norma jurídica permita ao contribuinte optar por um encargo tributário menos oneroso, o Estado não poderá se furtar isso, sob pena de contrariar o princípio da legalidade e gerar insegurança jurídica na sociedade. Por outro lado, se a norma veda uma determinada prática, não concedendo opções ao contribuinte, o planejamento tributário eventualmente realizado será tido como lícito.
3 DISTINÇÃO ENTRE OS INSTITUTOS DA ELISÃO E DA EVASÃO FISCAL
A doutrina tradicional, inicialmente, elegeu dois critérios para classificar elisão e evasão fiscal: o critério temporal e o critério da licitude.
Adotando-se o critério temporal, importará analisar se a ação ou omissão ocorreu antes ou depois do fato gerador. Se a conduta foi anterior, mas decorreu de uma opção do contribuinte, dentre as várias dispostas pela legislação, denomina-se elisão e seria, em uma análise preliminar, considerada lícita. No entanto, se a conduta tiver ocorrido após o fato gerador, de modo que o contribuinte, fazendo uso de astúcia e agindo de má-fé, tente se esquivar de sua obrigação tributária, tem-se a evasão fiscal, conduta vedada pelo ordenamento jurídico (parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional): “Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”.
Adotando-se o critério da licitude, a atividade será chamada de elisão, se estiver de acordo com o sistema jurídico que rege a tributação, ou seja, quando a própria legislação conceder opções ao contribuinte. Por outro lado, quando a legislação não conceder opções ao contribuinte, a livre escolha por um encargo tributário menos oneroso será tida como ilícita, caracterizando o instituto da evasão fiscal.
Todavia, o critério cronológico mostra-se deficiente porque nem toda ação ou omissão ocorrida antes do fato gerador, necessariamente, será considerada elisão, ou seja, uma prática lícita.
Uma determinada atitude do contribuinte pode acontecer antes do fato gerador e ser irrelevante para o planejamento tributário, como, por exemplo, deixar de consumir cigarro que tem tributação alta, para consumir alimento que tem tributação menor. Neste caso, é apenas a abstinência do contribuinte que causa redução de tributo, não podemos considerá-la planejamento.
Há casos também onde o contribuinte pratica uma determinada conduta antes do fato gerador, entretanto, com o fito de simular o fato gerador que efetivamente se concretizará. Sobre isso, temos como exemplo a atitude do contribuinte que, para evitar contabilização de determinada receita em seu patrimônio, a contabiliza como empréstimo, induzindo o fisco ao erro.
Atualmente, o critério da licitude tem se apresentado mais completo, uma vez que, se a conduta do contribuinte se amoldar à legislação em vigor (norma jurídica, princípios e análise fática), poderá estar caracterizada uma legítima elisão fiscal. Se, todavia, for contrária a ela (norma jurídica, princípios e análise fática), será classificada como evasão fiscal, sendo, assim, ilícita.
O Professor Sacha Calmon Navarro, intitulado “Elisão e Evasão Fiscal”, André Mendes Moreira, esclarece: “Divergências conceituais à parte, existe certo consenso no sentido de que elisão fiscal corresponde à economia lícita de tributos, e evasão fiscal á sonegação ou simulação (que pode ser absoluta ou relativa, esta última denominada dissimulação).”. (MOREIRA, André Mendes, disponível em: :www.sachacalmon.com.br/admin/arq_publica/936824c0191953647ec609b4f49bc964.ppdf)
E mais: “Assim, existem contornos básicos que diferenciam elisão de evasão. Conforme entendimento dominante, elisão fiscal corresponde à prática de atos lícitos, anteriores à incidência tributária, de modo a obter-se legítima economia de tributos, seja impedindo-se o acontecimento do fato gerador, seja excluindo-se o contribuinte do âmbito de abrangência da norma ou simplesmente reduzindo-se o montante de tributo a pagar. Já evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou posterior à incidência tributária, na qual são utilizados meios ilícitos (fraude, sonegação, simulação) para escapar ao pagamento de tributos.”. (MOREIRA, André Mendes, disponível em: :www.sachacalmon.com.br/admin/arq_publica/936824c0191953647ec609b4f49bc964.ppdf)
O planejamento tributário é lícito e legítimo, contudo, não pode ser uma forma de burla à tributação, isto é, não pode o contribuinte, sob a alegação de que está fazendo um legítimo planejamento tributário, praticar, na realidade, fraude, sonegação ou simulações, tendo por objetivo fugir à tributação. Acerca disso, tem se manifestado o Egrégio Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, vale destacar: “O caso é clássico no mundo do planejamento tributário, mas a economia de tributos, aqui, não tem lugar. O imposto é devido em Minas Gerais e não em São Paulo. Exponho que o instituto da evasão fiscal se caracteriza pela prática da sonegação, fraude ou simulação. Enquanto a sonegação é a própria mora ou falta no pagamento de tributos e a fraude importa em falsificação de documentos, a simulação nada mais é senão a criação de uma realidade jurídica legal, com fins de esconder a real intenção tributária do agente. Na simulação – ou dissimulação – o agente pratica certo ato com fins de ocultar sua real vontade.
No artigo "Fraude à lei, abuso do direito e abuso da personalidade jurídica em Direito Tributário – Denominações distintas para o instituto da evasão fiscal "SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO explana com propriedade: "Já evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou posterior à incidência tributária, na qual são utilizados meios ilícitos (fraude, sonegação, simulação) para escapar ao pagamento de tributos. (…) Simulação: pode ser absoluta (finge-se o que não existe) ou relativa (dissimulação: sob o ato ou negócio praticado jaz outro negócio, oculto, que corresponde à real vontade das partes)." .
Em Acórdão publicado em 25/06/2004, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, analisando a distinção entre elisão e evasão fiscal, assim manifestou-se: “EMENTA: ISSQN – COMPETÊNCIA – LOCAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS – NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE OS SERVIÇOS FORAM PRESTADOS EM OUTRO MUNICÍPIO – AUTUAÇÃO DEVIDA. O ISSQN pertence ao Município, em cujo território se realizou o fato gerador. Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-lei nº 406/68), a pretensão é a de que o ISSQN pertença ao município em cujo território se realize o fato gerador. Não restando devidamente comprovado que os serviços foram prestados em outro Município, correta a autuação levada a efeito pelo Fisco Municipal.[…]
Além disso, segundo Sérgio Pinto Martins, em Manual do ISS, 2ª edição, p.232 "O sujeito passivo terá direito, inclusive, de se estabelecer num certo local onde a alíquota do ISS seja mais baixa, de modo a pagar o menor imposto possível. Trata-se, portanto, de hipótese de elisão fiscal, de economia de imposto – e não de evasão fiscal, de sonegação, ou seja, de economia lícita de imposto, de planejamento tributário.".
Da análise dos julgados e dos institutos da elisão e evasão fiscal, é possível perceber que a evasão se concretiza via três figuras ilícitas, previstas, inclusive, no Código Civil Brasileiro: simulação, fraude e abuso de direito.
3.1 Simulação
Começaremos falando da simulação, prevista no artigo 167 do CC/02, ou seja, são simulados os negócios jurídicos que aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
Simulação, conforme o Dicionário Silveira Bueno, é o mesmo que disfarce, fingimento ou falsidade. A doutrina tem entendido que simulação é a manifestação de um negócio jurídico a terceiros que não se coaduna com a verdadeira vontade das partes, com a real intenção dos sujeitos de produzirem determinados efeitos entre si. “Dentro da diversificada gama de comportamentos empregados para minimizar o encargo tributário (negócios fiscalmente menos onerosos), podemos destacar, em primeiro lugar, negócios celebrados com o fim de enganosamente promover a “fuga de tributos”. Nesse caso, estaremos diante da figura da simulação fiscal. […]
Pelo menos no ordenamento jurídico brasileiro, na elisão, os meios são sempre lícitos; na simulação, por outro lado, esconde-se a ilicitude dos meios e o fato gerador ocorre efetivamente, mas vem desnaturado em sua exteriorização formal, através do artifício utilizado. A simulação fiscal, assim, é uma das subespécies da evasão comissiva ilícita e, portanto, exige, para além da simulação do ato ou contrato (relativa ou absoluta), que esta se dê em prejuízo do imposto.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 219)
Se a vontade e o negócio jurídico convencionado for de apenas um dos sujeitos (desconhecendo-a a outra parte), ou seja, não houver a cooperação na criação do negócio jurídico aparente, o instituto não é o da simulação, mas sim o da reserva mental, como predominantemente sustentado pela doutrina. A conduta será ilícita e de interesse para o Direito Tributário quando o acordo simulatório for um meio convencionado pelas partes para obterem aquilo que se dissimulou, tendo por fim a fuga dos encargos tributários.
A simulação prevista no artigo 167 do Código Civil prevê a presença de alguns requisitos, tais como a vontade real e a declaração de vontade. Por exemplo, o contrato de aluguel utilizado para dissimular um contrato de compra e venda é um ato contrário ao ordenamento jurídico e ao interesse público. As partes contratantes declaram para terceiros um negócio jurídico aparente, simulado, cujos efeitos não são realmente desejados, com a mera intenção de enganar o Fisco e a coletividade[1].
3.2 Fraude
Como assenta a doutrina, a fraude à lei se verifica quando se intenta amparar o resultado contrário a uma lei em outra disposição, dada, em verdade, com uma finalidade diferente. O negócio em fraude à lei consiste em utilizar um tipo de negócio ou um procedimento negocial com o intuito de evitar as normas ditadas pra regular outro negócio (aquele cuja regulação é a que corresponde ao resultado que se pretende conseguir fugir com a atividade posta em prática).
A fraude à lei está prevista no artigo 166, VI, do Código Civil. Onofre Alves leciona que: “A fraude à lei tributária, assim, pressupõe a presença de duas normas: uma norma instrumento ou de cobertura, e uma norma fraudada. Supõe que um determinado resultado econômico, cuja consecução pelos meios jurídicos normais acarretaria a incidência tributária, consegue-se por outros meios jurídicos, que natural e primariamente têm por objetivo fins diversos, e que não estão gravados ou o estão de forma mais atenuada.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 221)
A fraude à lei é a conduta, inicialmente, observa a literalidade da norma, mas almeja atingir fim ilícito. A fraude à lei usa de meios lícitos em si para alcançar o resultado vedado pela lei.
No que tange ao presente trabalho acadêmico, é preciso ter em mente que nem sempre os contribuintes buscam brechas na lei por motivos imorais. Na verdade, eles o fazem porque isso é parte do planejamento tributário, é um modo de diminuir encargos e fortalecer a atividade empresarial. Daí a grande importância de se aferir corretamente se o contribuinte tenta elidir-se do tributo ou praticar evasão.
3.3 Abuso de Direito
Embora seja legítimo que o contribuinte organize seus negócios para buscar a economia de tributos, amparado pelo princípio da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, não lhe é dado abusar desse direito. Na obra intitulada Planejamento Tributário, Reinaldo Pizolio apresenta o seguinte questionamento, formulado por Marco Aurélio Greco: “Neste aspecto, a questão é formulada por Marco Aurélio Greco nos seguintes termos: “ […] creio que há um outro aspecto a ser ponderado, quando se examina o tema do planejamento tributário (ou da elisão fiscal), e que não se prende, propriamente, à existência do direito, mas sim ao seu uso, ao modo de seu exercício. A pergunta que se põe é: admitida a existência do direito de organizar sua vida, este direito pode ser utilizado pelo contribuinte sem quaisquer restrições? Ou seja, tal direito é ilimitado? Todo e qualquer “planejamento” é admissível?”. (PIZOLIO, Reinaldo, 2004, p. 167)
O abuso de direito encontra-se previsto no artigo 187 do Código Civil: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”.
Para Pizolio (2004), ainda restaria saber até que ponto as normas jurídicas, as formas jurídicas, os dispositivos legais e, em última análise, o próprio ordenamento jurídico pode ser manipulado para se evitar a incidência da norma tributária ou minimizar seus efeitos.
No entanto, o mesmo autor afirma que haveria limites à conduta dos contribuintes, já que todo direito subjetivo também os possui. Em especial, deverá ser aferida a boa-fé do contribuinte e sua eticidade. “A ideia de abuso de direito, por sua vez, nos leva à questão da eticidade no trato e na interpretação do ordenamento jurídico como pauta valorativa do intérprete, como acentua Miguel Reale por inúmeras vezes referindo-se ao novo Código, apontando-a como princípio fundamental da nova ordem civil. Neste sentido, acentua João José Sady que a “questão da eticidade está nitidamente imbricada na ideia de abuso de direito como causa de defeito do ato jurídico” e, invocando a voz de Caio Mário da Silva Pereira, aduz que “expurgada a teoria de todas as suas nuanças e sutilezas, resta o princípio em virtude do qual o sujeito que tem o poder de realizar o seu direito, deve ser contido dentro de uma limitação ética […]”. (PIZOLIO, Reinaldo, 2004, p. 168)
Assim, atualmente tem se entendido que o exercício de qualquer direito deve obedecer a, pelo menos, um mínimo de conteúdo ético, não podendo o titular do direito dele fazer o uso sem que haja uma real e justificável finalidade. Não basta ao titular fazer um mero uso de um direito subjetivo existente, mas cumpre-lhe fazê-lo com responsabilidade e boa-fé, não só para com o contraente, mas para com toda a coletividade, que também é titular de direitos subjetivos.
4 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
No dizer de Marcelo Magalhães Peixoto (2004), planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos.
Não há dúvidas de que a Constituição Federal tutela o direito ao exercício da autonomia privada, à propriedade e á liberdade contratual, porém, do mesmo modo a Carta Magna também prescreve o dever ético-jurídico ao pagamento do justo tributo. “Deste modo, é imperioso que os operadores do direito pensem o planejamento tributário dentro de um contexto ético mais amplo, para que a sociedade brasileira possa avançar nos debates tributários, com o fito de ver no tributo sua qualidade principal, qual seja, a de ser o instrumento financeiro indispensável à realização da justiça tributária e, por conseguinte, justiça social.”. (PEIXOTO, Marcelo Magalhães, 2004, p.29)
E acrescenta: “Viver eticamente é viver conforme a justiça. Tributar e gastar de forma ética é tributar e gastar conforme a justiça tributária. Planejar os negócios jurídicos dos contribuintes de forma ética é planejamento segundo a justiça tributária.”. (PEIXOTO, Marcelo Magalhães, 2004, p.30)
Onofre Alves Batista Júnior (2002) bem esclarece o contexto em que se realiza o planejamento tributário: “Inicialmente, antes de qualquer outra consideração, devemos assinalar que o Direito Brasileiro alberga o Princípio da Legalidade, que determina que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II, da CF/88).
Portanto, podemos concluir que, em regra, o contribuinte não pode ser obrigado a adotar esta ou aquela conduta senão em virtude de lei. Sabendo-se que é da lógica comercial a minimização de despesas e maximização dos lucros, podemos também inferir que, em regra, o contribuinte só poderá ser compelido a adotar um procedimento que traga consequências tributárias mais gravosas, se assim determinar a lei.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 18)
De modo esclarecedor, leciona: “Na elisão fiscal, o agente, visando certo resultado econômico, busca, por instrumentos sempre lícitos, fórmula negocial alternativa e menos onerosa, sob o ponto de vista fiscal, aproveitando-se de legislação não proibitiva ou não equiparadora de fórmulas ou formas de Direito Privado.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 26)
O instituto do planejamento tributário, desenhado a partir da organização da vida em sociedade e com base na liberdade para diminuir a carga tributária imposta pelo Estado, é de inegável importância nos dias atuais.
Em uma sociedade democrática, é dever do Estado ofertar aos mais carentes e necessitados os bens primários, indispensáveis à sobrevivência digna, sendo esse um dos motivos pelos quais o Estado institui tributos.
Todavia, justamente por vivermos em uma democracia, devemos pautar nossas atitudes pela eticidade, sendo esse um dos princípios basilares do planejamento tributário. Respeitado esse princípio, o planejamento tributário é legitimado, pois possibilita a efetivação da tão almejada justiça tributária.
Não se pode admitir que o Estado, enquanto instituidor e gestor dos tributos, seja incapaz de bem gerir os recursos públicos e permita praticas abusivas, que fraudam o fisco e o princípio da solidariedade tributária.
De outro lado, é plenamente razoável que os contribuintes, tendo por fim, minimizar a carga tributária, efetuem um planejamento próprio, dentro dos limites legais e de acordo com os princípios tributários, de modo a escolherem, dente as opções que lhe são ofertadas pelo Estado, a menos onerosa.
Roberto Wagner Lima Nogueira (2004) entende que planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos. “Deste modo, é imperioso que os operadores do direito pensem o planejamento tributário dentro de um contexto ético mais amplo, para que a sociedade brasileira possa avançar nos debates tributários, com o fito de ver no tributo sua qualidade principal, qual seja, a de ser o instrumento financeiro indispensável à realização da justiça tributária e, por conseguinte, justiça social.”. (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 29)
Como já ventilado, o planejamento tributário envolve estudo e implementação de opções lícitas a serem tomadas pelo sujeito passivo potencial da relação jurídica tributária, no que tange a evitar a ocorrência de evento que lhe coloque na posição do sujeito passivo (contribuinte ou responsável) ou, não sendo possível evitá-la, reduzir seu impacto econômico.
Marco Aurélio Greco (2008) destaca que o planejamento tributário é imensamente relevante da perspectiva do Direito, em especial: “O primeiro tema é o da isonomia, pois ela é quebrada não apenas quando se cobra tributo de quem não deveria ser cobrado, por exemplo: cobrar de quem não tem capacidade contributiva, como também há violação à isonomia se não é cobrado tributo de quem deveria ser cobrado ou não se consegue alcançar quem deveria ser alcançado. […]
O segundo tema é o da concorrência. A competição num regime de mercado não pode se dar através de variáveis que não digam respeito à própria aptidão, criatividade ou à qualidade do produto ou do serviço prestado. A variável tributária não deve ser instrumento de diferenciação entre concorrentes ou que interfira na competição. O ideal é que a tributação seja um piso único a partir do qual todos os concorrentes passem a agir. A variável tributária – salvo situações especiais como o uso extrafiscal do tributo – não deve ser elemento que diferencie os competidores no mercado, porque se isto ocorrer surgem distorções, pois começam a existir reflexos no market share, na participação do mercado não pelas qualidades do produto ou serviço ou da competência do agente econômico, mas porque ele descobriu um meio de diminuir a carga tributária e, com isto, consegue apresentar um preço menor do que o concorrente.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.15/16)
Nesse diapasão, Roberto Wagner Lima Nogueira (2004) afirma que viver eticamente é viver conforme a justiça. “Tributar e gastar de forma ética é tributar e gastar e conforme a justiça tributária. Planejar os negócios jurídicos dos contribuintes de forma ética é planejamento segundo a justiça tributária.” (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 30)
Segundo Roberto Wagner (2004), para falarmos em justiça tributária numa sociedade democrática, precisaríamos notar a presença de pelo menos duas características básicas: uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade e cidadãos-contribuintes que, em uma democracia constitucional, pagam tributos e mantêm um fundo comum público, destinado a garantir a oferta de bens e de serviços impossíveis de serem assegurados com equidade a todos os cidadãos, se entregues ao mercado.
O cidadão-contribuinte, dentro desse contexto, tem o dever fundamental de pagar tributos, segundo, dentre outros princípios, o da capacidade contributiva. “Ao cidadão-contribuinte não é ético contribuir a menos para o montante da riqueza social, em proporção ao que suas faculdades lhe permitiam pagar, o que não deixa de ser uma exigência aristotélica na teoria da justiça tributária contemporânea. Portanto, não pode o contribuinte valer-se do planejamento tributário para efetuar pagamento de tributo aquém de sua capacidade contributiva.”. (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 32)
Ao dissertar sobre a ética fiscal pública, Roberto Wagner (2004) destaca alguns valores a serem observados. Para ele, o Estado deve aceitar a liberdade do contribuinte em realizar uma determinada opção fiscal, desde que respeitada a sua capacidade contributiva.
Porém, essa liberdade não seria absoluta, já que, no entendimento de Wagner (2004), via de regra, todos que estiverem sob uma mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação. Portanto, interpretar os valores da liberdade e da igualdade de maneira harmonioso, nem sempre é tarefa das mais simples.
Ademais, o Estado deve privar pela segurança jurídica, abstendo-se de tributar de surpresa ou de maneira irracional.
Aliado a esses valores, deve o Estado, ainda, zelar pela solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública.
Para o Autor (2004) fazer justiça tributária é, dentre várias coisas, ser solidário com os carentes, que têm direito subjetivo à solidariedade e à assistência estatal, garantir a igualdade formal entre os contribuintes que se encontrem sob uma mesma situação jurídica e, ao mesmo tempo, conceder-lhes o direito de, mediante seu próprio planejamento e dentro das opções ofertadas pelo Poder Público, minimizar seu encargo tributário.
5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
De antemão, é preciso esclarecer que a importância do presente tópico se deve às características de nosso ordenamento jurídico, alicerçado em diversos princípios jurídicos. A Constituição da República, como lei fundamental, nos apresenta uma série de princípios, que deverão ser observados tanto na elaboração de normas quanto no cumprimento das mesmas.
Dessa forma, todos os artigos da Lei Maior só encontrariam sua real dimensão se conjugados com os princípios do sistema constitucional. Carraza afima que: “Observamos, ainda, que nossa Constituição, no louvável propósito de transformar a República Brasileira num Estado Democrático de Direito, submeteu a ação tributária das pessoas políticas a um extenso rol de princípios (federativo, da legalidade, da igualdade, da anterioridade, da segurança jurídica, da reserva de competências etc.), que protegem, ao máximo, os contribuintes, contra eventuais abusos fazendários.”. (CARRAZZA, Roque Antônio, 2008, p.56)
Como o planejamento tributário deve ser interpretado à luz da Constituição, sua devida aplicação deverá se conformar com os princípios que regem nosso ordenamento jurídico.
Não se pode achar que o Poder de Tributar do Estado está ileso a qualquer tipo de limitação. É a Constituição Federal que traça tais limitações, a partir de mecanismos como a imposição de Competência Tributária, as Imunidades Tributárias e, principalmente, os Princípios Constitucionais Tributários, instrumentos que respeitados, trazem segurança para o contribuinte.
O professor Sacha Calmon, comparando nosso ordenamento jurídico com o de outros países, ilustra bem a importância dos princípios em matéria tributária: “Os países europeus de tradição jurídica romano-germânica, a que pertencemos pela filiação lusa, trazem em suas Constituições alguns princípios tributários, sempre poucos. Os que são Estados Federais colocam nas Cartas Políticas outros tantos princípios relativos à repartição das competências, inclusive tributárias. A Inglaterra, matriz do Common Law, em seus documentos históricos, os quais em conjunto formam a Constituição inglesa, igualmente, mas de maneira esparsa, agasalha alguns princípios sobre o exercício do poder de tributar. Os EUA, que nos inspiram a República, o Presidencialismo, o sistema difuso de controle de constitucionalidade e a Federação (certo que imprimimos à Federação a nossa feição centralizante), tampouco são um país que se demora em cuidados justributários no corpo da Constituição.
O Brasil, ao contrário, inundou a Constituição com princípios e regras atinentes ao Direito Tributário. Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação. Esta cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes conclusões: Primus – os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na Constituição, de onde se projetam sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municípios; Secundus – o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tributária; Tertius – as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as diversidades constitucionais.”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p.45/46)
Para o ilustre professor, a Constituição da República é bastante minuciosa e repleta de princípios, que deverão ser observados tanto na elaboração da norma quanto na sua aplicação, posto que justificam e fundamentam o poder de tributar.
Perceba-se que essas limitações, sejam legais, seja principiológicas, estão intimamente vinculadas aos mecanismos que permitem o legítimo exercício do planejamento tributário.
Dentre outros, destacam-se quatro princípios como mecanismo de autorização do planejamento tributário: capacidade contributiva, vedação do confisco, legalidade e anterioridade.
A Constituição da República alicerça e dá validade ao ordenamento jurídico, fixando as diretrizes das normas infraconstitucionais, de forma direta e indireta. Entretanto, a aplicação de normas e regras deverá ter como base os princípios constitucionais, visto que os mesmos constituem seus limites de aplicação e de interpretação. “Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São, portanto, cláusulas constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis.”. (art. 60, § 4º, da CF) (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p.164)
Os princípios são dirigidos principalmente aos legisladores, mas devem ser observados pelos juízes, enquanto aplicadores da lei, quando se fizer necessário julgar se dado instrumento legislativo está condizente com o que determina o princípio, como também pelo Poder Executivo ao dar cumprimento ao que a lei determina, especialmente, no momento de exigir os tributos dos contribuintes.
Como se sabe, o poder de tributar está repartido entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e, embora existam disposições expressas na Constituição da República quanto à tributação, as regras ali dispostas não devem ser interpretadas de maneira estanque, impondo ao legislador e ao intérprete a análise das regras em conjunto com os princípios que as fundamentam e as justificam, haja vista que tanto as regras quanto os princípios fazem parte do mesmo ordenamento jurídico, que deve ser aplicado de maneira harmoniosa.
Vale lembrar que os princípios constitucionais informam todas as diretrizes básicas da Carta Magna e são dotados de normatividade e eficácia, impondo ao legislador ordinário sua observância e respeito quando da elaboração de normas.
O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, tem competência para julgar a constitucionalidade de normas que violem não só regras, mas, também, princípios constitucionais. Isso porque, os princípios por se encontrarem acima das normas, exerceriam sobre estas força vinculante, sobretudo no momento da sua interpretação.
Destarte, pode-se afirmar que a violação a um principio constitucional importa em ruptura da própria Constituição, representando uma inconstitucionalidade, devendo, portanto, a norma violadora ser retirada do ordenamento jurídico. A ruptura de um principio traduz em consequências mais graves do que a violação de uma simples norma, visto que ofende uma regra fundamental informadora de todo um sistema jurídico.
“A ação mediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação e integração, pois eles que dão a coerência geral do sistema. E, assim, o sentido exato dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado no conjugação com os princípios e a integração há de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente.”. (MIRANDA, Jorge apud AMARO, Luciano, 2007, p.50)
Por fim, podemos afirmar que os princípios funcionam como critérios de interpretação e integração, pois propiciam coerência geral ao sistema. Ademais, ao exercer sua potestade, deve o Estado zelar pelo respeito aos princípios constitucionais, seja na elaboração de normas, seja no cumprimento das mesmas.
O planejamento tributário será legitimado quando não contrariar a legislação em vigor e os princípios jurídicos que regem as relações com o fisco.
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3º, afirma que é objetivo da nação constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e promover o bem estar de todos.
Por meio de uma interpretação ampla, o artigo 3º da Constituição da República também ampararia o planejamento tributário, na medida em que, ao se permitir técnicas de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos, de maneira indireta, estar-se-ia contribuindo para o desenvolvimento das atividades produtivas, o que está intimamente ligado ao número de vagas no mercado de trabalho e ao desenvolvimento da nação.
Certo é que o Estado deve estar atento para impedir práticas ilícitas em face do Fisco e, ao mesmo tempo, zelar para que procedimentos lícitos, amparados por princípios tributários, possam ser utilizados pelo contribuinte como uma forma legítima de diminuição do encargo tributário, o que motivaria o desenvolvimento das atividades produtivas.
A busca por uma sociedade livre, justa e solidária sob a ótica da tributação, intenta concretizar o princípio da liberdade fiscal e da capacidade contributiva, dentre outros, uma vez que a liberdade fiscal está ligada ao ideal da liberdade em sentido constitucional, enquanto a capacidade contributiva vincula-se á ideia de justiça e solidariedade.
Não podemos esquecer que a dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes princípios constitucionais e deve se agregar ao princípio da liberdade fiscal e ao princípio da capacidade contributiva, como elementos norteadores e condicionantes do planejamento tributário.
5.1 Princípio da liberdade fiscal
Contrapondo-se à legalidade estrita e à atuação plenamente vinculada, Roberto Wagner Lima Nogueira (2004), defende a existência do princípio da liberdade fiscal, que estaria fundamentado em nossa Magna Carta no artigo 3º, I e artigo 5º caput.
O autor advoga que tais dispositivos garantiriam ao contribuinte o direito de escolher, quando a lei para isto lhe der margem, a forma de encargo tributário que deseja suportar.
Ao administrar suas atividades e almejando a “saúde” financeira de seus negócios, o contribuinte possuiria a liberdade de, via mecanismos lícitos, optar por encargos tributários menos onerosos. Entretanto, essa “liberdade” não seria absoluta, tendo como limites, v.g, os princípios da capacidade contributiva e da solidariedade. Para o autor (2004), seria um dever de todos concorrer para o financiamento das despesas públicas, tendo por parâmetro a capacidade contributiva individual. Dessa forma, em síntese, quem pode mais, pagaria mais; quem pode menos, pagaria menos. Daí, surge a importância de um outro princípio, o da proporcionalidade, a quem caberia a árdua tarefa de harmonizar o conflito entre a liberdade tributária e a capacidade contributiva. Ademais, de acordo com Wagner, o Estado deverá respeitar a não incidência fiscal sobre o mínimo necessário à existência digna.
Roberto Wagner Lima Nogueira, (2004) citando Jonh Rawls, ensina que: “A base empírica deste princípio é encontrada tanto no artigo 3º inciso I, quanto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Para Rawls, liberdade é uma certa estrutura de instituições, um certo sistema de normas públicas que definem direitos e deveres. O princípio da liberdade fiscal possui dupla face: é ao mesmo tempo um direito fundamental e um dever fundamental. Explicando. Na vertente do dever fundamental, submete-se a uma ética fiscal privada, uma ética de conduta que norteia o cidadão-contribuinte em direção ao dever fundamental de pagar tributos segundo sua capacidade contributiva. Doutra banda, como direito fundamental, o princípio da liberdade fiscal subordina o Estado e uma ética fiscal pública, ou seja, o Estado é constitucionalmente obrigado a reconhecer o princípio da liberdade fiscal, aceitando mediante o devido processo legal, a opção fiscal (leia-se: planejamento tributário) adotada pelo contribuinte quando no limite de sua capacidade contributiva e negocial.”. (RAWLS, Jonh apud NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima, 2004, p.41)
A liberdade negocial está vinculada ao princípio da liberdade fiscal, uma vez que, é possível escolher o fim negocial, a melhor forma, bem como, o melhor tipo contratual ou societário, quando esses não sejam definidos em lei.
Marcelo Magalhães Peixoto destaca: “O tributo é o preço da liberdade, […], por servir para distanciar o homem do Estado, permitindo-lhe desenvolver as suas potencialidades no espaço público, sem necessidade de entregar qualquer prestação permanente de serviço ao Estado.”. (PEIXOTO, Marcelo Magalhães, 2004, p.29)
Com isso, o princípio da liberdade subordina o Estado a uma ética fiscal pública, ou seja, o Estado é constitucionalmente obrigado a reconhecer o princípio da liberdade fiscal, aceitando, mediante o devido processo legal, a opção fiscal (planejamento tributário) adotada pelo contribuinte.
Vale lembrar que os artigos 153 e 154 da lei 6.404/1976 descrevem os deveres e responsabilidades do administrador, outorgando-lhes o dever de buscar sempre o maior lucro e o menor custo, que segue: “Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligencia que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
Art.154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”.
Entretanto, é preciso trazer à tona que o legislador pátrio incluiu em nossa Constituição uma norma geral antielisiva, constante no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional.
Destarte, a liberdade fiscal é um direito constitucional do administrador que deve ser exercido dentro dos limites legais. Fica claro que o contribuinte tem o direito de organizar os seus negócios com o objetivo de reduzir seus custos para com o Fisco, desde que obedecidos os limites legais e principiológicos.
5.2 Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva
O predomínio da liberdade individual perde força com a inserção do princípio da Capacidade Contributiva na Constituição de 1988, na medida em que a liberdade conferida ao contribuinte na escolha de uma determinada opção fiscal (ofertada pelo próprio Estado) deve respeitar sua capacidade contributiva.
Não é dado ao contribuinte, sob a alegação de efetuar um planejamento tributário, se desincumbir de encargos tributários que sejam próprios à sua capacidade contributiva. Daí, tem-se que a liberdade não é absoluta, encontrando limites legais e principiológicos.
Logicamente, a linha que separa a liberdade do contribuinte em optar por uma situação que lhe seja mais favorável e sua capacidade contributiva é extremamente tênue, sendo imperioso, para que o planejamento seja lícito e legítimo, a análise do caso concreto.
Para uma situação ideal, deve-se temperar liberdade, igualdade, solidariedade social e capacidade contributiva.
Greco afirma que: “Mesmo que os atos praticados pelo contribuinte sejam lícitos, não padeçam de nenhuma patologia; mesmo que estejam absolutamente corretos em todos os seus aspectos (licitude, validade), nem assim o contribuinte pode agir da maneira que bem entender, pois sua ação deverá ser vista também da perspectiva da capacidade contributiva.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.307)
Por se tratar de princípio constitucional, surge uma importante discussão acerca da identificação de seus destinatários, bem como de sua eficácia jurídica. Isto porque, na medida que o Estado assume a responsabilidade de proporcionar serviços básicos a população, assume também a responsabilidade de administrar a verba arrecadada com o fim de desenvolver suas atividades, sendo que cada um deve contribuir para o custeio do Estado, de acordo com sua capacidade. Muitas vezes a ideia de justiça se guia de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. “Juntamente com o princípio da liberdade fiscal, o princípio da capacidade contributiva é norteador do planejamento tributário. Aqueles que têm o dever de suportar o ônus financeiro do Estado, ou seja, a qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar tributos, o têm na medida de sua respectiva capacidade contributiva, isto é, mediante o reconhecimento ético-tributário de que estamos frente a um Estado Fiscal suportável nos limites dos princípios constitucionais tributários.”. (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 29)
A capacidade contributiva, considerada princípio geral do sistema tributário, deixa de ser vista como confronto entre contribuinte e o fisco, para ser vista como instrumento de viabilização da solidariedade no custeio do próprio Estado.
Assim como todo ordenamento jurídico, o sistema tributário deve ser visto a luz dos valores constitucionais. Deve o sistema tributário andar em sintonia com a Constituição Federal, de modo a existir uma composição de valores.
Quanto a sua eficácia Greco cita Carlos Ayres Britto: “Por um desses fenômenos desconcertantes que timbram a trajetória humana, se as constituições padeciam de subeficácia pelo seu caráter principiológico, foi justamente pelo seu caráter principiológico em novas bases que elas passaram a se dotar de supereficácia normativa. E se aos princípios era recusado o status de verdadeiras normas, agora eles se elevam ao patamar de supernormas de Direito Positivo.”. (BRITTO, Carlos Ayres apud GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.311)
Afirma, ainda, que a constituição não deve ser vista como topo, mas sim, centro que atrai todo ordenamento jurídico. Sob esta perspectiva é possível verificar a importância dos princípios constitucionais no campo tributário. Pertinente asseverar a importância do conceito e da definição do princípio constitucional da capacidade contributiva. Uma vez que, seria impossível conceituar ou definir a figura da capacidade contributiva, haja vista seu conceito corresponder a uma formulação mental de um objeto que depende de um caso concreto para sua aplicação.
Ensina Marco Aurélio Greco que: “Em se tratando de capacidade contributiva, encontramos na doutrina colocações díspares; desde a afirmação de ALFREDO AUGUSTO BECKER, a propósito do artigo 202 da Constituição de 46, no sentido de que este conceito seria a “constitucionalização do equívoco” até outros autores que dizem ser a capacidade contributiva um elemento essencial que informa a tributação e serve de base e fundamento para todo sistema tributário.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.316,317)
Predomina na doutrina italiana o entendimento de que a capacidade contributiva tem conceito subjetivo, só seria possível identificar o princípio dentro das circunstâncias de um evento.
Quando falamos em capacidade contributiva, logo nos remetemos à ideia de que se trata da aptidão de cada um individuo contribuir para o financiamento do Estado.
Greco sustenta que: “Ao falar em capacidade contributiva, é preciso estar atento para não instaurar uma discussão de caráter meramente subjetivo. Para alguns, isto seria inevitável, pois a figura é impossível de definir e, portanto, deveria haver uma avaliação de capacidade contributiva individual, o que tornaria o conceito totalmente não operativo.
Outros sustentam ser um conceito vazio por ser impossível identificar o que seja capacidade contributiva em si, posto não ter substância própria. É fato que se pode identificar a capacidade financeira de alguém, no sentido de saber se possui recursos financeiros disponíveis em montante suficiente para pagar o imposto. Isto é possível identificar. Porém, sua aptidão para contribuir, antes de passar pelo crivo da aptidão financeira, não seria possível aferir. Por isso, alguns dizem ser um conceito vazio de impossível mensuração. Pode-se mensurar concretamente o patrimônio, a renda, mas não esta “capacidade” que, por isso, seria um conceito vazio.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.317)
Para muitos autores, é difícil conceituar, bem como definir critérios e formas de aplicação do princípio. No entendimento de Marco Aurélio Greco (2008) de acordo com a experiência doutrinária brasileira, a capacidade contributiva permaneceria como uma preocupação constante, independentemente da existência de dispositivo constitucional específico nesse sentido.
Insta salientar que há diversas correntes que identifiquem fatos para existência da capacidade contributiva, e, portanto onde deve ser buscada.
Sinteticamente existem duas correntes contrapostas, que partem de pontos de vistas diferentes acerca do referido princípio.
Jorge Antônio Rachid, em artigo intitulado “Capacidade contributiva e administração tributária”, na Revista de Direito Internacional[2], afirma que a questão da capacidade contributiva deve ser focada pelo legislador e não pelo aplicador do direito, fundamentando seu raciocínio de acordo com a corrente da capacidade contributiva presumida pela lei.
Marco Aurélio Greco (2008), por sua vez, adotando a corrente da capacidade contributiva e pressuposto de fato, defende a tese de que capacidade contributiva surge atrelada ao pressuposto de fato e existe na medida em que pressupostos de fato indiquem aptidão de as pessoa poderem contribuir. Com isso, o conceito de capacidade contributiva não deixa de ser um conceito indeterminado, mas isto não significa que se transforme em um conceito subjetivo. Mesmo a capacidade apresentando certa margem de indefinição a ser delineada na análise de cada situação e de cada tributo, mas, fundamentalmente, não é algo fora de todo controle, pois está vinculada a noção objetiva de pressuposto de fato. Observe-se que por pressuposto de fato entende-se um dado da realidade econômica ou jurídica, por exemplo o clico da produção, a renda, a propriedade e etc. “Desta ótica, não é um conceito meramente formal como o de capacidade presumida, em que alei prevê o que bem quiser. Capacidade contributiva resultará do que a lei disser e do que se extrair dos princípios e valores constitucionais. Assim é, pois, tendo a constituição adotado a postura no sentido de instituir um sistema tributário, este, por definição tem de possuir um mínimo de racionalidade, não existindo sistema senão houver um mínimo de ordem e coerência; não uma coerência absoluta nem uma racionalidade absoluta, mas o mínimo de coerência e um mínimo de racionalidade, sob pena de não se ter mais o Sistema acolhido pela constituição, mas algo totalmente diferente.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.323)
A CF/88 traz a capacidade contributiva como princípio informador do sistema tributário. É diretriz positiva que estrutura o ordenamento tributário, que deve ser observado sob pena da norma infraconstitucional ser considerada inconstitucional.
Deve o ordenamento tributário estruturar-se com base no princípio da capacidade contributiva, pois, conforme lição de Roberto Wagner (2004), ninguém pode legitimamente ser obrigado a recolher um tributo superior à sua capacidade econômica.
Diz o artigo 145, § 1º da Constituição Federal que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Capacidade contributiva absoluta refere-se ao pressuposto ou fundamento jurídico do imposto e serve como diretriz para a eleição dos fatos tributáveis. A lei somente pode escolher fatos passíveis de serem tributados, se esses denotarem uma manifestação de capacidade econômica, se forem fatos representativos de riqueza, caso contrario não há como viabilizar o fenômeno do ponto de vista econômico. Nesse momento o princípio da capacidade contributiva se confunde com o fundamento da tributação. Uma vez que só pode haver tributação se houver manifestação de riqueza.
A capacidade contributiva subjetiva: refere-se aos critérios de graduação do imposto e impõe limites à tributação. Diz respeito ao dimensionamento da tributação relativa ao fato escolhido pela Constituição Federal.
Uma vez escolhidos os fatos tributáveis (que são manifestações de capacidade contributiva) quando disciplinados por leis infraconstitucionais, tem que haver observância ao princípio da capacidade contributiva, que se concretiza através do princípios da igualdade e do não confisco.
Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva, como concretização dos princípios da igualdade e isonomia, leva em consideração a proteção do mínimo vital e a família na tributação.
Assim, podemos constatar que o princípio da capacidade contributiva é estrutura básica do sistema tributário brasileiro. É dirigido, principalmente, ao legislador, mas também ao aplicador da lei.
Pode-se constatar que o princípio da capacidade contributiva tem por objetivo impedir que sejam instituídas imposições excessivas, que tenham caráter confiscatório. Bem como impede a tributação das rendas mínimas, determinando que se observe uma graduação progressiva do sistema tributário.
Relativamente ao presente trabalho, o princípio da capacidade contributiva deverá ser observado para a realização de um planejamento tributário lícito e legítimo, onde o contribuinte poderá optar entre meios menos onerosos de tributação, sem deixar de lado sua obrigação de contribuir com valores condizentes com sua situação econômica ou com a natureza do negócio efetuado.
O professor José Eduardo Soares de Melo (2005) leciona que: “O princípio da capacidade contributiva está relacionado com a distribuição equitativa e equilibrada entre os cidadãos do ônus do financiamento das despesas públicas. Para que esse equilíbrio ocorra e se tenha uma tributação justa, é mister que os cidadãos contribuam de forma proporcional ás suas riquezas.
É um imperativo da justiça fiscal que a contribuição de cada individuo para as despesas públicas deva ser de algum modo proporcional à sua situação econômica. Deve-se buscar um tratamento igualitário para aqueles contribuintes em uma mesma situação econômica, atribuindo-se um tratamento diferenciado para contribuintes sob situações econômicas distintas (critério de discrímen).”.(ANAN JÚNIOR, Pedro, 2005, p. 230)
E Carraza assevera: “O princípio da capacidade contributiva tem por destinatário imediato o legislador ordinário das pessoas políticas. É ele que deve imprimir, aos impostos que cria in abstracto, um caráter pessoal, graduando-os conforme a capacidade econômica dos contribuintes.
Com efeito, a hipótese de incidência dos impostos deve descrever fatos que façam presumir que quem os pratica, ou por eles é alcançado, possui capacidade econômica, ou seja, os meios financeiros capazes de absorver o impacto desse tipo de tributo.
Assim, o legislador tem o dever, enquanto descreve a hipótese de incidência e a base de calculo dos impostos, de escolher fatos que exibam conteúdo econômico. Este conteúdo econômico, como bem observa Pasquale Russo, deve ser atual, vale dizer que não pode estar situado em época remota (que já não revela uma razoável presunção de que o contribuinte tem os recursos suficientes para adimplir a obrigação tributária), nem em futuro distante (que não dá um mínimo de certeza de que o contribuinte dispõe de meios financeiros para honrar, no presente, o tributo).”. (CARRAZZA, Roque Antônio, 2008, p.93/94)
Portanto, o princípio da capacidade contributiva deve ser observado pelo legislador que, ao instituir tributos, indicará elementos essenciais (aspecto material, subjetivo e quantitativo) para que se possa aferir a capacidade econômica do contribuinte, evitando excesso de tributação do Estado ou atitudes ilícitas dos contribuintes, tendo por fim a evasão tributária.
Em especial, no que pertine ao princípio da capacidade contributiva, não basta que o mesmo seja observado somente sob a ótica positivista, sendo imprescindível a análise do caso concreto, ponderando-os de modo a encontrar o ponto de equilíbrio que melhor atende as múltiplas variáveis e aos diversos valores constitucionalmente consagrados.
CONCLUSÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3º, afirma que é objetivo da nação constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e promover o bem estar de todos.
Para cumprir suas funções institucionais, possui o Estado o poder de tributar, quer seja fundamentado na soberania política, quer seja no principio da solidariedade social. Entretanto, esse poder não é ilimitado. Diversas limitações estão previstas em nossa Constituição que, ao mesmo tempo em que concede o poder de tributar, o limita e o condiciona.
Nesse sentido, como o planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos, deve o Estado estar atento para impedir práticas ilícitas em face do Fisco e, ao mesmo tempo, zelar para que procedimentos lícitos, amparados por princípios tributários, possam ser utilizados pelo contribuinte como uma forma legítima de diminuição do encargo tributário.
Isso porque, não há dúvidas de que a Constituição Federal tutela o direito ao exercício da autonomia privada, à propriedade e á liberdade contratual, porém, do mesmo modo, a Carta Magna também prescreve o dever ético-jurídico ao pagamento do justo tributo. Ademais, nos apresenta uma série de princípios, que deverão ser observados tanto na elaboração de normas quanto no cumprimento das mesmas. Dessa forma, todos os artigos da Lei Maior e infraconstitucional só encontrarão sua real dimensão se conjugados com os princípios do sistema constitucional.
Dentre esses princípios, como citado no trabalho acadêmico, destaca-se o da capacidade contributiva, que deverá ser analisado com bastante cautela, vez que sua inobservância poderá levar a inconstitucionalidade da lei.
Muitos doutrinadores entendem que a capacidade contributiva deve ser focada pelo legislador ao instituir tributos. Entretanto, não podemos nos escusar da realidade, onde a sociedade se encontra em constante evolução e que a aplicação da lei propriamente dita, muitas vezes, será insuficiente para analisar a licitude de um ato que vise diminuir o encargo tributário. Para uma correta aplicação do Direito, deve-se observar todo o conjunto, as normas jurídicas e o caso concreto. O contribuinte deve abster-se de praticar atos que tenham por intuito burla à tributação. Isto é, não pode o mesmo, ainda que sob o manto de uma regularidade meramente formal, praticar, na realidade, fraude, sonegação ou simulação contra o Fisco.
No julgamento do Recurso Especial n.º 946707/RS [3], a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, tendo como Relator o Ministro Herman Benjamim, após detida análise dos fatos, rechaçou a “compensação de prejuízos fiscais” [4] em uma operação de incorporação de empresas, afirmando que, embora se verifique a regularidade formal do negócio jurídico, pela análise fática, teria se constatado a existência de simulação. Ademais, a denominada “incorporação às avessas” também tem sido rechaçada pelo Conselho de Contribuintes.
Da leitura do acórdão, depreende-se que tanto o STJ quanto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendem ser plenamente cabível a incorporação de uma empresa por outra, ressaltando-se que, no caso dos autos, haveria regularidade formal na operação: “O Tribunal de origem, por seu turno, não afasta a possibilidade, em tese, de uma empresa deficitária incorporar entidade financeiramente sólida. Apenas, ao apreciar as peculiaridades do caso concreto, entendeu que isso não ocorreu.[…]
A regularidade formal da incorporação também é reconhecida pelo TRF.”.
Todavia, para o TRF da 4ª Região, teria havido a prática de simulação, o que impossibilitaria à empresa sucessora compensar prejuízos fiscais da sucedida com espeque no artigo 33 do Decreto-Lei 2.341/1987. A intenção do legislador não teria sido respeitada naquela situação: “O Tribunal de origem entendeu que houve simulação, pois, em realidade, foi a Suprarroz que incorporou a Supremo. A distinção é relevante, pois, neste caso (incorporação da Supremo pela Suprarroz), seria impossível a compensação de prejuízos realizada, nos termos do art. 33 do DL 2.341/1987. 4. […].”.
Assim, mantendo o posicionamento do Tribunal “a quo”, o STJ afirmou a necessidade de análise fática para que fosse verificada a legitimidade da operação, não bastando a mera regularidade formal, filiando-se à tese de que, no caso em apreço, teria ocorrido simulação: “A controvérsia é estritamente fática: a recorrente defende que houve, efetivamente, a incorporação da Suprarroz (empresa financeiramente sólida) pela Supremo (empresa deficitária); o TRF, entretanto, entendeu que houve simulação, pois, de fato, foi a Suprarroz que incorporou a Supremo.
Para chegar à conclusão de que houve simulação, o Tribunal de origem apreciou cuidadosa e aprofundadamente os balanços e demonstrativos de Supremo e Suprarroz, a configuração societária superveniente, a composição do conselho de administração e as operações comerciais realizadas pela empresa resultante da incorporação. Concluiu, peremptoriamente, pela inviabilidade econômica da operação simulada.”.
Raciocínio idêntico deverá ser adotado ao se analisar práticas de planejamento tributário, impondo que sejam interpretadas à luz da Constituição, que se conformem com os princípios que regem nosso ordenamento jurídico e coadunem com o contexto fático e lógico.
Sobre o tema, em um julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal, nos Embargos de Declaração opostos no Recurso Extraordinário nº 40.518, assentou a seguinte ementa, que corrobora com a conclusão do presente trabalho acadêmico: “PRESIDENTE: BARROS BARRETO RELATOR: LUIZ GALOTTI EMB. DECL. RE Nº 40.518/BA EMBARGANTE: ALINE GORDILHO CORRÊA RIBEIRO EMBARGADA: UNIÃO FEDERAL EMENTA: IMPOSTO DE RENDA. SEGURO DE VIDA FEITO PELO CONTRIBUINTE PARA FURTAR-SE AO PAGAMENTO DO TRIBUTO. FRAUDE A LEI. Além da primeira categoria de fraude à lei, consistente em violar regras imperativas por meio de engenhosas combinações cuja legalidade se apoia em outros textos, existe uma segunda categoria de fraude no fato do astucioso que se abriga atrás da rigidez de um texto para fazê-lo produzir resultados contrários ao seu espírito. O problema da fraude a lei é imanente a todo ordenamento jurídico, que não pode ver, com indiferença, serem ilididas, pela malicia dos homens, as suas imposições e as suas proibições. Executivo fiscal julgado procedente.”.
Como demonstrado neste trabalho, tanto a doutrina quanto a jurisprudência distinguem os institutos da elisão da evasão fiscal. A evasão advém de artifícios e ilicitudes do contribuinte, afrontando não só a legislação como também os princípios que regem o ordenamento jurídico e, em especial, o Direito Tributário. Por outro lado, a elisão fiscal consiste na opção do contribuinte, dentre as ofertadas pelo legislador, pelo mecanismo tributário que lhe seja menos oneroso, permitindo-lhe, inclusive, ampliar suas atividades e gerar empregos. Não há burla ou ilegalidade.
Dentro desse contexto, resta patente que tanto o legislador quanto o aplicador da lei deverão estar atentos à observância do princípio da capacidade contributiva, assegurando aos contribuintes a prática de atos que diminuam o encargo tributário e, ao mesmo tempo, se coadunem com a legislação, os princípios tributários e não caracterizem atitudes ilícitas em face do Fisco.
Informações Sobre o Autor
Ângela Maria Valentino
Advogada, pós-graduada em DIREITO PÚBLICO (2011). Atualmente, ocupa cargo de Assessora Jurídica – Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Aluna (isolada) da Pós-graduação em Direito Público (Mestrado) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais