O sujeito passivo do IPTU

Sumário: 1 Introdução. 2 Há solidariedade entre o proprietário, o titular de domínio útil e o possuidor? 3 Existe uma ordem para o lançamento do IPTU? 4 Conclusões.

1 Introdução

Em artigo anterior já verificamos que a expressão “propriedade predial e territorial urbana” empregada pelo texto constitucional, para definir a competência impositiva municipal, não deve ser interpretada em seu sentido estritamente jurídico, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva que é uma decorrência do princípio da isonomia tributária.

De fato, não se pode equiparar o proprietário despojado do jus fruendi – quer porque transferiu a posse do imóvel a compromissário comprador, quer porque alienou o imóvel por escritura de compra e venda não levada a registro pelo adquirente, quer porque sobre o imóvel pesa usufruto etc. – com o proprietário que exerce o direito de usar, gozar e de dispor da coisa, nos termos do art. 1.228 do Código Civil.

Daí porque podem compor a norma definidora do fato gerador do IPTU, tanto a propriedade, como também, o domínio útil ou a posse. Em conseqüência, podem ser sujeitos passivos do imposto o proprietário, o titular de domínio útil e o possuidor a qualquer título, este desde que detentor de posse de conteúdo econômico, o que exclui a posse do locatário, por exemplo.

2 Há solidariedade entre o proprietário, o titular do domínio útil e o possuidor?

A solidariedade passiva tributária é disciplinada no art. 124 do CTN nos seguintes termos:

“Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”

Não há lei definindo a solidariedade da obrigação tributária do IPTU entre o proprietário, o titular de domínio útil e o possuidor (inciso II, do art. 124). Tampouco, há entre eles interesse comum na situação que constitua o fato gerador do IPTU (inciso I, do art. 124).

Esse interesse comum a que alude o inciso I, do art. 124 do CTN não se confunde com o interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal. Trata-se de interesse jurídico que diz respeito à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador. É solidária a pessoa que realiza conjuntamente com outra, ou outras pessoas, a situação que constitui fato gerador da obrigação tributária. É o caso, por exemplo, de coproprietários de determinado imóvel urbano. Eles são solidariamente responsáveis pelo pagamento do IPTU, nos precisos termos do art. 124, I, do CTN.

Inexistindo a solidariedade entre os possíveis contribuintes mencionados no art. 34 do CTN, o lançamento do IPTU deverá ser feito individualmente contra o proprietário, ou contra o titular de domínio útil, ou ainda, contra o possuidor (posseiro), nunca contra todos. E aqui surge o problema da escolha do sujeito passivo, matéria a ser abordada no tópico seguinte.

3 Existe uma ordem para o lançamento do IPTU?

O lançamento do IPTU, que é um ato administrativo vinculado (art. 142 do CTN), não pode ser feito aleatoriamente contra esta ou aquela pessoa que potencialmente pode ser contribuinte desse imposto ao teor do art. 34 do CTN. Deve haver um critério objetivo para a escolha do contribuinte em potencial.

Como assinala Robinson Sakiyama Barreirinhas, com apoio em doutrina abalizada, o Município não pode simplesmente escolher a eleição do sujeito passivo entre o proprietário e o possuidor. São suas as palavras:

O tributo deve ser exigido prioritariamente do proprietário. Em caso de enfiteuse, o sujeito passivo será o titular do domínio útil e, apenas em caso de posse com animus domini, ou ad usucapionem, ou seja, quando o possuidor age como proprietário e pode vir a tornar-se proprietário por usucapião, somente nesse caso é que o Município poderá cobrar o tributo do possuidor.”

Não há, no nosso entender, uma ordem ou gradação para a escolha do sujeito passivo. O lançamento há de ser feito sempre contra a pessoa que provoca a concreção do fato gerador do IPTU. E aqui é preciso repensar o aspecto nuclear do fato gerador desse imposto. A maioria dos autores se refere ao fato de ser proprietário de imóvel urbano. É um equívoco, como veremos.

A doutrina clássica, que considera o IPTU como protótipo de imposto de natureza real, conduziu à equivocada idéia de que esse imposto grava a propriedade, o domínio útil ou a posse. Ora, a obrigação tributária que decorre da ocorrência do fato gerador é sempre pessoal.[1] Daí porque o IPTU grava a disponibilidade econômica do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor. O ser proprietário de imóvel urbano não é suficiente para preencher o requisito do aspecto material ou nuclear do fato gerador do IPTU. É preciso que o aludido proprietário reúna os três atributos da propriedade: o direito de usar, gozar e de dispor da coisa, nos termos do art. 1.228 do Código Civil. Em outras palavras, é preciso que o proprietário tenha a disponibilidade econômica do imóvel urbano.

Dessa forma, não pode haver lançamento de IPTU contra proprietário que não mais detém a disponibilidade econômica do imóvel, porque já transferiu a sua posse a outrem, embora formalmente continue figurando no registro imobiliário competente como sendo o legítimo proprietário.

4 Conclusões

Sujeito passivo do IPTU só pode ser aquela pessoa física ou jurídica que detém a disponibilidade econômica do imóvel, seja ela possuidora (posseira), titular de domínio útil ou proprietária.

Não há, pois a gradação para lançamento do imposto, nem liberdade de escolha pelo sujeito ativo.

Lançar o IPTU sobre todos proprietários de imóveis urbanos, de forma uniforme, não distinguindo aquele que detém a disponibilidade econômica do imóvel daquele que se encontra despojado da posse por várias razões, seguramente ofenderia o princípio da isonomia em seu aspecto positivo.

A lei tributária tem o dever de discriminar as pessoas que se encontrem em situações desiguais. Tributar o proprietário que apenas formalmente figura como tal perante o registro imobiliário competente por n razões[2], não só, afrontaria o princípio da isonomia em seu aspecto positivo, como também, violaria o princípio da capacidade contributiva e o princípio da vedação de efeito confiscatório do tributo.

 

Notas:
 
[1] Por isso, autores de renome sustentam que todo imposto tem natureza pessoal.

[2] A posse do imóvel foi transferida ao compromissário comprador; o adquirente do imóvel não levou a registro o título aquisitivo; o imóvel foi atingido por normas de proteção ambiental editadas pelo poder público impedindo sua utilização econômica etc.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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