Resumo: A Administração Pública utiliza de diferentes instrumentos legais para desempenhar suas funções perante a sociedade para buscar o bem comum e paz social. Dentre estes instrumentos se encontra a concessão administrativa, modalidade de parceria público-privada regulada pela Lei 11.079/04 (Lei das PPP’s). Por meio de análise bibliográfica e os debates que envolvem a concessão administrativa, percebe-se que há uma indefinição ou coesão entre os administrativistas acerca da natureza jurídica de tal instituto jurídico. Tal situação pode trazer dificuldades quanto à aplicação e os efeitos do referido instituto, sem contar as lacunas científicas que a indefinição jurídica pode trazer ao meio acadêmico e científico. Nesse aspecto, torna conveniente esmiuçar o estudo sobre a concessão administrativa, por meio da análise de subsídios bibliográficos, dentre estes a Lei das PPP’s, e buscar entender sua natureza dentro do ordenamento jurídico prático e a relevância de tal instrumento para o Estado nas políticas desenvolvidas cotidianamente.[1]
Palavras-chave: Concessão Administrativa. Natureza Jurídica. Lei 11.079/04.
Summary: The Government uses different legal instruments to perform their duties towards society to seek the common good and social peace. Among these tools is the administrative concession, type of public-private partnership governed by Law 11.079/04 (PPP Act). Through literature review and discussions involving administrative concession, one realizes that there is a lack of definition or cohesion among administrativistas about the legal nature of such a legal institution. This situation may cause difficulties in the application and the effects of that institute, not counting the scientific gaps that the legal limbo can bring to the academic and scientific. In this aspect, makes it convenient scrutinize the study on administrative concession, through the analysis of subsidies bibliographic, among them the Law of PPPs, and seek to understand its nature within the legal practice and relevance of this instrument to the State policies developed daily .
Keywords: Administrative Concession. Legal Nature. Law 11.079/04.
Sumário: Introdução. 1 Noções Basilares sobre a Lei 11.079/04. 2 Das Modalidades de Parceria Público-Privado. 3 A Indefinição da Concessão Administrativa. Conclusão. Referências.
Introdução
A afirmação do Estado como legítimo agente de consecução do interesse público e mantenedor da ordem e paz social tem subsídios constitucionais plenamente estabelecidos, na organização estatal e pelos direitos fundamentais.
O poder estatal pode ser exercido por diversos instrumentos, para o desempenho da atividade administrativa, segundo os ditames da conveniência e oportunidade do administrador e os ditames previstos em lei. Sendo assim, expressões unilaterais e cooperação de vontades com outras entidades ou pessoas podem emergir para o fomento da atividade e o atendimento das necessidades sociais.
Dentre os instrumentos estatais, conta-se o administrador com as parcerias público-privadas (PPP’s), que estão cada vez mais disseminadas e constantes nas práticas administrativas. Em contrapartida, em termos jurídicos, tais parcerias levantam muitas discussões doutrinárias, sendo que estas não impedem a utilização das parcerias pela Administração Pública.
Mas no âmbito do Direito Administrativo, no contexto da academia e da ciência jurídica, é pertinente a delimitação dos aspectos legais do instituto das parcerias, em especial quanto às modalidades contidas na Lei das PPP’s. Em meio a isto, levanta a análise dos institutos e da lei em comento para compreensão da natureza e concepção da concessão administrativa.
Através do procedimento dialético, com a aplicação do método comparativo e análise legal do instituto das parcerias público-privadas, mediante uma pesquisa construída nas doutrinas pátrias e na legislação temática, visa avaliar a modalidade da concessão administrativa em termos conceptuais. Ademais, comparar e expor sinteticamente a concessão especial administrativa com outros contratos administrativos existentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Em primeiro momento, traça uma abordagem sobre as inovações e características básicas das parcerias público-privadas, e a influência desta no Brasil diante da edição da Lei 11.079/04, sem a qual seria difícil entender os fundamentos expressos em cada modalidade em comento. Adiante, diferencia cada qual das modalidades legais das parcerias, segundo um contexto traçado pela própria lei. De tal maneira, resguarda a exposição nesse traço de divergências entorno da concessão patrocinada, o qual não engloba diretamente este estudo.
Por fim, conclui com uma análise da concessão administrativa mediante a busca de definir este instituto em face das parcerias público-privadas e dos contratos administrativos do ordenamento pátrio.
1 Noções Basilares sobre a Lei 11.079/04
O Poder Público, por meio de suas prerrogativas e dos meios legalmente previstos, desempenha suas atividades e executam os objetivos previstos em lei com a finalidade de atender o interesse público. Essa concepção é exposta através de teorias políticas e sociais que corroboram para o pensamento atual sobre o Estado e sua funcionalidade.
A organização da máquina estatal, através de seus órgãos e agentes detentores de poderes que os legitimam para agir, facilita a resposta aos anseios levantados pelo povo, contudo, sem afastar a observância do bem comum e a paz social.
Em meio a este contexto, encontram-se os meios e os fins que são predispostos em normas para o desenvolvimento nacional e garantia dos direitos individuais e sociais, sendo esses meios os instrumentos pertinentes para o exercício do poder legitimados no interesse público e no procedimento adotado nas prestações de serviços e execução de políticas.
Para tanto, o desempenho de serviços e fornecimento de bens para suprir as necessidades sociais envolve políticas públicas complexas que se exteriorizam por meio de diferentes instrumentos de emanação da vontade do Estado, senão dizer do próprio povo, perante a coletividade.
Para o andamento desta máquina pública, em regra, os agentes desempenham atos administrativos e firmam contratos administrativos, formando uma complexa cadeia de relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo.
Na execução dessas políticas, observam-se os princípios estabelecidos e as disposições normativas, de maneira a identificar a natureza da relação estabelecida e prever os efeitos jurídicos que estas venham a gerar, especialmente em benefício e cumprimento de interesses individuais e sociais.
Aproximando deste debate a temática dos contratos administrativos, têm-se estes como instrumentos próprios que o Estado detém para desenvolver suas atividades, em acordo com outras partes envolvidas, confluindo as vontades dos contratantes para a consecução do interesse público. Destarte a posição posta por Marçal Justen Filho (2009, p. 356), o contrato administrativo se apresenta como, “um acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, tal como facultado legislativamente e em que uma das partes, atuando na função administrativa, é investida de competências para inovar unilateralmente as condições contratuais e em que se assegura a intangibilidade da equação econômico financeira”.
Nesse diapasão, incide as regras gerais de todos os contratos mais a confluência dos caracteres específicos do Direito Administrativo, fazendo com que surjam novas modalidades de contratos caracterizados pela sua tipicidade, que se adequem à atividade desempenhada pelo Estado cotidianamente.
Apesar desta tipicidade, nada impede que sejam criadas por lei outras modalidades de contratos administrativos que venham se adequar com situações específicas que derivam da dinâmica social, reclamando formas mais eficazes de prestação de serviços e fornecimento de bens, seja direta ou indiretamente pela Administração Pública.
Nisto, chama a atenção para a publicação da Lei 11.079, em 2004, dispositivo este que criou e regula uma nova modalidade contratual na esfera administrativa, denominada de parceria público-privada. Todavia, o surgimento desta parceria não se deu de uma hora para outra, tampouco é uma inovação do ordenamento brasileiro, senão, o suprimento de uma necessidade legal-administrativa e a influência de um movimento internacional na economia.
Na realidade mundial, em meio às crises a abalos econômicos experimentados pelas potências mundiais, tal como o pensamento insurgente do neoliberalismo, a Inglaterra, no governo da primeira-ministra Margareth Tatcher, são apresentados os fundamentos das parcerias público-privadas.
A ideia precursora envolve a colaboração dos entes governamentais e do setor privado para executar políticas dirigidas primordialmente àqueles em caso de escassez de recursos públicos.
Em síntese, consistia em (mais) uma abertura do Estado para os particulares e, tangencialmente, para satisfazer as carências que a sociedade padecia naquele período. De antemão, as ações para suprir essas carências não contavam com recursos suficientes pelo Poder Público e, como saída, as grandes empresas apareceram como um grande cooperador para fomentar tais ações, mediante uma contraprestação dada a estas empresas pelo Poder Público – em montante inferior – e pelos usufrutuários dos serviços prestados e obras realizadas.
Outros Estados adotaram as medidas de parceria entre o setor público e o privado nos moldes estabelecidos pela Inglaterra, os quais são abaixo delimitados, a chamar a atenção para a Espanha, Portugal e o Brasil (CARVALHO FILHO, 2008, p.397).
À luz do Direito, o vínculo jurídico entre o Poder Público e o particular empreendedor se consubstancia por um acordo de vontades, instrumentalizado em contrato firmado entre os sujeitos. Desse modo, as parcerias se moldam como uma forma de contrato administrativo, submetido à regência dos princípios do Direito Público Administrativo.
Sabe-se que há diversas outras formas de parcerias e acordos, estabelecidos entre a Administração Pública e o setor privado, com fulcro de atender interesses públicos e sem afastar a incidência do regime jurídico administrativo. Exemplificando, pode-se citar a terceirização, a concessão, a permissão, entre outros, cada qual com especificidades que os distinguem um do outro, fruto da natureza do próprio instituto legal.
O ingresso desse ideal no Brasil ocorre no início do século XXI, concretizado pela aprovação da referida Lei 11.079/04, amoldando-se ao contexto territorial, traçando desde já os requisitos de admissibilidade pela Administração Pública em seu art. 3º. Tal lei se aplica em âmbito nacional, decorrência da competência legislativa prevista na Constituição Federal à União.
Segundo Lucas Rocha Furtado (2009, p. 429), com a entrada em vigor da Lei 11.079/04, “constitui novo marco em nossa legislação e objetiva disciplinar espaço de cooperação antes inexistente em nosso ordenamento jurídico”. Dessa maneira, houve uma grande repercussão da edição da lei que trata das parcerias público-privadas, especialmente quanto à inovadora forma de cooperação entre os sujeitos públicos e privados.
O fundamento para tal institucionalização da parceria público-privada se encontra em três parâmetros principais: principiológico, constitucional e socioeconômico. No primeiro aspecto envolve a base do Direito Administrativo, segundo a dialética da supremacia do interesse público e a participação social para o suprimento deste; no aspecto constitucional está a permissão dada à União para legislar sobre licitação e contratos; por fim, no aspecto socioeconômico, encontra-se guarida na carência de recursos do Poder Público aliado ao investimento de capital e eficiência dos serviços desenvolvidos pelo setor privado.
Nesta última análise socioeconômica, é relevante citar a ideia trazida por Bruno Sanna (2008), o qual menciona que, “tendo em vista a impossibilidade de maior arrecadação de capital do setor privado por meio de recursos tributários e a ausência de fundos por parte do Estado para investimento em infra-estrutura, se torna fundamental o estudo e o emprego das parcerias público-privadas (PPP) como forma de captação de recursos das esferas privadas na forma de investimento”.
Entretanto, referida lei é passível de diversas críticas, por juristas e doutrinadores pátrios. Dentre estas destaca vários apontamentos de inconstitucionalidade de seus dispositivos normativos. Ademais, a fragilidade do texto expõe um teor de obscuridade e contrariedade da lei mediante outros institutos do ordenamento jurídico brasileiro.
Por esta circunstância, o chefe do Executivo editou o Decreto nº 5.977 para regulamentar e tornar propício a aplicação da Lei 11.079/04, esclarecendo alguns pontos e estabelecendo medidas cabíveis para a contratação de parcerias público-privadas. Junto a isso, tem a possibilidade de serem aplicadas outras leis, subsidiária e complementarmente, às esta modalidade de contratação.
Define-se a parceria público-privada como uma forma de concessão especial, que no dizer de Fernanda Marinela (2010, p. 508), conceitua-se como “Um acordo firmado entre a Administração Pública e a pessoa do setor privado, com o objetivo de implantação e gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos riscos e ganhos entre pactuantes”.
O fato de ser a parceria público-privada consubstanciada como uma concessão especial deriva da nomenclatura dada em lei e dos caracteres inerentes ao instituto, que se assemelha a muito com as concessões comuns. Tampouco se refere a este modalidade de contrato administrativo como uma parceria propriamente dita, tendo em vista que não existe cooperação convergente a um interesse comum, em decorrência de o parceiro privado visar, nesta relação, à contraprestação de seus serviços.
É através da leitura da Lei 11.079/04 que torna viável delimitar o conceito, as espécies, os objetivos, fundamentos, características e procedimentos de licitação e contratação para a constituição das parcerias.
Nisto, reafirma a situação das parcerias serem tomadas como formas de concessão, no caráter especial, descrito no art. 2º da supracitada lei, que diz “parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa”. Ainda exclui possível aplicação de concessão comum como se parceria fosse, em seu §3º, do art. 2º, avocando para estas situações a aplicação da Lei 8.987/95.
Por fim, prevê um filtro de caracterização das parcerias público-privadas ao estabelecer que estas não possam contratar quando o valor for inferior a R$ 20.000.000,00; ou com período de vigência inferior a 5 anos ou superior a 35 anos; ou ainda com objeto único atinente a fornecimento de mão de obra, equipamentos ou execução de obra pública.
Demais outros debates acerca da parceria se afastam neste trabalho para poder delimitar adiante a análise às modalidades estabelecidas em lei para este tipo de contratação, levando em termos fundamentais o que até agora foi exposto.
2 Das Modalidade de Parceria Público-Privada
Depois do que foi acima exposto, acerca da definição, caracteres e natureza da parceria público-privada, cabe agora discorrer sobre as modalidades contidas neste instituto, de forma a delimitar o referido estudo.
A classificação é legal, ou seja, prevista na própria Lei 11.079/04, a qual define e regula especificamente cada uma dessas espécies, em que por seus elementos determinam cada uma delas. Apesar disso, há algumas discussões quanto à inovação legislativa em relação a estas espécies que gera posicionamentos diversos pela doutrina pátria.
Entre essas modalidades, dispõe sobre a concessão patrocinada e a concessão administrativa, ambas em sua natureza tidas como uma concessão especial, tal como exposto acima quanto à natureza jurídica das parcerias público-privadas.
Não obstante a temática em abordagem ser direcionada à concessão administrativa é salutar desenvolver uma análise também da concessão patrocina, segundo os termos objetivos derivados da interpretação da lei e dos exemplos práticos percebidos no contexto nacional.
Para poder identificar qual modalidade envolvida na contratação entre os parceiros, é imprescindível a delimitação de duas circunstâncias. A primeira delas envolve o sujeito alvo do serviço a ser desenvolvido na parceria, ou seja, o usufrutuário da atividade administrativa desempenhada pelo parceiro privado. Paralelamente, requer a identificação do sujeito que há de arcar com a prestação contratual, de maneira a reverter os benefícios financeiros ao prestador do serviço, que é o parceiro privado, repita-se.
O primeiro modelo estabelecido em lei trata da concessão patrocinada. Em termos sucintos, o parceiro há de desenvolver alguma atividade em benefício direto à população, ou seja, agirá como se um prestador de serviço público, tal como acontece na concessão comum, nisto se assemelhando ambos os institutos. Por isso, permite-se a aplicação da Lei 8.987/95, que regula o procedimento de concessão comum na esfera da Administração Pública.
Todavia, na concessão comum o financiamento do serviço é mantido pela Administração, o qual detém de recursos suficientes para manter os serviços prestados pelo particular. Mas no caso da concessão patrocinada, parte deste recurso provém de tarifas cobradas pelo parceiro privado aos usuários do serviço. “O fato de o contratado se remunerar mediante a exploração do serviço, por ele mesmo efetuada, normalmente pela cobrança de ‘tarifas’ diretamente dos usuários – conquanto esta não seja necessariamente a única forma de remuneração” (MELLO, 2011, p. 783).
De maneira complementar, a Administração participa na contraprestação do serviço desenvolvido pelo parceiro privado, que pode chegar a um percentual significativo de até 70% do valor do contrato.
Nesse aspecto da concessão patrocinada, chama a atenção para a situação de o serviço ser dirigido diretamente ao público e da responsabilidade de arcar com os custeios dispendidos pelo particular ser compartilhada entre a Administração Pública e os usuários, tendo previsão direta no art. 2º, §1º, da Lei 11.079/04.
Embora permeie algumas discussões sobre a concessão patrocinada, quanto à sua definição jurídica, é evidente que a mesma se expressa como uma forma de contrato administrativo de concessão, tipicamente caracterizada pela prestação do serviço público facultada a um particular, excetuando sua forma de financiamento, como exposto acima.
No que se refere à concessão administrativa, naquilo que é claro e objetivamente regulado em lei, tal como o debate uniforme encontrado na doutrina administrativista pátria, aborda esta modalidade de parceria público-privada, contida no art. 2º, §2º, da Lei das PPP’s.
Sob o primeiro ponto, afirma a situação de o beneficiário, de forma direta ou indireta, é a Administração Pública, seja por meio de prestação de serviços ordinários, seja através do implemento de serviços públicos essenciais, por exemplo, habitação, saúde, educação, etc.
Defluindo desse fato, já que a população não utiliza destes serviços diretamente, não seria justa esta ser tarifada pelo parceiro privado. Justamente nisto, encontra o respaldo do pagamento dos serviços prestados serem exclusivamente arcado pela Administração Pública. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 399), diz-se que “a concessão administrativa não comporta remuneração pelo sistema de tarifas a cargo dos usuários, eis que o pagamento da obra ou do serviço é efetuado diretamente pelo concedente. Poderão os recursos para pagamento, contudo, ter origem em outras fontes”.
Outro fundamento está envolto no modo configurativo da concessão administrativa, a qual descreve a possibilidade de ser executadas obra ou haver fornecimento e instalação de bens, circunstância esta que não se coaduna com a natureza da concessão patrocinada, possibilidade explícita da lei para aquela concessão.
Pelo tudo já exposto, pode definir a concessão patrocinada e a concessão administrativa apenas pela resposta do destinatário do serviço/quem financia os serviços. Ao passo que estabelece essas ideias, é fundamental passar às divergências contidas no tema da concessão administrativa, segundo o estudo aqui proposto e os subsídios até então apresentados acerca das parcerias público-privadas.
3 A Indefinição da Concessão Administrativa
Diante das circunstâncias apresentadas acerca da parceria público-privada, mediante análise das respectivas modalidades deste instituto jurídico perante a legislação pertinente e parte da doutrina brasileira de Direito Administrativo, passa-se a afunilar o debate quanto aos contrapontos colocados sobre a modalidade da concessão administrativa.
A maneira que o legislador utilizou para transcrição do texto e o procedimento pertinente ao contrato em questão, fez com que pairasse algumas dúvidas quanto à sua natureza e aplicabilidade. Isto se confirma devido à aproximação jurídica da concessão administrativa com outras modalidades de contratos administrativos já existentes, o que põe em discussão a inovação trazida pela Lei nº 11.079/04 em referência a esta modalidade em específico.
Em leitura direta da previsão da concessão administrativa, tem-se o seguinte conteúdo legal, “concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens” (art. 2º, §2º, Lei 11.079/04 – grifo nosso).
Diante deste conceito, ao passo que em relação à concessão patrocinada descreve uma espécie de concessão, na modalidade administrativa das parcerias público-privadas o legislador aponta esta como sendo um contrato de prestação de serviços, e não um contrato de concessão. Nesse ínterim, já pode perceber uma contradição envolvendo a concessão administrativa, também destacada por Di Pietro (2011, p. 314), ao dizer que “um primeiro dado que resulta do conceito legal é o que diz respeito ao objeto do contrato, que é a prestação do serviço de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, podendo ou não abranger a execução de obras e o fornecimento e instalação de bens. Resulta claro que o objeto principal é a prestação de serviço”.
Entrementes o referido autor se referir a contrato de prestação de serviços, ele caracteriza a concessão administrativa como uma modalidade de empreitada contratada pelo parceiro público, ampliando o leque de questionamentos para confrontar a concessão administrativa.
A noção geral de prestação de serviço, em uma relação bilateral estabelecida entre os contratantes, tem-se um vínculo para consecução de serviços, seja material, seja imaterial, contratada mediante contraprestação, em regra pecuniária, onde o contratante é uma pessoa jurídica da Administração Pública. Sob o enfoque aposto, tais serviços não são em si serviços públicos, mas apenas medidas que executam atividades ou fornecem bens para o funcionamento do aparato estatal.
É importante transcrever o posicionamento de Fernanda Marinela (2010, p. 510) acerca do tema, expondo que, “o contrato de concessão administrativa em muito se aproxima do contrato de prestação de serviço propriamente dito, visto que, neste último, a relação da empresa contratada é diretamente com a Administração, não tendo qualquer vínculo com o administrado”.
A semelhança gira em torno especificamente dos serviços desenvolvidos serem para a Administração (direta ou indireta) e a contraprestação ser efetuada por esta. À primeira percepção, poderia ser entendida a concessão administrativa como um contrato de prestação de serviços, com mera repetição da Lei.
Em outra fundamentação apresentada, diz-se da não caracterização da relação triangular pertinente à concessão, dita em concedente, concessionária e usuários, já que neste caso apenas persiste, de plano, a presença do parceiro público e o parceiro privada, tida por uma relação bilateral, tal como na prestação de serviços.
Nesse contexto, ainda iria além ao dizer que a concessão administrativa se subdividia em outros dois elementos de execução, a dizer, uma prestação de serviço propriamente dito (direta à Administração) ou a prestação de serviço público (indireta à Administração). Contudo, mesmo sendo fato aceitável esta divisão, o problema se coloca no plano da comparação jurídica da espécie da parceria administrativa a um contrato de prestação de serviços, o que não se pode aceitar diante dos elementos até então apresentados nesse esboço.
Com a pesquisa levantada na doutrina, é possível constatar que mesmo confrontando um instituto com outro, fazendo críticas à concessão administrativa sobre a indefinição jurídica da mesma e desclassificando esta como uma espécie de parceria, nenhum dos doutrinadores concretizam a posição em definitivo. Acaba deixando em suas definições uma margem de discussão e incerteza do referido tema.
Todavia, para entender a concessão administrativa é imprescindível retomar a natureza das parcerias público-privadas, porque é ilógico analisar a espécie desligada de seu gênero. Por esse motivo, põe em lembrança o fundamento das PPP’s em reflexo à modalidade trazida pelo art. 2º, §2º, da Lei 11.079/04, nas seguintes palavras, “utilizado o modelo de concessão administrativa, tão logo o empreendimento entre em funcionamento, o contratado se encarrega da sua manutenção e é remunerado pelo Poder Público, remuneração que deve compreender os custos com a execução da obra e sua remuneração” (FURTADO, 2009, p. 432).
Evidente que há falhas nas palavras contidas no dispositivo legal em comento, mas isto, como em muitos outros casos, pode ser explicado pela falta de conhecimento jurídico que o legislador brasileiro tem quando da elaboração do projeto de lei. Em meio a isso, resta aos juristas interpretar e utilizar dos métodos de hermenêutica para explicar e aplicar as disposições legais, dentro dos parâmetros pretendidos por estas.
Como bem salientou, nas parcerias público-privadas é necessário que haja, por parte do parceiro privado, um dispêndio de recursos para se investir em uma obra ou em outra seara, para então esta vir a desenvolver, ou não, a prestação de serviços. José dos Santos Carvalho Filho (2008. p. 401) faz um apontamento no seguinte sentido, “o concessionário presta serviço mas se lhe exige que faça investimento na atividade, obrigando-se a Administração a uma contraprestação pecuniária que pode variar em espécie”.
Sendo assim, a própria viabilidade para a prestação do serviço engloba um dispêndio de recursos por parte do parceiro, tendo em vista a presunção da Administração Pública não contar com tais recursos em seus cofres.
A disponibilização de licitar para firmar uma parceria público-privada funciona como um atrativo aos particulares para que estes venham a participar do processo, de maneira a viabilizar a realização de obras e serviços para a Administração, ainda que afastada esteja a participação dos usuários. Isto não refuta a caracterização da concessão administrativa.
Mas ainda pode se levantar a questão de fraude se estiver presente alguma situação de o administrador utilizar deste instrumento para fins diversos, o que recairia na ilegalidade do ato, como o caso de ter a Administração recursos em seus cofres para executar o serviço. Aqui patenteia sim o contrato de prestação de serviço nos termos da Lei 8.666.
Confirma esse pensamento a mestra Rita de Cássia, ao apresentar mais uma característica de justificação de inovar da Lei 11.079/04 com a concessão administrativa, quando relata, “ressalta-se, entretanto, que não se trata de um simples contrato administrativo regido pela Lei 8.666/93, visto que possui maiores exigências, tais como investimento superior a 20 milhões de reais, não se restringe à execução de obras e que a infra-estrutura construída deve ser usada na prestação de serviços ao Estado” (SOUTO, 2006).
Enfim, pelo que já foi exposto, constata-se que a concessão administrativa é uma possibilidade de a Administração Pública se valer para contratar com o setor privado na consecução do interesse público. Sempre que se busca comparar a concessão administrativa especial com outros institutos, irá aparecer semelhanças que tragam uma indefinição jurídica na concepção dos institutos.
O ponto fulcral para que esta concepção seja permeada no meio jurídico é entender a concessão administrativa dentro dos elementos fundamentais das parcerias público-privadas, especialmente pelos aspectos gerais e as diretrizes que constituem estas, ainda que a Lei 11.079/04 apresente algumas imperfeições legislativas.
Portanto, é relevante a definir um instituto jurídico, de maneira que este venha a expor a influência na realidade social e jurídica de determinado povo e o parecer quando de sua aplicação prática.
Conclusão
A concessão administrativa torna possível a colaboração de setores público e privados para atender interesse público e suprir necessidades individuais e sociais, ainda que em torno desta relação encontre visões contrapostas dos parceiros.
Esta modalidade de parceria, ao lado da concessão patrocinada, apresenta-se inovadores para firmar contratos e atrair investimento de particulares para execução de obras e serviços, meramente administrativos ou públicos, sem contanto comprometer a definição jurídica que esta detém na Lei 11.079/04.
Para tanto, é fundamental que os contratos de concessão administrativa estejam de acordo com as diretrizes e exigências legais, portanto, definidos em lei. Ainda que aparente ser outro contrato administrativo, seria um erro caracterizar assim, salvo se descumprir com os valores e normatividades traçadas em lei.
Informações Sobre o Autor
Robson Soares Sousa
Bacharel em Direito na Universidade Federal de Campina Grande. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública nas Faculdades Integradas de Patos. Especializando em Direitos Humanos