Resumo: O presente artigo busca analisar e se posicionar quanto à divergência de entendimentos jurídicos relacionados à aplicação das opções referidas no art. 9 da lei n 8.167/91 em projetos beneficiários dos fundos de investimento regional mais especificamente em relação à configuração do momento em que se dá a opção o direcionamento e a aplicação dos recursos dos fundos.
Palavras-chave: Fundos de investimento regional; opções; imposto de renda da pessoa jurídica.
Sumário: 1. Introdução; 2. As políticas públicas de desenvolvimento regional; 3. A opção, o direcionamento e a aplicação dos recursos dos fundos de investimento regional; 3.1. A opção pela aplicação de parcela do imposto de renda na lei nº. 8.167/91; 3.2. As aplicações diante das alterações promovidas pela medida provisória nº. 2.156-5/01; 3.3. A detenção de percentual mínimo de participação no capital votante da empresa beneficiária nas aplicações em ações; 3.4. Interpretação extensiva de norma que outorga isenção tributária?; 3.5. O longo caminho entre a opção e a liberação de recursos; 3.6. Uma última contestação; 4. Conclusão; 5. Referências
1. Introdução
O presente artigo busca analisar e se posicionar quanto à divergência de entendimentos jurídicos relacionados à aplicação das opções referidas no art. 9º da lei nº 8.167/91 em projetos beneficiários dos fundos de investimento regional, mais especificamente em relação à configuração do momento em que se dá a opção, o direcionamento e a aplicação dos recursos dos fundos.
2. As políticas públicas de desenvolvimento regional
As políticas públicas de desenvolvimento regional tomam como premissa o entendimento de que o processo econômico que move a civilização gera naturalmente efeitos acumulativos e acentua disparidades no desenvolvimento das economias de países e regiões. Em outras palavras, tem-se que fatos históricos fortuitos proporcionam a criação de centros econômicos, cujo poder de atração fomenta o desenvolvimento econômico da comunidade localizada no seu território, em detrimento de outros espaços locais, que sofrem colateralmente com a estagnação ou a recessão econômica[1].
De maneira não distinta, o território brasileiro foi o palco de um crescimento econômico geograficamente desequilibrado ao longo dos séculos. O reconhecimento dos efeitos adversos deste processo é o que orienta, desde a primeira metade do século passado, a atuação progressiva e orquestrada do Estado brasileiro no sentido promover intervenções nas economias deprimidas ou inativas de determinados espaços territoriais.
Nesta linha, denominamos de políticas públicas de desenvolvimento regional as ações governamentais que se articulam no intuito de reduzir as desigualdades regionais e de ativar os potenciais de desenvolvimento das regiões brasileiras, em atendimento ao mandamento constitucional previsto no art. 3º, III, da Constituição da República[2].
3. A opção, o direcionamento e a aplicação dos recursos dos fundos de investimento regional
3.1. A opção pela aplicação de parcela do imposto de renda na lei nº. 8.167/91
Inseridos na política pública de desenvolvimento regional, os fundos fiscais de investimento (ou fundos de investimento regional) constituíam inicialmente uma das apostas do II Plano Nacional de Desenvolvimento, lançado no governo do presidente Ernesto Geisel. Após algumas tentativas de pouco retorno para alavancar o desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste, o planejamento governamental apostou, naquele momento, na conjugação de investimentos públicos diretos para a infraestrutura e incentivos fiscais para a industrialização.
Nesta direção, o decreto-lei n°. 1.376/74 instituiu o Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) e o Fundo de Investimentos da Amazônia (Finam) na expectativa de operacionalizar as deduções fiscais no imposto de renda fora das regras gerais do orçamento. No plano regional, o Finor e o Finam traziam implicitamente a ideia de promover a desconcentração industrial por meio da instalação de polos ou complexos industriais, fazendo com que o governo federal assumisse de vez um planejamento que visava atrair grandes empresas para investir nas regiões menos desenvolvidas do país[3].
Além do Finam e do Finor, de maior conhecimento do público em geral, há ainda o Fundo de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo (Funres), um fundo de investimento regional instituído pelo decreto-lei nº 880/1969, com alterações posteriores promovidas pelo decreto-lei 1.376/1974 e pela lei nº 8.167/1991.
Após algumas modificações em seus marcos normativos, a legislação da matéria encontrou certa acomodação na década de 1990, após a instabilidade inicial ocasionada pela chegada ao poder do Presidente Fernando Collor. No início daquele novo governo, nota-se uma evidente guinada nas políticas públicas de desenvolvimento regional. Neste sentido, sob a alegação de ineficiência, a reforma administrativa implementada por Collor extinguiu algumas estruturas burocráticas relacionadas à questão regional, tais como a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), a Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul) e o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que encerraram suas atividades com o advento da lei n°. 8.029/90.
Em relação aos fundos de investimento regional, foi publicada a lei n° 8.034/90, que suspendeu por tempo indeterminado a faculdade de a pessoa jurídica optar pela aplicação de parcela do imposto de renda devido no Finam, Finor e Funres. Esta possibilidade somente tornou a ser reestabelecida no ano seguinte, quando a lei nº 8.167/91 voltou a permitir a prática das deduções, mas agora de forma mais restritiva. Àquela altura, diversos projetos industriais já haviam sido paralisados, ocasionando danos à política de desenvolvimento regional.
Como novo marco normativo, o art. 1º, I, da lei nº. 8.167/91 previu que a partir do exercício financeiro de 1991, correspondente ao período-base de 1990, ficaria restabelecida a faculdade de a pessoa jurídica optar pela aplicação de parcelas do imposto de renda devido nos fundos de investimento regional.
Em termos práticos, segundo a sistemática da lei nº. 8.167/91, pode-se dizer que os recursos que ingressam nos fundos de investimento regional derivam da parcela do imposto de renda devido por determinadas pessoas jurídicas[4]. Esta parcela recebe a denominação de opção de incentivos fiscais, a qual será analisada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil[5], em um segundo momento, a fim de se constatar sua regularidade.
Nesta hipótese, a opção torna-se “acatada”, de sorte que os recursos passam a estar aptos à aplicação pelos fundos de investimento regional nos projetos beneficiários.
3.2. As aplicações diante das alterações promovidas pela medida provisória nº. 2.156-5/01
Após mais uma década, a matriz legal dos fundos de investimento regional acabou sendo alterada pela medida provisória nº 2.156-5/01, que extinguiu a possibilidade da opção prevista no inciso I do art. 1º da Lei nº 8.167/91. Não obstante, manteve-se, para as pessoas que já tivessem exercido a opção prevista no art. 9º da lei nº 8.167/91[6] e estivessem em situação de regularidade com o fundo, o direito a continuar realizando depósitos nos fundos de investimento até o final do prazo previsto para implantação de seus projetos.
Nesta senda, vale notar que os recursos recebidos nos fundos de investimento regional, de acordo com a sistemática da lei nº. 8.167/91, podem ser aplicados em projetos beneficiários por meio das sistemáticas descritas nos arts. 5º e 9º daquele diploma normativo.
Pela regra do art. 5º da lei nº. 8.167/91, as aplicações são efetivadas através da emissão de Debêntures Conversíveis (DC's) e Debêntures Inconversíveis (DI's), subscritas e integralizadas pelo fundo de desenvolvimento regional. Nesta modalidade, as empresas beneficiárias pelos recursos aplicados nos fundos, lançam debêntures conversíveis em ações ordinárias ou preferenciais como contrapartida ao investimento recebido:
“Art. 5º. Os Fundos de Investimentos aplicarão os seus recursos, a partir de 24 de agosto de 2000, sob a forma de subscrição de debêntures conversíveis em ações, de emissão das empresas beneficiárias, observando-se que a conversão somente ocorrerá: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.199-14, de 2001)
I – após o projeto ter iniciado a sua fase de operação atestada pela Superintendência de Desenvolvimento Regional respectiva;
II – em ações preferenciais sem direito a voto, observada a legislação das sociedades por ações.
II – em ações ordinárias ou preferenciais, observada a legislação das sociedades por ações”. (Redação dada pela Lei nº 9.808, de 20.7.1999)
Por sua vez, as aplicações realizadas de acordo com o art. 9º da lei nº. 8.167/91, em apertada síntese, são efetivadas por intermédio da emissão de ações subscritas e integralizadas pelo fundo de desenvolvimento regional, correspondendo a setenta por cento do valor das opções das pessoas jurídicas investidoras dos projetos[7].
3.3. A detenção de percentual mínimo de participação no capital votante da empresa beneficiária nas aplicações em ações
Uma das maiores polêmicas envolvendo a sistemática de aplicação dos recursos dos fundos de investimento regional repousa na palavra “detenham”, contida no caput do art. 9º da lei nº. 8.167/91, cuja redação garante às “pessoas jurídicas ou grupos de empresas coligadas que, isolada ou conjuntamente, detenham pelo menos cinqüenta e um por cento do capital votante de sociedade titular de empreendimento de setor da economia considerado, pelo Poder Executivo, prioritário para o desenvolvimento regional, a aplicação, nesse empreendimento, de recursos equivalentes a setenta por cento do valor das opções”.
A questão seria: em que momento a pessoa jurídica ou a empresa coligada optante pela sistemática do art. 9º haveria de deter o percentual mínimo de participação no capital votante da empresa beneficiária para direcionar a aplicação do valor das opções[8]?
Durante bastante tempo, a Administração Pública Federal adotou o entendimento de que já no momento em que o optante fizesse suas opções ele haveria de deter dito percentual mínimo de participação no capital votante.
Contudo, o processamento das opções não é tão simples que possa ser considerado fruto de uma manifestação singular do optante para se considerar pronta e acabada juridicamente. Ao revés, a sua conformação no plano operativo se perfaz mediante um encontro de manifestações: algo à semelhança daquilo que se entende por ato complexo no direito administrativo. Isso porque, para se aperfeiçoarem juridicamente, as opções carecem do assentimento do órgão fazendário. Vejamos.
Para efeitos de esmiuçar este ponto, vale relembrar que o art. 3º da lei nº. 8.167/91 prevê que a pessoa jurídica que optar pela dedução em favor do fundo de investimento regional recolherá nas agências bancárias arrecadadoras de tributos federais, mediante Darf específico, o valor correspondente a cada parcela ou ao total do desconto. Neste sentido, incumbe à Secretaria do Tesouro Nacional autorizar a transferência dos recursos ao banco operador no prazo de quinze dias de seu recolhimento, para crédito ao fundo correspondente, à ordem do Ministério da Integração Nacional.
Conforme se observa, a operação de validação das opções envolve Receita Federal do Brasil, que avalia as opções promovendo ou não o que se chama de confirmação ou acatamento das opções. Esse processo foi bem descrito no relatório do Min. Raimundo Carreiro que culminou no Acórdão nº. 846/2008 do Plenário do Tribunal de Contas da União:
“2.24 A pessoa jurídica indica o código de receita relativo ao fundo pelo qual houver optado, diferentemente da opção efetuada na DIPJ, na qual o contribuinte preenche ficha específica para os incentivos fiscais, discriminando os valores a serem destinados aos fundos. O sistema gerenciador das informações na RFB calcula esse montante, mas o pagamento é realizado com o código do Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ normal. […]
2.26 Em primeiro lugar, cabe destacar que a opção empreendida pelo contribuinte para os fundos de investimento pode ser realizada em dois momentos importantes: quando da elaboração da DIPJ ou no curso do ano-calendário, nas datas de pagamento do imposto com base no lucro estimado, apurado mensalmente, ou no lucro real, apurado trimestralmente, por meio de DARF específico.
2.27 Quando essa opção não é acatada pela Receita Federal, o contribuinte, em respeito ao princípio da ampla defesa, poderá impetrar Pedido de Revisão de Ordem de Emissão de Incentivos Fiscais – PERC.
2.28 De acordo com informações da RFB, após passagem por uma malha cadastro, o Programa de Incentivos Fiscais confere os valores da base de cálculo extraída da ficha preenchida na DIPJ, o percentual de pagamento e informações relacionadas à regularidade do contribuinte. A RFB, por meio desse sistema, recalcula o valor do IRPJ devido e da opção aos fundos, apresentando o valor normalizado nos sistemas IRPJCONS, no qual podem ser realizadas consultas, e IRPJOEIF, responsável pelo controle dos PERCs e pela emissão de Ordens de Emissão Adicional.”
Daí questionar, já neste momento em que a pessoa jurídica recolhe o Darf específico haveria esta de deter o percentual mínimo de participação no capital votante da empresa beneficiária para direcionar a aplicação do valor das opções? Com todas as vênias dos respeitáveis entendimentos contrários, entende-se que não necessariamente. A uma porque o dispositivo legal não é expresso neste sentido, a duas porque o ato jurídico concernente à opção não se completa até que haja o assentimento da RFB, a três por razões de ordem prática que iremos esmiuçar a seguir.
Em primeiro lugar, quando o art. 9º da lei nº. 8.167/91 assegura ao optante a aplicação dos setenta por cento dos valores das “opções de que trata o art. 1º, inciso I” em empreendimentos nos quais detenha pelo menos cinqüenta e um por cento do capital votante, o dispositivo não expressa que os optantes já haveriam de possuir tal percentual de participação no momento do recolhimento o valor correspondente a cada parcela ou ao total do desconto. Se assim o fosse, por razões de técnica legislativa, semelhante dispositivo haveria de estar inserido no átrio daqueles que tratam de pontos relativos à opção (arts. 1º a 3º) – e não daqueles que regem a aplicação dos recursos decorrentes daquela opção, de que é exemplo o art. 9º.
Por coerência, haveria de se restringir o rol de habilitados à opção para se restringir o campo de aplicabilidade dos recursos, isto é, restringir a entrada para estreitar a saída, haja vista que, embora opção e aplicação não se confundam, o segundo ato depende da concretização do primeiro.
3.4. Interpretação extensiva de norma que outorga isenção tributária?
De outra parte, há de se registrar que no caso em questão não se está a interpretar uma norma de isenção tributária de maneira extensiva, já que o entendimento ora defendido não libera uma “amarra” que a lei determinou, nem mesmo implicitamente. Ao revés, o entendimento diverso é que, a nosso ver, cria uma restrição que a lei não expressou.
Ademais, vale ressaltar a lição do tributarista Luciano Amaro, que, em seu celebrado “Direito Tributário Brasileiro”, ressalta o fato de que “não obstante se preceitue a interpretação literal nas matérias assinaladas [no art. 111 do CTN], não pode o intérprete abandonar a preocupação com a exegese lógica, teleológica e sistêmica dos preceitos legais que versem as matérias em causa”[9].
Na mesma linha, a lição de Carlos Rocha Guimarães destaca que “quando o art. 111 do C.T.N. fala em interpretação literal, não quer realmente negar que se adote, na interpretação das leis concessivas de isenção, o processo normal de apuração compreensiva do sentido da norma, mas simplesmente que se estenda a exoneração fiscal a casos semelhantes”[10].
A esse propósito, é preciso observar que o CTN fala em interpretação literal para os casos de “outorga da isenção” (art. 111, II). Ocorre que o dispositivo ora interpretado sequer diz respeito à isenção em si – o que, se de fato ocorresse, haveria de repercutir na capacidade de optar – mas à aplicação dos recursos decorrentes da isenção, em um momento claramente posterior!
Com efeito, com a interpretação esposada no momento, não se está a estender uma exoneração fiscal a quem não tem direito, nem dispensando o cumprimento de condição imposta para o percebimento do repasse dos recursos. Na verdade, no momento em que optante vai direcionar os recursos das opções feitas, ele haverá de já ter cumprido os requisitos para obter a isenção.
3.5. O longo caminho entre a opção e a liberação de recursos
A exegese ora defendida é a que mais se coaduna com a lógica e com a sistemática bastante complexa e demorada que vai desde o recolhimento de Darf específico até a aplicação dos valores dos fundos em projetos, para completar o ciclo delineado pelo art. 9º da lei nº. 8.167/91.
Conforme já se disse, a pessoa jurídica que optar pela dedução em favor dos fundos de investimento regional recolherá nas agências bancárias arrecadadoras de tributos federais, mediante Darf específico, o valor correspondente a cada parcela ou ao total do desconto. Por sua vez, até 31 de dezembro de cada ano, as empresas beneficiárias devem encaminhar ao Ministério da Integração Nacional a indicação de opções de incentivos fiscais direcionadas aos Fundos.
Por sua vez, após o tratamento dos dados, a Secretaria da Receita Federal do Brasil emite extratos das aplicações em incentivos fiscais para os respectivos contribuintes e para os bancos operadores, informando o acatamento ou não das referidas opções. Por seu turno, estes agentes operadores informam ao Ministério da Integração Nacional qual foi o montante das opções acatadas.
Já com vistas à aplicação dos recursos, vale salientar que compete ao Ministério da Integração fiscalizar continuamente as bases físicas dos projetos beneficiários dos fundos de investimento regional, a fim de mensurar concretamente qual o montante de recursos passível de recomendação de repasse pelos fundos. A partir da quantificação deste “saldo de recomendação”, é que se faz o pleito de liberação de valores, o qual estará sujeito à apreciação pelo Ministro de Estado.
Finalmente, somente com o deferimento deste pedido de liberação de recursos é que o banco operador será informado sobre quais são as empresas optantes e qual o montante de opções acatadas que será direcionado a um determinado projeto incentivado.
Com efeito, percebe-se que o ato de opção e o ato de aplicação dos recursos não se confundem. Eles não se misturam, sendo, pois, atos jurídicos distintos.
Nessa esteira, o relatório do Min. Raimundo Carreiro que culminou no Acórdão nº. 846/2008 do Plenário do Tribunal de Contas da União bem detalha o procedimento a que se aludiu nos parágrafos anteriores, deixando clara a separação de momentos entre opção e aplicação de recursos, bem como a característica complexa do ato de opção, o qual depende do acatamento pela Receita Federal do Brasil para se aperfeiçoar:
“2.39 Após a chegada dos recursos ao Tesouro Nacional, em tese, esse órgão teria o prazo de 15 dias para envio dos valores aos fundos, conforme o § 1º do art. 3º da Lei nº 8.167/91. O descumprimento desse prazo ensejava no texto original da lei correção pela variação do Bônus do Tesouro Nacional. Esse indexador não existe mais e a situação está descoberta pela lei.
2.40 Na chegada dos valores, os fundos contabilizam o montante recebido a débito na conta Disponibilidades do Ativo e a crédito na conta Recursos de Incentivos Fiscais, do Patrimônio Líquido. Cabe destacar que a conta Recursos não permite ainda a identificação do investidor que futuramente receberá as quotas do fundo de investimentos ou ações relativas ao projeto escolhido.
2.41 Com a autorização do banco para pagamentos à beneficiária e antes da subscrição das ações, é registrado crédito na conta Depósitos Vinculados à Subscrição, do Ativo, com débito em Disponibilidades.
2.42 É uma espécie de reserva dos valores de liberação. Com a liberação efetiva e subscrição das ações pela empresa, essa conta é creditada para registrar a entrada dos títulos no patrimônio dos fundos. Essa operação é de débito na conta do Ativo Títulos e Valores Mobiliários.
2.43 Mas é no passivo que ocorrem as maiores diferenças na contabilização entre os fundos, especialmente no FINOR e no FINAM. A identificação dos investidores relacionados à conta Recursos de Incentivos Fiscais somente é possível com informações da Receita Federal.
2.44 Tendo em vista que as opções efetuadas atualmente remetem-se ao art. 9º da Lei nº 8.167/91, o ideal seria a identificação do investidor no momento do acatamento das opções pela RFB.
2.45 Conforme o referido dispositivo, o contribuinte só pode direcionar para o projeto próprio montante equivalente a 70% das opções. Os 30% restantes ficam livres para aplicação em qualquer projeto aprovado.
2.46 A identificação dos investidores gera a entrega dos Certificados de Investimentos com contabilização a débito da conta Recursos e crédito no Patrimônio Líquido, conta Cotistas, no que tange aos recursos livres. Em relação aos 70%, há reserva em conta de obrigações, posto que o fundo de investimentos apenas vai custodiar as ações subscritas pelo investidor até que haja confirmação da opção.”
Como é possível notar o caminho entre a opção e a liberação de recursos pelo Poder Público é bastante complexo e depende do pronunciamento de órgãos públicos diversos. A esse respeito, contudo, cabe registrar um importante dado negativo da realidade: a morosidade da Receita Federal do Brasil para confirmar as opções efetuadas pelos contribuintes. Neste sentido, o mesmo relatório do Acórdão nº. 846/2008, do Plenário do Tribunal de Contas da União, dá notícias de que há Pedidos de Revisão de Ordem de Emissão de Incentivos Fiscais (PERC) –, efetuados quando não atendida a opção efetuada pelo contribuinte, que demoram mais de uma década para sua resolução.
Diante disso, ao se adotar uma interpretação jurídica diversa da ora esposada, parece óbvio o vislumbre de um quadro de verdadeiro solapamento da finalidade da sistemática dos fundos de investimento. Imaginar uma situação em que uma PERC finde após dez anos de tramitação, para somente então o contribuinte direcionar os valores para um projeto cuja sociedade titular já contasse com a sua participação há mais de uma década, parece-nos um verdadeiro alheamento à dinâmica empresarial inerente a um mercado competitivo e globalizado.
Em um mundo em que as sucessões empresariais e as reorganizações societárias ocorrem a todo o momento, para a própria sobrevivência das empresas, limitar o campo de possibilidades em anos representa um anacronismo que se contrapõe à finalidade do instituto.
3.6. Uma última contestação
A par do afastamento de toda a argumentação contrária ao posicionamento esposado no presente artigo, ainda poderia causar dúvidas o disposto no §6º do art. 11 do decreto nº. 101/91:
“Art. 11. As Agências de Desenvolvimento Regional e os Bancos Operadores assegurarão às pessoas jurídicas ou grupos de empresas coligadas que, isolada ou conjuntamente, detenham, pelo menos, 51% do capital votante de sociedade titular de projeto beneficiário do incentivo, e aplicação, nesse projeto, de recursos equivalentes a 70% do valor das opções de que trata o art. 1º, inciso I. […]
§ 6º Os investidores que se enquadrarem na hipótese deste artigo deverão comprovar essa situação antecipadamente à aprovação do projeto.”
O dispositivo em comento é cópia da redação originária da lei nº. 8.167/91, cuja redação foi alterada primeiramente pela lei nº. 9.808/99 e posteriormente pela medida provisória 2.199-14/2001. Atualmente, a norma correspondente é o §8º do art. 9º da lei nº. 8.167/91, com a redação dada pela mesma medida provisória, in verbis:
“§ 8º Os investidores que se enquadrarem na hipótese deste artigo deverão comprovar capacidade de aportar os recursos necessários à implantação do projeto, descontadas as participações em outros projetos na área de atuação das extintas SUDENE e SUDAM, cujos pleitos de transferência do controle acionário serão submetidos ao Ministério da Integração Nacional, salvo nos casos de participação conjunta minoritária, quando observada qualquer das condições previstas no § 9º.”
Acerca destas disposições, também não se vê empecilhos em relação à interpretação defendida no presente artigo, haja vista que as normas visam assegurar apenas que, no momento da aprovação de projetos incentivados por parte da Administração, os investidores comprovassem que em seu quadro de acionistas figuravam pessoas jurídicas ou grupos de empresas coligadas com capacidade de geração de incentivos por meio da opção de dedução do imposto de renda em face do fundo de investimento regional.
À evidência, não se extrai da norma um intento de garantir a implantação do projeto apenas com os recursos provenientes daquelas empresas que já detinham participação na beneficiária ao tempo da sua aprovação pelo Poder Público. Não por acaso, o § 10 do art. 9º da lei nº. 8.167/91 autoriza o ingresso de novos acionistas durante a implantação do projeto nos seguintes termos:
“Art. 10 O Ministério da Integração Nacional poderá, excepcionalmente, autorizar o ingresso de novo acionista com a participação mínima exigida nos §§ 2º, 4º e 6º, deduzidos os compromissos assumidos em outros projetos já aprovados pelas extintas SUDENE e SUDAM, com o objetivo de aplicação do incentivo na forma estabelecida neste artigo, desde que a nova participação acionária minoritária venha a garantir os recursos de incentivos anteriormente previstos, em substituição às deduções de pessoa jurídica ou grupo de empresas coligadas que: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.199-14, de 2001)
I – esteja em processo de concordata, falência ou liquidação; ou
II – não tenha apresentado, nas declarações de imposto sobre a renda dos dois últimos exercícios, capacidade de geração de incentivo compatível com os compromissos assumidos por ocasião da aprovação do projeto, com base em parecer técnico da Secretaria-Executiva da respectiva Superintendência de Desenvolvimento Regional extinta.”
4. Conclusão
A interpretação normativa da sistemática dos fundos de investimento deve se pautar pelos fins sociais a que eles se dirigem e às exigências do bem comum, como apregoado no art. 5º da Lei de Introdução ao Direito (decreto-lei nº 4.657/42). Neste sentido, o vetor axiológico e normativo que ampara a lei nº. 8.167/91 é exatamente o art. 3º, III, da Constituição Federal, cujo dispositivo prescreve como objetivo da República reduzir as desigualdades sociais e regionais, de sorte que toda interpretação jurídica há de ter em mente àquela premissa.
Conforme se observa, a interpretação jurídica que enuncia que, já no momento em que o optante fizesse suas opções, ele haveria de deter o percentual mínimo de participação no capital votante da sociedade titular do empreendimento não é a melhor, mormente porque não leva em consideração o vetor interpretativo do sistema (art. 3º, III, da Constituição Federal), desconsiderando-se ainda que os momentos de opção e aplicação não se confundem, bem como se firma em premissa legal inadequada (art. 111 do CTN). Como dito alhures, a interpretação antes adotada cria uma exigência que a lei não expressa em sua literalidade, subtraindo a vontade constitucional.
Ao revés, a interpretação jurídica da aplicação de recursos que segue o rito do art 9º da lei nº. 8.167/91 deve ser sistemática e teleológica, o que não era feito pelo Poder Público até a emissão da Nota Técnica nº. 03/2011 do Departamento Financeiro e de Recuperação de Projetos do Ministério da Integração Nacional e do Parecer nº. 881/2011/CONJUR-MIN/CGU/AGU, que reverteram o entendimento estatal com lastro em boa parte da argumentação exposta no presente artigo.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006.
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GUIMARÃES, Carlos Rocha. Interpretação literal das isenções tributárias. In: Proposições tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1975.
Notas:
§ 1º O Departamento do Tesouro Nacional autorizará a transferência dos recursos ao banco operador no prazo de quinze dias de seu recolhimento, para crédito ao fundo correspondente, à ordem da respectiva Superintendência de Desenvolvimento Regional.
Informações Sobre o Autor
Diego Franco de Araújo Jurubeba
Procurador Federal. Graduado em Direito pela UFPE. Pós Graduado em Direito Público. Consultor Jurídico do Ministério da Integração Nacional