Perda de cargo eletivo por desfiliação ou infidelidade partidária

Resumo: O presente artigo tem o intuito  de tentar  relatar quais as possíveis consequências quando ocorre a desfiliação ou infidelidade partidária por parte  dos  ocupantes de cargos eletivos. Faz uma breve  abordagem sobre a legitimidade dos que podem requerer o cargo e o que diz o ordenamento jurídico pátrio.  

Sumário: I. A legitimidade para requerer a perda do cargo eletivo. II. A lei eleitoral e a perda do mandato político II.1. Previsão Constitucional

I. A legitimidade para requerer a perda do cargo eletivo

A legitimidade ativa  para propor uma  Ação de Perda de Mandato Eletivo por Desfiliação Partidária decorre dos legítimos interesses jurídico do proponente da Ação.

Os Partidos Políticos são os principais interessados em requerer a perda do mandato eletivo dos políticos que não  forem fieis aos seus ideais ou que  solicitarem a sua desfiliação durante  o exercício do cargo político.

São também legítimos para requerer a perda do cargo eletivo de um agente político que, solicitou sua desfiliação partidária ou foi infiel aos ideais de seu partido durante o exercício de seu mandato, os que possuem o direito iminente de ocuparem os cargos eletivos, seja  de prefeito, vereador, governador, deputado, presidente ou senador, por serem os suplentes dos mandatos.

Tal regra está consignada no §2º do art. 1º da Resolução TSE nº 22.610/2007 que preceitua:

“Art. 1º – O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. (…)

§ 2º – Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral. (…)”

Sobre o tema, colaciona-se, no que interessa, a resposta à Consulta 1.482/DF, Rei. Min. Caputo Bastos:

"Consulta. Legitimidade. Suplente. Ajuizamento. Processo. Perda. Mandato eletivo. Cargo proporcional.

1.Conforme dispõe o art. 1o, § 2o, da Res.-TSE n° 22.610/2007, caso o partido político não formule o pedido de decretação de perda de cargo eletivo no prazo de trinta dias contados da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos próximos trinta dias subsequentes, quem tenha interesse jurídico, detendo essa condição o respectivo suplente" (g.n).

É notório que quando o partido  não ajuizar a ação de perda de cargo em referência, o que conduz à legitimidade subsidiária aos suplentes.

Muitas vezes, alguns políticos, de má fé, se utilizam de alguns artifícios políticos para se elegerem.

 Para tentar evitar a lei  eleitoral, esta cada vez mais rigorosa quando se trata  de infidelidade partidária ou desfiliação dos que se elegeram por uma determinada agremiação, sem que os motivos sejam justos e coerentes.

II. A lei eleitoral e a perda do mandato político

Como já mencionado, a lei  eleitoral pátria tem sido cada vez mais rígida contra as  condutas dos mandatários de cargos políticos, que tentam se utilizar de artifícios eleitoreiros ilegais  para se beneficiarem.

O disposto no §1º do art. 1º da Resolução TSE nº 22.610/07 enumera as hipóteses de "justa causa”, para desfiliação partidária, verbis:

“Art. 1º – O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º – Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal. (…)”

Com efeito, tem-se que essas “justas causas” devem ser muito bem demonstrada pelos políticos que exercem cargo eletivo, não podendo simplesmente, para satisfazerem interesses pessoais, talvez, com o único intuito de terem mais visibilidade política em outro partido, se desfilarem do partido em que concorreram ao pleito eleitoral que obtiveram êxito.

Deve-se destacar que a mera “insatisfação”, face às decisões do partido não pode ser condição ou/e argumento a ser utilizado com forma de burlar os mandamentos legais, pois tais situações devem ser consideradas como acontecimentos naturais da vida cotidiana política…

Urge esclarecer também, que “grave discriminação pessoal” é aquela em que transforma o filiado em alvo de insuportável segregação dentro do partido.s.

Os partidos políticos não podem ser utilizados como meros “hospedeiros” de políticos que possuem o claro intuito de apena utilizá-los para se favorecerem na campanha eleitoral.

Ademais, os políticos devem sempre zelar pela vontade de seus eleitores que confiaram em suas ideologias de trabalho e com a ideologia e estratégia de governo de sua agremiação. O mandato eletivo deve ser coerente com o que foi apresentado durante a campanha eleitoral e deve ser respeitado até o final de deu mandato.

O mandato eletivo foi a mais notável conquista para a consolidação da Democracia, cuja característica reside em atribuir aos cidadãos a exclusiva titularidade do poder.

Em especial, no caso da eleição para a composição da Edilidade ou dos Deputados, o critério fidelidade partidária deve ser considerado prioritário. Observa-se que a fidelidade de um político não se relaciona apenas com os partidos, mas com o pleno funcionamento da Câmara e com o papel fundamental da participação dos eleitores na construção da Democracia.

II.1 Previsão Constitucional

Notório que é requisito essencial de elegibilidade a filiação partidária.

Essa exigência está prevista no capítulo IV da Constituição Federal, que dispõe sobre “Dos Direitos Políticos”, em específico no artigo 14, § 3º, inciso V, verbis:

“Art. 14- A soberania popular será exercida pelosufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valorigual para todos, e, nos termos da lei, mediante: […]

§ 3º – São condições de elegibilidade, na forma da lei:

V – a filiação partidária; […]”

Assim, a capacidade eleitoral pressupõe o preenchimento de requisitos constitucionais, que devem ser mantidos mesmo após a eleição, caso eleitos sejam, ou quem o descumprir deverá perder seus direitos de exercerem o mandado imediatamente.

Tamanha a importância da fidelidade partidária que, em Consulta realizada ao Tribunal Superior Eleitoral, ficou decidido: “Os Partidos Políticos e as coligações conservam o direito a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido de outra legenda”.[1]

Com isso, ficou pacificado pelo TSE, que a agremiação partidária que o político pertence é a sua identidade política, sendo do partido o mandato eletivo que ele exerce.

Corroborando com a consulta supramencionada, a Consulta nº 1.423, respondida pelo TSE, decidiu que na situação de infidelidade partidária, o político deve ser afastado do cargo eletivo.[2]

Esse também é o entendimento pacificado do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, conforme se colaciona abaixo:

“ACÓRDÃO N. 4.862/2008

Feitos Diversos. Pedido de decretação de perda de cargo eletivo. Desfiliação partidária sem justa causa. Vereadores. Resolução n. 22.610/2007/ TSE. Eleições 2004.

Preliminares.

I. Inconstitucionalidade da Resolução n. 22.610/2207/TSE. Não conhecida. Art. 113 do Regimento interno do TER/MG.

II. Impossibilidade jurídica do pedido. Não conhecida. Art. 113 do Regimento Interno do TER/MG.

III. Ausência de pressuposto válido e regular do processo. Rejeitada. Audiência realizada por advogado cujo exercício profissional se encontrava suspenso pela OAB. Saneamento do vício, pelo interessado, com a constituição de novos procuradores e ratificação de todos os atos praticados anteriormente. Observância do artigo 13 do CPC c/c art. 662 do CC. Inexistência de prejuízo para as partes.

MÉRITO

Desfiliação partidária. Alegação de grave discriminação pessoal. Não-comprovação. Mera divergência interna. Fatos narrados, ainda que tenham atingidos os requeridos, não fizeram de forma pessoal e discriminada. Abandono imotivado configurado. Decretação de perda de cargo de Vereador.

PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.[3]

Para finalizar a discussão sobre a titularidade do mandato nos sistemas proporcional e majoritário, o Supremo Tribunal Federal encarregou-se de dirimi-la, julgando, respectivamente, os Mandados de Segurança n.º 26.602, 26.603e 26.604.

“MS 26602 / DF – DISTRITO FEDERAL

MANDADO DE SEGURANÇA

Relator(a): Min. EROS GRAU

Julgamento: 04/10/2007

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO. PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MARCO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA. 1. Mandado de segurança conhecido, ressalvado entendimento do Relator, no sentido de que as hipóteses de perda de mandato parlamentar, taxativamente previstas no texto constitucional, reclamam decisão do Plenário ou da Mesa Diretora, não do Presidente da Casa, isoladamente e com fundamento em decisão do Tribunal Superior Eleitoral. 2. A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo. 3. O instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007. 4. O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral. 5. Os parlamentares litisconsortes passivos no presente mandado de segurança mudaram de partido antes da resposta do Tribunal Superior Eleitoral. Ordem denegada.”[4]

Restando assente o entendimento nas duas Cortes Superiores de que o partido político é o titular do mandato obtido pelo candidato nas eleições proporcionais e majoritárias, não podendo o eleito desfiliar-se da agremiação na qual sufragado, sob pena de perda do mandato.

 

Notas
[1]Consulta TSE nº 1.398, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha. DJ de 8/05/2007.

[2]Consulta ao TSE nº 1.423, Rel. Min. José Delgado. DJ de  01/08/2007.

[3] Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. FD – FEITOS DIVERSOS nº 9842007 – Campos Gerais/MG Acórdão nº 4862 de 22/10/2008 .Relator(a) SÍLVIO DE ANDRADE ABREU JÚNIOR . Publicação: DJEMG – Diário de Justiça Eletrônico -TREMG, Data 17/11/2008 

[4]MS 26602 / DF – DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 04/10/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.


Informações Sobre o Autor

Ana Carolina Pinto Caram Guimarães

Advogada, especialista em Direito Municipal. Sócia- fundadora do escritório de advocacia Pettersen,Guimarães & associados. Membro de Comissões da OAB/MG. Presidente do Instituto Mineiro de Políticas Sociais e de Defesa do Consumidor


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