A inexistência de obrigação tributária de recolhimento da contribuição social de 10% incidente sobre o saldo do FGTS

Resumo: O artigo trata de ilegalidade da cobrança da Contribuição Social instituída no art.1 da Lei Complementar n 110/2001 no valor de 10 incidente sobre o saldo do FGTS.

Palavras-chave: Lei Complementar n 110/2001. Contribuição Social. FGTS

No ano de 2001, as empresas por meio de suas representações sindicais nacionais foram chamadas por representantes do Poder Executivo, para participar da negociação de um acordo nacional com os trabalhadores e o governo, visando buscar uma forma conciliatória de solucionar a questão dos resíduos inflacionários ou expurgos advindos dos Planos Econômicos, denominados de Plano Verão e Plano Collor, declarados devidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Após demoradas e acirradas reuniões e negociações, com o governo fazendo apelos alegando que o STF havia decidido ser devida essa correção monetária e que não havia disponibilidade financeira para pagar, tanto os empresários quanto os trabalhadores resolveram colaborar, e aí foi fechado um acordo nacional, com as representações dos trabalhadores concordando em receber tal correção monetária em parcelas e com  as empresas concordando em fazer contribuições temporárias e excepcionais, até que o governo terminasse de cumprir o acordo de Parcelamento aceito pelas representações dos trabalhadores.

Com base nesse acordo nacional e tripartite, a União apresentou o projeto de lei complementar que foi aprovado e sancionado, resultando na Lei Complementar n.º 110/2001, que estabeleceu no art. 1º uma contribuição de 10% em caso de despedida do empregado sem justa causa, incidente sobre o valor depositado à título de FGTS e no art. 2º, a contribuição de 5% sobre a folha de pagamento por um período de 60 meses, conforme os cálculos feitos pelo governo, com a finalidade específica de cobrir as despesas com os expurgos inflacionários decorrentes dos citados planos econômicos (Plano Verão e Plano Collor), contribuições essas estabelecidas a fim de fazer frente aos valores que foram acordados com os trabalhadores, conforme o Termo de Adesão previsto e disciplinado no art. 6º dessa LC nº 110/2001.

Essa LC prevê que o prazo de duração dos recolhimentos da contribuição de 5% sobre a folha seria de 60 meses (forma de lei temporária), conforme dispõe o art. 2º, § 2º da LC. (prazo já expirado).

Já a contribuição de 10% da mesma forma que a citada acima, também com criação vinculada ao acordo ou aos valores do Termo de Adesão dos Trabalhadores previsto no art. 6º da LC nº 110/2001 (forma de lei excepcional ou contingente), considerando a motivação da sua criação, encerrou-se em julho de 2012.

É que, embora previsto no art. 9º da LC, que as despesas com os Termos de Adesão poderiam ser diferidas contabilmente pelo prazo de até 15 anos, o Agente Gestor do FGTS – Caixa Econômica Federal, no Ofício nº 102/2013 enviado ao Senhor Ministro da Fazenda, Guido Mantega, em 08 de maio de 2013, no seu subitem 2.1.1, informa que:

 “(…) de fato encerrou-se em julho/2012 os reflexos patrimoniais provenientes do diferimento de que trata o art. 9º da Lei complementar nº 110/2001.” (ASSINADOS: Deusdina dos Reis Pereira, Vice-Presidente em Exercício e Vice-Presidente de Fundos de Governo e Loterias; Jorge Fontes Hereda, Presidente da CAIXA).

Ocorre que mesmo tendo se exaurido a sua finalidade a cobrança da referida Contribuição Social perdura de forma totalmente irregular e ilegal.

A vinculação da criação da contribuição de 10%, do art. 1º da LC nº 110/2001 ao Acordo Tripartite e aos Termos de Adesão dos Trabalhadores para recebimento dos expurgos inflacionários dos Planos Econômicos sobre o FGTS, elevando a condição dessa LC a de uma lei excepcional, e, portanto, sem efeitos após exauridos os motivos de sua edição consta de confissão escrita dos Senhores ministros do Trabalho e Emprego e da Fazenda, juntamente com o Senhor Presidente da República, bem como do Presidente do Senado, e confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme comprovam os textos a seguir transcritos:  

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, ABRIL DE 2001, FLS. 11170/11171

MENSAGEM Nº 291 DO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Senhores Membros do Congresso Nacional,

Nos termos do § 1º do art. 64 da Constituição Federal, submeto à elevada deliberação de Vossas Excelências o texto do projeto de lei complementar que “institui contribuições sociais, autoriza créditos em contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS DE COMPLEMENTOS DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA decorrentes de decisão do Supremo Tribunal Federal (…). Brasília, 29 de março de 2001. – Fernando Henrique Cardoso”;

MENSAGEM DOS MINISTROS:

 “Em 29 de março de 2001

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa minuta de Projeto de Lei Complementar que autoriza o crédito, nas contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, dos complementos de atualização monetária decorrentes de decisão do Supremo Tribunal Federal, sob condição da aprovação da contribuição social de 10% (dez por cento) dos depósitos do FGTS, devidas nos casos de despedida sem justa causa, e da contribuição social de 0,5% (cinco décimos por cento), incidente sobre a folha de pagamento, ora propostas.

(…) Vossa Excelência decidiu que a conta não poderia ser paga exclusivamente pelo Tesouro Nacional e promoveu, com as centrais sindicais e confederações patronais (…) um processo de negociação que viabilizasse o pagamento do montante devido aos trabalhadores.

No processo de negociação, várias propostas foram apresentadas e discutidas pelas partes envolvidas. A proposta daí resultante pode ser resumida da seguinte forma:

– contribuição social devida nos casos de despedida sem justa causa, destinada ao FGTS, de 10% dos depósitos do Fundo;

– criação de uma contribuição social de 0,5% sobre a folha de salários (…);

– utilização de parte das disponibilidades hoje existentes no FGTS;

– deságio de 10% a 15%, concedido pelos trabalhadores (…)

– A urgência solicitada se deve à necessidade de que os recursos das contribuições que ora se propõe criar sejam coletados pelo FGTS no mais breve período de tempo, a fim de que os trabalhadores possam receber a complementação de atualização monetária nos prazo propostos na anexa minuta de projeto de lei complementar.

– O PERÍODO NECESSÁRIO PARA QUE TODOS OS TRABALHADORES RECEBAM O QUE LHES É DEVIDO É, DENTRO DO ACORDO (…);  (Destaque nesta).

Consta nos autos da ADI 2.556-DF elucidativas afirmações e registros do relator, ministro Moreira Alves, sobre a finalidade das contribuições instituídas pela LC nº 110/2001, que conduz a que sejam temporárias e excepcionais:

Solicitadas informações no prazo de cinco dias, foram elas prestadas pelo Exmo Sr. Presidente da República e pelo Congresso Nacional, em termos substancialmente semelhantes aos das informações por ambos prestadas depois na ADI 2568.

Informações prestadas pelo Senado. Os dois tributos tinham por objetivo custear os dispêndios da União decorrentes de decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou devido o reajuste dos saldos do FGTS (RE 226.855, DJ de 13-1-10-2001).

 (…) A contribuição em exame não se confunde com a contribuição devida ao FGTS, em razão da diferente destinação do produto arrecadado (…) os valores arrecadados visam especificamente a fazer frente à atualização monetária, eliminados os expurgos (…) em benefício, portanto, de empregados inespecíficos que firmaram o Termo De Adesão referido no art. 4º da mencionada Lei Complementar e não especificamente daqueles despedidos injustamente. (fls. 178). Vale dizer, o tributo não se destina à formação do próprio Fundo (…).

(…)as contribuição são vinculadas para o pagamento da correção monetária devida.(fls.7).

(…) acordo nacional sobre o problema. (fls7).

Fonte: www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo291.htm, in 05.10.2013

Por tudo que se vê, é totalmente ilegal a cobrança de contribuição de 10%, aqui em apreço, após a quitação dos Termos de Adesão firmados com os trabalhadores, ou após o mês de junho de 2012, data informada pela Caixa Econômica Federal da quitação dos valores de todos esses termos.

Essa Lei Complementar nº 110/2001 traz em seu contexto tanto uma espécie temporária quanto uma espécie excepcional. Segundo a doutrina majoritária: “A lei temporária é a que já tem o prazo de sua vigência estabelecido por ela mesma”. Isso se aplica à contribuição de 0,5% sobre a folha de pagamento, que foi fixada por 60 meses, segundo o disposto no art. 2º, § 2º. “A lei excepcional é a que tem sua vigência condicionada à permanência de situações anômalas (epidemia, guerra etc.). Ambas são leis que se auto-revogam, sem necessidade de um a nova lei. A primeira se revoga com o fim do prazo por ela mesma estabelecido; a segunda se revoga com da situação que a originou”. (www.jb.jusbrasil.com.br/definicoes/100003399/lei-temporaria, in 05.10.2013).

Ainda cabe observar que o objetivo claro quando no art. 4º da referida lei complementar são tratados assuntos tais como recomposição das contas do FGTS, a forma do acordo, tudo calcado no dinheiro advindo das Contribuições Sociais previstas nos arts. 1º e 2º dessa mesma norma.

Portanto, pela simples leitura do texto da Lei Complementar nº 110, não resta dúvida de que essas contribuições sociais foram criadas exclusivamente e especificadamente para o pagamento dos expurgos inflacionários nas contas do FGTS. Inclusive isso foi apreciado pelo Ministro Moreira Alves quando do julgamento da liminar da ADI nº 2556, que trata da constitucionalidade da Lei Complementar nº 110/2001, segundo acima já mencionado.

Assim, a contribuição social do art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001, que tinha a finalidade de pagar os expurgos inflacionários incidentes sobre o FGTS, cumpriu essa função, uma vez que desde junho de 2012 esses expurgos constantes dos mencionados acordos celebrados entre os trabalhadores e os empresários foram quitados.

A legislação tributária no Brasil determina que as contribuições com  finalidade específica como é o caso da prevista na Lei Complementar nº 110/2011, somente podem ser aplicadas para o fim que foram criadas, não podendo ser desviada sua finalidade para o tesouro nacional, gastar como bem entender. Inclusive, porque o Poder Executivo quando da criação da lei declarou ao Supremo Tribunal Federal, conforme acima transcrito, que esses valores não eram para o Tesouro Nacional, não configuravam Receitas Públicas, como vem agora sendo consideradas de forma absurda.

Dessa forma, como a contribuição social de 10% sobre o saldo do FGTS já atingiu a sua finalidade em junho de 2012, é totalmente indevida a sua cobrança após esse período.


Informações Sobre o Autor

Lirian Sousa Soares Cavalhero

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, sócia da Ope Legis Consultoria Empresarial, e Consultora Jurídica de diversas entidades de classe e empresas


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