Resumo: O tema da responsabilidade jurídica tributária de terceiros, com disciplina constante dos artigos 134 e 135 do CTN, é um assunto muito abordado pela doutrina e pelo Poder Judiciário, ante a divergência na interpretação legal e as consequências que a aplicação da doutrina da disregard doctrine causa na prática, com a submissão do patrimônio pessoal do administrador responsável por débitos da pessoa jurídica. O estudo em tela analisará as hipóteses gerais da responsabilidade de terceiros por débitos tributários, as condicionantes e os limites para tanto e, por fim, exporá o entendimento atual dos Tribunais Superiores.
Palavras-chave: desconsideração. personalidade. terceiros. tributo. CTN.
Abstract: The issue of tax legal responsibility to third parties, with constant discipline of Articles 134 and 135 of the CTN, is a subject much discussed by the doctrine and the judiciary, given the divergence in legal interpretation and the consequences that the application of the doctrine of disregard indoctrinate cause in practice, the submission of the personal assets of the administrator responsible for debts of the corporation. The study on canvas examine the general hypotheses of third party liability for tax debts, the constraints and limits for both and ultimately expose the current understanding of the Superior Courts
Keywords: disregard. personality. third parties. tribute. CTN.
Sumário: Introdução. 1. Da responsabilidade tributária: noções gerais. 2. Da classificação da responsabilidade tributária. 3. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN – hipótese legais e atual interpretação jurisprudencial. 3.1. Do artigo 134 do CTN. 3.2. Do artigo 135 do CTN. 3.2.1. Do excesso de poderes. 3.2.2. Da infração à lei, contrato social ou estatuto. 3.2.3. Da dissolução irregular. Conclusão. Referências.
Introdução
O estudo em comento pretende analisar o tema da responsabilidade de terceiros por débitos tributários com especial enfoque para as hipóteses legais e a hodierna orientação jurisprudencial sobre o assunto.
Como já se pode adiantar, a matéria é controvertida e gera amplas discussões, sendo que muitos posicionamentos atuais são mais provenientes da hermenêutica de magistrados sobre o Código Tributário Nacional (CTN) do que propriamente derivam da letra fria da lei.
Sob essas considerações, o artigo em tela pretende analisar as hipóteses gerais da responsabilidade de terceiros por débitos tributários, as condicionantes e os limites para tanto e, por fim, exporá o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria legal, e, na medida do possível, mencionará julgados dos Tribunais Regionais Federais, para débitos federais.
1. Da responsabilidade tributária: noções gerais.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) instituiu, em oposição aos regimes então vigentes, um novo paradigma de Estado, o Estado Democrático de Direito, marcado pela importância de um amplo rol de direitos (de primeira, segunda e terceira gerações) e pelo destaque que confere à participação popular na tomada de decisões políticas, na definição de políticas públicas e na conferência de legitimidade ao governante.
Nesse diapasão, a consequência do dever constitucional de tutelar mais direitos é que a atuação do Estado se torna mais onerosa e com custos consideráveis, os quais devem ser arcados por todos, no ideal constitucional do dever geral de solidariedade entre todos, conforme salientado em pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, sob coordenação academia dos Professores Dr. Paulo Caliendo e Fábio Siebeneichler de Andrade[1].
Para esse intento, o recurso mais fácil de que dispõe o Estado é a tributação. Porém, esse direito não é ilimitado ou arbitrário. Pelo contrário, esse dever-poder do Estado é cercado por diversas nuances e regras cogentes.
Tais limitações estabelecem 3 (três) ordens de sentido[2], a saber: 1ª) servem como limite ao poder de tributar do Estado, 2ª) atuam como conjunto de normas de limitação de competência e, por fim, 3ª) contribuem para a realização do valor promoção e proteção dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, insere-se a responsabilidade tributária, tema que se destaca pelo binômio contribuinte-responsável, ou seja, aquele é o sujeito passivo direto e este, o sujeito passivo indireto. Em ambos os casos, a sujeição passiva depende de expressa previsão legal.
No que tange à sujeição passiva tributária, dispõe o artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), que o contribuinte é o sujeito passivo direto, ou seja, o sujeito passivo da obrigação principal “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Por outro lado, o responsável é definido pelo Código Tributário como o sujeito passivo indireto, ou o que “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei” (inciso II do mesmo dispositivo legal). A presença do responsável como devedor da obrigação tributária traduz um fenômeno denominado de “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação[3].”
Numa primeira leitura, a terminologia adotada pelo CTN parece permitir a responsabilização de qualquer pessoa, independentemente de haver relação com o fato gerador. No entanto, mostra-se equivocado esse raciocínio.
De fato, seria arbitrário o legislador entender como responsável pessoa totalmente alheia à situação definida como fato gerador do tributo. Daí porque o artigo 128 prevê a obrigatoriedade desse terceiro ser pessoa “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”, verbis:
“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.
Isto é, depreende-se a intensidade do vínculo entre a obrigação tributária e o responsável, sem, é claro, configurar um elo pessoal e direto porque, se assim for, tratar-se-á de contribuinte, não de responsável. Frise-se, ainda, que a eleição desse terceiro como responsável decorre de razões de conveniência e necessidade.
É por esse motivo também que é imprescindível haver expressa disposição legal para a responsabilidade tributária de terceiros, nos termos da legalidade geral estatuída no artigo 5º, inciso II, e da legalidade tributária, constante do artigo 145, inciso II, do texto constitucional, assim como dos artigos 97, inciso III, e 121, inciso II, do CTN, princípio da reserva legal segundo o qual ninguém é obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Logo, sem lei expressa, o terceiro não pode ser responsabilizado.
Ricardo Lobo Torres usa critérios do Direito Civil para distinguir as figuras do contribuinte e do responsável[4]. Com efeito, para o tributarista, as diferenças fundamentais entre o contribuinte e o responsável são duas, quais sejam, 1) o contribuinte tem o débito (debitum, Schuld), que é o dever de prestação, e a responsabilidade (Haftung), isto é, a sujeição do seu patrimônio ao credor (obligatio); por outro lado, o responsável tem a responsabilidade (Haftung) exclusiva, solidária ou subsidiária, mas não o débito (Schuld), já que paga tributo por conta do contribuinte; 2) a posição do contribuinte nasce com o fato gerador da obrigação tributária e a do responsável surge com a realização do pressuposto previsto na lei que regula a responsabilidade, chamada pela doutrina alemã de “fato gerador da responsabilidade” (Haftungstatbestand).
Nesse cenário, repise-se que a questão da desconsideração da personalidade jurídica também é condicionada pelas normas constitucionais que impõem limitações ao poder de o Estado tributar (vide artigo 150 da CF/88). Assim, a questão em exame merece ser estudada com a premissa de que a cobrança de tributos sempre deve ser limitada pela proteção constitucional aos direitos fundamentais do contribuinte[5].
2. Da classificação da responsabilidade tributária.
Em busca de uma classificação da responsabilidade tributária, sugere-se a adotada por Rubens Gomes de Souza, que foi um dos autores do CTN, com utilidade didática, e seguida também por Luciano Amaro, Ricardo Lobo Torres[6], Ricardo Alexandre[7] e Eduardo de Moras Sabbag[8], com algumas observações que ora se faz e serão abaixo melhor explicitadas[9]. Essa é, pois, a classificação sugerida:
1) Responsabilidade por substituição: é bem definível e comum na prática legislativa. Nessa condição, a sujeição passiva nasce com o fato gerador, momento em que o responsável (substituto) passa a ocupar o lugar do contribuinte (substituído). Assim, o substituto fica no lugar do contribuinte, cuja responsabilidade fica afastada. Subdivide-se em:
1.1) regressiva (“para trás” ou antecedente): Dá quando as pessoas ocupantes de posições anteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições posteriores dessa relação, havendo, assim, postergação do pagamento;
1.2) progressiva (“para frente” ou subsequente): Nesse caso, os ocupantes de posições posteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídos, no dever de pagar o tributo, por aquelas que se encontram nas posições anteriores;
2) Responsabilidade por transferência: ocorre após a ocorrência do fato gerador, de modo a excluir a responsabilidade do contribuinte ou atribuí-la sob caráter supletivo. No momento do fato gerador, figurava o contribuinte como sujeito passivo; porém, posteriormente, a ocorrência de um evento definido em lei causa a modificação subjetiva (dos sujeitos) na obrigação surgida, ou seja, a responsabilidade é transferida e, assim, surge a figura do devedor, nos termos da lei. Dessa forma, o responsável fica junto com o contribuinte, que conserva a responsabilidade em caráter supletivo[10]. Por oportuno, cumpre salientar que pode ocorrer de contribuinte para responsável ou de responsável para responsável, como nas hipóteses de responsabilidade por sucessão previstas no art. 131, incisos II e III, do CTN[11]. Pode ser dividida nas seguintes situações:
2.1) por solidariedade: prevista no artigo 135 do CTN;
2.2) por sucessão: artigos 129 a 133 do CTN. Não oferece maiores dificuldades. Pode ser solidária ou subsidiária[12];
2.3) por responsabilidade[13] (ou mais corretamente, de terceiros[14] ou por subsidiariedade[15]: artigo 134 do CTN.
3. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN – hipótese legais e atual interpretação jurisprudencial.
3.1. Do artigo 134 do CTN:
Estatui o artigo 134 do CTN:
“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.”
A respeito, esclarece o jurista Eduardo de Moraes Sabbag[16]uma séria irregularidade técnica do dispositivo em estudo. Com efeito, Sabbag observa que a responsabilidade “solidária” mencionada no caput do artigo 134 do CTN não é solidária plena, mas sim subsidiária, uma vez que não se pode cobrar tanto de um como de outro devedor, havendo uma ordem de preferência a ser seguida. Isto é, em primeiro lugar, cobra-se do contribuinte; após, exige-se o gravame do responsável. Afasta-se, assim, sem grande esforço interpretativo, o contexto da “solidariedade”, pois esta não se coaduna com o benefício de ordem.
Note-se que o equívoco terminológico do CTN é tão evidente que o próprio Código diz, no artigo 124, parágrafo único, que a solidariedade não comporta benefício de ordem, a despeito de ser algo óbvio.
Além dessa importante nota, Eduardo de Moraes Sabbag esclarece que o artigo 134 do CTN trata de responsabilidade de terceiro com atuação regular[17].
É importante enfatizar que a eleição desse terceiro responsável também obedece a critérios, aliás como assim ocorre em matéria de responsabilidade tributária. No caso preciso do artigo 134 do CTN, a seleção desse terceiro não decorre apenas do vínculo decorrente da relação de tutela, curatela, inventariança, entre outros mencionados nos seus diversos incisos. De fato, o jurista Luciano Amaro nota que, para tanto, requer-se que esse terceiro tenha praticado algum ato (omissivo ou comissivo), posto que “sua responsabilidade se conecta com os atos em que tenha intervindo ou com as omissões pelas quais for responsável[18].”
Para haver essa responsabilização, são necessários os seguintes requisitos, na lição de Ricardo Alexandre[19]: 1) impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte; e 2) ação ou omissão indevidas imputável à pessoa designada como responsável.
O parágrafo único do artigo 134 do CTN limita a responsabilidade das pessoas elencadas nos incisos aos tributos e às multas moratórias, que são devidas em caso de mora no cumprimento da obrigação tributária. No que concerne às demais multas, definidas como punitivas ou de ofício, imputáveis em caso de prática de ato ilícito, o entendimento doutrinário é o de que o infrator fica sujeito à responsabilização pessoal, prevista nos artigos 136 a 138 do CTN[20].
3.2. Do artigo 135 do CTN:
Primeiramente, veja-se a redação do artigo 135 do CTN:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
A responsabilidade prevista no artigo 135 do CTN é pessoal, imediata, plena e exclusiva do terceiro, ou seja, respondem pelo débito tributário mandatários, prepostos, empregados, diretores ou gerentes e aqueles elencados nos incisos do artigo 134 quando agirem, na relação jurídico-tributária, com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto.
Por oportuno, mostra-se relevante salientar o posicionamento do jurista Eduardo de Moraes Sabbag[21] acerca do tema, mormente quando distingue basicamente os casos de responsabilidade tributária de terceiros tratados nos artigos 134 e 135 do CTN.
Nesse diapasão, Sabbag entende que o artigo 135 prevê situações que ensejam responsabilidade pessoal, exclusiva e por substituição, bem como que versa sobre a responsabilidade de terceiro com atuação irregular.
No entanto, mister observar que, no artigo 135 do CTN, não há benefício de ordem, já que a responsabilidade é solidária.
Na verdade, o CTN apenas prevê a responsabilidade pessoal, pois não menciona responsabilidade única e exclusiva.
Todavia, o entendimento jurisprudencial predominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o de que essa responsabilidade é sim solidária. A respeito, pode-se citar recente julgado da Corte, o AGA 201000306039, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, 30/04/2010.
Sobremais, essa orientação está corroborada também pelo Parecer PGFN/CRJ/CAT n.º 55/2009, da lavra do Procurador da Fazenda Nacional Dr. Anselmo Henrique Cordeiro, que adota a tese jurídica de que a responsabilidade tratada no artigo 135, III, do CTN é solidária, porém, subjetiva, fato que demanda a demonstração fundamentada pela autoridade fiscal competente da existência de culpa (latu sensu – culpa ou dolo) dos responsáveis solidários.
Note-se que, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, como é a do presente caso (responsabilidade com culpa), deve haver demonstração da conduta ilícita culposa, do dano e do nexo de causalidade entre a conduta e a ocorrência do dano, para que o agente responda pela integral reparação.
Para Ricardo Lobo Torres o artigo 135 do CTN trata de hipóteses de responsabilidade solidária ab initio, posto que o responsável se coloca com o contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Desse modo, a Fazenda credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável, a seu critério[22].
Nesse ponto, o jurista observa que o conceito de solidariedade no Direito Tributário coincide com o do Direito Civil, com algumas peculiaridades[23].
Nos termos do artigo 124, inciso I, do CTN, haverá solidariedade em matéria tributária quando mais de uma pessoa concorre na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal; para o responsável, como visto, só se falará em responsabilidade se houver expressa previsão legal, com arrimo no artigo 124, inciso II, do CTN. Ratifique-se, ainda, que a solidariedade não comporta benefício de ordem, consoante estatui o artigo 124, parágrafo único, do CTN.
O estudioso também destaca que a solidariedade se estende tanto à obrigação principal quanto aos deveres instrumentais. Ainda, observa que a solidariedade produz diversos efeitos, como o pagamento feito por um dos coobrigados aproveita aos demais, a isenção ou a remissão exonera todos os obrigados, exceto se outorgada pessoalmente a um deles, a interrupção da prescrição em favor de um destes ou contra os mesmos favorece ou prejudica os demais (artigo 125 do CTN), a decisão administrativa definitiva e a coisa julgada no processo tributário aproveitam a todos coobrigados, mesmo que proferida apenas em favor de um desses[24].
Por outro lado, Luciano Amaro não entende ser caso de responsabilidade subsidiária ou solidária, eis que defende ser apenas uma situação em que o terceiro responde, pessoalmente, já que não compartilha essa responsabilidade com o devedor “original” ou “natural”[25]. Nessa posição também se encontram Renato Lopes Becho e Regina Helena Costa[26].
De qualquer forma, o que se tem nos casos elencados nos artigos em comento é a situação do contribuinte que é vítima de atos abusivos, ilegais ou não autorizados, cometidos por seu representante, de modo que, a princípio, ele, como sujeito passivo direto, é afastado da relação obrigacional.
Da leitura dos incisos do artigo 135 do CTN, tem-se que podem ser responsabilizados de forma pessoal e exclusiva as seguintes pessoas:
– Inciso I) AQUELAS PREVISTAS NO ART. 134 DO CTN: como visto, a princípio, a responsabilidade é do tipo subsidiária, com observância do benefício de ordem. Todavia, a situação se transforma em caso de prática de ato ilício, ou seja, quando o responsável age com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto, pois sua responsabilidade se torna pessoal;
Pode ocorrer, contudo, que essa atuação, ainda que com excesso de poderes ou infração de norma legal, estatutária ou contratual, seja feita em benefício dos contribuintes discriminados no artigo 134 do CTN. Daí, segundo Eduardo de Moraes Sabbag[27], discute-se a possibilidade de haver uma responsabilidade solidária. Ou, em caso de mera culpa, aplica-se o artigo 134 do CTN, numa espécie de “solidariedade com benefício de ordem”;
– Inciso II) MANDATÁRIOS, PREPOSTOS E EMPREGADOS: é comum quando tenham praticado diretamente o ato ilícito ou tolerado sua prática, com poderes para influir para sua não ocorrência. Deve haver prova do elemento anímico ou fraudulento.
– Inciso III) DIRETORES, GERENTES OU REPRESENTANTES DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO: o redirecionamento apenas deve afetar o sócio que é diretor ou gerente da sociedade. A princípio, a desconsideração não pode atingir o simples sócio. De outra parte, o gerente ou diretor da pessoa jurídica pode ser responsabilizado mesmo sem ser sócio.
As pessoas elencadas no artigo 135 do CTN têm o oneroso ônus de uma abrangente responsabilização, que inclui tributos, juros e todas multas devidas (não somente as moratórias)[28].
Destaque-se que o requisito básico para essa responsabilização é que o terceiro pratique ato para o qual não detinha poderes (excesso de poderes) ou ato que infrinja a lei, o contrato social ou o estatuto de uma sociedade (infração destes). Por outro lado, não havendo esse ato irregular, não se aplica o disposto no artigo 135 do CTN, mas pode se enquadrar em algumas das hipóteses delineadas no artigo 134 do CTN, para o qual basta a participação (por ação ou omissão) do terceiros para responsabilizá-lo subsidiariamente[29].
Ainda, é relevante frisar que, para haver sua responsabilização, é imprescindível que o ato cometido por esse terceiro seja totalmente dissonante das atribuições de gestão ou administração, de maneira que o representado ou administrado e o Fisco sejam vítimas dessa ilicitude.
É de bom alvitre frisar outro requisito extremamente relevante para as hipóteses delineadas no artigo 135, inciso III, do CTN, qual seja, a contemporaneidade do fato gerador do tributo à gestão do responsável, ou seja, o entendimento jurisprudencial predominante na atualidade é no sentido de serem responsabilizados tão-somente os sócios responsáveis detentores de poderes de administração à época em que o fato gerador ocorreu.
Por fim, há outra situação que enseja a responsabilidade pessoal mas não consta do artigo 135 do CTN. É a responsabilidade do funcionário público emissor de certidão negativa fraudulenta, prevista no artigo 208 do CTN, que age com dolo ou fraude. Caso assim haja, poderá sofrer tripla punição, nas esferas penal (crimes de prevaricação ou de corrupção passiva), fiscal e administrativa. Se incorrer em simples culpa, não cabe a responsabilidade pelo crédito tributário, mas poderá haver responsabilidade criminal ou disciplinar.
Do caput do artigo 135 do CTN se deflui serem elementos cruciais da responsabilidade de terceiros:
3.2.1. Do excesso de poderes:
Age em excesso de poderes o terceiro que atua por conta própria, mas além dos poderes que lhe foram outorgados pela lei, contrato ou estatuto. Trata-se, portanto, de uma ausência de poder, sem implicar afronta de disposição expressa do contrato ou estatuto. É um comportamento comissivo (ação), diferentemente daqueles previstos no artigo 134 do CTN.
Logo, para provar a atuação excessiva do sócio será necessária avaliação do contrato, estatuto ou lei e sua comprovação, posto que nem sempre pode ser percebida pela simples leitura do artigo ou dispositivo.
Nessas situações, o excesso de poderes do sócio-gerente restará caracterizado, por exemplo, quando participar de deliberação ou aprovar ato societário do qual estava limitado pelo contrato ou estatuto ou mesmo seja conduta ilícita.
3.2.2. Da infração à lei, contrato social ou estatuto:
Nesses casos, o termo lei deve ser tomado em sentido amplo, como todo e qualquer enunciado prescritivo relacionado ao funcionamento e desenvolvimento das atividades da pessoa jurídica.
É imprescindível que sejam cabalmente comprovados o dolo ou a fraude do terceiro. Trata-se de infração subjetiva e, como tal, dolo não se presume.
Até o ano de 2000, a posição jurisprudencial dominante era a de que o mero inadimplemento já configurava infração à lei.
Entretanto, a orientação doutrinária e pretoriana mudou há pouco tempo, conforme se constata da Súmula n.º 430 da Primeira Seção do STJ, a saber:
“Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”
Portanto, a ofensa à lei que pode ensejar a responsabilidade do sócio nos termos do artigo 135, inciso III, do CTN, é a que tenha relação direta com a obrigação tributária objeto da execução.
Como exemplos de infração à lei, pode-se citar os seguintes casos, colhidos da doutrina[30]e em pesquisas de alguns precedentes dos Tribunais Regionais Federais e do STJ: empregador que desconta o imposto de renda retido na fonte ou contribuições previdenciárias e não os recolhe ao Fisco (AGRESP 200601997654, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 02/06/2008 ..DTPB); a conduta praticada pelos sócios-gerentes que retiveram contribuições previdenciária dos salários dos empregados da empresa executada (art. 20 da Lei n.º 8.212/91), mas não as repassaram ao INSS (RESP 200702150466, JOSÉ DELGADO, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/03/2008 ..DTPB); transporte de notas fiscais falsificadas (AC 00155159520014039999, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/04/2010 PÁGINA: 509 ..FONTE_REPUBLICACAO:.); a emissão de nota fiscal subfaturada ou notas falsas ou popularmente ditas como “frias”; a ocultação ou alienação de bens e direitos da pessoa jurídica, com o fim de obstar ou dificultar a cobrança do crédito tributário; o contrabando e o descaminho; o aproveitamento de crédito fiscal indevido, entre outros.
Frise-se, por oportuno, que os atos elencados no artigo 135 não são ilícitos necessariamente, mas sim decorrem da extrapolação de limites legais, estatutários ou contratuais, eis que decorrentes da ausência de legitimação ou competência específica para prática dessas atitudes. Isso porque, caso haja ilicitude, a responsabilidade será pessoal, nos termos da responsabilidade por infrações, disciplinada nos artigos 136 a 138 do CTN, que, em verdade, ao se tratar de outra impropriedade terminológica do CTN, enseja a multa devida por aquele que cometeu a infração, na condição de “contribuinte”.
De qualquer forma, a responsabilização prevista no artigo 135 do CTN é excepcional, e, assim, para configurá-la, o exequente ou credor devem comprovar o ato que implicou excesso de poderes ou violação da lei, estatuto ou contrato social. É preciso provar os elementos que permitem o redirecionamento, no entendimento dos Tribunais Superiores (para tanto, citem-se alguns interessantes julgados: AGRESP 200400067603, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ – TERCEIRA TURMA, 17/02/2011 e RESP 200700452625, NANCY ANDRIGHI, STJ – TERCEIRA TURMA, 03/08/2010).
Afinal, para se desvendar se houve ou não ilicitude das pessoas elencadas no dispositivo exige-se o exercício irrestrito do contraditório e da ampla defesa, ou seja, a observância do devido processo legal[31].
Nada obstante, a jurisprudência atual do STJ[32] aborda duas situações diversas que, de certa maneira, relativizam essa excepcionalidade, quais sejam:
1) quando a execução fiscal é ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, é requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente: o litisconsórcio entre os envolvidos é do tipo ulterior ou superveniente. Nesse caso, o Fisco tem o ônus da prova da ocorrência de alguns dos requisitos do artigo 135 do CTN; ou
2) se o nome do sócio-gerente já figurar na Certidão de Dívida Ativa (CDA): como corresponsável tributário, cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do artigo 135 do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza[33]. Afinal, desde a fase administrativa já constam quem são os responsáveis. Na composição subjetiva da execução fiscal, podem ser mencionados o contribuinte e o terceiro responsável, como um litisconsórcio do tipo inicial.
Na mesma linha, são os seguintes precedentes do STJ: AGARESP 201200909949, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:18/12/2012 ..DTPB; AGRESP 201001025815, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:22/02/2011 ..DTPB; AGRESP 200900581812, CASTRO MEIRA, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB; RESP 201000321007, ELIANA CALMON, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:14/12/2010 RDDT VOL.:00186 PG:00167 ..DTPB: E o mesmo se dá com os Tribunais Regionais Federais: AC 199838000204436, JUIZ FEDERAL ITELMAR RAYDAN EVANGELISTA, TRF1 – 6ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:26/06/2013 PAGINA:367; AC 200351015008306, Desembargadora Federal GERALDINE PINTO VITAL DE CASTRO, TRF2 – TERCEIRA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data::18/04/2013; AI 00295486520114030000, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 – QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/07/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; APELREEX 200771990067610, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 – PRIMEIRA TURMA, D.E. 18/12/2012; AG 00038408520134050000, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::04/07/2013 – Página::213.
Para finalizar esse item, em harmonia com esse entendimento exposto, o STJ também consignou em recurso especial representativo de controvérsia (RESP 200802743578) a orientação de que, caso o sócio cujo nome conste da CDA e, assim, esteja incluído no polo passivo da lide executiva, queira impugnar essas ocorrências, deve fazer o manejo dos embargos à execução, na forma prevista na Lei de Execuções Fiscais, por ser o meio adequado para o exercício da ampla defesa e do contraditório e prever dilação probatória. A Corte da Cidadania tem a orientação de que a objeção de pré-executividade não se mostra em instrumento inadequado para tanto, eis que só cabe em situações muito excepcionais, em matérias cognoscíveis, inclusive, de ofício pelo magistrado (vide RESP 200900162098, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:04/05/2009 RSSTJ VOL.:00036 PG:00425 ..DTPB; (AGARESP 201201831362, BENEDITO GONÇALVES, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:07/12/2012 ..DTPB; AGRESP 201103046052, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:01/08/2012 ..DTPB).
3.2.3. Da dissolução irregular:
A dissolução irregular já é há muito tempo fundamento usado para as Procuradorias das Fazendas buscarem a ruptura do manto da personalidade jurídica, quando usada de forma maliciosa para esconder fraudes, e, assim, excepcionalmente, justificar a invasão da esfera patrimonial dos sócios.
Embora prevista como outra hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, em verdade a dissolução irregular, ou seja, a extinção da pessoa jurídica sem deixar patrimônio suficiente para quitar as dívidas societárias e sem baixa perante os órgãos oficiais, configura verdadeira infração à lei, posto que configura nítida hipótese de violação de leis tributárias e não tributárias.
De outra parte, ainda que assim não se entendesse, a dissolução irregular enseja a responsabilização das pessoas elencadas no CTN em decorrência dos princípios e valores que já norteiam o Estado Brasileiro, como o princípio da justiça e a vedação do locupletamento ilícito, numa ponderação de valores a favor da racionalidade.
A Portaria PGFN n.º 180, de 25 de fevereiro de 2010[34] insere a dissolução irregular como motivo infralegal para o redirecionamento, verbis:
“Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: (Redação dada pela Portaria PGFN nº 904, de 3 de agosto de 2010)
I – excesso de poderes;
II – infração à lei;
III – infração ao contrato social ou estatuto;
IV – dissolução irregular da pessoa jurídica.
Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.”
Logo, quando a empresa deixa de funcionar sem prestar qualquer informação aos órgãos adequados, presume-se a dissolução irregular.
Esse entendimento era adotado pelo STJ (vide VAGRESP 201202156167, MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/05/2013 ..DTPB; AERESP 201202354810, BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:21/03/2013 ..DTPB;) e consta hoje da Sumula n.º 435, verbis:
“Súmula n. 435 (STJ): Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
Na mesma linha são: AC 200650010095832, Desembargador Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data: 24/05/2013; AI 00066101320104030000, JUIZ CONVOCADO HERBERT DE BRUYN, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AI 00016198620134030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AG 00062063420124050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 – Terceira Turma, DJE – Data::11/12/2012 – Página::329.
Destarte, a previsão de redirecionamento em caso de extinção irregular da empresa, ainda que continue não inserida formalmente no CTN, está sumulada pelo STJ e é pacífica na doutrina, não havendo dúvidas sobre sua possibilidade nos dias atuais.
Conclusão.
Do exposto, é possível se concluir que a doutrina e a orientação jurisprudencial em matéria de responsabilidade tributária de terceiros atuam com bastante cautela em face dos ditames constitucionais e legais e são de grande valia, já que se destinam a suprir as deficiências terminológicas ou as omissões legais, além de buscam sopesar princípios e valores aparentemente contraditórios.
Aliás, o entendimento sobre o tema que se tem na atualidade é o de que não basta uma análise fria e objetiva dos artigos 134 e 135 do CTN, eis que deve haver um estudo casuístico, para verificar se a dificuldade e a rigorosidade de comprovação de excesso de poderes e infração à lei não servem, em verdade, para salvaguardar interesses obscuros de gestores, os quais se valem ilicitamente do ordenamento jurídico, com suas falhas e lacunas, e da “blindagem” da pessoa jurídica, para prejudicar o alcance dos credores ao seu patrimônio e incorrer em fraude à lei.
De outra parte, é certo também que os princípios superiores que norteiam um Estado Democrático de Direito não podem coadunar com exageros e ilegalidades na procura desenfreada de bens, particularmente dos patrimônios dos sócios, sob pena de violação de conceitos básicos no direito societário e de se gerar um receio abusivo e infundado.
Logo, é necessário que haja sim limites para ambas atuações (seja mais permissiva seja mais rígida) e se faça uma devida ponderação de valores e princípios, no caso concreto, o que exige do Administrador e do Juiz muita cautela e razoabilidade.
CORREIA, Thales de Melo Brito, Responsabilização dos sócios da pessoa jurídica e quais os meios de defesa cabíveis em caso de propositura de execução fiscal. FISCOsoft, Salvador-BA, 28 de janeiro de 2011. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/a/57tr/responsabilizacao-dos-socios-da-pessoa-juridica-e-quais-os-meios-de-defesa-cabiveis-em-caso-de-propositura-de-execucao-fiscal-thales-de-melo-brito-correia. Acesso em: 08 de setembro de 2011;
DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 7ª edição. São Paulo: Dialética, 2009;
Informações Sobre o Autor
Graziele Mariete Buzanello
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 2006. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp Rede LFG 2010. Procuradora Federal