Resumo: Este artigo visa analisar a relação entre dois direitos de grande importância e ambos tutelados constitucionalmente, direito à informação e direito ao sigilo, na relação do particular com o Estado Fisco. Nesse sentido, serão objeto de estudo a exigência de certidão de regularidade fiscal, a veiculação de restrições cadastrais em registros como CADIN, SPC e SERASA, bem como o atual e polêmico tema do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida ativa.
Palavras-chave: informação. sigilo. protesto. extrajudicial. CDA.
Abstract: This article aims to analyze the relationship between two very important rights and both constitutionally protected, right to information and right to confidentiality, in particular the relationship with the State Treasury. Accordingly, an object of study will be the requirement of a certificate of tax compliance, the placement of restrictions on cadastral records as CADIN, SPC and SERASA as well as the current and controversial issue of extra-judicial protest Certificate of Debt active.
Keywords: information. secrecy. protest. court. CDA.
Sumário: Introdução. 1. Noções gerais – direitos à informação e intimidade em sistemas de cadastro de créditos. 2. Do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa da União – previsão legal e entendimento jurisprudencial. Conclusão. Referências.
Introdução.
Este artigo visa analisar a relação entre dois direitos de grande importância e ambos tutelados constitucionalmente, direito à informação e direito ao sigilo, na relação do particular com o Estado Fisco. Nesse sentido, serão estudados a exigência de certidão de regularidade fiscal, a veiculação de restrições cadastrais em registros como CADIN, SPC e SERASA, bem como o atual e polêmico tema do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida ativa.
Particularmente quanto ao protesto extrajudicial de títulos de Certidões de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, por falta de pagamento do crédito exequendo, será demonstrada a legalidade e constitucionalidade do instituto, eis que, além de contribuir consideravelmente para dinamizar e otimizar a cobrança de créditos públicos, está de acordo com o interesse público, posto que evita a propositura de execuções de valores antieconômicos, de modo a piorar, ainda mais, o volume de trabalho e a morosidade do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
1. Noções gerais – direitos à informação e intimidade em sistemas de cadastro de créditos
Antes de se abordar o tema central ao qual se propõe a presente atividade, que é o protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa (CDA) da União, faz-se importante tecer algumas observações centrais sobre os direitos e princípios envolvidos, bem como sua harmonia ou não com os textos legal e constitucional.
Nesse contexto, dois direitos diretamente vinculados ao tema central proposto são a informação e o sigilo.
O direito à informação é a regra em nosso sistema jurídico; a exceção é o sigilo, cabível apenas quando voltado à proteção de direitos de intimidade (na órbita privada) e de elevado interesse público ou de proteção da soberania estatal (no ramo público).
Na Constituição Federal de 1988 (CF/88), o direito à informação está previsto de forma geral no artigo 5◦, inciso XIV, mas também é mencionado pelos incisos XXXIII, XXXIV, alínea “a”, e LXXII desse inciso[1]. Dois mecanismos que o particular dispõe para a tutela de informações a seu respeito à disposição do Estado são o manejo do Habeas Data e o exercício do direito de petição. Em sede infraconstitucional, esse direito é disciplinado em diversas leis, como a Lei n.◦ 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecido como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) (artigo 43, que trata do caráter público das entidades de proteção ao crédito e congêneres[2]), a Lei Complementar n.◦ 105, de 10 de janeiro de 2001 (que trata do sigilo das operações financeiras), a Lei Complementar n.◦ 104, de 10 de janeiro de 2001 (que versa sobre o sigilo fiscal), a Lei do Habeas Data, que é a Lei n.◦ 9.507, de 12 de novembro de 1997, a Lei n.◦ 9.492, de 10 de setembro de 1997 (que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e documentos de dívida ativa inclusive a Certidão de Dívida Ativa (CDA), e, mais recentemente, a Lei n.◦ 12.527, de 18 de novembro de 2011, editada com o fim de permitir à população em geral acesso a informações de cunho público e particular.
Por outro lado, o sigilo também é alvo de proteção, com o dever da Administração Pública e dos demais particulares de respeitarem a intimidade e a privacidade de alguém, o que está tutelado pela Carta Magna[3].
Um tema diretamente atrelado à informação e ao sigilo, já em matéria de cobrança de créditos, é a conjugação dos mesmos com outros valores e princípios de elevada relevância para a Nação, alguns, inclusive, fundamentos da própria República Federativa do Brasil, como o trabalho, a livre iniciativa e a ampla concorrência[4].
No âmbito tributário, aludidos princípios e direitos ganham uma conotação muito polêmica, posto que, de um lado, tem-se o direito e interesse do credor que busca a satisfação de seu crédito e, por outro, há um devedor que também tem o direito de continuar a exercer seu labor e de ter preservada sua intimidade. A questão se torna mais complexa quando envolve como credor o Estado Administração Pública.
A exemplificar, tem-se a exigência da prova de quitação de tributos ou de regularidade fiscal. Nesse prisma, o jurista Célio Rodrigues da Cruz[5] defende que os limites constitucionais que condicionam tal exigência são os direitos fundamentais, que, como cláusulas pétreas de nosso sistema pátrio, não podem ser subjugados por tal exigência. Contudo, tal previsão não é taxativa, eis que devem ser sopesadas com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, como ensina o professor.
Os objetivos principais da aludida prova de quitação de tributos ou de regularidade fiscal são dois basicamente, quais sejam, atribuir preferências e garantias ao crédito tributário e preservar o interesse público, em sentido amplo ou qualquer outro interesse público. Nesse diapasão, a exigência de comprovação de quitação de tributos ou de regularidade fiscal pode servir como mecanismo de tutela do patrimônio público nas previsões contidas nos artigos 27 e 29 da Lei de Licitações, a Lei n.◦ 8.666, de 21 de junho de 1993, os quais exigem a prova de regularidade fiscal com a Fazenda Pública Federal como requisito de habilitação nas licitações.
Ainda no campo fiscal, a Fazenda Pública pode divulgar informações sobre inscrição em dívida ativa, eis que há expressa previsão legal nesse sentido no Código Tributário Nacional (CTN), precisamente no artigo 198, parágrafo 3◦, inciso II[6]. A respeito, o artigo 46 da Lei n.◦ 11.457/2007 prevê a possibilidade de a Fazenda Pública celebrar convênios para divulgar tais informações. Na mesma linha, o artigo 37-C da Lei n.◦ 10.522, de 19 de julho de 2002, trata dessa divulgação, mas em relação a dívidas de cunho não-tributário, para as Autarquias e Fundações Públicas Federais, no caso, a cargo da Advocacia-Geral da União (AGU).
Veja-se que aludida divulgação, quando o débito já está definitivamente constituído e inscrito em Dívida Ativa, não implica qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, mesmo porque a presunção de certeza e liquidez que o crédito então goza já lhe faz hábil a ser objeto de uma execução fiscal, regida pela Lei n.◦ 6.830, de 22 de setembro de 1980[7], quando então qualquer simples pesquisa nos sistemas de distribuição das Justiças Federal e Estadual já identificará a presença de ações em face do autuado ou contribuinte.
Com efeito, o registro de inadimplência de crédito da Fazenda Pública em banco de dados de proteção ao crédito é um meio legítimo. Aliás, quando o débito federal é definitivamente constituído e inscrito em Dívida Ativa, ele passa a constar de um Cadastro Federal de Inadimplentes, que é o CADIN, cadastro este de domínio público. Já em relação ao SPC e ao SERASA, trata-se de cadastros privados, com os quais o ente público não possui qualquer relação direta, tanto é que eventuais ordens judiciais para exclusão ou suspensão de certo devedor do CADIN são limitadas a esse cadastro, posto que, quanto aos demais, nada pode fazer o sujeito ativo.
Na orientação pretoriana, vêm prevalecendo o entendimento segundo o qual a inserção do nome do devedor em banco de dados de proteção ao crédito, tais como SPC e SERASA, não viola a Constituição brasileira, e que a consulta a esses órgãos que armazenam dados sobre inadimplência é ato meramente informativo, de responsabilidade exclusiva das pessoas que buscam essas informações[8]. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[9].
Como já anotado e bem salientado no texto do professor Célio Rodrigues da Cruz[10], a legitimidade ou não da inclusão de débitos em bancos de dados de proteção ao crédito passa pela interpretação sistemática e teleológica dos direitos fundamentais que a Constituição assegura a todos os brasileiros: de um lado, o direito à informação e, de outro lado, o direito à intimidade e à privacidade. A interpretação desses princípios constitucionais deve ser feita em consonância com os fundamentos da República, sobretudo no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, à cidadania, à proteção ao consumidor e à livre iniciativa, mas tudo isso com o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária.
2. Do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa da União – previsão legal e entendimento jurisprudencial
O protesto extrajudicial é uma medida adotada recentemente pela Administração Pública, com arrimo expresso no parágrafo único do artigo 1◦ da Lei n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012, que alterou a Lei n.◦ 9.492, de 10 de setembro de 1997, que, entre outras providências, define a competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências.[11].
Todavia, a matéria ainda é alvo de controvérsias.
Com efeito, a corrente contrária sustenta a prescindibilidade deste meio, eis que a CDA já desfruta dos atributos da certeza e da liquidez e a via ordinária de sua execução se dá pela LEF. Assim, estar-se-á usando dois mecanismos quando um só já é suficiente. Também se fala em violação do princípio da legalidade estrita e desvio de finalidade, porque a Administração Pública estaria constrangendo o particular, com mais um procedimento para coagir o pagamento.
Nada obstante, esse estudo defende que não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no instituto.
Isso porque, além da referida expressa previsão legal, é imperioso ressaltar que a Fazenda Pública pode usar o protesto de seus créditos inscritos em dívida porque, embora a CDA goze dos atributos de certeza e liquidez, os quais só podem ser refutados mediante prova em contrário (presunção relativa), o protesto traz maior eficácia e eficiência na cobrança dos créditos públicos, bem como agilidade na obtenção de seu resultado primordial, que é o pagamento.
Além disso, o protesto confere à cobrança maior publicidade e, assim, maior impacto na saúde financeira e econômica da empresa, cuja condição necessariamente é considerada pelos agentes de mercado em suas relações, bem como permite a cobrança mais célere, ágil e eficiente de créditos de pequenos valores. Frise-se que, na atualidade, não é rara uma decisão judicial que julga extinta a execução fiscal por “valor ínfimo”, ou mesmo, hodiernamente, o STJ está condicionando o procedimento de cobranças pagas indevidamente ao ajuizamento de ação ordinária e julgando extintos executivos fiscais propostos com esse fim.
Acerca da economicidade trazida com o protesto, mister se faz citar o seguinte trecho de autoria da Procuradora Federal Renata Espíndola Virgílio[12]:
“Assim, a medida serve como mais uma atuação sobre a pessoa do devedor, na tentativa de se chegar a um consenso com este, em especial nos casos de dívidas não muito altas, que ensejariam execuções fiscais antieconômicas, prestigiando o princípio da economia processual, pois a propositura de demandas judiciais desse tipo muitas vezes tem um custo maior que o próprio débito original e, em vista do devido processo legal, devem ser processadas pelo Judiciário, o que contribui, ainda mais, para o inchaço de sua estrutura.
Nesse esteio, com fulcro em parte da Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 5.080, de 2009, conhecido como a Nova Lei de Execuções Fiscais, a qual ressalta que pela alta dose de formalidade de que se reveste o atual processo judicial de execução, este se apresenta como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência, uma vez que para cada R$ 1.000,00 (um mil reais) cobrados por essa sistemática, apenas R$ 10,00 (dez reais) são efetivamente arrecadados, segundo levantamento feito no âmbito das autarquias e fundações públicas, demonstrando-se, assim, que esse modelo executivo tradicional é avesso aos princípios da eficiência e da economia processual.
Resta claro, pois, que a CDA não serve exclusivamente para aparelhar a execução fiscal, que, por sua vez, não é o único meio de a Fazenda Pública arrecadar seus créditos. A CDA é, sim, um título executivo que formaliza um crédito e, como tal, passível de ser protestado quando esta forma se mostrar mais eficiente que o ajuizamento de um processo executivo moroso e antieconômico.
Ressalte-se, ainda, que a execução deve ser útil ao credor, como princípio informador desse processo, o que se depreende em diversos dispositivos do CPC, como o art. 659, § 2º [06], e art. 692 [07]. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, "é intolerável o uso do processo de execução apenas para causar prejuízo ao devedor, sem qualquer vantagem para o credor" [08].
Nesse sentido, o protesto das CDAs em diversos casos é muito mais viável e útil à credora Fazenda Pública, assim como ao próprio Poder Judiciário, do que o ajuizamento de diversas execuções fiscais de baixo valor, com grandes chances de serem infrutíferas.
Outrossim, não se pode olvidar que na execução o princípio do menor sacrifício possível do executado, nos termos do art. 620, do CPC [09], ou seja, deve existir um equilíbrio entre os interesses do credor e do devedor, satisfazendo-se o direito do primeiro da forma menos prejudicial para o segundo, sendo, assim, "econômica".
Desta feita, diante da existência do encargo legal, exação criada pelo Decreto-lei nº 1.025, de 1969, correspondente a um acréscimo [10] de 10% (dez por cento) – quando o pagamento for efetuado antes do ajuizamento da execução fiscal pertinente – ou de 20% (vinte por cento) – quando a quitação ocorrer após a propositura da ação – sobre o valor consolidado do débito inscrito em Dívida Ativa, bem como alterações na Lei nº 10.522/2002 pela Lei nº 11.941/2009 [11], é visível que o pagamento feito pelo devedor após o protesto da CDA, ocasião em que se cobra 10% de encargo legal, é muito menos oneroso ao devedor do que o valor que seria cobrado após o ajuizamento da execução fiscal, que viria acrescido de20% de encargo legal.” (com destaques no original)
Cumpre ressaltar ainda que, previamente ao protesto extrajudicial da CDA, há obrigatoriamente um regular procedimento administrativo de constituição do débito, regulado pela Constituição e por leis. Ou seja, o contribuinte/autuado teve plena oportunidade de se manifestar, de ser ouvido, de ouvir, etc durante a fase administrativa; ainda, teve chances de quitar o débito ou mesmo de garanti-lo antes do protesto, quando cientificado do resultado final do procedimento administrativo e da inscrição em dívida. Logo, o protesto extrajudicial de créditos da Fazenda Pública não é uma surpresa para o sujeito passivo da obrigação; antes, é apenas a adoção de medidas mais legítimas e concretas para a satisfação do erário público.
De fato, uma grande vantagem do protesto é mesmo a concretização de um princípio tão caro à Administração Pública, que é a eficiência, princípio previsto no artigo 37 da Lei Magna[13], ou seja, em tempo bem mais curto e menos oneroso o ente público obtém um resultado muito mais útil do que anos de um executivo fiscal que tramitará durante anos e com remotíssimas chances de êxito, além de implicar grande movimentação morosa e quase inútil de recursos financeiros e pessoais de dois poderes do País (o Executivo, por meio da Advocacia-Geral da União, e o Judiciário).
Para finalizar, o protesto extrajudicial visa priorizar o interesse público sobre o privado e ser uma medida voltada para o bem de toda população, eis que a arrecadação visa arrecadar meios para as políticas públicas e também servir como mecanismo pedagógico de infratores.
A respeito, veja-se a lição trazida pelo Procurador Federal Felipe Regis de Andrade Caminha[14], que explicita diversos pontos positivos do uso desse mecanismo:
“(…) A utilização do protesto, contudo, antes do ajuizamento da execução fiscal, como visto acima (nota 9), mostra-se capaz de aumentar bastante a recuperação dos créditos públicos. Trata-se o protesto, dessa maneira, de mecanismo extremamente eficaz e célere, cuja implementação será extremamente benéfica à Fazenda Pública, interessada em arrecadar seus créditos.
Por outro lado, também será essa providência bastante favorável ao Poder Judiciário, pois terá como reflexo direto e imediato uma queda vertiginosa na quantidade de execuções fiscais ajuizadas perante esse Poder, e que necessariamente tem de ser nele processadas.
Ora, sendo a atividade administrativa, especialmente no que se refere à cobrança de seus créditos, uma atividade plenamente vinculada, não se pode supor que o Administrador possa abster-se de cobrar um determinado débito[11]. Assim, caso a obrigação de pagar reste descumprida pelo particular, necessariamente a Fazenda Pública inscreverá o crédito em dívida ativa, e, uma vez expedida a CDA, manejará o executivo fiscal, não sendo possível presumir qualquer outra conduta por parte do ente público.
Contudo, caso seja a referida CDA levada a protesto, antes do ajuizamento da execução fiscal, e levando em consideração o alto índice de pagamento espontâneo nesses casos, tornar-se-á em muitas situações totalmente desnecessária a propositura de demandas executivas perante o Judiciário. Ainda mais quando se observa que em muitas hipóteses cuida-se de demanda de baixo valor[12] e com alto risco de ser infrutífero seu resultado.
Evita-se, dessa maneira, para a Fazenda Pública e para o Judiciário, não só os gastos decorrentes da criação e movimentação de um processo, como também o natural repasse desses prejuízos para a sociedade, que certamente termina arcando em última análise com gastos totalmente desnecessários.
É imprescindível levar em conta o princípio da utilidade da execução para o credor, que preceitua que essa ação não pode ser aviada em prejuízo ao devedor, sem qualquer proveito para o credor. Porém, o que se verifica é o descumprimento cotidiano desse princípio nos tribunais brasileiros, na medida em que se ajuíza um volume imenso de execuções fiscais, com um reduzido percentual de satisfação desses créditos.
Não se pode deixar de mencionar também o desgaste sofrido pelo próprio devedor, que terá de submeter-se a uma demanda judicial, o que poderá gerar problemas financeiros e psicológicos.
O pagamento espontâneo pelo devedor, como decorrência do protesto, além de afinar-se, com as devidas adaptações, ao princípio da menor onerosidade da execução[13], também permite a redução na cobrança do encargo legal.
Tal se explica porque essa exação, criada pelo Decreto-Lei nº 1.025, de 1969, gera um acréscimo no valor cobrado de 20% (vinte por cento), caso o pagamento do débito ocorra após o ajuizamento da execução fiscal, sendo que esse quantum é minorado para 10% (dez por cento), quando essa quitação realiza-se antes do manejo da demanda executiva.
Permitir o protesto de CDA significa, outrossim, abrir mais uma oportunidade para que o devedor, tomando outra vez conhecimento de seu débito, proceda ao pagamento espontâneo da dívida. Ou seja, é oferecida mais uma ocasião para a autocomposição das partes interessadas, impedindo o desnecessário abarrotamento do Judiciário com processos que poderiam ser resolvidos extrajudicialmente.
Destarte, essa permissão do protesto da CDA pela Fazenda Pública, com a decorrente satisfação do crédito por iniciativa do devedor, põe termo a conflito que certamente seria submetido ao Judiciário, tudo isso em favor dos princípios da celeridade e efetividade.”
A corroborar o acima exposto, Márcio Andre Lopes Cavalcante[15] também discorre sobre os posicionamentos do CNJ, de leis estaduais e da Procuradoria-Geral Federal, incumbida da defesa de Autarquias e Fundações Públicas Federais, a saber:
“Conselho Nacional de Justiça
O CNJ, reconhecendo as vantagens do protesto, recomendou aos tribunais estaduais a edição de ato normativo para regulamentar a possibilidade de protesto de CDA (102ª sessão plenária do CNJ realizada em 06.04.2010).
Leis estaduais
Diversos Estados aprovaram leis permitindo expressamente o protesto de certidões de dívida ativa. Como exemplos, cito Lei Estadual nº 13.160/08 (São Paulo) e a Lei Estadual n.° 9.876/2012 (Espírito Santo).
Procuradoria-Geral Federal
Em agosto de 2010, a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão da Advocacia-Geral da União que representa judicial e extrajudicialmente autarquias e fundações públicas federais, celebrou convênio com o Instituto de Estudos de Títulos e Protestos do Brasil (IEPTB), por meio do qual se permite que a PGF encaminhe a protesto as certidões de dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais sem o pagamento dos emolumentos prévios, que são cobrados apenas dos devedores.
Os resultados dessas experiências têm sido impressionantes com uma altíssima capacidade de recuperação de créditos em curto espaço de tempo e com um mínimo de custo.
O Procurador Federal Fábio Munhoz (MUNHOZ, 2012) informa que, reunindo todas as CDAs referentes a tributos de responsabilidade da PGFN, enviadas a protesto desde outubro de 2010 até junho de 2012, os números são os seguintes:
a) 8.174 CDAs enviadas a protesto;
b) 5.084 efetivamente protestadas;
c) 2.257 pagas, das quais 2.013 em três dias;
d) Em valores, R$ 20.078.663,56 enviados a protesto;
e) Recuperados R$ 7.086.201,32, ou seja, 37,89% dos valores;
f) R$ 6.484,065,99, o que equivale a 96,80% em três dias.
Lei n.° 12.767/2012
Foi publicada ontem a Lei n.° 12.767/2012 que alterou a Lei de Protesto (Lei n.° 9.492/97), permitindo expressamente o protesto de certidões da dívida ativa. Confira:
Art. 25. A Lei n.° 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1º ….
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.”
Desse modo, agora existe expressa previsão do protesto de CDA na Lei n.°9.492/97 de forma que se espera que, com a inovação legislativa, o STJ reveja seu entendimento e se sensibilize da necessidade e importância jurídica e social do protesto das certidões de dívida ativa, medida racional de recuperação de créditos e de desopilação do Poder Judiciário.
Portaria 17/2013 (atualização do post em 10/02/2013)
Diante da edição da Lei 12.767/2012, a Procuradoria Geral Federal disciplinou o protesto extrajudicial por falta de pagamento de certidões de dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais. Trata-se da Portaria 17/2013. Confira:
PORTARIA Nº 17, DE 11 DE JANEIRO DE 2013
Disciplina a utilização do protesto extrajudicial por falta de pagamento de Certidões de Dívida Ativa das autarquias e fundações públicas federais.
O PROCURADOR-GERAL FEDERAL, no uso da competência de que tratam os incisos I e VIII do § 2º do art. 11 da Lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002, considerando o disposto no processo administrativo nº 00407.004122/2009-49, bem como o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.492/97, acrescentado pela Lei nº 12.767/2012, resolve:
Art. 1º As Procuradorias Regionais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais e Escritórios de Representação poderão encaminhar para protesto extrajudicial por falta de pagamento, no domicílio do devedor, as certidões de dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais cujo valor consolidado seja inferior ou igual a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
§ 1º Para os fins do estabelecido no caput, as certidões de dívida ativa serão enviadas aos Tabelionatos de Protesto de Títulos juntamente com as respectivas guias de recolhimento da União – GRU, por meio eletrônico, até o décimo quinto dia de cada mês.
§ 2º Após a apuração da atualização mensal dos valores de cada crédito, caberá às Procuradorias Regionais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais e Escritórios de Representação encaminhar aos Tabelionatos novas CDAS e as GRUs discriminativas da alteração.
§ 3º Os títulos parcialmente quitados poderão ser levados a protesto pelo saldo.
§ 4° As certidões de dívida ativa que contenham no valor consolidado do crédito encargos legais no percentual de 20% (vinte por cento) serão levadas a protesto com redução do percentual para 10% (dez por cento), na forma do artigo 3° do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977.
Art. 2º O protesto somente será realizado junto aos Tabelionatos de Protesto de Títulos nos quais não seja necessário o pagamento antecipado, ou em qualquer outro momento, de despesas pela entidade protestante.
Art. 3º Havendo pagamento, os valores serão convertidos em renda das autarquias ou fundações públicas federais através das respectivas GRUs.
Art. 4° As certidões de dívida ativa permanecerão por 180 dias, contados da intimação do devedor, aguardando o correspondente pagamento.
Parágrafo único. Somente ocorrerá o cancelamento do protesto após o pagamento total da dívida ou o seu parcelamento, incluídas as custas e emolumentos cartorários.
Art. 5º Sendo inexitoso o protesto, as Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados, as Procuradorias Seccionais Federais e os Escritórios de Representação promoverão, quando for o caso, o ajuizamento das respectivas execuções fiscais.
Art. 6º A Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal expedirá as orientações necessárias ao cumprimento desta Portaria.
Art. 7º Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.
MARCELO DE SIQUEIRA FREITAS (Publicação: DOU Eletrônico, 18/01/2013).”
Entretanto, o assunto não é pacífico no entendimento doutrinário e jurisprudencial.
O STJ, antes do advento da Lei n.◦ 12.767/2012, posicionava-se no sentido da falta de interesse que justificasse o protesto, pois a CDA já tem a presunção relativa de certeza e liquidez e já serve como prova pré-constituída. Mesmo com a mudança legislativa, a Corte manteve esse posicionamento.
Todavia, em interessante e importante mudança de posicionamento, o STJ passou a admitir o protesto extrajudicial da CDA, consoante se depreende da notícia veiculada no sítio eletrônico do Tribunal em 05 de dezembro de 2013[16], senão vejamos:
“DECISÃO
Segunda Turma muda jurisprudência e admite protesto de CDA
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu o protesto de Certidão da Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial da Fazenda Pública utilizado para o ajuizamento de execução fiscal. A decisão, unânime, altera jurisprudência sobre o tema.
A possibilidade de protesto de CDA foi analisada no julgamento de recurso do município de Londrina, que questionava decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) no sentido de que seria vedado o protesto de títulos que não fossem cambiais.
Pacto Republicano
O ministro Herman Benjamin, relator do recurso, afirmou que a Lei 9.492/97 ampliou as espécies de documentos de dívida que poderiam ser levadas ao protesto, o que incluiu a CDA. Acrescentou que, após alteração sofrida com a edição da Lei 12.767/12, passaram a constar expressamente entre os títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
O ministro afirmou ainda que a permissão de protesto da CDA está de acordo com os objetivos do “II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, publicado em 2009.
Além disso, lembrou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) considerou legais atos normativos das corregedorias dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de Goiás que permitiram a inclusão da CDA entre os títulos passíveis de protesto.
Escolha da administração
Na disciplina jurídica em vigor, segundo Herman Benjamin, o protesto possui dupla natureza: além de tradicional meio de prova da inadimplência do devedor, constitui relevante instrumento de cobrança extrajudicial. Ele acrescentou que a Lei 6.830/80 apenas regulamenta a atividade judicial de recuperação dos créditos públicos, e não veda a adoção de mecanismos extrajudiciais para essa finalidade.
O ministro esclareceu que a CDA não pode ser comparada à constituição do crédito tributário, pois não surge por ação unilateral da administração. Ao contrário, a inscrição em dívida ativa, que justifica a emissão da CDA, pressupõe a participação do devedor, seja por meio de impugnação e recurso administrativo contra o lançamento de ofício, seja pela entrega de documento de confissão de dívida.
Quanto à opção política da administração pelo protesto como ferramenta de cobrança extrajudicial, Herman Benjamin afirmou que o Poder Judiciário deve se ater a verificar sua conformação ao ordenamento jurídico, pois não lhe cabe analisar o mérito da escolha.”
Destarte, verifica-se que o protesto extrajudicial da CDA ainda é um tema controvertido. Porém, a recente alteração de julgamento do STJ parece e, espera-se, reflita o entendimento a ser definitivamente consagrado na Corte, de modo a afastar futuros questionamentos sobre esse mecanismo e primar pela eficiência, celeridade e otimização na cobrança e arrecadação de crédito públicos.
Conclusão
Ante o exposto, conclui-se que o protesto extrajudicial de títulos de Certidões de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, por falta de pagamento do crédito exequendo é plenamente possível, legal e constitucional o protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA).
Com efeito, além de ser uma medida benéfica para a Administração Pública como um todo, já que contribui consideravelmente para dinamizar e otimizar a cobrança de créditos públicos, está de acordo com o interesse público, posto que evita a propositura de execuções de valores antieconômicos, de modo a piorar, ainda mais, o volume de trabalho e a morosidade do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
VIRGÍLIO, Renata Espíndola. Possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA) pela Fazenda Pública, por falta de pagamento do crédito exeqüendo . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2525, 31 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14946>. Acesso em: 16 dez. 20.
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/14990/protesto-de-certidoes-de-divida-ativa#ixzz2nbOS78FE
Informações Sobre o Autor
Graziele Mariete Buzanello
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 2006. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp Rede LFG 2010. Procuradora Federal