Direito a crédito do ICMS nas operações incentivadas

A Constituição Federal ao outorgar a competência tributária aos Estados para instituir o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação prescreveu a modalidade de imposto não cumulativo, assegurando o direito de crédito, compensando-se o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal (art, 155, II e § 2º, I da CF). Quanto à expressão “montante cobrado” doutrina e jurisprudência pacificaram o entendimento no sentido de imposto incidente em cada operação sendo irrelevante saber se houve ou não efetivo pagamento do tributo em cada caso.

Contudo, a Carta Magna estatuiu duas exceções no inciso II desse mesmo § 2º: hipótese de isenção e de não incidência que, a critério da legislação ordinária, não gerará direito a crédito para compensar com montante devido nas operações ou prestações seguintes, e acarretará a anulação de crédito relativo às operações anteriores.

Essa regra excepcional, exatamente, por configurar uma exceção, não pode ser interpretada de forma ampla, como vem fazendo os legisladores e parte da jurisprudência de nossos tribunais que vêm aplicando literalmente as disposições da Lei Complementar nº 24/75. É princípio assente que regras restritivas não podem ser interpretadas de forma ampliativa, sob pena de afronta à regra de ordem geral.

O art. 8º dessa Lei Complementar manda anular o crédito e exigir o imposto sempre que esse crédito decorrer de operações equiparadas à isenção, nos termos do parágrafo único do art. 2º da referida lei:

“O disposto nesse artigo também se aplica:

I – à redução da base de cálculo;

II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiro;

III – à concessão de crédito presumidos;

IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;

V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nessa data.”

Compreende-se que esse parágrafo único, ao equiparar as hipóteses aí catalogadas à concessão da isenção, teve por escopo evitar a concessão da isenção unilateral por determinado Estado, sem se submeter ao regime de Convênios celebrados e ratificados pelos Estados participantes. É certo, também, que esse regime de Convênios foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, como se depreende da legra g, do inciso XII, do § 2º, do art. 155.

Só que essa interpretação teleológica não é jurídica. Ao equiparar categorias jurídicas diversas pela identidade ou semelhança dos resultados que elas provocam violenta-se o texto constitucional que se refere tão somente à isenção ou à não incidência. Não há na norma constitucional qualquer referência às outras categorias assemelhadas. A não incidência mencionada na Constituição refere-se àquela legalmente qualificada, isto é, àquela que resulta da exclusão expressa do campo de incidência tributária, gerando o mesmo efeito que a isenção em termos de encargo tributário. Logo, se o legislador constituinte quisesse excepcionar da regra da não cumulatividade as categorias que surtem o mesmo efeito que a isenção, não precisaria ter feito menção à não incidência.

Positivamente, a Constituição Federal não deu margem de liberdade ao legislador complementar para alargar as hipóteses proibitivas do aproveitamento de crédito do imposto cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

O instrumento jurídico adequado para combater a transgressão do preceito constitucional concernente à inobservância pelo Estado do regime de Convênio com a intermediação do Confaz, para a concessão de isenção do ICMS, é a propositura de ADI pelo Estado que se julgar prejudicado. O contribuinte nenhuma infração comete ao apropriar-se do crédito resultante de operação incentivada pelo Estado, de conformidade com a legislação estadual que vincula o ente político que a editou.

Por isso, a jurisprudência do STF não admite a anulação do crédito do ICMS na hipótese de redução da base de cálculo, só não se admitindo “o lançamento do crédito nas hipóteses de isenção ou não-incidência” (Emb. Decl. no AgRg no RE nº 240395/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14-12-2002).

 No mesmo sentido a jurisprudência do STJ que entende que o parágrafo único, do art. 2º da Lei Complementar n. 24/75 não foi recepcionado pela Lei Complementar n. 87/96 que em seu art. 20 não faz restrição a crédito que não seja a hipótese de isenção ou de não incidência (§ 1º).

Na verdade, a lei de regência nacional do ICMS não regulamentou o disposto na letra g, do inciso XII, do §2º, do art. 155 da CF no pressuposto de que a Lei Complementar n. 24/75 foi recepcionada pela Carta Constitucional de 1988. Só que no nosso entender ela foi apenas parcialmente recepcionada.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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