O atual entendimento jurisprudencial do STJ acerca da dissolução irregular na desconsideração da personalidade jurídica tributária

Resumo: Na atualidade, ganha muita relevância o tema da responsabilidade jurídica tributária de terceiros, conforme disciplina constante dos artigos 134 e 135 do CT. O presente estudo abordará especificamente a hipótese extralegal e criação pretoriana da dissolução irregular, com estudo de suas condições do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça e, na medida do possível, dos Tribunais Regionais Federais.

Palavras-chave: desconsideração. personalidade. dissolução. irregular. CTN.

Abstract: Currently, gains much importance the subject of legal tax liability of third parties as constant discipline of Articles 134 and 135 of the CT. This study will specifically address the hypothesis and extralegal praetorian creation of irregular dissolution study with their current understanding of the conditions of the Superior Court and, to the extent possible, the Federal Regional Courts.

Keywords: disregard. personality. dissolution. irregular. CTN.

Sumário: Introdução. 1. Da responsabilidade tributária: noções gerais. 2. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN. 3. Do estudo específico – da desconsideração da personalidade jurídica em caso de dissolução irregular. 4. Da atuação fazendária em matéria de responsabilidade de terceiros. Conclusão. Referências.

Introdução

O tema da responsabilidade jurídica de terceiros em execução de créditos tributários é um assunto de interessante complexidade e que é muito abordado em sede doutrinária e nos Tribunais Superiores, tanto é que é objeto de diversas Súmulas nos âmbitos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

A matéria da responsabilidade tributária está disciplinada no Código Tributário Nacional (CTN), precisamente nos artigos 134 e 135. No que tange precisamente à dissolução irregular, embora possa se enquadrar na hipótese legal de infração à lei, não há tratamento específico seja no CTN, seja em outra legislação, de modo que as conclusões ora expostas são oriundas de construção jurisprudencial e doutrinária.

Nesse contexto, após uma análise geral do tema, o presente estudo tratará com maiores fundamentos da hipótese extralegal e criação pretoriana da dissolução irregular, com estudo de suas condições do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça e, na medida do possível, dos Tribunais Regionais Federais, no campo dos tributos federais.

1. Da responsabilidade tributária: noções gerais.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) instituiu, em oposição aos regimes então vigentes, um novo paradigma de Estado, o Estado Democrático de Direito, marcado crucialmente pela importância de um amplo rol de direitos (de primeira, segunda e terceira gerações) e pelo destaque que confere à participação popular na tomada de decisões políticas, na definição de políticas públicas e na conferência de legitimidade ao governante.

Nesse diapasão, sendo o Estado incumbido de tutelar mais direitos, o recurso mais fácil de que dispõe é a tributação. Porém, esse direito não é ilimitado ou arbitrário. Pelo contrário, esse dever-poder do Estado é cercado por diversas nuances e regras cogentes, tais como a observância de lei para várias definições da obrigação tributária e seus componentes, bem como o respeito a diversos direitos dos contribuintes, já que a tributação não pode ser confiscatória.

É nesse contexto que se situam as limitações ao poder de tributar, expressamente protegidas pelo texto constitucional, em seu artigo 150, como se dá com os princípios da legalidade, da anterioridade, da anterioridade nonagesimal, entre outros.

Tais limitações estabelecem 3 (três) ordens de sentido[1], a saber: 1) servem como limite ao poder de tributar do Estado, 2) atuam como conjunto de normas de limitação de competência e, por fim, 3) atuam como forma de realização do valor promoção e proteção dos direitos fundamentais.

Em linhas gerais, a obrigação tributária pressupõe um sujeito ativo, que é o Estado/Administração credor, titular do direito de exigir o cumprimento da obrigação, e, na outra posição, um sujeito passivo (elementos pessoais), que deve pagar um valor baseado em grandezas quantitativas, que são a base de cálculo e as alíquotas (critério quantitativo, que dá a definição da dívida tributária[2]), tão logo ocorrido o fato gerador do tributo ou da penalidade pecuniária, previsto em lei.

No que tange à sujeição passiva tributária, dispõe o artigo 121, parágrafo único, inciso I, do CTN, que o contribuinte é o sujeito passivo direto, ou seja, o sujeito passivo da obrigação principal “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Por outro lado, o responsável é definido pelo Código Tributário como o sujeito passivo indireto, ou o que “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei” (inciso II do mesmo dispositivo legal). A presença do responsável como devedor da obrigação tributária traduz um fenômeno denominado de “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação[3].”

Numa primeira leitura, a terminologia adotada pelo CTN parece permitir a responsabilização de qualquer pessoa, independentemente de haver relação com o fato gerador. No entanto, mostra-se equivocado esse raciocínio.

De fato, seria totalmente arbitrário o legislador entender como responsável pessoa totalmente alheia à situação definida como fato gerador do tributo. Daí porque prevê o artigo 128 a obrigatoriedade desse terceiro ser pessoa “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”, verbis:

“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

Isto é, depreende-se a intensidade do vínculo entre a obrigação tributária e o responsável, sem, é claro, configurar um elo pessoal e direto porque, se assim for, tratar-se-á de contribuinte, não de responsável. Frise-se, ainda, que a eleição desse terceiro como responsável decorre de razões de conveniência e necessidade. O próprio CTN fornece critérios para tanto e, em algumas situações, ele mesmo escolhe os responsáveis.

É por esse motivo também que é imprescindível haver expressa disposição legal para a responsabilidade tributária de terceiros, nos termos da legalidade geral estatuída no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal (CF), e da legalidade tributária, constante do artigo 145, inciso II, do texto constitucional, assim como dos artigos 97, inciso III, e 121, inciso II, do CTN, princípio da reserva legal segundo o qual ninguém é obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Logo, sem lei expressa, o terceiro não pode ser responsabilizado, consoante entendimento consolidado em lei e na doutrina e jurisprudência.

Para finalizar, é oportuno ressaltar que a questão da desconsideração da personalidade jurídica dos sócios também é condicionada pelas normas constitucionais que impõem limitações ao poder de o Estado tributar (vide artigo 150 da CF/88). Logo, a questão em exame merece ser estudada com a premissa de que a cobrança de tributos sempre deve ser limitada pela proteção constitucional aos direitos fundamentais do contribuinte[4].

2. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN.

Os artigos 134 e 135 do CNT versam sobre a responsabilidade por transferência de terceiros, para débitos de natureza tributária, em relação a sociedades, fundações e associações, pessoas jurídicas de Direito Privado elencadas no artigo 44 do Código Civil de 2002.

Nestas hipóteses se situam os atos praticados por administradores ou gestores na vida patrimonial de certos contribuintes.

Nesse cenário, é oportuno notar o posicionamento do jurista Eduardo de Moraes Sabbag[5] acerca do tema, já que entende que o artigo 134 do CTN traz hipótese de responsabilidade por transferência subsidiária, enquanto que o seguinte, dispositivo 135, prevê situações que ensejam responsabilidade pessoal, exclusiva e por substituição.

Outra divisão cabível pelo doutrinador é que o artigo 134 do CTN trata de responsabilidade de terceiro com atuação regular e o artigo 135 do CTN, por sua vez, de responsabilidade de terceiro com atuação irregular, o que enseja submissão a tratamentos jurídicos diversos, a ser abaixo melhor delineado.

A princípio, a pessoa jurídica é uma entidade autônoma, que responde pelos débitos tributários oriundos do desenvolvimento ordinário da atividade societária. Consequentemente, com personalidade própria encontram-se seus componentes, os sócios ou associados, cujos patrimônios, entendidos como o conjunto de bens, direitos e obrigações, são, de regra, distintos e incomunicáveis, para justificar, inclusive, a criação dessa figura jurídica fictícia.

Os representantes da pessoa jurídica devem agir em nome desta, nos termos dos objetivos sociais. Quando atuam dessa maneira, estão isentos de responsabilidade por dívidas fiscais da pessoa jurídica. No entanto, ao agirem em desconformidade com os objetivos sociais ou a lei, podem ser responsabilizados por dívidas de outrem.

De fato, a proteção legal conferida às pessoas jurídicas não pode subsistir se constatado o abuso de direito, o desvio de finalidade ou o intuito fraudulento, com o fim de prejudicar o adimplemento de obrigações contraídas, sejam em face de particulares, seja perante o Estado-Fisco, quando os sócios usam dessa “blindagem” ou do “véu da pessoa jurídica” para afrontar a lei e o direito dos credores.

É por essa razão que já é aplicada há um bom tempo a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, inicialmente no campo do Direito Privado (direito civil e empresarial), depois no consumerista e trabalhista e, na atualidade, também no âmbito do Direito Tributário, cujo tratamento legal se dá no artigo 135 do CTN, precisamente no inciso III, além de criações pretorianas.

3. Do estudo específico – da desconsideração da personalidade jurídica em caso de dissolução irregular.

A dissolução irregular já é há muito tempo fundamento usado para as Procuradorias das Fazendas buscarem a ruptura do manto da personalidade jurídica, quando usada de forma maliciosa para esconder fraudes, e, assim, excepcionalmente, justificar a invasão da esfera patrimonial dos sócios.

Essa hipótese implica uma ponderação concreta de valores pelos julgadores, já que estão em contraponto princípios e valores igualmente tutelados pela lei e pela CF/88. Assim, de um lado, têm-se os valores da promoção da livre iniciativa (artigos 1º, inciso IV, e 170, caput, da CF/88), do valor social do trabalho (artigo 1º, inciso IV, da CF/88), da busca do pleno emprego (artigo 170, inciso VIII, da CF/88), da justiça social (artigo 170, caput, da CF/88), dos valores ambientais (artigo 51, inciso XIV, do Código de Defesa do Consumidor) e outros, como os dos artigos 1º, inciso III, 3º, inciso I, e 170, inciso VII, da CF/88. Na outra vertente, sustentada pelas teses fazendárias, encontram-se valores também de grande magnitude, como a proteção da igualdade, da capacidade contributiva e da função social da empresa e da propriedade, pois “Se a pessoa jurídica foi constituída com o único propósito de proteger o patrimônio dos sócios de uma futura execução, então nesse caso terá ocorrido o desvirtuamento dos princípios da ordem econômica e dos direitos fundamentais na área econômica[6].”

Aliás, é notória a dificuldade de se localizarem bens da pessoa jurídica em dificuldades financeiras, ré em execuções fiscais e outras ações de cobrança ou fase executiva em geral, principalmente pela dissipação patrimonial por seus gestores e pela utilização do instituto da dissimulação.

Embora prevista como outra hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, em verdade a dissolução irregular, ou seja, a extinção da pessoa jurídica sem deixar patrimônio suficiente para quitar as dívidas societárias e sem baixa perante os órgãos oficiais, configura verdadeira infração à lei. Ou seja, apesar de não positivada expressamente no CTN, o fato é que sua aplicação é e sempre foi perfeitamente possível, com arrimo no artigo 135, caput, eis que configura nítida hipótese de violação de leis tributárias e não tributárias e de diversos atos normativos dos órgãos fazendários.

Sobremais, mister salientar que a dissolução irregular implica ofensa a diversos dispositivos legais, tais como os artigos 51, 1150 e 1151 do Código Civil, e o artigo 32 da Lei n.º 8.934, de 18 de novembro de 1994 (dever de atualização de dados cadastrais).

Veja-se também que a dissolução irregular enseja a responsabilização das pessoas elencadas no supramencionado dispositivo em decorrência dos princípios e valores que já norteiam o Estado Brasileiro, como o princípio da justiça e a vedação do locupletamento ilícito, numa ponderação de valores a favor da racionalidade.

A Portaria PGFN n.º 180, de 25 de fevereiro de 2010[7], inseriu a dissolução irregular como motivo infralegal para o redirecionamento, a saber:

“Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: (Redação dada pela Portaria PGFN nº 904, de 3 de agosto de 2010)

I – excesso de poderes;

II – infração à lei;

III – infração ao contrato social ou estatuto;

IV – dissolução irregular da pessoa jurídica.

Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.”

Nesse ínterim, a dissolução irregular implica infração à lei porque a pessoa jurídica deixou de atender aos ditames legais para sua extinção regular e consta, em órgãos oficiais, como ativa, embora nem mais atue, em prejuízo óbvio de seus credores, que não conseguem localizar bens da empresa, associação ou fundação ou mesmo tentar a penhora do faturamento rotativo ou medidas de bloqueio de ativos financeiros, pelo sistema BACENJUD.

Ora, é dever do sócio administrador, diante da paralisação definitiva das atividades da pessoa jurídica, promover-lhe a regular liquidação, ou seja, realizar o ativo, pagar o passivo, ratear o remanescente entre os sócios e dar baixa na Junta Comercial e na Secretaria da Receita Federal do Brasil. Não cumprindo tal mister, nasce a presunção de apropriação indébita dos bens da sociedade.

Tem sido comum, sobretudo no caso de pequenas empresas, quando não alcançam sucesso, os sócios, ao invés de formalizarem a dissolução e extinguirem legalmente a pessoa jurídica, simplesmente fecharem as portas e fazerem a divisão do patrimônio entre si, deixando inúmeras dívidas inadimplidas. Assim, embora contratualmente e pela lei haveria limitação da responsabilidade na limitada, fica caracterizada a dissolução de fato/irregular, e não de direito, passando assim a responsabilidade dos sócios de limitada para ilimitada.

Embora não tenha tratado especificamente dos efeitos decorrentes da dissolução irregular das sociedades, de modo a se omitir sobre a responsabilidade pessoal dos sócios nessa situação, o legislador deixou claro o dever legal de se observarem as formalidades prescritas em lei para se promover a extinção dos entes coletivos. Prescreveu, assim, um verdadeiro dever legal a ser cumprido pelos sócios. Nesse contexto, não resta dúvida de que a dissolução da sociedade promovida irregularmente, isto é, sem a devida observância das formalidades legais, configura infração à lei, imputável diretamente à pessoa dos sócios.

Em tais casos, isto é, quando a empresa deixa de funcionar sem prestar qualquer informação aos órgãos adequados, presume-se a dissolução irregular.

Esse entendimento já vinha sendo seguido pelas Turmas do STJ (conforme as ementas dos seguintes julgados: AGRESP 201202156167, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/05/2013 ..DTPB; AERESP 201202354810, BENEDITO GONÇALVES, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:21/03/2013 ..DTPB; AGRESP 201201764690, HUMBERTO MARTINS, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/10/2012 ..DTPB). E recentemente, em abril de 2010, a matéria foi sumulada pelo STJ, cujo teor é a seguir reproduzido:

“Súmula n. 435 (STJ): Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

Na linha adotada pelo STJ, citem-se os precedentes dos Tribunais Regionais Federais: AC 200650010095832, Desembargador Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data: 24/05/2013; AI 00066101320104030000, JUIZ CONVOCADO HERBERT DE BRUYN, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AI 00016198620134030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AG 00062063420124050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 – Terceira Turma, DJE – Data::11/12/2012 – Página::329.

Ainda, é prudente ratificar que, na linha adotada pelo STJ, o simples inadimplemento da obrigação tributária não configura infração à lei e automático redirecionamento da execução fiscal (segundo assentado na Súmula n.º 430 do STJ). Ademais, é imprescindível se distinguir duas situações, que são a efetiva dissolução irregular da sociedade e, por outro lado, a mera inatividade ou operação reduzida[8].

Nessa seara, o STJ entende que o administrador da sociedade é responsável, em havendo a paralisação definitiva das atividades societárias, a proceder a regular dissolução ou liquidação, no caso de cooperativas, obedecer às normas legais vigentes e, assim, comunicando os órgãos oficiais e realizando o acerto de ativos e passivos; contudo, caso não o faça, a presunção (relativa) que se tem é a de que houve dissolução irregular da empresa e, assim, o sócio-gerente ou o sócio com poderes de gerência deverá ser responsabilizado por débitos de natureza tributária.

Logo, na linha seguida pela jurisprudência, a dissolução irregular restará caracterizada quando: não houver quitação regular de dívidas tributárias e a empresa não for localizada nos endereços constantes dos bancos de dados oficiais, devendo esse fato ser certificado pelo Oficial de Justiça, que goza de fé pública, já que o STJ não admite como fundamento para tanto a mera devolução de carta de citação com aviso de recebimento “negativo”. Também será possível na situação de que o distrato social não foi devidamente registrado na Junta Comercial.

Veja-se que não se exige prova cabal da dissolução irregular, posto que bastam indícios de que tenha ocorrido, como a certificação pelo Oficial de Justiça de que a empresa deixou de funcionar no endereço informado aos órgãos oficiais, o que caracteriza a cessação das atividades, e a ausência de bens para penhorar.

Por conseguinte, caso reste configurada situação caracterizada como dissolução irregular, opera-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao sócio-gerente provar que não agiu com culpa, dolo, fraude ou excesso de poder (vide REsp n.º 1.004.500/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 25 de fevereiro de 2008).

Logo, a previsão de redirecionamento em caso de extinção irregular da empresa, ainda que continue não inserida formalmente no CTN, está sumulada pelo STJ e é pacífica na doutrina.

4. Da atuação fazendária em matéria de responsabilidade de terceiros.

Análise interessante cumpre ser feita sobre a desconsideração da personalidade jurídica no bojo de Execução Fiscal, disciplinada na Lei n.º 6.830/80.

A CDA goza dos atributos de certeza e liquidez e essa presunção é relativa (iuris tantam), de forma que pode ser elidida caso o executado comprove efetivamente a inexistência desses pressupostos. Tem também o efeito de prova pré-constituída.

Quanto ao redirecionamento, já se viu que, de regra, os julgados exigem a demonstração dos requisitos previstos no artigo 135 do CTN, não bastando a referência genérica, salvo se os nomes dos responsáveis já estiverem na CDA, consoante jurisprudência consolidada do STJ.

Sobre essa previsão ou não na CDA, foi publicada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a Portaria n.º 180, em 28 de fevereiro de 2010, que prevê certas limitações ao redirecionamento aos sócios-gerentes em caso de débito tributário, o que se mostra de grande relevância, a fim de afastar abusos.

Com efeito, o ato normativo em comento prevê que a inclusão de um responsável na CDA somente ocorrerá após a declaração fundamentada de autoridade competente da Receita Federal ou da própria PGFN acerca da ocorrência, de, ao menos, uma das seguintes situações em relação à sócio-gerente ou terceiro não-sócio com poderes de gerência (administrador), elencadas no artigo 2 supratranscrito, quais sejam: a) ato praticado com excesso de poderes; b) ato praticado em infração à lei; c) ato praticado em infração ao contrato social ou estatuto; d) dissolução irregular da pessoa jurídica.

Dessa forma, inovou no cenário jurídico ao exigir a produção de provas para responsabilização do terceiro. Assim, exige a motivação do ato de inclusão do nome do terceiro na CDA e a juntada de provas indiciárias de autoria e infração.

Nesse ponto, cumpre repisar que, antes do advento do entendimento sumulado do STJ, a PGFN já incluíra a hipótese de dissolução irregular entre aquelas que justificam a desconsideração da personalidade jurídica, por meio da Portaria em questão, precisamente no artigo 2º, inciso IV.

A respeito, questão ainda tormentosa em sede doutrinária e na jurisprudência dos Tribunais Regionais e do STJ é saber quais são os sócios-administradores ou com poderes de gerência que devem ser responsabilizados por tais dívidas tributárias, ou seja, se englobaria apenas que estiveram na sociedade durante o fato gerador da obrigação tributária ou se também devem ser submetidos aqueles integrantes do quadro societário à época da dissolução irregular.

Nessa linha, é interessante notar o tratamento diferenciado conferido pela Portaria ao fato gerador que gera a responsabilização.

De fato, ao se referir à previsão do artigo 135, inciso III, do CTN, no artigo 1º, menciona o responsável o sócio ou não sócio, com poderes de gerência sobre a pessoa jurídica, “à época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária objeto de cobrança judicial.”  

Em sentido oposto, quando houver dissolução irregular, no parágrafo único do artigo 2º supracitado, o redirecionamento deve se voltar aos sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador”, isto é, amplia-se a hipótese de responsabilização, para pessoas aquele daquele período em que nasceu a obrigação tributária, para alcançar até mesmo os que já deixaram a sociedade à época da extinção irregular da sociedade, fundação ou associação.

Essa questão é objeto de análise do Parecer PGFN/CRJ/n.º 1956, de 30 de setembro de 2011, subscrito pelo Coordenador de Consultoria Judicial, Dr. João Batista de Figueiredo[9].

Em minucioso estudo promovido no Parecer o i. Procurador fez uma pesquisa da orientação dos Tribunais Regionais Federais e do STJ acerca do alcance temporal da dissolução irregular. Assim, o jurista concluiu que, para que esteja caracterizada a responsabilidade do artigo 135 do CTN, nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica, a orientação dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 3ª Regiões é a de que basta que o agente seja sócio-gerente ao tempo do surgimento da obrigação tributária (data da ocorrência do fato gerador), prescindindo que o seja também ao tempo da dissolução irregular da sociedade. Porém, esse entendimento não é favorável às teses fazendárias em sua inteireza, já que os julgados não falam ou esclarecem acerca da responsabilidade do sócio-gerente ou administrador com poderes de gerência ao tempo da extinção irregular da sociedade.

Por sua vez, no STJ, há uma discrepância de entendimentos, eis que, para uma posição, somente poderá ser responsabilizado aquele que era sócio-gerente ao tempo do surgimento da obrigação tributária (fato gerador) e, simultaneamente, ocupava essa mesma posição quando da dissolução irregular da sociedade executada pode ser responsável tributário, nos termos do artigo 135, III, do CTN, e para a tese minoritária acolhida pela Corte, preconiza-se que o fato de o sócio-gerente ter-se retirado da empresa antes de sua dissolução irregular não obsta o redirecionamento da execução fiscal contra ele, uma vez que já integrava a sociedade à época do fato gerador.

O i. Parecerista salienta que “(…) nenhum dos entendimentos jurisprudenciais acima expostos contempla inteiramente os interesses da Fazenda Nacional — pois não possibilita a inclusão como responsável solitário também daquele que se encontra na gerência da sociedade ao tempo da dissolução irregular da pessoa jurídica, sem que o estivesse ao tempo da ocorrência do fato gerador do tributo —,, bem assim dá ensejo a que fraudes sejam cometidas, com significativos prejuízos ao Erário, na medida em que possibilita, por exemplo, que sócios-gerentes ou administradores da sociedade com poderes de gerência dela se ausentem sem pagar os tributos devidos, colocando em seu lugar prepostos seus que, ao depois, dão causa à extinção irregular da pessoa jurídica.  Restando evidenciado que nenhum dos entendimentos jurisprudenciais acima expostos contempla inteiramente os interesses da Fazenda Nacional, bem assim dá ensejo a que fraudes sejam cometidas, com significativos prejuízos ao Erário, na medida em que possibilita, por exemplo, que sócios-gerentes ou administradores da sociedade com poderes de gerência dela se ausentem sem pagar os tributos devidos, colocando em seu lugar prepostos seus que, ao depois, dão causa à extinção irregular da pessoa jurídica, passa-se à defesa de tese jurídica que melhor resguarde ditos interesses e que viabilize a inclusão como responsável tributário não apenas do sócio-gerente ou administrador com poderes de gerência ao tempo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e que dela se retira, mas também daquele que ingressa ulteriormente na sociedade e dá causa à sua extinção irregular, no pressuposto de que ambos, na verdade, concorrem culposa ou dolosamente para o não pagamento do tributo e a conseqüente dissolução irregular da pessoa jurídica.”

Contudo, o jurista ressalta que a tese defendida no Parecer n.º 40/2010, materializada no parágrafo único do artigo 2º da Portaria PGFN n. º 180/2010 não frutificou no âmbito do STJ, que tem reiterado seu entendimento no sentido da impossibilidade do redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente que, embora integre a sociedade ao tempo do fato gerador do tributo inadimplido, é excluído da sociedade antes de sua dissolução irregular, sob a alegação de que, como visto, o simples inadimplemento do tributo não configura hipótese disposta no artigo 135, inciso III, do CTN.

Sob essas ponderações, o i. Procurador Parecerista sugere a modificação do artigo 2º e seu parágrafo único da precitada Portaria PGFN n.º 180/2010, para que o redirecionamento da execução fiscal requerido pelos Procuradores da Fazenda Nacional passe a ser guiado pela seguintes premissas, a saber: “(1) tanto para o sócio-gerente ou administrador da sociedade ao tempo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, quanto para aquele que deu causa à sua dissolução irregular, quando comprovada que a saída daquele da sociedade é fraudulenta; (2) para o sócio-gerente ou administrador da sociedade ao tempo da dissolução irregular, sempre que configurada esta hipótese.”

Embora ainda não haja alteração formal do dispositivo do ato infralegal, o Parecer em questão permanece válido e é seguido na PGFN, pois consta expressamente entre as hipóteses permissivas de dispensa de contestar ou recorrer por seus Procuradores, na lista “2.1”, entre temas julgados pelo STJ sob a forma do art. 543-C do Código de Processo Civil (CPC)[10].

Conclusão.

Diante dos fundamentos ora expostos e sustentados, o estudo em tela defende a correção do atual posicionamento da jurisprudência acerca do tema da desconsideração da personalidade jurídica, notadamente quanto à dissolução irregular.

Aliás, considero que, mais do que uma análise fria e objetiva do art. 135 do CTN, deve haver um estudo casuístico, para verificar se a dificuldade e a rigorosidade de comprovação de excesso de poderes e infração à lei não servem, em verdade, para salvaguardar interesses obscuros de gestores, os quais se valem ilicitamente do ordenamento jurídico, com suas falhas e lacunas, para prejudicar o alcance dos credores ao seu patrimônio e incorrer em fraude à lei.

Há institutos para obstar essa prática, como a simulação, disciplinada na legislação civil, mas a constatação das peculiaridades da situação fática pelo juiz é imprescindível. Ainda, as provas da responsabilização do terceiro devem ser certamente exigidas dos interessados em “levantar o véu” ou o “escudo” da pessoa jurídica; porém essa comprovação não pode ser tão rigorosa a ponto de inviabilizar o interesse do credor lesado e favorecer os interesses do terceiro mal intencionado.

De outra parte, defendo que não podem haver exageros e ilegalidades na procura desenfreada de bens, particularmente dos patrimônios dos sócios, sob pena de violação de conceitos básicos no direito societário e de se gerar um receio abusivo e infundado, não condizente com um Estado Democrático de Direito.

Logo, é necessário que haja sim limites para ambas atuações (seja mais permissiva seja mais rígida) e se faça uma devida ponderação de valores e princípios, no caso concreto, o que exige do Administrador e do Juiz muita cautela e razoabilidade.

 

Referências.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 1ª edição. São Paulo: Método, 2007;
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CAIEIRO, Marina Vanessa Gomes. Responsabilização de terceiros pelo pagamento do crédito tributário. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 25 ago. 2010. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.28539>.%20. Acesso em: 05 set. 2011;
CALIENDO, Paulo.  DE ANDRADE, Fábio Siebeneichler (coordenadores). Pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça;
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Notas:
[1] CALIENDO, Paulo.  DE ANDRADE, Fábio Siebeneichler (coordenadores). Pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, pp. 50-51.

[2] A definição dos elementos constituintes da regras matriz tributária e da obrigação tributária são bem delineadas na obra de CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

[3] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 329.

[4] CALIENDO, Paulo.  DE ANDRADE, Fábio Siebeneichler (coordenadores). Pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, p. 51.

[5] SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

[6] CALIENDO, Paulo.  DE ANDRADE, Fábio Siebeneichler (coordenadores). Pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, p. 55.

[8] CALIENDO, Paulo.  DE ANDRADE, Fábio Siebeneichler (coordenadores). Pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, p. 53.

[9] Com aquiescência do Coordenador-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional, Dr. Cláudio Xavier Speefelder Filho, e aprovado pelo Procurador-geral Adjunto de Consultoria e Contencioso Tributário, Dr. Fabrício da Soller, o qual decidiu por revogar o Parecer PGFN/CRJ n.º 40, de 11 de janeiro de 2010, e determinou a elaboração de minuta de Portaria, a ser assinada pela Procuradora-Geral da Fazenda Nacional, dando nova redação ao artigo 2º, e § único, da Portaria PGFN n.º 180, de 25 de fevereiro de 2010.


Informações Sobre o Autor

Graziele Mariete Buzanello

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 2006. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp Rede LFG 2010. Procuradora Federal


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