Senteça arbitral – efeitos no judiciário

Resumo: A arbitragem no Brasil ainda encontra certa resistência e oposição, mormente perante aqueles que em princípio lhe creditam seus litígios, invocando o dispositivo constitucional para referendarem sua tese de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, quando a decisão arbitral vem em sentido contrário aos seus interesses. Resta ao judiciário o pronunciamento que garantirá os efeitos da Lei de Arbitragem, confirmando sua eficácia e seus efeitos jurídicos.

Palavras-chave: arbitragem; sentença arbitral; sentença.

INTRODUÇÃO

O tema proposto tem como escopo verificar os efeitos da sentença arbitral quando a parte vencida manifesta seu inconformismo provocando a jurisdição estatal, invocando a inafastabilidade da jurisdição exclusiva do Estado e a ordem constitucional insculpida no artigo 5º, XXXV[1], da Constituição Federal. O tema já chegou a ser apreciado pelo STF e, embora tenha declarado a sua constitucionalidade, a decisão[2] não trouxe unanimidade nesse sentido, conforme votos vencidos, o que tem gerado inúmeros debates acerca do tema.

Pretende, portanto, o presente trabalho, apresentar algumas decisões postuladas perante o judiciário, verificando o seu posicionamento e seu enfrentamento quanto ao direito arbitral.

Para melhor compreensão do problema posto, é necessário o conhecimento prévio da Lei de regência, assim, apresentaremos os aspectos mais relevantes de que trata a Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de setembro de 1996), além dos institutos da Lei Arbitral e os princípios que regem a sentença arbitral.

Ainda, verificar a questão da jurisdição e da competência estatal, abreviando desde já suas definições conforme síntese de KAPEZ:

“Jurisdição é a função estatal exercida com exclusividade pelo poder judiciário, consistente na aplicação de normas da ordem jurídica a um caso concreto, com a conseqüente solução do litígio. É o poder de julgar um caso concreto, de acordo com ordenamento jurídico, por meio do processo.[3]

A competência[4] é a delimitação do poder jurisdicional (fixa limites dentro dos quais o juiz pode prestar jurisdição). Aponta quais os casos que podem ser julgados pelo órgão do poder judiciário. É, portanto, uma verdadeira medida da extensão do poder de julgar”.

Dadas as questões preambulares, constitucionalidade, jurisdição e competência, passemos ao enfrentamento da sentença arbitral e seu efeito no âmbito da jurisdição estatal. 

1. ASPECTOS RELEVANTES SOBRE ARBITRAGEM

1.1 Conceito

O conceito de arbitragem espelha os dois primeiros artigos da Lei em comento, sendo assim definido por CARREIRA ALVIM:

“A arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis.”[5]

 Ou ainda de forma mais ampla:

“A arbitragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas de que recebem seus poderes de um convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acercados quais os litigantes possam dispor.”[6]

Os conceitos aqui colacionados nos remetem aos primeiros artigos da Lei de Arbitragem, e deixam claro que a arbitragem só poderá ser adotada por pessoas capazes, e de plano explicita de que só poderão versar sobre direitos patrimoniais disponíveis.

1.2 Princípio da Legalidade

A Constituição Federal institui o princípio da legalidade no bojo do seu artigo 5º, II, do qual se extrai que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Com efeito, as partes que se submetem ao compromisso arbitral agem em conformidade com a Lei[7], não ferindo o princípio da legalidade.

1.3 Do aparente aspecto de inconstitucionalidade

O aparente aspecto de inconstitucionalidade pode ser justificado com a imposição da cláusula compromissória, já que esta cláusula exclui a possibilidade do litígio ter apreciação pelo poder judiciário, ferindo a ordem constitucional prevista no artigo 5º, XXXV.  

Tal aparente aspecto de inconstitucionalidade, já há muito debatido, é insubsistente, uma vez que não há inconstitucionalidade na Lei de Arbitragem, pois as partes firmam a cláusula compromissória espontaneamente. Não se trata, assim, de cláusula compulsória, pois só existem quando as partes assim as firmarem.              

Importante salientar que não haverá afronta à CF desde que observada a regra matriz da Lei de Arbitragem, qual seja, tratar de pessoas capazes de contratar, sejam elas físicas ou jurídicas, e que tenham como objeto direitos patrimoniais disponíveis.

2. DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E SEUS EFEITOS

2.1 Convenção de arbitragem e seus efeitos

A existência da sentença arbitral precede da convenção de arbitragem, cláusula que faz nascer o juízo arbitral, bem como precede a um contrato.

Nesse sentido, temos:

“A convenção de arbitragem é expressão da vontade das partes interessadas, manifestadas numa mesma direção, de se socorrerem da arbitragem para a solução dos seus (virtuais ou reais) litígios. Em outros termos: uma via jurisdicional concorrente com a estatal, posta pela lei à disposição das partes, para resolverem seus conflitos, em sede privada, com igual extensão e eficácia à efetivada pelos órgãos do Poder Judiciário.”[8]

A referida cláusula é lançada no artigo 3º da Lei de Arbitragem, com os termos cláusula compromissória e compromisso arbitral[9], e tem efeito suspensivo, pois só será acionada caso venha a surgir algum litígio entre as partes nos termos do pactuado contrato.

Por fim, a Lei de Arbitragem determina que as partes poderão se submeter à solução de seus litígios firmando a convenção de arbitragem, entendidos como a cláusula compromissória e compromisso arbitral.

De bom alvitre esclarecer que a convenção de arbitragem é denominada como cláusula de arbitragem quando na pendência de uma lide futura,; se posta frente a uma lide já existente, denomina-se compromisso arbitral.

3. DA SENTENÇA ARBITRAL

3.1. Da sentença arbitral e seus efeitos

Sobre os efeitos e o alcance da sentença arbitral, ou, como alguns preferem, Laudo Arbitral, estes guardam similitude entre a sentença estatal, já que a regra do art. 31 da Lei de Arbitragem invoca comando de consonância. Leia-se:

“Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.”

Verifica-se que é aplicada a regra de direito processual em se tratando de sentença arbitral, atraindo a regra processualista, em especial aquela contida no artigo 475-N, tornando título executivo judicial a sentença arbitral condenatória. No mesmo sentido, o artigo 584, VI, de outra banda, o artigo 267, VII, preveem a extinção do processo, sem resolução do mérito quando as partes submeterem a solução do seu litígio ao juízo arbitral, nos moldes do artigo 3º da Lei 9.307/96.

Sabido que a sentença arbitral é prolatada por árbitro, quando da sua entrega, dá-se por finda a arbitragem, conforme dicção do artigo 29 da referida Lei.

Desta feita, a lei conferiu ao decisório arbitral o nome e o status de sentença, conferindo-lhe o poder de estabelecer a coisa julgada entre as partes, igualmente o de convolar a decisão em título executivo judicial, sem qualquer interferência da justiça estatal, dispensada a homologação judicial.

Por fim, o efeito surpreendente guardado na sentença arbitral é o da sua irrecorribilidade. Não se verifica na Lei Arbitral recurso capaz de modificar a decisão proferida pelo árbitro – é o que se extrai do artigo 18 da lei 9.307/96, assim disposto:

“O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”

Não haverá, portanto, espaço para inconformismo da parte sucumbente, pois, como dito, a decisão não está sujeita a recurso, restando apenas para as partes a possibilidade do juiz arbitral que “esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia ter manifestar-se a decisão”, na conformidade prevista no artigo 30 da Lei de Arbitragem.

4. SENTENÇA ARBITRAL E SEUS EFEITOS PERANTE O JUDICIÁRIO

4.1. Sentença arbitral e seus efeitos perante o judiciário

O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário, regra colacionada do artigo 18 da Lei em comento.

A regra norteia no sentido de que não caberiam recursos, de que o decidido pelo juiz arbitral faz coisa julgada entre as partes nos limites de sua lide, restando à parte vencida cumprir o decidido, uma vez que o vencedor terá agora um título executivo judicial, que poderá ser utilizado no caso de não haver cumprimento espontâneo da obrigação contida no dispositivo da sentença arbitral.

Embora pareça estar clara a impossibilidade da parte que se sentir prejudicada de se socorrer do judiciário, tal prática não é incomum, como já dito na introdução do presente trabalho. Os argumento passam pelo artigo 5, XXXV, da Constituição Federal, arguindo em síntese a impossibilidade de ser afastada a jurisdição estatal, como se viu o STF, em decisão não unânime, que entendeu não haver ofensa ao dispositivo constitucional, uma vez que está presente o princípio da reserva legal insculpida no artigo 5, II da CF.

1. DECISÕES ARBITRAIS NO ÂMBITO DO JUDICIÁRIO

Como já dito, é irrecorrível a decisão arbitral, no entanto a sua validade poderá ser questionada, alicerçando-se tais questionamentos nos dispositivos contidos nos artigos 32 e 33 da Lei de Arbitragem. Entretanto, como resta claro, a motivação para a ação tutela estatal se encerra na questão de nulidade, ou não, do Laudo arbitral, como se pode observar dos julgados colacionados:

“Suas teses partem de uma mesma premissa: a existência de cláusulas de arbitragem nos contratos, os quais deram ensejo à emissão das cédulas de produto rural, impede o ajuizamento de execução. No caso sob análise, contudo, a cláusula de arbitragem não determina a extinção anômala da execução porque ambas as partes renunciaram a ela, implicitamente, ao ajuizarem ações para fazer valer seus respectivos direitos oriundos do contrato no qual ela está inserida, isto é, os agravantes ajuizaram ação revisional do contrato e a agravada execução para entrega de coisa” (fls. 1111/1118 e 1093/1908).[10]

A fundamentação trazida no corpo do Acórdão supra revela outra forma de entendimento quanto ao comando da lei de Arbitragem – mesmo prevista, a Convenção de arbitragem teve afastada a sua incidência.

O relator do voto ainda trouxe entendimento doutrinário que corroborou a decisão e o entendimento esposado. Vejamos:

“A convenção de arbitragem (art. 267, inc. VII) deixa de ser pressuposto (negativo) do julgamento do mérito sempre que ambas as partes renunciem a ela, o que é de absoluta compatibilidade com o instituto e associa-se à autonomia da vontade; a mesma liberdade negociai que está à base da legitimidade da convenção de arbitragem legitima também a renúncia a ela. Essa renúncia pode ser explícita ou decorrer da propositura da demanda em juízo por uma das partes e aceitação pela outra, sem invocar a convenção de arbitragem. Se o réu pedir ao juiz a extinção do processo com fundamento na cláusula arbitral, decidirá este a respeito, acolhendo ou rejeitando o pedido conforme o caso.”[11]

Do ponto de vista do órgão judicante, existe a desistência implícita da cláusula arbitral pelo simples manejo concomitante de ações das partes perante o judiciário. Lembramos o teor do artigo 267, VII: existindo a convenção de arbitragem, deverá o processo ser extinto sem julgamento do mérito e, no entendimento doutrinário contido, deixar ao alvitre do juiz togado a decisão quanto à extinção ou não.

Há ainda a questão de nulidade da cláusula de convenção de arbitragem, a qual se colaciona à seguinte ementa do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Ação de rescisão de contrato devolução de importâncias contrato de aquisição de diárias de hotel a cláusula de arbitragem, ainda que conste de anexo, é nula, se não há como identificar a compreensão total do consumidor exame do art. 51,VII do Código do Consumidor e art. 4º § 2º da lei de arbitragem apelação provida”.[12]

     Neste caso, a decisão não se alicerçou exclusivamente no diploma consumerista, que prevê a nulidade de pleno direito de cláusula que impõe compulsoriamente a arbitragem. O relator do acórdão, Eros Piceli, esclarece de forma didática a razão pela qual mercê ser afastada a convenção de arbitragem. Vejamos:

“No código, o art. 51 inciso VII estabelece a nulidade de pleno direito de cláusula que determine “a utilização compulsória de arbitragem”. De outro lado, o art. 4º § 2º da lei de arbitragem, 9.307, de 23 de setembro de 1996, diz ser possível a arbitragem nos contratos de adesão, quando “o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”. Não parece correto afirmar-se duas teses simplistas: 1. é sempre nula a cláusula de arbitragem em toda a relação de consumo; 2. é sempre válida a cláusula desde que conste de documento anexo ou em negrito no contrato de consumo. Não se pode concordar com a nulidade absoluta porque seria negar vigência à lei de arbitragem, posterior ao Código do Consumidor e que expressamente mencionou os contratos de adesão. Também não se pode aceitar a segunda tese sem melhor exame e compreensão do sistema de proteção ao consumidor instituído pelo código. É claro que o art. 51 citado tem como objetivo impedir lesão ao consumidor por inclusão de cláusulas que não permitam total alcance e compreensão. Não basta, portanto, que a cláusula compromissória conste de anexo ao contrato, ou em negrito, como diz a lei. É necessário que o consumidor tenha ciência de todas as circunstâncias que envolvem a arbitragem, detalhes de funcionamento e rejeição clara de poder o interessado de valer-se de ação judicial. Assim, seria possível a cláusula se, no contrato de adesão, ainda que envolva relação de consumo, figurarem duas pessoas jurídicas, por exemplo. Ou, como se disse acima, se o consumidor externe a exata compreensão do que a arbitragem significa.”

No presente caso, é indiscutível tratar-se de contrato de adesão, impondo-se a aplicação da regra contida no §2º do artigo 4º da Lei de Arbitragem:

“Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”

Dessa forma, a prevalência da convenção estará subordinada quando presente seus requisitos; iniciativa do aderente, concordar expressamente com a sua instituição.

No sentido contrário à tese consumerista, colaciona-se trecho do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

“O artigo 3.º da Lei de nº 9.307/96 Lei de Arbitragem estabelece que: "As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral". Em adição, o artigo 4º, 1º, da referida lei acrescenta que:  "A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. 1º. A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira." Ainda, não se trata a espécie de hipótese descrita no pelo artigo 4º, já em seu 2º da Lei 9.307/96, posto que não se trata de contrato de adesão, veja-se: "Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. (…) 2º. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula." Ocorreu que a doutrina apresenta aspectos que demonstram o caráter adesivo de um contrato, sendo basilar a impossibilidade de um dos contraentes o hipossuficiente negociar as cláusulas contratuais. No caso em tela, não se vislumbra nele as características da adesividade. Primeiramente, não se trata de contrato de adesão relação de consumo, pois nenhuma das partes contratantes utiliza produto ou serviço da outra como consumidora final; por conseguinte, o contrato não é de adesão, simplesmente pela natureza da relação jurídica, posto que se trata de Contrato Particular de Permuta de Bem Imóvel por Produtos Agrícolas, no qual percebe-se que houve pactuação das cláusulas pelas partes, sendo que não existe relação de hipossuficiência. Portanto, existindo pactuação de convenção de arbitragem ante existência de cláusula compromissória , o processo deve ser julgado extinto, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do CPC, conforme orienta a doutrina de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, veja-se: "Havendo Convenção de Arbitragem (LArb, 3º e ss), as partes renunciam à jurisdição estatal, preferindo nomear um árbitro que resolva a lide eventualmente existente entre elas. Neste caso, a denúncia da existência da convenção acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito”. (São Paulo, Ed. RT, 2010, p.
527, coment. 19 ao artigo 267, VII, do CPC)[13]

A decisão adotada privilegiou a regra processual, lançada no artigo 267, VII do CPC, determinando a extinção do feito, sem julgamento do mérito, afastando a aplicação do estatuto consumerista, já que não se vê entre as partes litigantes relação de consumo. Adotando por fim a regra do artigo 3º da Lei de Arbitragem, a decisão também se pautou em entendimento doutrinário, como se verifica no trecho final do arresto.

No Superior Tribunal de Justiça, as decisões vêm no sentido de ratificar a Lei Arbitral; nesta direção, colaciona-se a seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. OBRIGATORIEDADE DA SOLUÇÃO DO LITÍGIO PELA VIA ARBITRAL, QUANDO EXISTENTE CLÁUSULA PREVIAMENTE AJUSTADA ENTRE AS PARTES NESTE SENTIDO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1º, 3º e 7º DA LEI 9.307/96. PRECEDENTES. PROVIMENTO NESTE PONTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.”[14]

Extrai-se ainda do referido acórdão verdadeira aula teórico-prática sobre o tema, consolidando o entendimento por aquela corte em relação à prevalência da Lei de Arbitragem. Vejamos:

“A despeito do compromisso firmado, entendeu o Tribunal de origem pela possibilidade de qualquer das partes recorrer ao Poder Judiciário, independentemente do ajuste prévio em que se tenha optado pela via da arbitragem como meio obrigatório de solução de eventuais conflitos, tendo em vista que: "(…) a cláusula contratual que adrede e abstratamente determina a submissão da resolução de litígios contratuais à arbitragem jamais poderá ser interpretada como absoluta, senão como relativa e programática, sob pena de ferir-se o princípio hierárquico e constitucional do monopólio estatal da Jurisdição. (fl. 494).

Sem embargo dos fundamentos expostos, deve ser reformado o entendimento consignado no aresto recorrido, por destoar da orientação desta Corte Superior acerca da matéria.

Nesse sentido, conforme bem preceitua Marcos Vinícius Tenório da Costa Fernand "(…) o acesso ao Poder Judiciário pelas partes contratantes que tenham optado pela via arbitral é plenamente garantido pela Lei de Arbitragem. Claro que este acesso não pode substituir a própria apreciação do conflito pela Corte de arbitragem, sob pena de violação ao pacta sunt servanda, às normas de direito processual que tratam da matéria e às próprias regras estabelecidas pela Lei nº 9.307/96. De qualquer forma, resta evidente o pleno controle jurisdicional estatal sobre o funcionamento das Cortes de arbitragem e das próprias decisões por elas proferidas. Daí por que o Supremo Tribunal Federal já ter selado a plena constitucionalidade da lei em questão, posição que é compartilhada neste estudo. Lamentavelmente, ainda existe grande resistência por parte do Poder Judiciário em aceitar a constitucionalidade da Lei de Arbitragem. Em geral, essa resistência é refletida em decisões judiciais que afastam a aplicação do compromisso arbitral (ou da cláusula arbitral) firmado entre as partes sob o fundamento de uma alegada violação à garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. (…).

Esse equivocado entendimento deixou de observar que a Lei de Arbitragem ingressou em nosso ordenamento em momento posterior ao Decreto-lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil). Aliás, o próprio inciso VII do art. 267, bem como o inciso IX do art. 301, do Código de Processo Civil foram acrescentados em data posterior ao art. 88, inciso II, do mesmo diploma legal. Assim, observando-se o disposto no art. 2º, § 1º, do Decreto-lei nº 4.657/42, conclui-se pela prevalência dos dispositivos de lei favoráveis à validade e aplicação do compromisso arbitral firmado entre as  partes (…). O art. 267, inciso VII c/c art. 301, inciso IX, do Código de Processo Civil constituem exceções à regra geral do art. 88, inciso II do mesmo diploma legal. O entendimento em exame vai de encontro, também, ao art. 1º c/c art. 3º da Lei de Arbitragem. Com o ingresso da Lei nº 9.307/96 em nosso ordenamento jurídico, a apreciação e pacificação dos conflitos poderá – de acordo com a vontade das partes capazes de contratar e sempre que estejam em jogo direitos disponíveis – ficar ao encargo de um Tribunal Arbitral, afastando-se a apreciação da lide pelo Poder Judiciário." ("Anulação de Sentença Arbitral". São Paulo: Atlas, 2007, pp. 10-11, grifou-se).

A propósito, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte:

"LEI DE ARBITRAGEM – INSTITUIÇÃO JUDICIAL DO COMPROMISSO ARBITRAL – OBJETO DO LITÍGIO – INFRINGÊNCIA A CLÁUSULAS CONTRATUAIS – VALIDADE – AUSÊNCIA DE OMISSÃO. I – Se o acórdão recorrido aborda todas as questões submetidas à sua apreciação, não há falar em violação ao  inciso II do artigo 535 do Código de Processo Civil.

II – Para a instauração do procedimento judicial de instituição da arbitragem (artigo 7º da Lei n.º 9.307/96), são indispensáveis a existência de cláusula compromissória e a resistência de uma das partes à sua instituição, requisitos presentes no caso concreto. III – Tendo as partes validamente estatuído que as controvérsias decorrentes dos contratos de credenciamento seriam dirimidas por meio do procedimento previsto na Lei de Arbitragem, a discussão sobre a infringência às suas cláusulas, bem como o direito a eventual indenização, são passíveis de solução pela via escolhida. Com ressalvas quanto à terminologia, não conheço do recurso especial." (REsp 450.881/DF, TERCEIRA TURMA, Rel. Ministro CASTRO FILHO, DJ de 26/05/2003).(…)

Em virtude do exposto, deve ser parcialmente provido o recurso especial, tendo em vista a procedência do mérito recursal no sentido da configuração de ofensa aos arts. 1º, 4º, 6º, e 7º da Lei 9.307/96, caracterizada, por outro lado, a ausência de violação do art. 535 do CPC. É como voto.”

O voto do relator Ministro Paulo Furtado foi por unanimidade seguido pelos demais ministros, quais sejam, Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda, SidneiBeneti e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), restando claro e pacífico o entendimento do STJ no sentido de dar validade à Lei 9.307/96.

A questão igualmente já fora debatida na mais alta corte, e nesse sentido colaciona a ementa do Supremo Tribunal Federal:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA ARBITRAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, INC. XXXV E XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório1. Agravo de instrumento contra decisão que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República. 2. O recurso inadmitido tem como objeto o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:"PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESCISÃO CONTRATUAL. Em se tratando de norma processual de eficácia imediata, impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito quando argüida em preliminar de contestação a existência de cláusula compromissória, mesmo que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à entrada em vigor da Lei de Arbitragem. Sentença mantida. Recurso improvido" (fl. 38).3. No Recurso Extraordinário, a Agravante afirma que o Tribunal a quo teria contrariado o art. 5º, inc. XXXV e XXXVI, da Constituição da República.Argumenta que "a cláusula arbitral sob o regime jurídico pretérito, aplicável à hipótese dos autos, por força da regra constitucional da irretroatividade das leis, configura mera obrigação de fazer, sem a possibilidade de execução compulsória (..) não tendo, pois, eficácia vinculante no que toca à instauração da arbitragem, à depender, para tanto, da celebração do compromisso arbitral" (fl. 80).4. A decisão agravada teve como fundamentos para a inadmissibilidade do recurso extraordinário a circunstância de que a ofensa à Constituição, se tivesse ocorrido, seria indireta e a incidência da Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal (fls. 86-87).Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO.5. Razão jurídica não assiste à Agravante.6. No voto condutor do acórdão recorrido, o Desembargador Relator afirmou:"No mérito, o recurso também não merece prosperar, devendo subsistir a sentença que, com total acerto, bem observou que: 'Não obstante os autores tenham atacado a disposição contratual, não há como se negar a sua validade. Não se trata aqui da aplicação retroativa da Lei 9.307/96 e sim da existência de uma convenção de arbitragem que a legislação pátria reconhecia antes mesmo da entrada em vigor da lei que regulamentou a arbitragem. Tendo sido a vontade das partes e não se suscitando a nulidade do referido dispositivo contratual, inexiste fundamento legal para que este Magistrado negue validade à convenção de arbitragem.Desta forma, o feito deve ser extinto nos termos do artigo 267, inciso VII, do Código de Processo Civil" (fl.313). (…) Desta forma, verifica-se que as partes pactuaram livremente o Juízo Arbitral, ou seja, recorreram à arbitragem para solucionar eventuais pendências que poderiam surgir no decorrer do contrato" (fls. 40-41).7. Concluir de forma diversa do que decidido pelas instâncias originárias demandaria a análise prévia de legislação infraconstitucional aplicável à espécie. Assim, a alegada contrariedade à Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta,o que não viabiliza o processamento do recurso extraordinário. Nesse sentido, os seguintes julgados:"Recurso extraordinário: descabimento: questão relativa à extinção do processo sem julgamento do mérito decidida à luz de legislação infraconstitucional: alegada violação dos dispositivos constitucionais que, se ocorresse, seria reflexa ou indireta, de reexame vedado no RE: incidência da Súmula 636. 2. Alegações improcedentes de negativa de prestação jurisdicional e de inexistência de motivação do acórdão recorrido" (AI 557.807-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 29.9.2006)."AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA PROCESSUAL. OFENSA INDIRETA. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Matéria processual. Eventual ofensa à Constituição Federal adviria, quando muito, de forma indireta. Agravo regimental a que se nega provimento" (AI 402.675-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 19.12.2002).8. Ademais, o Supremo Tribunal Federal assentou que a alegação de contrariedade ao art. 5º, inc. XXXVI e LV, da Constituição da República, se dependente do exame de legislação infraconstitucional, não viabiliza o recurso extraordinário, pois eventual ofensa constitucional seria indireta. Nesse sentido:"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGADO RECORRIDO: INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 5º, INC. XXXV, XXXVI, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO" (RE 603.357-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 11.3.2010)."RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Alegação de ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal. Ofensa constitucional indireta. Agravo regimental não provido. Alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição" (RE 547.201-AgR, Rel. Min.Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 14.11.2008).Não há, pois, o que prover quanto às alegações da Agravante.9. Pelo exposto, nego seguimento a este agravo (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).Publique-se.Brasília, 22 de novembro de 2010.” (650162 SP , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 22/11/2010, Data de Publicação: DJe- 30/11/2010).

O recurso que originou a ementa do julgado colacionado testou, ao mesmo tempo, perante o STF, a tese da reserva legal e a da inafastabilidade jurisdicional estatal, todas sem sucesso pela parte recorrente, firmando assim entendimento sobre o tema com outros julgados nesse mesmo diapasão.

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como escopo uma breve análise da Lei 9.307/96, dando enfoque aos efeitos da sentença arbitral frente à jurisdição estatal. Com os julgados colecionados, verificamos a imposição pelo tribunais em todas as suas instâncias de dar validade ao compromisso arbitral.

Embora ainda existam juízes de primeira instância que resistam à justiça privada, em dissonância com o entendimento dos tribunais superiores, ao largo do tempo, consolidado o entendimento quanto à arbitragem, não restará mais espaço para entendimento em sentido contrário.

Quanto à questão da constitucionalidade, temos as inúmeras demandas enfrentadas pelo judiciário quanto ao tema arbitragem, o que demonstra que em nenhum momento a parte que se sentiu lesada tivesse sido obstaculizada no seu direito de levar à apreciação jurisdicional sua tese, não vingando a ideia de violação ao direito constitucional insculpido no artigo 5, XXXV, da Constituição Federal.

Os acórdãos sinalizam o posicionamento majoritário dos nossos tribunais, no sentido de consolidar a arbitragem como meio alternativo na solução de conflitos, em se tratando evidentemente de direitos disponíveis.

 

Referências
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Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012.
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Notas:
[1] “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

[2] Incidente de Inconstitucionalidade suscitado na Sentença Estrangeira Contestada do Reino da Espanha n. 5206, julgado pelo plenário do STF em 12.12.2001 (DJU 30.042004): “(…) ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal – dado o seu papel de ‘guardião da Constituição’- se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentalmente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L.9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade de jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o art. 5, XXXV, da CF. Votos vencidos em parte – incluído o do relator – que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória – dada a indeterminação de seu objeto – e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6, parág. único; 7 e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade – aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos da decisão judiciária da sentença arbitral (art.31).” www.stf.gov.br.

[3]  CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 14ª. edição, Editora Saraiva, 2007.

[4]  CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 14 edição, Editora Saraiva, 2007.

[5]  Alvim, J.E. Carreira Alvim. Direito Arbitral, 3ª edição, Editora Forense, 2007.

[6] Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e processo, 3ª edição. Ed. Atlas, 2009.

[7] Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. LEI Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996

[8] Alvim, J.E. Carreira Alvim. Direito Arbitral, 3ª edição, Editora Forense, 2007.

[9] Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

[10] TJ/SP. Agravo de Instrumento n° 0446081-93.2010.8.26.0000. Acórdão nº 03467116.

[11] Dinamarco, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Ed. Malheiros, 6a ed., São Paulo.

[12] TJ/SP. Apelação nº 9199131-85.2009.8.26.0000. Acórdão nº 2011.0000022429.

[13] TJ/PR. AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 885609-3.

[14]  STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 791.260 – RS (2005/0175166-1)


Informações Sobre o Autor

Edgar Luiz de Araujo

Advogado, professor, mestrando em Direito pela Universidade Católica de Santos-SP


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