Resumo: O presente trabalho tem como objetivo compreender o instituto da suspensão condicional da pena (SURSIS) e tentar encontrar soluções para algumas controvérsias doutrinárias a seu respeito.
Abstract: This article's aim is to understand the institute of sursis and try to find a solution for some questions about it.
Palavras chaves: SURSIS; suspensão condicional da pena;
Keyboards: institute of sursis
Sumário: Introdução. 1. Histórico. 2. Conceito. 3. Direito subjetivo do condenado. 4. Espécies de sursis. 5. Requisitos e condições dos sursis em espécies. 6. Momento e competência para a concessão do sursis. 7. Conflito entre a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e o sursis. 8. Crimes hediondos e sursis 8. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O SURSIS ou a suspensão condicional da pena é um instituto jurídico-penal previsto no nosso Código Penal, bem como na Lei de Execução Penal (L. 7.210/84). Embora este instituto tenha perdido parte de sua importância, em decorrência da entrada em vigor da Lei 9.714/1998, que ampliou o rol das penas restritivas de direito, em várias situações tal benefício ainda se mostra um importante instrumento descarcerizador. Assim, importante entendê-lo e buscar soluções para as controvérsias que o circundam.
A importância atual do instituto foi ressaltada por GRECO quando disse que “assistimos estarrecidos, quase que diariamente, as rebeliões em penitenciárias, cadeias públicas, entidades de abrigo de menores, enfim, em todo o sistema que envolve privação da liberdade do indivíduo existe revolta e pânico. A função ressocializadora da pena vai sendo deixada de lado para dar lugar a uma ‘pós-graduação em criminalidade. Presos que foram condenados por infrações não tão graves saem da penitenciária filiados a grupos criminosos, a exemplo do Comando Vermelho, atualmente, o PCC” (2007. p.631).
1. HISTÓRICO
O termo SURSIS nasceu “na França, a lei Bérenger alude a sursis à l’exécution de La peine. O uso forense, entre nós, daí extraiu a primeira palavra, pela qual se vulgarizou o instituto.” (LYRA. 1958. p.471).
Segundo BRITO “O suris, como é conhecida a suspensão condicional da execução pena (sic), nasceu do projeto de lei do senador francês Bérenger, mas antes que fosse aprovado e aplicado na França, 1891, suas idéias serviram de inspiração para o Ministro da Justiça da Bélgica Jules Le June, e por sua iniciativa foi aprovada a lei de 31 de maio de 1888” (2011. p.317).
Entrementes, como bem acentua BITENCOURT “para alguns, a verdadeira origem da suspensão condicional se deu em Massachusetts, Estados Unidos (no ano de 1846), com a criação da Escola Industrial de Reformas. O instituto, inicialmente, nessa escola, destinava-se aos delinqüentes menores, naturalmente primários, que, em vez de sofrerem a aplicação da pena, deveriam ser recolhidos a tal escola, sendo assim subtraídos dos malefícios ocasionados pela prisão” (2013. p.797).
ROBERTO LYRA, com a maestria com que sempre escreveu, apresentou a história do surgimento desse instituto no Brasil:
“No Brasil, a primeira iniciativa de assimilação do benefício pertenceu a Esmeraldino Bandeira.
O seu projeto reproduziu a lei francesa de Bérengern (1891) e apresentava como traço original e referência aos móveis e circunstâncias do crime. Em 1922, o Poder Legislativo autorizou o Executivo a regular o instituto, o que foi feito pelo dec. nº 16.586 de 6 de setembro de 1924.
O ministro João Luís Alves, em mensagem do dia anterior, justificou o projeto pelos objetivos de não-inutilizar o primário, expondo-o ao contágio carcerário, diminuir a reincidência e aliviar os cofres públicos.” (LYRA.1958. p. 471)
Atualmente o instituto vem disciplinado, especialmente, no Código Penal, Decreto-lei No 2.848,/40, em sua primeira parte, reformada pela Lei 7.209/84, do art. 77 ao 82.
2. CONCEITO
A doutrina ainda se divide no momento de conceituar a suspensão condicional da pena.
A discussão ocorre em razão de alguns doutrinadores considerarem que o sursis suspende a pena, enquanto outros entendem que ele suspende a execução da pena privativa de liberdade e há ainda doutrina afirmando que se trata de uma condenação condicional, por fim, há quem defenda ser uma condição suspensiva ou mesmo resolutiva.
Como bem observou o professor Cezar Roberto Bitencourt, “os autores não chegaram a um consenso sobre a melhor denominação para o instituo. Na Espanha a doutrina emprega mais frequentemente a denominação condena condicional, e também remisión condicional. Mas ‘condenação condicional’ constitui uma grave imprecisão e leva a uma conclusão equivocada, pois o que se suspende condicionalmente não é a condenação, mas sua execução, assim, condena condicional se aplicaria melhor ao probation system, no qual o que fica suspenso é a própria condenação, que não é proferida.” (2013. p.799)
Há quem defina a suspensão condicional como um substitutivo penal, como, por exemplo, Cuello Calón, citado por BITENCOURT “não só constitui um substitutivo penal das penas privativas de liberdade, como também um meio de eficácia educadora, pois durante o período de prova, o condenado se habitua a uma vida ordenada e conforme a lei” (2013. p.798).
Entrementes, a definição como substitutivo penal, foi criticada por outros doutrinadores, como bem acentuou LYRA “Para clássicos e ecléticos, a suspensão condicional se substitui à pena, aplicando-se em lugar desta. É um sub-rogado penal e não um substitutivo” (1958. p.474).
LYRA defendeu que seria uma condição suspensiva, e não resolutiva “a suspensão, portanto, como o nome indica, constitui condição suspensiva, restrita à pena privativa de liberdade e não condição resolutiva que acarreta ex tunc a extinção daquele direito, então em pleno exercício” (1958. p.475).
Porém, como bem consignou BITENCOURT há diversos outros doutrinadores que defendem a tese da condição suspensiva, para definir o sursis “há aqueles que concebem a suspensão condicional como uma ‘condição resolutória’, já que a execução da pena fica subordinada a um acontecimento futuro. ‘É condição, porque a pena fica subordinada a um acontecimento futuro e incerto; é resolutiva, porque a indulgência vigorando, desde logo, deixa, portanto, de existir se a cláusula imposta não for cumprida de acordo com o estabelecido” (2013. p.801)
Se posicionando contrário às duas teses, BITENCOURT registra que “é suspensiva uma condição quando a eficácia de um ato ou a aquisição de um direito se subordina à sua verificação; é resolutória a condição quando a eficácia de uma ato ou exercício de um direito somente tem lugar enquanto a conditio não se realiza. Ora, a condenação aplicada no julgamento que concedeu o sursis não ficou dependente de qualquer condição para passar em julgado, bem como sua eficácia. E, ademais, em que pese a suspensão do cumprimento da pena principal, todos os demais efeitos da condenação permanecem válidos” (2013. p.802).
Nos parece, data venia, que a razão está com BITENCOURT, pois encarar o sursis como uma simples condição (resolutiva ou suspensiva) importa em desconsiderar a existência e a plena eficácia da sentença, embora a execução de sua pena principal seja suspensa. A ideia de se encarar a suspensão condicional da pena como uma condição, leva o intérprete ao equívoco de se pensar que a pena só será aplicada se houver o cumprimento de determinadas condições. Ora, há pena aplicada, ainda que não seja a privativa de liberdade. Portanto, BITENCOURT, conforme nosso humilde juízo, está correto.
A definição mais aceitável do instituto em referência é aquela que o compreende como responsável pela suspensão da execução penal.
BRITO, citando Hugo Auler, registra que “para melhor definir o instituto, se deveria considerá-lo expressamente como suspensão condicional da execução penal. Porque não é a condenação que fica suspensa, uma vez que subsiste para todos os efeitos legais, como seja verbi gratia, para pagamento da multa ou o ressarcimento do dano (este pode existir sem pena) para o reconhecimento da reincidência ou a recusa de segunda aplicação do mesmo benefício legal, com exceção, portanto e unicamente, de seu efeito privativo de liberdade” (2011. p.317).
Ratificando esse posicionamento BITENCOURT se posiciona “a nosso juízo, suspensão condicional da execução da pena é a terminologia mais adequada, pois reflete melhor o verdadeiro sentido e alcance dessa medida de política criminal (2013. p.800).
3 – DIREITO SUBJETIVO DO CONDENADO
Analisando apressadamente o art. 77 do Código Penal somos levados a crer que se trata de uma faculdade do juiz a aplicação do sursis.
“Art. 77 – A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:”
Isso se deve ao uso da palavra PODERÁ, que nos dá a ideia de faculdade. Porém, não é esse, segundo nosso modesto juízo, o melhor entendimento.
Deixar a aplicação do sursis a livre discricionariedade do juiz, seria o mesmo que possibilitar decisões contrárias em situações idênticas, ferindo de morte o princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF/88), segundo o qual onde há a mesma razão deve haver o mesmo direito.
O STF por diversas vezes teve oportunidade de se manifestar sobre o assunto, e parece haver certa confusão em definir o que é direito público subjetivo quando o assunto é o sursis, senão vejamos:
“Também não se concede o benefício da suspensão condicional da execução da pena como direito subjetivo do condenado, podendo ela ser indeferida quando o juiz processante demonstrar, concretamente, a ausência dos requisitos do art. 77 do cp.” (STF HC 84342 / RJ – RIO DE JANEIRO).
Ora, se o juiz é obrigado a analisar os requisitos da suspensão, então, estamos diante de um direito subjetivo, porque seria completamente ilógico determinar que se analisasse os requisitos e depois autorizar ao juiz a negar o benefício conforme seu alvedrio. A exigência da fundamentação para não conceder o sursis é uma prova de que ele é um direito subjetivo, ou seja, somente com uma decisão fundamentada, poder-se-á demonstrar que o condenado não preenche alguns dos requisitos exigidos pela lei, e, portanto, não deverá receber o benefício.
Assim, nos parece estar com a razão GRECO quando afirma “ao determinar o obrigatório pronunciamento do juiz, a lei penal exigiu fossem analisados todos os requisitos que possibilitam a suspensão condicional da pena, os quais, se preenchidos, conduzirão à sua concessão pelo juiz. Assim, trata-se de direito subjetivo do condenado, e não simples faculdade do julgador” (2007. 632).
4. ESPÉCIES DE SURSIS
São vários tipos de sursis, geralmente denominados a partir de uma relação lógica com alguns de seus requisitos ou âmbito de aplicação.
O primeiro é o SURSIS SIMPLES. Este está previsto no art. 78 §1º do CP:
“Art. 78 – Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz.
“§1º – No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48).”
A segunda espécie é o SURSIS ESPECIAL, este está previsto no art. 78, §2º do CP:
“Art. 78, § 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente
a) proibição de freqüentar determinados lugares;
b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.”
Há também o denominado SURSIS ETÁRIO, que é concedido a pessoa condenada maior de 70 (setenta) anos. A previsão legal desta espécie está no art. 77, §2º do CP:
“Art. 77, § 2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.”
Por fim, há também o SURSIS HUMANITÁRIO, previsto na mesma disposição legal citada acima, na seguinte parte: “razões de saúde justifiquem a suspensão.”
5. REQUISITOS E CONDIÇÕES DOS SURSIS EM ESPÉCIES
O SURSIS SIMPLES será concedido quando a pena aplicada não ultrapassar dois anos, nos termos do art. 77 caput do CP. O período de prova nessa espécie pode variar entre dois e quatro anos, conforme decisão fundamentada do juiz.
Para receber tal sursis o condenado não pode ser: reincidente em crime doloso. Frisem-se três pontos importantes: primeiro, a reincidência deve ser em crime, ou seja, excluída estão as contravenções penais; segundo, a reincidência será em crime doloso, em outras palavras, reincidência em crimes culposos não impede a concessão do instituto. Outro ponto, não menos importante, é o de que a condenação à pena de multa, ainda que doloso o crime, não impede a concessão do benefício (art. 77, §1º, CP).
Além disso, “A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias” devem autorizar a concessão do benefício.
Por fim, não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código, leia-se penas restritivas de direito. Há aqui um conflito entre os institutos: suspensão condicional da pena e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. Tal conflito será abordado especificamente em tópico separado. Mas, por enquanto, cumpre ressaltar que, as penas restritivas de direito têm preferência quando conflitam-se com o sursis.
As condições são impostas pelo juiz, embora esse tenha liberdade para impor as condições, toda condição deve ser fundamentada e correlacionada ao fato e à pessoa do condenado. Entretanto, o CP determina que no primeiro ano do cumprimento do período de prova, seja imposta ao condenado a pena de prestação de serviço à comunidade ou a limitação de final de semana.
Não obstante a clareza do dispositivo legal é bom que se diga: será apenas uma dessas opções imposta, ou a prestação de serviço ou a limitação de final de semana no primeiro ano do período de prova. O juiz pode até impor outra condição, mas não pode impor a limitação e a prestação de serviço cumulativamente no primeiro ano.
O SURSIS ESPECIAL não impõe ao condenado a pena de prestação de serviço à comunidade ou a de limitação de final de semana, como ocorre no sursis simples.
Dito isso, é evidente que tal sursis é menos gravoso que o simples, por isso que para a concessão dessa modalidade se exige o cumprimento de mais requisitos que o simples.
O art. 78, §2º CP estabelece que para ter direito ao sursis especial o condenado deve reparar o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, além das condições do art. 59 do CP serem completamente favoráveis.
Uma leitura desavisada pode levar o intérprete a crer que o sursis simples também exige o cumprimento das circunstâncias judiciais, sendo, portanto idênticos os requisitos. Não é bem assim. Isso porque, embora haja identidade de alguns institutos entre o art. 59 e o inciso II do art. 77, todos do CP, nem todos daquele estão presentes neste. Como por exemplo, os “motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima”, perceba que o art. 59 trata dos motivos, circunstâncias e conseqüências do crime, enquanto no sursis simples se considera as circunstâncias e os motivos no momento da concessão. Assim, para a concessão do sursis especial é necessário que se avalie dois requisitos a mais que o sursis simples: 1) reparação do dano; 2) os “motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima.” Não se está olvidando a explicação que há na exposição de motivos da parte geral do CP, nos itens 62 a 71, mas é a lei que deve ser interpretada, a exposição de motivos serve como instrumento que apenas auxilia a interpretação, não impondo-a. Destarte, partindo do princípio de que não há palavras desnecessária na lei, a melhor interpretação, melhor porque amplia o campo de aplicação do sursis, é a que não considera as circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima para conceder o sursis simples.
Em substituição a pena de prestação de serviço à comunidade ou a de limitação de final de semana no primeiro ano do período de prova o juiz imporá as seguintes condições cumulativamente: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades (art. 78, §2º, alíneas a, b, c, do CP).
Ressalte-se que “a estas condições, outras poderão ser acrescentadas, em face da permissão concedida pelo art. 79 do CP, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado” (BRITO. 2011. p.322).
O SURSIS ETÁRIO é “produto de emenda legislativa e afinado com os modernos princípios de política criminal, privilegiou o cidadão com mais de setenta anos. Levou o fator velhice, que reduz a probabilidade de voltar a delinqüir e diminui a expectativa de voltar a viver em liberdade de quem, eventualmente, for encarcerado nessa faixa etária” (BITENCOURT. 2013. p.808).
O limite da pena privativa de liberdade nesse sursis é aumentado de 2 (dois) para 4 (quatro) anos, entrementes, visando compensar o benefício, o período de prova também é elevado de 2 (dois) a 4 (quatro) para 4 (quatro) a 6 (seis).
Bom observar que não há condições especiais para o condenado que receber o sursis etário, ele terá que cumprir as condições do sursis simples ou especial, conforme o caso. O que se altera nesse caso é o campo de aplicação do sursis (pena de até quatro anos) e a idade do condenado (maior de setenta anos).
O SURSIS HUMANITÁRIO está previsto na mesma disposição legal que o sursis etário, o campo de aplicação é o mesmo, no que tange a pena aplicada, ou seja, pena não superior a quatro anos. O período de prova também é idêntico: quatro a seis anos.
Tal espécie “trata-se de uma nova modalidade de sursis, acrescida pela Lei n. 9.714/98. A nova redação do §2º do art. 77 deixa claro que ‘razões de saúde’ podem justificar a concessão do sursis, também para pena não superior a quatro anos, independentemente da idade. Cuida-se, na verdade, de uma nova espécie de sursis e não simplesmente de um novo requisito do ‘sursis’ etário” (BITENCOURT. 2013. p. 809).
6. MOMENTO E COMPETÊNCIA PARA A CONCESSÃO DO SURSIS
Deve ser analisada a possibilidade de aplicação do sursis na sentença, nos termos do art. 157 da Lei de Execução Penal (LEP – L. 7210/84):
“O Juiz ou Tribunal, na SENTENÇA que aplicar pena privativa de liberdade, na situação determinada no artigo anterior, deverá pronunciar-se, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer a conceda, quer a denegue.”
Se, em razão de recurso para o Tribunal, haja a possibilidade de aplicação do sursis, deverá, então, o próprio Tribunal aplicá-lo e estipular as condições, art. 159 LEP. Entrementes, poderá o Tribunal delegar a competência de estipular as condições para o juiz da execução (art. 159, §2º, LEP). Vale lembrar que “a competência poderá ser delegada tanto para a indicação das condições do sursis concedido originariamente pelo Tribunal quanto para simples alteração das condições impostas pelo juiz da condenação” (BRITO. 2011. p.321).
Seja no Tribunal ou no juízo de primeira instância, havendo sentença condenatória, na qual se aplique o sursis, assim que transitar “em julgado a sentença condenatória, o Juiz a lerá ao condenado, em audiência, advertindo-o das conseqüências de nova infração penal e do descumprimento das condições impostas.” (art. 160, LEP). Tal audiência é denominada admonitória (§2º, art. 159, LEP).
Por fim, vale ressaltar que “O Juiz poderá, a qualquer tempo, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante proposta do Conselho Penitenciário, modificar as condições e regras estabelecidas na sentença, ouvido o condenado.” (art. 158. §2º, LEP).
7 – CONFLITO ENTRE A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO E O SURSIS
O CP se posicionou no sentido de que, havendo conflito entre o sursis e a substituição do art. 44 do CP, prevalecerá sempre a substituição, é o que se pode extrair do item 65 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do CP:
“Tais condições transformaram a suspensão condicional em solução mais severa do que as penas restritivas de direitos, criando-se para o juiz mais esta alternativa à pena privativa da liberdade não superior a 2 (dois) anos.”
Embora na imensa maioria das vezes a substituição seja mais favorável que o sursis, há situações que fogem à regra, como por exemplo, um taxista que vê sua carteira de motorista cassada em decorrência de uma condenação por um acidente culposo no trânsito, tal sanção é muito mais grave que o sursis (BOSCHI. SILVA apud BITENCOURT. 2013. p. 805). Há ainda outra situação também paradoxal, trata-se da situação em que a pena aplicada e a situação concreta comporta o sursis especial e, também, a substituição por restritiva de direito, evidentemente que esta última será mais gravosa, pois o sursis especial muito pouco, ou quase nada, restringe o condenado em sua liberdade, enquanto a restritiva de direito, afetar-lhe-á mais.
Diante desse conflito, pode-se optar pela aplicação fria da lei, ou realizar uma interpretação constitucionalmente adequada.
Considerando a razão de ser dos dois institutos em conflito, pode-se concluir que ambos buscam evitar encarceramento de condenados em virtude de condenação à pena de curta duração. Dessa maneira, se o objetivo da pena no moderno direito penal é (re)socializar o condenado, caso seja possível, no caso concreto, alcançar esses objetivos com o instituto menos invasivo na vida do sentenciado, deve ser este utilizado. Isso porque, se os interesses do direito penal são alcançados pelo instituto menos agressivo, não há nada que justifique ferir mais do que o necessário o direito à liberdade (art. 5º, CF). Sendo aplicado o instituto mais gravoso desnecessariamente, além da restrição indevida ao direito de liberdade, estar-se-á ferindo de morte o princípio da proporcionalidade, que determina, entre outras coisas, que se escolha o caminho menos invasivo para se alcançar um fim. Nesse ponto vale citar as palavras de Inocêncio Coelho “utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de diretos – muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios – o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça eqüidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo do ordenamento jurídico.” (2008. p.120). Dessarte, a escolha constitucionalmente adequada é a menos invasiva ao direito de liberdade, que nos exemplos acima seria o sursis.
CRIMES HEDIONDOS E SURSIS
Mesmo não havendo vedação quanto a concessão de sursis para os crimes hediondos, ainda assim os tribunais superiores insistiam em negar o Benefício (BRITO. 2011. p.320).
Entrementes, diante da reviravolta que ocorreu em relação a escandalosa inconstitucionalidade prevista na Lei 8072/90, especificamente em seu artigo 2º, §1º, onde se previa o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, os tribunais vem mudando sua opinião, conforme se pode notar no HC84.414 STF.
Mas como bem advertiu BRITO não necessitaria sequer dessa declaração de inconstitucionalidade, bastava equiparar esse benefício “outro benefício, também direito subjetivo do réu, e permitido pela legislação, qual seja, o livramento condicional.” (BRITO. 2011. p.321)
Deve-se registrar que impedir a concessão de sursis ao crime hediondo é um retrocesso sem tamanho, que contraria o princípio da individualização da pena, bem como o principal objetivo da LEP: (re)integrar o condenado à sociedade.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir que o sursis ao lado de outros instrumentos descarcerizadores tem sua parcela de importância na tentativa de evitar que os males do sistema penitenciário acabe por inviabilizar uma ressocialização possível.
Dessa maneira não nos parece correto criar teorias ou assumir posições que reduzam seu campo de atuação, ao contrário, deve-se aumentar seu campo de abrangência, principalmente considerando a situação calamitosa do nosso sistema penitenciário.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Romano Torres
Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara Belo Horizonte Minas Gerais. Advogado atuante na área criminal e professor de Sociologia