Resumo: A globalização esta presente nas mais diversas áreas da sociedade. A sua presença se intensifica nomeadamente nas áreas da comunicação, da liberdade de movimentação das pessoas, mercadorias e capitais em graus diferentes, dependendo do nível de desenvolvimento e de integração das nações ao redor do mundo. Assim, neste contesto, podemos dizer que a globalização proporciona a formação de blocos regionais constitui uma tendência mundial, a exemplo da União Europeia (UE), que é o modelo mais avançado já criado nesse sentido. Na UE o trabalhador pode circular livremente, o que amplia de forma significativa o seu campo de trabalho. [1]
Palavras – Chave: Globalização, União Europeia, Livre Circulação, trabalhador.
Abstract: Globalization is present in several areas of modern society.Their presence is intensified in areas as communication and freedom of movement of people, goods and capital in different degrees around the world. We can say that globalization provides the creation of regional blocs as the European Union, which is the most advanced model ever created. In European Union, the worker can move freely, which significantly increases your job opportunities.
Key Words: Globalization, European Union, Free Movement, Worker.
Sumário: Introdução. 1 Quem é o Trabalhador que tem Direito a livre circulação? 2 O Princípio Da Livre Circulação Na União Europeia. 2.1 A livre Circulação das Pessoas. 2.2 A livre Circulação de Trabalhadores. 2.2.1. O período de transição previsto no Tratado de Roma. 2.2.2 O Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e a Diretiva 2004/38. 3 O principio da não discriminação. 4 Dos limites e das exceções à livre circulação dos trabalhadores. 4.1 Empregos na Administração Pública. 4.2 Medidas de Ordem Pública, Segurança Pública e Saúde Pública. 4.3 Conhecimentos Linguísticos. 5 Da Segurança Social: Os Princípios Fundamentais Do Sistema De Coordenação Da Segurança Social 5.1 Princípio da Igualdade de Tratamento. 5.2 Princípio da Totalização dos Períodos de Desconto ou de Residência. 5.3 Princípio da Proibição da Dupla Prestação. 5.4 Princípio da Irrelevância da Condição de Residência ou Princípio da Exportação. 6 Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A globalização consiste no fenômeno de intensificação dos processos de integração econômica, social, cultural e política entre os países, propiciada por um maior acesso das populações aos meios de transporte e de comunicação, que se verificou a partir do final do século XX e início do século XXI. Trata-se de uma nova etapa do capitalismo, que possibilita o desenvolvimento de um mercado de maiores dimensões para os países centrais (ditos desenvolvidos), cujos mercados internos já se encontram saturados. A globalização atinge todas as áreas da sociedade, notadamente a da comunicação e a da liberdade de movimentação das pessoas, mercadorias e capitais em graus diferentes, dependendo do nível de desenvolvimento e de integração das nações ao redor do mundo. Neste novo contexto, a formação de blocos regionais constitui uma tendência mundial, a exemplo da União Europeia (UE), que é o modelo mais avançado já criado nesse sentido.
Atualmente, a União Europeia enfrenta uma situação de grave crise econômica, que acaba por gerar sérios desequilíbrios entre os Estados-Membros. Enquanto alguns enfrentam momentos de grande instabilidade econômica, como a Espanha, a Grécia e Portugal, outros conseguem manter um relativo crescimento econômico, como a Alemanha. Esta situação se reflete principalmente nos índices de desemprego de cada Estado-Membro, o que pode induzir à intensificação da circulação de trabalhadores para os países com maiores oportunidades de trabalho.[2] Tal questão foi contemplada no Tratado de Roma, que estabeleceu um período de transição através da estipulação de cláusulas restritivas à livre circulação de trabalhadores. Trata-se do princípio da proteção do trabalhador nacional.
O Tratado de Roma prevê limitações ao princípio da livre circulação dos trabalhadores na União Europeia? Cabe ainda indagar se poderão ser impostas outras limitações de modo a reforçar a proteção dos trabalhadores nacionais. Seriam tais restrições uma violação ao princípio da livre circulação dos trabalhadores na União Europeia? O Estado-Membro tem o direito de proteger o seu mercado de trabalho? A proteção social também nos deixa inquietos, no sentido de se buscar uma solução que evite que o Estado-Membro que vier a acolher o trabalhador tenha que arcar com custos exacerbados. Por fim, em que medida o princípio da livre circulação pode propiciar melhores condições de vida para o trabalhador?
1 QUEM É O TRABALHADOR QUE TEM DIREITO A LIVRE CIRCULAÇÃO?
Mas afinal, quem é esse trabalhador que tem o direito à livre circulação dentro da UE? O conceito de trabalhador, para fins e efeitos das normas da UE, não deve ser o mesmo utilizado pelos Estados-Membros. De acordo com Machado, trata-se de um conceito autônomo, e por isto mesmo distinto do conceito de trabalhador previsto na legislação dos Estados-Membros. Assim, para podermos conceituar o que vem a ser trabalhador, torna-se necessário fazer uma diferenciação entre as atividades assalariadas e as não assalariadas[3]. Portanto, é trabalhador o indivíduo que exerce uma atividade econômica recebendo em contrapartida uma retribuição, e que está subordinado juridicamente ao seu empregador. “Especialmente relevante é que, no Estado-membro em causa, essa pessoa seja considerada trabalhador pelo Direito do Trabalho.”[4]
Segundo Gorjão-Henriques, o trabalhador é qualquer pessoa nacional de um Estado-membro que esteja exercendo uma atividade assalariada, ou que já a exerceu, ou ainda aquele que está à procura de uma atividade assalariada. Afinal, segundo o mesmo autor, a norma que rege quem “exerce uma actividade assalariada actual, abrange igualmente quem está em condições de exercer uma actividade, tendo-a já exercido ou não”.[5]
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) segue o entendimento de que o conceito de trabalhador deve ser interpretado de forma ampla, utilizando-se, para tanto, de critérios objetivos. Assim sendo, este órgão tem rejeitado interpretações restritivas sobre este conceito, levadas a cabo pelos Estados-membros. No que tange às restrições, o TJUE entende que elas devem ser analisadas através de um viés mais conservador.[6]
O TJUE usa critérios objetivos para conceituar trabalhador e atividade assalariada. Um dos critérios analisados é a relevância fronteiriça da relação laboral. Por este critério, devem estar em causa no mínimo dois Estados-Membros. Deve-se, ainda ter cuidado na utilização do termo “fronteiriço”, pois este pode ter várias acepções. Consoante Machado, por este critério o conceito de trabalhador pode abranger: (i) o trabalhador que estudou em outro Estado-Membro e que, após concluir e receber o diploma do terceiro ciclo, retornou para procurar emprego no seu próprio Estado; (ii) o trabalhador de um Estado-Membro que está executando sua atividade para uma empresa da UE, mas fora do território desta; e, por fim, (iii) o trabalhador que exerce uma atividade em um Estado-membro e reside em outro.[7]
Também é adotado o critério da atividade real e efetiva. De acordo com este critério, a forma pela qual o trabalhador foi contratado não é a determinante, uma vez que se adota a primazia da realidade sobre os aspectos meramente formais. Portanto, para a determinação de uma atividade assalariada, deve ser verificado se há trabalho subordinado, ou seja, se o trabalhador está juridicamente subordinado ao empregador; se recebe um salário como contraprestação do seu trabalha e, ainda, se tem liberdade ou não de programar seus horários de trabalho e de contratar a sua própria equipe. Assim sendo, o fato dele receber sua remuneração de forma diversa daquela convencionalmente estabelecida não implica a descaracterização de trabalhador assalariado.[8]
Vale ressaltar que, para a jurisprudência, é necessário que o trabalho seja real e efetivo, não importando se o mesmo é realizado a tempo parcial ou integral e de curta duração, como pode ser observado no seguinte Acórdão: “Todos os governos que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, bem como a Comissão das Comunidades Europeias, estão de acordo em considerar que uma relação de trabalho de curta duração, fixada desde a origem, não exclui, por si só, o reconhecimento do estatuto de trabalhador na acepção do artigo 48.° do Tratado. Referem à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual só pode ser qualificado de trabalhador quem exerça atividades reais e efetivas, com exclusão de atividades de tal maneira reduzidas que se afigurem puramente marginais e acessórias”.[9]
Em suma, pode circular livremente dentro da UE o trabalhador que exerce uma atividade econômica fora do seu Estado nacional, por conta de outrem, percebendo salário, e estando juridicamente subordinado ao empregador. Em outras palavras, esse trabalhador não pode escolher livremente a sua jornada de trabalho; não tem poderes para tomar decisões, como, por exemplo, escolher quem integrará a sua equipe de trabalho, dentre outras situações de direção que competem apenas ao empregador, além de não poder assumir o risco do negócio. Como vimos acima, este trabalho pode se realizar em tempo integral ou parcial, de curta ou de longa duração. Por fim, deve este ser considerado no Estado-membro de acolhimento como um trabalhador pelo respectivo direito interno, como pode ser verificado no Regulamento 1612/68, nº 1.1.[10]
Neste sentido, parece-nos que o ponto chave para se identificar quem é trabalhador reside no binômio salário/subordinação, pois são estes critérios específicos que distinguem[11] a livre circulação do trabalhador da liberdade de estabelecimento e da prestação de serviço.[12]
2 O PRINCÍPIO DA LIVRE CIRCULAÇÃO NA UNIÃO EUROPEIA
2.1 A livre Circulação das Pessoas
A liberdade de circulação é um dos pilares da União Europeia, e funda-se na livre movimentação de mercadorias, de pessoas, de serviço e de capitais. Segundo Fernandes, “a liberdade de circulação é, como se disse, um segmento estruturante da ordem jurídica comunitária e o pivô da construção do mercado europeu de trabalho”.[13] Inicialmente, este direito à livre circulação se caracterizava por fatores econômicos, por força da constituição do mercado comum. Contudo, este entendimento foi se modificando e hoje a livre circulação de pessoas é um direito fundamental e individual[14] que decorre da cidadania europeia, como pode ser verificado no artigo 21º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Segundo o Tratado, “qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação”.
Um aspecto jurídico relevante nesta matéria é a Diretiva 2004/38[15], a qual entrou em vigor em todos os Estados-Membros em 30 de Abril de 2006, e que veio reformular os instrumentos da UE. Podemos observar que o seu objetivo maior foi o de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e o direito de residência para o cidadão da UE e seus familiares. Esta Diretiva estabelece que a livre circulação de pessoas é uma das liberdades fundamentais para o mercado interno, uma vez que se está em um espaço sem fronteiras internas, e esta liberdade é assegurada pelo Tratado.[16]
2.2 A livre Circulação de Trabalhadores
2.2.1. O período de transição previsto no Tratado de Roma
O Tratado de Roma[17] veio estabelecer a livre circulação de trabalhadores na Comunidade, e previu um período de 12 (doze) meses de transição[18], o qual foi dividido em três fases de quatro anos cada uma. Esta transição decorreu da preocupação de se ter um grande fluxo de trabalhadores dentro da Comunidade em um único sentido, pois havia um elevado número de desempregados em muitos Estados-Membros, nomeadamente na Itália. Em suma, o objetivo desta transição era o de preservar os mercados nacionais de emprego, tendo em vista que o deslocamento em massa das pessoas poderia levar a um desequilíbrio no Estado-Membro que estivesse recebendo esta mão de obra.[19]
A primeira fase desta transição teve início com o Regulamento 15/61, o qual traçava as primeiras medidas para a livre circulação dos trabalhadores na Comunidade. Como mencionado, havia uma preocupação quanto a um eventual desequilíbrio no mercado interno de trabalho. Em razão disto, esse Regulamento estabeleceu restrições à livre circulação através do princípio da prioridade dos trabalhadores nacionais. De acordo com este princípio consagrado no Regulamento, somente era permitido o deslocamento do trabalhador de um Estado-Membro para exercer uma atividade econômica assalariada em outro Estado-Membro, se neste não existisse um trabalhador nacional que pudesse ou que apresentasse interesse em preencher aquela oferta de emprego. Assim, a oferta de emprego ficava disponível para os trabalhadores nacionais durante três semanas. Após este prazo, a vaga estaria disponível para ser preenchida por qualquer trabalhador de algum dos Estados-Membros da União.
Surge aqui uma outra questão: seria esse princípio absoluto? Em que medida as empresas que forneciam as ofertas de emprego deveriam seguir sempre estas regras da proteção do trabalhador nacional? Pode-se dizer que não se trata de um princípio absoluto. Por um lado, havia a possibilidade de uma oferta ser feita diretamente a um membro da família de um trabalhador, ou a um profissional com qualificações específicas, sendo estas as chamadas cláusulas nominais. Por outro lado, o Estado-Membro de acolhimento deveria fazer o reconhecimento automático da renovação de autorização de trabalho, desde que o trabalhador estivesse trabalhando a um determinado tempo neste Estado-Membro.[20]
O referido Regulamento consagrava ainda a proteção dos trabalhadores contra a discriminação, uma vez que previa tratamento igual, nomeadamente nas condições de emprego, entre os migrantes e os nacionais, além da liberdade de filiação em sindicatos, bem como a vedação no sentido das leis e dos instrumentos normativos conterem qualquer discriminação em decorrência da nacionalidade. Além disso, o Regulamento continha diretrizes para facilitar a divulgação da oferta e da procura de emprego, através da cooperação entre os Estados-Membros e a Comunidade. Assim, foi criado o Centro Europeu de Coordenação da Compensação da Oferta e da Procura de Trabalho.[21]
A segunda fase tem início com o Regulamento nº 38/64 e a Diretiva nº 64/240. Tal Regulamento ampliou significativamente as possibilidades de circulação dos trabalhadores que não tinham sido contemplados pelo Regulamento nº 15/61. Segundo Fernandes, esta ampliação ocorre nomeadamente no caso de trabalhadores fronteiriços sazonais, artistas e músicos. O Regulamento também eliminou o principio da atribuição de prioridade aos trabalhadores nacionais no acesso ao emprego, o que permitiu o acesso imediato de qualquer trabalhador da Comunidade nos mesmos termos e condições dos nacionais.
Entretanto, o Regulamento manteve uma ressalva em que fica definido que um Estado-Membro poderia restringir a entrada de trabalhadores de outro Estado-Membro especialmente nas profissões ou regiões em que havia mão de obra em excesso. Esta cláusula permitia que qualquer Estado-Membro, através de uma simples comunicação[22], fechasse as suas fronteiras para outros trabalhadores da Comunidade.[23]
A terceira e última fase de transição tem início com o Regulamento nº 1612/68[24] e com a Diretiva nº 68/630[25]. Através da edição destes diplomas. consagrou-se a liberdade de circulação dos trabalhadores. Com efeito, os trabalhadores dos Estados-Membros foram equiparados aos nacionais, notadamente no tocante ao acesso às atividades econômicas assalariadas e à proteção social.[26]
O Regulamento 1612/68 consagra o princípio fundamental da livre circulação dos trabalhadores assalariados[27] ou dependentes economicamente, além do direito deste trabalhador se instalar no Estado-membro de acolhimento com a família, independentemente de sua nacionalidade.[28] Esta liberdade de circular deve proporcionar ao trabalhador meios para melhorar a qualidade das condições de trabalho e a promoção social. O Regulamento consagra ainda o princípio da igualdade, que estabelece que tais trabalhadores devem receber o mesmo tratamento dispensado aos nacionais. Em síntese, o diploma em exame impõe que seja aplicado aos trabalhadores de outros Estados-Membros as mesmas condições legislativas aplicáveis aos nacionais. Neste sentido, o serviço de emprego deve tratar de forma igual todo cidadão europeu, além de estabelecer, através de mecanismos adequados, a troca de informações entre os serviços de emprego, de forma a permitir um maior acesso aos pedidos e às ofertas de trabalho[29].
2.2.2 O Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e a Diretiva 2004/38
O art. 45 da TFUE assegura a livre circulação dos trabalhadores na UE, através da eliminação da discriminação entre os trabalhadores dos Estado-Membros e os nacionais, especialmente nas questões referentes à remuneração e demais condições de trabalho[30]. Esta liberdade de circulação, segundo o nº 3 do artigo supra, compreende não apenas o direito de trabalhar em outro Estado-membro como também o de (i) responder à oferta de emprego em qualquer Estado-membro; (ii) deslocar-se livremente para este fim no território dos Estados-Membros; (iii) residir em um dos Estados-Membros a fim de nele exercer uma atividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais; (iv) permanecer no território de um Estado-Membro depois de nele ter exercido uma atividade laboral, nas condições que serão objeto de regulamentos a serem estabelecidos pela Comissão.[31]
Assim sendo, o trabalhador tem o direito de procurar emprego em outro Estado-Membro nas mesmas condições dos nacionais, além de ter o direito ao mesmo auxílio dos serviços públicos de emprego. No caso do trabalhador ser candidato a uma oferta de emprego, terá ainda o direito de permanecer no Estado-Membro de acolhimento por um tempo razoável para conhecer e analisar a oferta, assim como para providenciar o que for necessário para ser contratado. Todavia, decorrido o prazo previsto,[32] o trabalhador não poderá ser expulso pelo Estado de acolhimento, se demonstrar que a busca pelo emprego continua e que há possibilidade de ser contratado[33].
De acordo com o mesmo artigo, o trabalhador pode residir[34] no Estado-membro em que for exercer uma atividade laboral. Ele tem ainda o direito de levar a sua família, sejam seus membros[35] cidadãos europeus ou não. Esta previsão esta contida na Diretiva 2004/38, no nº 5 das Considerações.[36] A Diretiva confere ao termo família um sentido mais amplo. Assim, no caso de existir alguma pessoa da família que esteja acompanhando o trabalhador, mas que tecnicamente não esteja abrangida pela definição de “membros da família”, deverá o Estado de acolhimento analisar a viabilidade de permissão de residência levando em consideração a relação que esta pessoa tem com o cidadão europeu, por não ter uma liberação automática para residir.[37]
A Diretiva estabelece ainda em que condições podem os membros da família, sejam eles cidadãos da comunidade ou não, conservar do direito de residência em caso de morte ou partida do cidadão da União ou em caso de divórcio, anulação do casamento ou cessação da parceria registada[38].
Devemos ainda indagar se pode ser exigido algum tipo de registro específico pelo Estado-Membro de acolhimento para que o trabalhador possa nele residir. Se houver qualquer exigência, pode esta ser considerada como uma restrição à livre circulação do trabalhador?
Com relação à primeira questão, temos que a Diretiva 2004/38 retirou a exigência dos cartões de residência para os cidadãos da União Europeia, que foram substituídos por um certificado de registro. Deste modo, se o trabalhador permanecer um período superior a três meses[39], o Estado-membro de acolhimento pode exigir um registro junto às autoridades competentes. O prazo para o registro será fixado por cada Estado-membro, não podendo ser inferior a três meses, pois a permanência durante este período independe de qualquer registro.
No tocante à segunda questão, perfilhamos o entendimento de que esta exigência não é uma restrição à livre circulação. Primeiro, porque os Estados-membros podem não exigir este registro[40] e, segundo, porque o mesmo segue apenas as formalidades administrativas para um controle interno territorial[41], não tendo por finalidade uma discriminação entre nacionais e os demais trabalhadores da União. Assim, o cidadão pode residir em outro Estado-membro por um período superior a três meses, devendo porém para este fim cumprir certas condições previstas na diretiva.
Ponto fulcral neste momento é discutirmos em que condições o trabalhador pode permanecer no Estado de acolhimento depois de ter exercido uma atividade laboral. O trabalhador e os membros de sua família continuarão beneficiando do direto de residência no Estado-membro de acolhimento enquanto mantiverem preenchidas as condições exigidas. Os trabalhadores que têm o direito de residência não perdem este direto enquanto não se tornarem um encargo desarrazoado para o regime de segurança social do Estado-membro de acolhimento. Portanto, antes de afastar um trabalhador do seu território deve ser analisado se as dificuldades que ele está passando são temporárias, e também o tempo de residência no Estado em causa, a situação pessoal do trabalhador e a soma do valor que foi concedido para ajudá-lo.[42] Podemos perceber que o afastamento do trabalhador e dos membros de sua família não pode ser automático, uma vez que exige-se a análise de vários elementos importantes para se concluir se o trabalhador está ou não promovendo encargo excessivo para a assistência social do Estado-membro de acolhimento.
3 O PRINCIPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO
Não discriminar constitui matéria basilar da liberdade de circulação dos trabalhadores. Do art. 45º nº 2 do TFUE podemos extrair o princípio da não discriminação[43] em razão da nacionalidade[44] para os cidadãos da União Europeia. Depreende-se deste conteúdo normativo que não poderá ser dispensado aos trabalhadores de outro Estado-membro nenhuma diferenciação em comparação com os nacionais, nomeadamente em relação ao emprego, à remuneração e às demais condições de trabalho[45]. Segundo Duarte, ainda que tal imposição não estivesse prevista de forma expressa, a não discriminação continuaria sendo um pressuposto básico para a completa efetivação da livre circulação dos trabalhadores, assim como de todos os cidadãos na União Europeia.[46]
Este dever de não discriminar impõe ao Estado-Membro obrigações de conteúdo positivo e negativo. Isto porque cria para o Estado o dever de praticar atos para a retirada de possíveis obstáculos[47] à liberdade de circulação do trabalhador, ou ainda de abster-se de realizar determinados atos que possam colocar limitações a esta liberdade.[48] Tais imposições são também colocadas no caso do acesso ao emprego, pois os Estados-membros de acolhimento devem eliminar as restrições que, de uma forma ou de outra, coloquem empecilhos à contratação de trabalhadores da União Europeia para os postos de trabalhos existentes no seu território. Estes trabalhadores também não podem ser discriminados no emprego, ou seja, no exercício de sua atividade e de suas funções dentro da empresa[49]. Neste sentido o dever de não discriminar é imposto também ao particular, isto é, aos sindicatos, que não podem incluir cláusulas discriminatórias nas Convenções Coletivas de Trabalho (CCT), e aos empregadores, que não podem dispensar tratamento distinto aos nacionais e não nacionais.
Tem-se, portanto, que este princípio deriva daquele que prescreve a igualdade de tratamento aos trabalhadores da UE[50]. Logo, pode-se depreender que a aplicação destes princípios visa a impedir que os Estados-Membros de acolhimento imponham aos trabalhadores não nacionais situações de trabalho precárias ou menos vantajosas em comparação com a situação dos nacionais. No entanto, como poderá o órgão julgador identificar a ocorrência de uma discriminação que está sendo praticada contra um trabalhador da UE? Segundo Duarte, a grande dificuldade do intérprete do Direito está em conseguir provar que existe uma diferença de tratamento entre o nacional e o migrante, e que esta é injustificada e arbitrária. Assim, não há na diferença de tratamento um motivo legítimo que possa justificá-la.[51]
Em síntese, o princípio da não discriminação que está assegurado no ordenamento da União, garante tratamento igual aos nacionais para todos os trabalhadores da UE. Adotamos o entendimento que esta garantia de não discriminação encoraja os trabalhadores na busca de melhores condições de trabalho e de vida para si e para seus familiares, uma vez que o mercado de oferta de trabalho torna-se significativamente maior.[52]
4 DOS LIMITES E DAS EXCEÇÕES À LIVRE CIRCULAÇÃO DOS TRABALHADORES
Conforme estabelece o art. 45 do TFUE, a livre circulação de trabalhadores esta condicionada à nacionalidade destes. Assim, o direito à livre circulação, que é um direito fundamental, está garantido para os trabalhadores nacionais dos Estados-membros[53] da UE.[54] Todavia, mesmo estes trabalhadores sofrem algumas limitações que não são consideradas discriminatórias, quando aplicadas de forma justificada e dentro de um princípio de razoabilidade. São as denominadas limitações puramente internas, aplicáveis aos empregos na administração pública, bem como aquelas relacionadas às normas de ordem pública, à segurança pública, à saúde, e aos conhecimentos linguísticos.
4.1 Empregos na Administração Pública
Existe uma exceção à regra da livre circulação de trabalhadores, consubstanciada no art. 45º, nº 4, do TFUE, nos seguintes termos: “O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública”. Este preceito legal autoriza os Estados-Membros a preservarem para os seus nacionais os empregos na administração pública. Entretanto, o conceito de administração pública neste diploma legal é vago. Se fosse permitido aos próprios Estados-Membros a formulação deste conceito, eles poderiam estabelecer uma definição tão ampla que colocaria em risco uma grande fonte de emprego.[55] Nesta perspectiva, muitos cargos que podem ser exercidos por trabalhadores da UE estariam disponíveis apenas para os nacionais. Por esta razão, o conceito deveria ser harmonizado para todos os Estados-membros, o que levou o TJUE a se pronunciar a este respeito.
Segundo o TJUE[56], o conceito de administração pública deve ser interpretado de forma mais restrita[57], pois, se fossem levados em consideração todos os postos de trabalho que estão ligados à administração pública, isto implicaria uma grande limitação à circulação dos trabalhadores que, de uma forma ou de outra, prestam serviços a ela. Tem-se entendido, portanto, que tais limitações podem ser impostas às atividades relacionadas às forças armadas, à justiça, e aos cargos que estão ligados à soberania do Estado. Nestes casos, os trabalhadores da União Europeia não têm direito à livre circulação. Contudo, os Estados-Membros, a seu critério, poderão liberar ou não a entrada de trabalhadores não nacionais para estes cargos. Contudo, uma vez que aceitam estes trabalhadores, não pode haver nenhum tipo de discriminação entre os nacionais e os não nacionais.[58]
4.2 Medidas de Ordem Pública, Segurança Pública e Saúde Pública
O Caput do art. 45º, nº 3 TFUE[59] prevê uma limitação à livre circulação dos trabalhadores na União Europeia. Esta limitação tem fundamento na ordem pública, segurança pública e saúde pública. Segundo Fernandes, o Tratado proporciona uma reserva da soberania interna que, com o objetivo de proteção de interesse geral, permite aos Estados-Membros impor tais restrições aos trabalhadores da União.[60]
Podemos observar que o TFUE[61] não estabelece quais critérios deverão ser observados pelos Estados-Membros para a imposição destas limitações, e “nem confere aos órgãos comunitários competência específica para definir esses mesmos critérios”.[62] Diante desta situação, e visando a conter a discricionariedade do Estado-Membro que poderia aproveitar-se para impedir a entrada de trabalhadores no seu Estado, o direito comunitário traçou através das diretivas algumas linhas que impõem limites a esta discricionariedade.
Neste sentido a Diretiva 2004/38 estabeleceu[63] garantias relevantes para assegurar que os Estados-Membros de acolhimento exerçam de forma correta as suas prerrogativas neste domínio. Portanto, eles devem respeitar o princípio da proporcionalidade, e devem se basear exclusivamente no comportamento da pessoa, que deve ser uma ameaça real e eminente, e consideravelmente grave,[64] para que se possa justificar uma limitação à liberdade do trabalhador e de seus familiares.
Um ponto crucial para tomar a decisão de afastar de seu território um cidadão europeu está relacionado nomeadamente com o tempo de permanência, a idade, o estado de saúde, a situação familiar e econômica deste cidadão que se encontra no Estado-Membro de acolhimento[65]. Além disto, a diretiva estabelece que somente são aceitas restrições à liberdade de circulação sob o argumento de proteção da saúde pública se a doença tiver caráter epidêmico, conforme as descrições da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ainda é possível a restrição se a doença for infecciosa, parasitária ou contagiosa, e quando esta esteja prevista como objeto de proteção dos seus nacionais[66].
4.3 Conhecimentos Linguísticos.
Conforme o acima exposto, o princípio da não discriminação tem por objetivo impedir abusos por parte dos Estados-Membros, mas também dos empregadores. Contudo, não será considerado um ato discriminatório exigir que o trabalhador tenha conhecimento do idioma do Estado-Membro de acolhimento, tendo em vista que, em muitos casos, a ausência deste conhecimento prévio pode dificultar ou tornar impossível o exercício de uma atividade laboral. Assim, segundo Gorjão-Henriques, se a atividade que o trabalhador for exercer exigir tais conhecimentos para que haja uma igualdade material entre os trabalhadores, é legitimo que o Estado de acolhimento coloque à prova os conhecimentos linguísticos para saber se aquele tem condições de exercer a atividade naquele Estado-Membro.[67]
5 DA SEGURANÇA SOCIAL: OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA DE COORDENAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL
A proteção social, nomeadamente no que concerne aos sistemas de pensões e saúde, constitui uma preocupação para todos os Estados-Membros. Esta preocupação se justifica porque o “número de reformados está a aumentar na Europa e a proporção relativa de pessoas em idade de trabalhar diminui”.[68] Assim, os Estados-membros necessitam equilibrar as suas finanças públicas, visando a uma equidade intergeracional.[69] Diante desta situação, a UE faz através do método aberto de coordenação (MAC)[70], uma supervisão e uma avaliação de quais serão os impactos das reformas nacionais que visam a adequar as pensões para obter uma sustentabilidade dos regimes a longo prazo, que possibilitem assim uma garantia para as gerações futuras[71]. Estas breves considerações sobre a proteção social são importantes para que, ao tratarmos do sistema de coordenação, possamos perceber claramente a relevância de um sistema sustentável que vise à garantia das gerações que estão por vir.
A livre circulação de trabalhadores nacionais dos Estados-Membros da UE impõe a abolição de obstáculos que possam, de alguma maneira restringir o direito do trabalhador de entrada no mercado de trabalho de outro Estado-Membro. Todavia, apesar desta liberdade garantida pelo TFUE e pelas diretivas supra, estamos ainda diante de uma multiplicidades de regimes de segurança social, uma vez que cada Estado-membro tem o direito de manter as suas próprias regras. Apesar do principio da igualdade impor que estas regras devem ser aplicadas também ao trabalhador não nacional, estes ordenamentos não conseguem, na maioria das vezes, dar uma resposta adequada às questões da proteção social dos trabalhadores migrantes.
Portanto, constata-se que não basta retirar os obstáculos para efetivar o direito à livre circulação. É necessário ainda que sejam conferidas algumas garantias para que os trabalhadores possam exercer esta liberdade de forma ampla e segura, inclusive para os membros de sua família. Neste sentido, é de suma importância um conjunto de regras e de princípios ditados pela UE em matéria de segurança social, pois sem estas garantias podemos afirmar que a livre circulação estaria seriamente ameaçada. Assim, um dos pilares da efetivação desta liberdade “consistiu na criação de um sistema que garantisse aos cidadãos comunitários que se deslocam no seu interior a manutenção dos direitos da segurança social.”[72]
Por que este sistema de coordenação é tão importante para a efetivação da livre circulação dos trabalhadores? Ora, se o trabalhador perdesse os benefícios da proteção social ao mudar de Estado para residir ou trabalhar em outro Estado-Membro, sem poder computar seus períodos de descontos que foram realizados em seu Estado-Membro de origem ou de proveniência, ele ficaria certamente inibido a tal mobilidade. Isto porque ele poderia ser fortemente prejudicado pelas disparidades entre os sistemas nacionais. É por esta razão que um sistema de coordenação torna-se fundamental no campo da segurança social.
Desta necessidade de salvaguardar direitos sociais dos trabalhadores ainda no Tratado de Roma[73], foi estabelecido um sistema de garantias das situações supra citados. Atualmente, os princípios fundamentais do sistema de coordenação estão previstos no art. 48º do TFUE[74]. Quanto ao seu desenvolvimento e à sua aplicação, estão estabelecidos nos Regulamentos nº 883/2004[75]. Estes trazem as definições dos princípios gerais, e também as medidas e procedimentos que devem ser aplicados aos regimes de coordenação dos sistemas nacionais de segurança social. Por sua vez, o Regulamento nº 987/2008[76] regula as circunstâncias da execução.
Aqui, cabe questionar se este sistema de coordenação teria o objetivo de criar um sistema único de segurança social para todos os Estados-Membros da UE. Seria possível a aplicação de um único sistema, mediante tantas diversidades sociais, econômicas ou, ainda, culturais? Perfilhamos o entendimento de que esta legislação da UE que dispõe sobre a segurança social não tem o condão de substituir ou de complementar as normas nacionais[77] de cada Estado-Membro, de forma a criar um sistema único europeu. Além do mais, a pretensão de harmonizar todos os sistemas seria impraticável pela diferença existente entre o nível de vida e os diferentes estágios de desenvolvimento em que que se encontram cada um dos Estados-Membros. A diversidade cultural também influencia a tendência à não unificação do sistema, pois, em muitos Estados, a forma de segurança social já está tão profundamente enraizada, fazendo porte daquela cultura, que seria difícil uma imposição de um sistema único.
Portanto, o sistema legislativo da UE em matéria de segurança social busca coordenar os sistemas nacionais através de regras e princípios comuns[78] para todos os Estados-Membros. Esta coordenação tem como objetivo a proteção das pessoas que têm o direito de livre circulação, evitando-se desta forma uma possível discriminação. Em uma sociedade como a União Europeia, onde as barreiras erguidas pelas fronteiras físicas perderam o sentido, e diante do direito fundamental à livre circulação entre os Estados-Membros, não restam dúvidas sobre a necessidade de um sistema de coordenação da segurança social que possa fomentar a mobilidade dos trabalhadores proporcionando aos mesmos uma garantia efetiva de proteção social.
Os princípios que norteiam o sistema de coordenação de segurança social são, portanto, o princípio da igualdade de tratamento, o princípio da totalização dos períodos de desconto ou de residência, o princípio da proibição da dupla prestação, e o principio da irrelevância da condição de residência ou princípio da exportação. Estes princípios serão analisados individualmente a seguir.[79]
5.1 Princípio da Igualdade de Tratamento
Tendo em vista que já introduzimos o princípio da não discriminação e da igualdade, na seção anterior, cabe portanto aqui fazer apenas algumas considerações sobre a relevância de sua aplicação no sistema de coordenação da segurança social. Como vimos anteriormente, o princípio da igualdade de tratamento entre os nacionais e os migrantes pretende evitar que a nacionalidade seja um obstáculo à livre circulação dos trabalhadores.
Segundo Fernandes, este princípio é de aplicação direta, ou seja, o mesmo não deve ser condicionado a qualquer tipo de norma, seja da União, seja interna, de forma a vincular as entidades públicas ou privadas. Por ser um princípio de aplicação direta “impõe ao juiz a obrigação de eliminar as discriminações existentes na ordem jurídica interna sem ter de solicitar ou esperar pela intervenção prévia do legislador, da entidade administrativa ou da autonomia normativa social”.[80] Portanto, este princípio é incondicional, uma vez que, independentemente do período em que o trabalhador migrante exerceu a sua atividade assalariada ou independente no Estado-Membro de acolhimento, ele tem direito às prestações sociais.
Sem este princípio, seria certamente difícil uma coordenação entre os sistemas, pois sabemos que as prestações sociais têm um alto custo para os Estados-Membros. O que poderia levar a uma discriminação dos trabalhadores migrantes visando a uma proteção dos nacionais.
5.2 Princípio da Totalização dos Períodos de Desconto ou de Residência
Para que o trabalhador possa ter direitos às prestações, ele deve preencher alguns requisitos, tais como os períodos de seguro, de emprego ou de residência. Devido a esta necessidade de preencher os requisitos à mobilidade do trabalhador inscrito no sistema nacional, esta poderia repercutir de forma negativa nas referidas prestações, quando não conseguir satisfazer os requisitos que são exigidos nos Estado-Membros de acolhimento, nomeadamente nos que exijam um período de longa duração.
Assim, o princípio da totalização dos períodos[81] de desconto ou de residência impõe que o Estado-membro de acolhimento deve considerar o tempo em que o trabalhador efetuou descontos, trabalhou ou residiu em outro Estado-membro conjuntamente com o período do Estado de acolhimento, para implementar as condições para a aquisição das prestações, assim como para o cálculo do valor destas.[82]
Através destes princípios, a União garante ao trabalhador migrante a conservação dos direitos que foram adquiridos ao longo de sua vida, ainda que estes tenham sido acumulados em diversos regimes nacionais de segurança social, uma vez que considera a totalização destes períodos seguindo o que estabelece cada um deles. Impende ressaltar que este principio “não é só para efeitos de aquisição, mas também à respectiva manutenção e cálculo, deste modo, todos os períodos de seguro ou inscrição cumpridos ao abrigo dos diversos sistemas são considerados como estando sujeitos a uma única legislação.”[83] Portanto, este sistema permite ao trabalhador obter uma pensão nos mesmo moldes que receberia se não tivesse usufruído do seu direito à livre circulação[84].
Conforme discutimos anteriormente, o Regulamento 987/2009 estabelece as modalidades para a execução do Regulamento 883/2004. Temos que a aplicação do princípio da totalização está prevista no art. 12º e as regras de conversão dos períodos estão previstas no art. 13º.[85] Um ponto relevante dentro da análise destes princípios está relacionado à liquidação das prestações da segurança social. Esta liquidação será feita pro rata temporis, isto é será feita uma divisão entre os Estados-Membros em causa de forma proporcional ao período de inscrição em cada um deles.[86] Segundo Fernandes, o beneficiário que esteve segurado em diversos Estados-Membros receberá de cada um deles uma parcela proporcional ao tempo em que ficou submetido àquele sistema jurídico, especialmente no que diz respeito às pensões por velhice ou sobrevivência, que são as de longa duração.[87]
Para proceder com a liquidação, deve-se observar o que estabelece o art. 52º do Regulamento 883/2004. Assim, se o beneficiário preencher todos os requisitos necessários em um único Estado-Membro para receber a prestação sem necessitar recorrer à soma de outros períodos, ele estará submetido integralmente a este regime jurídico.[88] O Regulamento estabelece ainda que o beneficiário tem o direito de receber de cada Estado-Membro em questão o montante mais elevado que foi calculado, de acordo com as alíneas “a” e “b” do nº 1.[89]
5.3 Princípio da Proibição da Dupla Prestação
Este princípio visa a impedir que o cidadão que usufruiu do seu direito à livre circulação obtenha vantagens especiais. Assim, tal princípio impõe a proibição da dupla prestação, que impede que o trabalhador migrante que trabalhou em dois ou mais Estados-Membros durante um certo e determinado período de garantia, não venha a adquirir direitos a várias prestações simultâneas do mesmo tipo.
5.4 Princípio da Irrelevância da Condição de Residência ou Princípio da Exportação
O TFUE consagra ainda no seu art. 48º alínea 'b”[90] o princípio da irrelevância da condição de residência. Por este princípio, o beneficiário tem o direito de receber as suas prestações no local da sua residência, ainda que esta não seja no Estado-Membro devedor da prestação. Este princípio protege ainda o trabalhador da não discriminação em razão da nacionalidade, pois mantém o direito à livre circulação, protegendo os beneficiários contra os prejuízos que poderiam sofrer em virtude de terem mudado de residência para outro Estado-Membro.[91]
O beneficiário da prestação ou membro da família receberá sem nenhum prejuízo as prestações a que tem direito, ainda que não esteja mais residindo no Estado-Membro em que se localiza a instituição que deve cumprir com esta obrigação. Portanto, o beneficiário não fica condicionado a se manter em um determinado local por conta destes benefícios.[92]
Diante deste princípio, impede-se que os Estados-Membros devedores das prestações se reservam o direito de pagá-las somente para os residentes em seu território. Contudo, é importante ressaltar que há uma diferença entre a prestação pecuniária e a prestação em espécie[93]. Esta última é geralmente concedida nas condições previstas e aplicáveis no próprio território de acolhimento.[94]
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve o objetivo de estudar o princípio da livre circulação dos trabalhadores dentro do território dos Estados-Membros da UE. Para entendermos o que é este princípio e quais as consequência deste direito fundamental que tem o cidadão europeu, iniciamos pela delimitação do nosso campo de estudo, tratando apenas dos trabalhadores que se encontram juridicamente subordinados e economicamente dependentes, para então analisarmos a liberdade de circulação. Podemos observar que, ao ser implementado, este princípio passou por uma fase de transição. Em um primeiro momento, era reservada para os nacionais de cada Estado-Membro a prioridade para o preenchimento da oferta de emprego. Esta reserva para os nacionais constitui o princípio da preferência nacional. Tal princípio decorreu da preocupação de uma possível migração em sentido único, pois à época da assinatura do Tratado de Roma havia uma grande disparidade nos índices de desemprego entre os países que assinaram o Tratado.
Passada esta fase de transição, a liberdade de circulação tornou-se mais ampla, pois as ofertas de emprego podiam ser preenchidas por qualquer trabalhador da Comunidade. Para a real efetivação desta liberdade, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade foram de extrema importância, tendo em vista que sem estas garantias o trabalhador se sentira inibido na busca de trabalho e de residência em outro Estado-Membro. O princípio da não discriminação, nomeadamente nas questões relacionadas ao salário e às condições de emprego, foi fundamental para evitar que estes trabalhadores migrantes fossem colocados em situações precárias.
Contudo, esta liberdade de circulação poderia gerar situações de desequilíbrio, principalmente em relação ao pagamento das prestações sociais, uma vez que a mobilidade poderia acarretar custos desproporcionais para o Estado-Membro de acolhimento, ou ainda um prejuízo para o trabalhador que, por ter usufruído da liberdade de circulação, poderia ter suas prestações sociais reduzidas. Com o objetivo de evitar estas situações de encargos desarrazoados para o Estado ou de prejuízo para o trabalhador, a União constituiu um sistema de coordenação da segurança social.
Com vimos, este sistema não pretende unificar, nem substituir os sistemas nacionais relacionados a esta matéria. Este sistema visa a coordená-los, de tal forma que o trabalhador terá totalizados todos os períodos em que trabalhou nos diversos Estados-Membros, garantindo ainda que o pagamento das prestações sociais será realizado de forma proporcional, ou seja, cada Estado-membro em causa pagará a sua cota parte de acordo com o período em que o trabalhador esteve em seu território. Este sistema permite também que o trabalhador receba as suas prestações no seu local de residência. Portanto, este não está obrigado a permanecer no território do Estado devedor. Por fim, impede o acúmulo do pagamento de prestações.
Diante de todo o exposto, concluímos que a liberdade de circulação de trabalhadores pode contribuir significativamente para a melhoria das condições de vida e de trabalho. Isto porque o trabalhador não está mais limitado ao seu Estado, uma vez que pode responder a ofertas de emprego, ou procurar emprego em todo o território dos Estados-membros, o que amplia, sem dúvida, as suas possibilidade de recolocação no mercado de trabalho. O princípio da livre circulação de trabalhadores é um direito fundamental que pode ser exercido pelos cidadãos da União. Assim, não poderão ser impostas limitações/restrições a esta liberdade para além das que já estão previstas no Tratado e nas Diretivas, pois seria uma grave violação a este princípio.
Informações Sobre o Autor
Neiva Schuvartz Guimarães
Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Milton Campos; especialista em Negócios Internacionais pela Faculdade PUC Minas; graduada em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte e graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Newton Paiva. Atualmente é Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Pós-Graduação em Direito de Empresa do Centro Universitário Newton Paiva. É professora de Direito do Trabalho e de Introdução ao Estudo do Direito da Nova Faculdade. É sócia – Schuvartz Guimarães Advogados Associados